Sumário: Cria o Parque Natural Marinho do Recife do Algarve - Pedra do Valado.
A área marinha da costa de Albufeira, Lagoa e Silves constitui uma das zonas mais ricas em termos de biodiversidade a nível nacional, beneficiando de condições oceanográficas particulares. É aqui que se localiza a Pedra do Valado, o maior recife costeiro do Algarve e um dos maiores de Portugal, que apresenta valores naturais ímpares no contexto da costa portuguesa. Em termos de localização e delimitação geográficas compreende a área entre o Farol de Alfanzina, limite oeste, e a marina de Albufeira, limite este, estendendo-se até ao limite da batimétrica de cerca de 50 m, totalizando uma área de aproximadamente 156 km2.
Das 1294 espécies de fauna e flora reportadas na costa algarvia, 889 foram identificadas na Pedra do Valado, das quais 703 são invertebrados, 111 são peixes e 75 são espécies de algas. Além do elevado número de espécies presentes, 24 têm estatuto de conservação, entre as quais os cavalos-marinhos Hippocampus spp. e o mero Epinephelus marginatus. A singularidade desta área marinha é ainda reforçada pela descoberta de 45 novas ocorrências de espécies para Portugal e de 12 novas espécies para a ciência que não são conhecidas noutro local.
Os fundos deste recife são, em parte, constituídos por uma restinga submersa entre os 13 e os 25 m abaixo do nível médio do mar e que atesta uma linha de costa antiga. Os recifes rochosos, ou recifes naturais, são um dos habitats designados na Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, na redação dada pela Diretiva 97/62/CE do Conselho, de 27 de outubro de 1997. Dos sete novos habitats identificados em toda a costa sul do Algarve para o sistema de classificação Europeu EUNIS (European Nature Information System), seis ocorrem nesta área marinha, com destaque para os jardins de gorgónias, as comunidades de algas castanhas e calcárias e os bancos de ofiurídeos. Além dos jardins de gorgónias, existem mais dois habitats sob estatuto de proteção pela Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (Convenção OSPAR) designadamente as pradarias de ervas marinhas Cymodocea nodosa e os bancos de Maerl algas calcárias.
Do ponto de vista oceanográfico, a zona entre Albufeira e Armação de Pêra apresenta características particulares, quer a nível abiótico, quer a nível biótico, que favorecem o crescimento e a sobrevivência das larvas de peixe, nomeadamente de sardinha.
Nesta área foi demonstrada a ocorrência de uma biodiversidade particularmente relevante em aproximadamente 4 km2, que corresponde à principal extensão do recife e que foi considerada um hotspot de biodiversidade.
A par do significado ecológico dos habitats e da biodiversidade deste recife do Algarve, os municípios de Albufeira, Lagoa e Silves, designadamente as suas comunidades locais, registam uma economia ligada ao mar que representa um dos maiores ativos destes concelhos. Neste recife natural desenvolvem-se atividades de pesca comercial e lúdica e atividades marítimo-turísticas com importância económica e social ao nível das comunidades locais, as quais beneficiam do bom estado ambiental e funcional do ecossistema marinho, pressupostos essenciais para a sustentabilidade social e económica da atividade humana nesse território.
Contudo, a preservação da biodiversidade e dos habitats nesta área marinha está ameaçada pela inexistência de regras que interditem ou condicionem as atividades humanas desenvolvidas no local. É, pois, reconhecida a necessidade de regular o acesso e o uso desta área marinha pelos diversos utilizadores, nomeadamente através da sua classificação como uma área protegida, promovendo a sustentabilidade das atividades de pesca e marítimo-turísticas através da preservação do capital natural. A classificação desta área como parque natural, tendo um âmbito nacional, impõe, por força da lei, a existência de um programa especial no qual se definem, de acordo com a importância dos valores e recursos naturais presentes e a respetiva sensibilidade ecológica, áreas de proteção total, de proteção parcial e de proteção complementar. Os prejuízos decorrentes das limitações resultantes da definição dessas áreas, ainda que impostas por razões de interesse público, não podem deixar de ser indemnizados, atendendo ao grau de afetação do interesse sacrificado que esteja em causa.
Assim, considerando que esta área marinha apresenta características únicas ao nível do património natural que justificam um estatuto de proteção abrangente e integrado, e de forma a garantir a proteção da natureza e a sustentabilidade ecológica das atividades económicas e sociais aí desenvolvidas, justifica-se a classificação como parque natural marinho e, dentro deste, a delimitação de uma área de reserva integral.
A importância de atribuir uma proteção máxima numa área da Pedra do Valado com cerca de 4 km2, onde existe maior biodiversidade marinha, foi um dos aspetos mais salientados na discussão pública realizada, fundamentando a demarcação da área de reserva integral no interior do parque natural marinho, com o objetivo de manter os processos naturais num estado dinâmico e evolutivo, sem o desenvolvimento de atividades humanas regulares.
Acresce que esta classificação dá cumprimento ao compromisso nacional e internacional que Portugal tem quanto à proteção legal de, pelo menos, 30 % do espaço marítimo sob jurisdição nacional, previsto na Estratégia de Biodiversidade da União Europeia para 2030, e assumido na Conferência das Nações Unidas dos Oceanos de 2022 e na 15.ª Conferência das Partes (COP) das Nações Unidas, no âmbito da Convenção para a Diversidade Biológica realizada no final de 2022. Está, além disso, em alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, previstos na Agenda 2030 das Nações Unidas, nomeadamente o Objetivo 14: Proteger a Vida Marinha.
A iniciativa de criação desta área protegida teve origem na sociedade civil, processo iniciado no final de 2018, com ampla participação representativa das entidades locais, regionais e nacionais mais diretamente interessadas.
Foram ponderados os resultados da discussão pública e foram ouvidos os Municípios de Albufeira, Lagoa e Silves.
Assim:
Nos termos dos artigos 10.º, 11.º, 14.º, 17.º e 22.º do Decreto-Lei 142/2008, de 24 de julho, na sua redação atual, e da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Classificar a área da Pedra do Valado, no Recife do Algarve, como parque natural marinho, assumindo a denominação de Parque Natural Marinho do Recife do Algarve - Pedra do Valado, adiante designado por Parque Natural Marinho.
2 - Determinar que o Parque Natural Marinho engloba uma área de reserva integral.
3 - Estabelecer que o Parque Natural Marinho e a área de reserva integral referida no número anterior têm os limites constantes dos anexos i e ii da presente resolução e da qual fazem parte integrante.
4 - Fixar que constituem objetivos específicos do Parque Natural Marinho:
a) Salvaguardar e recuperar de forma eficaz os valores naturais e a saúde dos ecossistemas existentes, particularmente dos mais sensíveis e ameaçados;
b) Promover a pequena pesca das comunidades locais de forma sustentável;
c) Garantir a sustentabilidade das atividades marítimo-turísticas e recreativas;
d) Reduzir as fontes de poluição com efeitos na área protegida;
e) Promover as atividades educativas e culturais relacionadas com o oceano;
f) Estabelecer um modelo de cogestão com vista à gestão participada, adaptativa e eficiente, que promova a conservação da natureza e a gestão sustentável da pesca e do turismo, assim como o bem-estar das populações;
g) Promover a investigação científica e o conhecimento sobre os valores naturais e os ecossistemas da área protegida, bem como a monitorização efetiva dos seus habitats, espécies e funções ecológicas e dos impactos ambientais das atividades humanas existentes.
5 - Determinar que o Parque Natural Marinho é gerido pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P. (ICNF, I. P.), que assegura os recursos financeiros, materiais e humanos necessários.
6 - Estabelecer que, dentro dos limites do Parque Natural Marinho, são interditas as seguintes ações, atos e atividades:
a) A colheita, corte, captura ou detenção de exemplares de quaisquer espécies vegetais ou animais sujeitas a medidas de proteção legal, bem como a destruição dos seus habitats naturais, com exceção das ações de âmbito científico e de gestão da área protegida devidamente autorizadas;
b) As dragagens e a extração de inertes com fins comerciais;
c) A construção de recifes artificiais ou esporões;
d) A deposição de dragados, entulhos, inertes ou resíduos sólidos, bem como o vazamento ou abandono de lixos e de sucatas;
e) A instalação de explorações de aquacultura marinha e armações de pesca;
f) O lançamento de efluentes não tratados;
g) A pesca comercial sem licença específica atribuída pela Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) de acordo com os critérios de atribuição fixados por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das pescas e da conservação da natureza;
h) A pesca comercial com artes arrastantes, incluindo a ganchorra e a xávega;
i) A introdução, repovoamento ou manutenção de espécies da fauna ou da flora marinhas não indígenas;
j) A utilização de quaisquer substâncias tóxicas, exceto quando integradas em ações de conservação da natureza e de investigação científica devidamente autorizadas;
k) A utilização de quaisquer substâncias poluentes ou de explosivos;
l) A captura de organismos marinhos com o auxílio de escafandro autónomo ou de qualquer outro meio auxiliar de respiração, exceto quando integradas em ações de conservação da natureza e de investigação científica devidamente autorizadas;
m) A realização de provas competitivas motorizadas;
n) A apanha comercial de espécies marinhas, nomeadamente algas;
o) A realização de atividades pirotécnicas.
7 - Definir que, sem prejuízo dos pareceres, das autorizações ou das aprovações legalmente exigíveis, na área do Parque Natural Marinho ficam sujeitos a autorização do ICNF, I. P., as seguintes ações, atos e atividades:
a) A colheita, corte, captura, detenção ou danificação de exemplares de quaisquer espécies vegetais ou animais não sujeitas a medidas de proteção legais ou não protegidas, bem como a afetação dos seus habitats;
b) A alteração da linha de costa, a alimentação de praias e dragagens em situações de estrita necessidade;
c) A abertura do cordão dunar da foz da ribeira de Alcantarilha;
d) A pesca comercial e a pesca lúdica, incluindo a partir de embarcação, nos termos fixados por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das pescas e da conservação da natureza, sem prejuízo das interdições constantes das alíneas e), h) e n) do número anterior;
e) A instalação de estruturas, fixas ou amovíveis;
f) A captação de água;
g) A investigação científica e as ações de monitorização ambiental, bem como as ações de conservação da natureza e de salvaguarda dos valores naturais;
h) Exercícios militares e de proteção civil, à exceção dos que envolvam apenas o sobrevoo por sistemas aéreos não tripulados;
i) Atividades marítimo-turísticas;
j) A realização de provas desportivas não motorizadas e de atividades recreativas organizadas.
8 - Determinar que as autorizações referidas no número anterior são conferidas quando as ações, os atos e as atividades não comprometam a preservação do património natural, a sustentabilidade ou a utilização racional dos recursos naturais e as funções dos ecossistemas.
9 - Fixar que constituem objetivos específicos da área de reserva integral manter os processos naturais num estado dinâmico e evolutivo, sem o desenvolvimento de atividades humanas regulares.
10 - Determinar que na área de reserva integral o acesso só é permitido para as atividades de investigação científica, monitorização ambiental e visitação, mediante autorização prévia do ICNF, I. P.
11 - Determinar que o Parque Natural Marinho dispõe de um programa especial, a elaborar pelo ICNF, I. P., nos termos do artigo 23.º do regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade, aprovado pelo Decreto-Lei 142/2008, de 24 de julho, em articulação com a DGRM e o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I. P.
12 - Determinar que a presente resolução entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
Presidência do Conselho de Ministros, 23 de novembro de 2023. - O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.
ANEXO I
(a que se refere o n.º 3)
Os limites marinhos do Parque Natural Marinho começam a poente na linha de água junto do Farol de Alfanzina, ponto 1 do mapa anexo com as coordenadas -8º26'33.14"W e 37º5'9.284"N; segue até ao ponto 4, a sul do mesmo meridiano, com as coordenadas 8º26'31.14"W e 36º59'58.89"N e que dista da costa 5,2 milhas náuticas; daqui segue o paralelo 36º59'58.89"N até ao ponto 3 (8º15'40.50"W e 36º59'58.89"N) a cerca de 4,8 milhas náuticas de costa; fechando a área a norte, no molhe oeste da Marina de Albufeira no ponto 2 assinalado no mapa anexo, de coordenadas -8º15'40.49"W e 37º4'49.17"N; o limite do Parque Natural Marinho segue para ocidente pela linha de máxima preia-mar de águas vivas equinociais, até ao Farol de Alfanzina.
O limite da área de reserva integral começa a poente no ponto 5 (37º3'6,56"N e 8º20'3,48"W), deste segue para o ponto 6 (37º3'6,53"N e 8º18'42,59"W), daqui para o ponto 7 (37º2'2,17"N e 8º18'43,03"W), deste para o ponto 8 (37º2'2,04"N e 8º20'3,71"W), fechando o polígono novamente no ponto 5 (37º3'6,56"N e 8º20'3,48"W).
ANEXO II
(a que se refere o n.º 3)
117208267