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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 14/2023, de 14 de Dezembro

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Sumário

Acórdão do STA de 28-09-2023, no Processo n.º 17/22.4BALSB - Pleno da 2.ª Secção Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: «A comunicação ao adquirente prevista no art. 78.º, n.º 11, do CIVA, 'para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efetuada', não se impõe nos casos em que as sociedades devedoras, na sequência da declaração de insolvência, foram já dissolvidas e extintas e não há qualquer indício de que tenham prosseguido a actividade após a data da extinção.»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 14/2023

Sumário: Acórdão do STA de 28-09-2023, no Processo 17/22.4BALSB - Pleno da 2.ª Secção Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: «A comunicação ao adquirente prevista no art. 78.º, n.º 11, do CIVA, 'para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efetuada', não se impõe nos casos em que as sociedades devedoras, na sequência da declaração de insolvência, foram já dissolvidas e extintas e não há qualquer indício de que tenham prosseguido a actividade após a data da extinção.».

Acórdão do STA de 28-09-2023, no Processo 17/22.4BALSB - Pleno da 2.ª Secção

1 - RELATÓRIO

1.1 - A AT veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 22 de Dezembro de 2021 no processo 78/2021-T (1) pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por oposição com o acórdão de 6 de Maio de 2019 da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 939/12.0BEBRG (2), transitado em julgado, tendo apresentado alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A. A questão em dissenso formula-se nos seguintes moldes:

O ónus de comunicar a regularização do IVA ao adquirente devedor previsto no n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA é aplicável nos casos em que o adquirente devedor se tenha extinguido juridicamente em momento posterior ao crédito se ter tornado incobrável nos termos do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA?

B. O presente recurso vem interposto nos termos do n.º 1 do art. 152.º do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e n.º 2 do art. 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), e tem por objecto a Decisão Arbitral proferida no processo 78/2021-T CAAD pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por se encontrar em contradição com o acórdão fundamento, proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, a 06-05-2019, no processo 0939/12.0BEBRG, no segmento decisório em que entendeu verificar-se o incumprimento da obrigação de comunicação ao devedor adquirente prevista no artigo 78.º n.º 11 do Código do IVA (CIVA) e que tal incumprimento tornava ilegítima a regularização efectuada pelo sujeito passivo nos termos do artigo 78.º n.º 7 do CIVA.

C. Ora, a decisão arbitral sob recurso entendeu que:

«Parece-nos, em concordância com a Requerente, que, nos casos sobre os quais incidiram as liquidações adicionais aqui impugnadas, não era obrigatória a comunicação prevista no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, pelo que a data em que as mesmas foram enviadas não preclude o exercício do direito à regularização».

D. Por seu turno, na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, a 06-05-2019, no processo 0939/12.0BEBRG, convocada como fundamento, entendeu o seguinte:

«No caso dos autos, a impugnante, ora recorrida, não cumpriu o pressuposto, estabelecido no n.º 11 do artigo 78.º do IVA, da comunicação à devedora insolvente da intenção de proceder à anulação do IVA, em tempo oportuno, pelo contrário, fê-lo em data posterior à extinção da devedora o que torna tal comunicação juridicamente irrelevante, conforme refere a Exma. Magistrada do MP»

E. In casu, estão verificados os requisitos de admissibilidade deste recurso, designadamente:

. as situações de facto são substancialmente idênticas;

. há identidade na questão fundamental de direito; e,

. nos dois arestos foi perfilhada solução oposta, ambas de formas expressa;

F. A decisão arbitral recorrida julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela sociedade A..., S. A., determinando a anulação de liquidações adicionais emitidas pela AT na sequência de procedimento inspectivo, com fundamento no incumprimento do dever de comunicação ao devedor adquirente da regularização de IVA, previsto no n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA (doravante, CIVA) respeitante a créditos considerados incobráveis nos termos do n.º 7 do mesmo artigo.

G. De acordo com o Relatório de Inspecção Tributária (RIT), o incumprimento do ónus de comunicar as regularizações, previsto no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, deveu-se ao facto de o sujeito passivo ter enviado as comunicações aos respectivos adquirentes devedores sociedades comerciais quando estes já se haviam extinguido juridicamente por encerramento da liquidação e cancelamento da matrícula, o que, no entender dos Serviços de Inspecção Tributária (SIT), tornou tais comunicações ineficazes.

H. Também no acórdão fundamento, a liquidação impugnada teve como fundamento comunicações enviadas com intenção de dar cumprimento ao n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, mas que o foram já após a morte jurídica do seu destinatário, i.e. após o encerramento da respectiva liquidação e consequente cancelamento da matrícula.

I. Em causa, em ambos os processos, está a aplicabilidade do n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, enquanto requisito do direito à regularização de IVA a favor do sujeito passivo, a casos em que os adquirentes devedores se extinguiram juridicamente após o respectivo crédito se considerar incobrável à luz do n.º 7 do mesmo artigo.

J. Resulta, assim, demonstrada a identidade da questão fundamental de direito na decisão recorrida e no acórdão fundamento, já que em ambos, em concreto, foi decidida a mesma questão de direito, a saber se é de admitir a regularização de IVA quando a comunicação prevista no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA foi efectuada quando o adquirente devedor já se havia extinguido juridicamente.

K. Perante situações factualmente idênticas, a decisão recorrida entendeu não ser aplicável o ónus de comunicar a anulação do imposto prevista no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, com fundamento no facto de o adquirente devedor não ser sujeito passivo à data da regularização, enquanto o acórdão fundamento entendeu que «a formalidade indevidamente cumprida, que se afigura "ad substanciam", impede a legalidade da regularização do IVA efectuada pelo credor e consequentemente o provimento do recurso».

L. Nestes termos, lê-se no recurso fundamento, o seguinte:

«No caso dos autos, a impugnante, ora recorrida, não cumpriu o pressuposto, estabelecido no n.º 11 do artigo 78.º do IVA, da comunicação à devedora insolvente da intenção de proceder à anulação do IVA, em tempo oportuno, pelo contrário, fê-lo em data posterior à extinção da devedora o que torna tal comunicação juridicamente irrelevante, conforme refere a Exma. Magistrada do MP.

Acompanha-se ainda o MP quando afirma que "face às vicissitudes do processo de insolvência que ... não poderia ignorar, impunha-se que, independentemente da data da regularização do IVA, procedesse à comunicação à devedora insolvente da intenção de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processo de insolvência, pelo menos em data anterior à do encerramento da liquidação, ou seja anteriormente à morte jurídica da devedora, ... o que não o fez" sendo caso "para dizer que, se não o fez, no momento próprio e juridicamente relevante, sibi imputet"».

M. Em suma, entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por nova decisão que, definitivamente, decida a questão controvertida, nos termos do entendimento propugnado pela AT em sede arbitral, bem como de acordo com a fundamentação invocada no acórdão fundamento, a cujo teor se adere na totalidade. Senão vejamos,

~I~

N. O tribunal arbitral fundamentou a sua decisão com recurso à argumentação que julgamos poder resumir da seguinte forma:

i) Começou por aderir à argumentação da então Requerente, segundo a qual o pressuposto do direito à regularização do IVA previsto no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA apenas existe quando o adquirente devedor seja sujeito passivo no momento da regularização.

ii) De seguida, escorou a sua decisão no argumento de que a extinção do adquirente devedor configuraria uma situação de incobrabilidade de crédito que, embora não conste do elenco do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, deverá sempre legitimar a sua regularização a favor do sujeito passivo.

iii) O tribunal arbitral entendeu ainda que a comunicação prevista no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA «não pode ser aplicada aos casos de sociedades dissolvidas e extintas», nomeadamente "para efeitos de rectificação inicialmente efectuada", porque «a aplicação desta formalidade a sociedades que já não existem no momento em que o sujeito passivo credor toma conhecimento da respectiva dissolução é impraticável, não sendo possível proceder à comunicação mencionada no artigo».

O. Importa desde já clarificar um ponto, que se nos afigura transversal a todos os elementos da presente questão:

P. Quando os créditos se tornam incobráveis nos termos do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, os respectivos adquirentes devedores não se encontram juridicamente extintos - o sujeito passivo é que exerceu o seu direito à regularização em momento em que aqueles já se extinguiram juridicamente. Como ressalta do probatório, no caso sub judice, vários meses separaram a data em que os créditos passaram a poder qualificar-se como incobráveis para efeitos de IVA e a data das malogradas comunicações às entidades entretanto extintas.

Q. Resulta da tese preconizada pelo tribunal a quo que, se o adquirente devedor já não tiver o estatuto de sujeito passivo no momento em que sujeito passivo decide exercer o direito à regularização de IVA de crédito considerado incobrável nos termos do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, então o sujeito passivo não é obrigado a comunicar a anulação do IVA nos termos do n.º 11 daquele artigo.

R. O tribunal arbitral não diz expressamente quais os motivos por que entende que a Recorrida tem razão a este respeito. Depois de rebater os argumentos da AT relativamente à tese expendida pela então Requerente e de passar ao argumento da "incobrabilidade definitiva" (que analisaremos abaixo), afirma apenas: «Parece-nos, em concordância com a Requerente, que, nos casos sobre os quais incidiram as liquidações adicionais aqui impugnadas, não era obrigatória a comunicação prevista no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, pelo que a data em que as mesmas foram enviadas não preclude o exercício do direito à regularização».

S. Teremos assim de concluir que os fundamentos perfilhados pelo tribunal arbitral para entender que o n.º 11 do artigo 78.º do CIVA não é pressuposto de regularização quando o adquirente não seja sujeito passivo no momento da regularização, são idênticos aos que a Recorrida expôs no pedido de pronúncia arbitral.

T. Compulsado o pedido de pronúncia arbitral, constata-se que a Requerente, quanto à questão concreta de o adquirente ter de ser sujeito passivo no momento da regularização, se atém ao elemento literal da norma materializada no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, que, para facilidade de exposição, reproduzimos:

«11 - No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada, devendo esta comunicação identificar as facturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efectuada». (Negrito nosso)

U. No ponto 84. do pedido de pronúncia arbitral, a Requerida expõe a sua interpretação desta norma, nos termos que se transcrevem:

«Da leitura desta norma legal inferem-se, então, duas conclusões:

i. A obrigação de comunicação constante da norma do n.º 11 do art. 78.º do CIVA reveste a natureza de um requisito material e substantivo que o credor tem de cumprir para exercer o seu direito à regularização;

ii. Esta obrigação é apenas exigível nos casos em que o adquirente devedor é sujeito passivo de IVA (no momento da regularização de imposto a promover pelo credor)».

V. Assim, segundo a Recorrida (e a decisão arbitral, por adesão aos argumentos daquela), a qualidade de sujeito passivo tem de ser verificar no momento da regularização («os casos em que o devedor é (ainda) sujeito passivo») e que «a alegada violação do cumprimento do requisito da norma constante do n.º 11 do art. 78.º do CIVA não se verifica nos processos de insolvência e execução em análise, porquanto este requisito apenas assume a natureza de requisito "ad substanciam" nos casos em que os devedores sejam sujeitos passivos de IVA à data da regularização de imposto na esfera do credor, o que, comprovadamente, não se verifica neste caso».

W. A ora Recorrente, na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, rejeitou esta interpretação, argumentando que a referência à condição de "sujeito passivo" no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA não pode deixar de ser interpretada como se referindo ao momento da operação, não fazendo sentido que se reporte ao momento da regularização.

X. Quando muito, em alternativa, o sentido que se poderia extrair daquele n.º 11 do artigo 78.º é que a condição de sujeito passivo seria exigível no momento em que os créditos se tornam incobráveis, e não, como pretende a decisão recorrida, no momento da regularização - caso contrário, a aplicação daquele ónus ficaria dependente do momento em que o sujeito passivo entendesse regularizar o crédito, dentro do período de 4 anos previsto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA - o que se mostra completamente irreconciliável com a teleologia da norma.

Y. Com efeito, se é verdade que há demasiadas razões para se entender que a referência a sujeito passivo, naquele preceito, se reporta à data da operação, não existem quaisquer razões lógicas, para além do elemento literal (que, pela sua ambiguidade, não deixa também de sustentar a posição da AT), que suportem o entendimento de que se reporta ao momento da regularização.

Z. De resto, nem a decisão arbitral se preocupa em no-las fornecer, além da tentativa de contraditar os argumentos da ora Recorrente - em vão, porém.

AA. A verdade é que, na perspectiva do Estado, enquanto sujeito activo da relação tributária, pouco importa que, à data da regularização, o adquirente devedor a quem seja comunicada a regularização seja (ou não) sujeito passivo.

BB. Quer a Recorrida, quer o Tribunal Arbitral, entendem que reportar a necessidade de o adquirente ter o estatuto de sujeito passivo ao momento da operação é inconsequente, porquanto, aquela comunicação apenas se revelaria útil se o seu destinatário fosse sujeito passivo no momento em que a recebe.

CC. Neste sentido, lê-se na decisão recorrida:

«Por outro lado, o argumento da AT de que a qualidade de sujeito passivo referida no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA deve reportar-se ao momento em que é realizada a operação e em que, por conseguinte, surge no adquirente o direito a deduzir o IVA correspondente, porque o que leva o legislador a referir, no n.º 11 do artigo 78.º CIVA, que a regularização deve ser comunicada aos adquirentes sujeitos passivos é a expectativa de que, em tais operações, haverá dedução do IVA, não faz, salvo melhor opinião, qualquer sentido. Com efeito, essa "expectativa" do legislador, ainda que fosse relevante, já estaria frustrada pela circunstância de o adquirente ter deixado de ser sujeito passivo de IVA - sendo que não parece fazer sentido ignorar que tal aconteceu para acautelar uma "expectativa" criada no momento em que teve lugar a operação tributável. Porque é que se deveria onerar o sujeito passivo que vê reunidas as condições para proceder à regularização com essa obrigação de comunicação se dela já nada vai resultar de útil?» destaques nossos

DD. Sucede que, não só em lado nenhum na legislação se pode encontrar respaldo para tal tese - a de que as regularizações a favor do Estado só obrigam a quem mantenha a condição de sujeito passivo no momento da regularização -, como tal se mostra inteiramente contrário à lógica do imposto.

EE. Com efeito, se a obrigação de regularizar o IVA a favor do Estado se aplicasse apenas ao adquirente que tivesse actividade aberta em IVA no momento em que o seu fornecedor lhe comunica a anulação do crédito, estar-se-ia na prática a reconhecer aos sujeitos passivos adquirentes o poder potestativo de extinguirem a pretensão tributária sobre o IVA previamente deduzido e que o Estado teve de devolver ao fornecedor.

FF. Bastava-lhes cessar actividade e deixar de praticar operações tributáveis para que o erário público ficasse irremediavelmente privado daquele montante de imposto.

GG. Na realidade, a formalização do fim do exercício de uma actividade económica que ocorre com a entrega da respectiva declaração de cessação de actividade pelo próprio sujeito passivo, ou oficiosamente pela AT (artigos 33.º e 34.º do Código do IVA), não opera nem poderia operar a extinção da obrigação de regularizar o IVA.

HH. E assim é também, mesmo que o adquirente devedor, após cessar a actividade, deixe de ser sujeito passivo não só em termos cadastrais, mas também materialmente, nos termos do artigo 2.º do CIVA.

II. Aliás, nos casos em que o adquirente devedor fosse sujeito passivo apenas na acepção do artigo 2.º do CIVA, mas não tivesse actividade aberta no cadastro da AT, seria porventura justo obrigar o sujeito passivo a efectuar a comunicação prevista no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA? - impondo-lhe o ónus de saber se o adquirente numa operação que poderia ter ocorrido há dois anos atrás continua a praticar uma actividade económica sujeita a IVA, embora não declarada?

JJ. A este respeito, recorde-se que tão-pouco a dissolução de sociedade comercial e posterior cessação oficiosa de actividade (nos termos do artigo 65.º, n.º 3, do CIRE) tem por efeito a extinção das pretensões tributárias (3) [(3) Aliás, nem a morte jurídica das sociedades é causa, por si só, de extinção de dívidas. Veja-se, a este respeito, designadamente, o disposto no artigo 163.º do Código das Sociedades Comerciais e a responsabilidade dos antigos sócios de sociedade comercial extinta relativamente ao passivo superveniente] cujo acto tributário se tenha verificado antes daquela dissolução (a este respeito cf. acórdão do STA datado de 06.04.2011, recurso n.º 0981/10, e Circular n.º 10/20154).

KK. Pretender que a perda do estatuto de sujeito passivo que decorre da entrega da declaração de cessação da actividade é causa de extinção da pretensão tributária não é aceitável e violaria de resto o princípio da legalidade tributária na sua dimensão de reserva de lei e de indisponibilidade do crédito tributário, e ainda o princípio da neutralidade do IVA, porque se admitiria que a submissão da declaração de cessação de actividade e consequente perda do estatuto de sujeito passivo teria efeitos extintivos sobre créditos tributários.

LL. Se determinado sujeito passivo pratica operações tributáveis cujo imposto respectivo se vence após a sua cessação de actividade no cadastro, mantém obviamente o dever de entregar o imposto devido.

MM. Daí que o dever de comunicar mantenha utilidade e relevância mesmo quando o adquirente já não esteja registado como sujeito passivo.

NN. Mostrando-se assim improcedente o único argumento arvorado na decisão recorrida para sustentar que a referência a "sujeito passivo" tem de se reportar ao momento da regularização, qual seja, o de que a comunicação a um adquirente que não fosse nessa altura sujeito passivo não produziria quaisquer efeitos.

OO. Finalmente, a tese perfilhada pela decisão recorrida conduz ainda a outro resultado absurdo:

PP. É que se o momento relevante para se determinar a condição do sujeito passivo fosse a regularização, então estar-se-ia a admitir que este ónus de comunicação, enquanto pressuposto do direito à regularização, também se verificaria nos casos em que a operação tributável originária tivesse sido realizada com um consumidor final que entretanto tivesse aberto actividade - situação em que, portanto, nada de útil resultaria da comunicação...

QQ. Ironicamente, a pergunta retórica que a decisão recorrida formula para refutar o entendimento da AT - «Porque é que se deveria onerar o sujeito passivo que vê reunidas as condições para proceder à regularização com essa obrigação de comunicação se dela já nada vai resultar de útil?» -, aplica-se com maior propriedade a este cenário. Aqui é que o requisito da comunicação se revelaria verdadeiramente fútil!

RR. Na verdade, a referência à condição de sujeito passivo no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA não pode deixar de ser interpretada como remetendo para o momento em que aquele sujeito passivo, por via desse estatuto, pôde aproveitar a dedutibilidade do IVA que agora se regulariza, e não no momento da regularização.

SS. A ratio legis da norma ínsita no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA visa assegurar a coerência do tratamento das regularizações na esfera dos adquirentes e, por essa via, assegurar também a definitividade do não pagamento daquele IVA.

TT. Com efeito, com aquela comunicação, para além de o adquirente se constituir no dever de regularizar a favor do Estado o IVA incluído no crédito anulado, ficará também ciente de que, doravante, e do ponto de vista tributário, o fornecedor considerou aquele crédito incobrável, abdicando, por essa via, do recebimento do pagamento, pelo menos, na parte relativa ao IVA (que constituiria um enriquecimento sem causa, caso o crédito fosse solvido nessa parte).

UU. Compreende-se assim que a exigência de comunicação ao adquirente se justifica na medida em que, perante uma regularização de IVA, haja a expectativa de que o adquirente tenha deduzido anteriormente aquele mesmo IVA e que, por essa via, se constitua na obrigação de o "devolver", regularizando-o em sentido contrário.

VV. Nesta lógica, a única interpretação que se mostra autorizada do n.º 11 do artigo 78.º é a de que a qualidade de sujeito passivo ali referida se há-de reportar ao momento em que é realizada a operação e em que, por conseguinte, surge no adquirente o direito a deduzir o IVA correspondente.

WW. É também nessa qualidade - de sujeito passivo - que o adquirente interagiu, ao tempo da realização da operação tributável, com o vendedor/prestador do serviço, não se esperando que este último, no momento da regularização, conheça o actual estatuto daquele (especialmente, como vimos, se, tendo cessado actividade, mantém ainda assim actividade económica enquadrável no artigo 2.º do CIVA).

XX. Outra interpretação do n.º 11 do artigo 78.º CIVA, como vimos, tornaria aquela formalidade uma exigência fútil e incompatível com a sua ratio legis.

YY. Assim se compreende por que razão nem o STA, no acórdão fundamento, nem a AT relevaram o conceito de sujeito passivo na análise do caso em apreço - justamente, porque essa consideração se mostra aqui espúria.

ZZ. Os adquirentes em questão eram sujeitos passivos no momento em que se verificou o facto tributário, tendo por isso, expectavelmente, deduzido o respectivo IVA, tornando útil o envio da comunicação de regularização do imposto pelo seu fornecedor.

AAA. Essa terá sido igualmente a interpretação do STA, no acórdão fundamento, quando entendeu ser aplicável aquele normativo a situação idêntica à dos presentes autos.

BBB. Subsidiariamente, mesmo que não se aceite que a referência a "sujeito passivo" se reporta ali ao momento da operação, a única interpretação alternativa que não conduz a resultados irreconciliáveis e que se mostra ainda compatível com o acórdão fundamento é a de que o momento em que se afere do estatuto de "sujeito passivo" do adquirente devedor será o momento em que os créditos se tornaram incobráveis

CCC. No acórdão fundamento, proferido no processo 0939/12, o STA pronunciou-se pela legalidade da actuação da AT que, em idênticas circunstâncias às do presente caso, concluiu pela inobservância do requisito do n.º 11 do artigo 78.º na circunstância da comunicação ao adquirente sociedade comercial ter sido feita após a extinção jurídica daquele, por se tratar aquela comunicação de formalidade ad substantiam.

DDD. Assim, à ausência de comunicação ou de comunicação eficaz, o STA concluiu que, sendo a exigência daquela comunicação uma formalidade ad substantiam, a sua falta ou ineficácia impossibilita o direito a regularizar, não estando assim na disponibilidade da AT ou sujeitos passivos dispensá-la.

EEE. As consequências legais a retirar da inobservância de uma formalidade ad substantiam são pacíficas na doutrina e jurisprudência, legitimando a correcção com que a Requerente não se conforma.

FFF. A este respeito, permitimo-nos citar o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido a 31-01-2006 no processo 3965/05: «A distinção doutrinária entre "formalidades "ad substantiam" e formalidades "ad probationem"radica no facto de as primeiras serem insubstituíveis por outro meio de prova, cuja inobservância gera a nulidade, enquanto que as segundas a sua falta pode ser suprida por outros mais de prova mais difíceis, nos termos do art. 364.º n.º 2 do CC, sendo verdadeiramente esta a projecção prática de tal distinção»

GGG. A razão de ser da opção legislativa de dar a determinada formalidade a natureza "ad substantiam" justifica-se pela necessidade de conferir segurança e estabilidade a determinadas áreas do comércio jurídico, particularmente às que assentem em processos massificados e em informação escritural - o que é certamente o caso do IVA.

HHH. Quando impõe uma formalidade "ad substantiam" - o chamado "documento substancial" -, como elemento essencial de um direito ou como condição de validade de determinado acto ou negócio jurídico, o legislador desautoriza deliberadamente o aplicador da lei de arbitrar, com apelo a circunstancialismos, sobre se é curial ou não a apresentação daquela formalidade.

III. No caso das regularizações, remeter a imperatividade de uma formalidade para as contingências da situação do devedor, que nem é expectável que credor conheça a cada passo, poria em causa a mecânica e administrabilidade do imposto, justificando assim a utilização recorrente que o legislador faz deste instituto no âmbito do IVA, em que os procedimentos são massificados e, para mais, com relações em cadeia, ao qual, de resto, é sobejamente reconhecida uma natureza formalista.

JJJ. Por fim, também não colhe o argumento de que a extinção jurídica do adquirente devedor configuraria uma situação de incobrabilidade de crédito que, embora não conste do elenco do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA, deverá sempre ser considerado dedutível.

KKK. Desde logo, porque os créditos em questão foram considerados incobráveis ao abrigo do n.º 7 do artigo 78.º do CIVA e o seu IVA poderia ter sido regularizado a seu favor pelo sujeito passivo, se este tivesse comunicado em tempo a anulação dos créditos aos respectivos adquirentes devedores.

LLL. Na verdade, a dedutibilidade do IVA relativo aos créditos em causa no processo não foi posta em causa por via do n.º 7 do artigo 78.º, mas antes pelo incumprimento do n.º 11 do artigo 78.º do CIVA.

MMM. Sem prescindir, sempre se diga que, também quanto a este aspecto, a decisão a quo incorreu em erro de julgamento, particularmente quando considerou que a extinção de sociedade comercial configura um caso de incobrabilidade definitiva.

NNN. Com efeito, no direito português, a morte jurídica de uma sociedade comercial não é causa, por si só, de extinção de dívidas, porquanto os antigos sócios sempre serão responsáveis pelo passivo superveniente até ao montante que receberam na partilha - cf. artigo 163.º do Código das Sociedades Comerciais.

OOO. O facto de a extinção das sociedades comerciais não implicar a extinção do crédito é ignorada na decisão recorrida, que parece assumir que, com a extinção dos adquirentes devedores, os respectivos credores perderam a possibilidade de obter a satisfação do seu crédito - o que, objectivamente, não corresponde à verdade.

PPP. Nem se diga, como sugere a decisão recorrida, que a imposição da formalidade que resulta do n.º 1 do artigo 78.º do CIVA vai além do âmbito da autorização que o artigo 90.º, n.º 2, da Directiva IVA concede aos Estados-Membros de derrogar o direito à regularização nos casos de não pagamento.

QQQ. Primeiro, que não é líquido que a obrigação de comunicação não se deva antes enquadrar na margem atribuída aos Estados-Membros no n.º 1 do artigo 90.º da Directiva IVA, para estabelecer as condições em que é reduzido o valor tributável da operação (v.g. a regularização), e não no n.º 2 daquele artigo.

RRR. Depois, que, mesmo que se considere que a imposição do ónus de comunicar a regularização ao adquirente se enquadra no âmbito da faculdade derrogatória prevista no n.º 2 do artigo 90.º da Directiva IVA, sempre se diga que as limitações contempladas nos n.os 7 e 11 do artigo 78.º CIVA têm um propósito muito evidente de assegurar que a regularização é feita em circunstâncias em que é improvável que haja ulterior pagamento do IVA regularizado.

SSS. No caso do ónus de comunicação previsto no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, ao comunicar ao adquirente a anulação do crédito, é no mínimo improvável que aquele vá ulteriormente solvê-lo.

TTT. Nem se surpreende no regime português, ao exigir a comunicação da anulação do crédito ao adquirente devedor, como condição para a regularização a favor do sujeito passivo, um paralelo com as situações apreciadas na jurisprudência do TJUE a que alude o tribunal a quo.

UUU. Naqueles acórdãos do TJUE, por exemplo, nos casos A-Pack CZ (processo C-127/18) e Sp. z o.o. Sp. k. (C-335/19), estava em causa legislação que fazia depender o direito à regularização de o adquirente ser sujeito passivo. Não é certamente o caso da legislação portuguesa, em que o estatuto de IVA do adquirente devedor é irrelevante para determinar a incobrabilidade do crédito, podendo apenas implicar o ónus de comunicar a anulação do crédito, com o desiderato, como vimos, de assegurar a definitividade do incumprimento e a neutralidade do imposto.

VVV. Pelo que, também de um ponto de vista de adequação e proporcionalidade, à luz do princípio da neutralidade, o ónus previsto no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA se monstra conforme com o entendimento jurisprudencial que vem sendo preconizado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

~II~

WWW. De tudo o quanto se expôs, resulta que a resposta à questão em dissenso - qual seja a de saber se:

O ónus de comunicar a regularização do IVA ao adquirente devedor previsto no n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA é aplicável nos casos em que o adquirente devedor se tenha extinguido juridicamente em momento posterior ao crédito se ter tornado incobrável nos termos do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA?

XXX. -, não poderá deixar de ser afirmativa, tendo em consideração a teleologia daquela norma e a natureza ad substantiam da formalidade que impõe, na linha de decisão do acórdão fundamento.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada contradição entre a decisão arbitral proferida no processo 78/2021-T e acórdão fundamento proferido pelo STA, em 06-05-2019, no processo 0939/12.0BEBRG, quanto ao segmento decisório respeitante à aplicação do ónus de comunicar a anulação do crédito, previsto no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, quando o adquirente devedor se tenha extinguido juridicamente em momento posterior ao crédito se ter tornado incobrável nos termos do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA, devendo o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser anulada a decisão arbitral (processo 78/2021-T), e substituída por Acórdão consentâneo com o disposto nos preceitos acima citados, à luz da doutrina da decisão fundamento».

1.2 - A sociedade Recorrida contra-alegou, resumindo a sua posição em conclusões do seguinte teor:

«A. Na sequência da notificação da Decisão Arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa ("CAAD"), nos termos do qual o Pedido de Pronúncia Arbitral, que correu termos sob o n.º de processo 78/2021-T, foi julgado parcialmente procedente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, por não se conformar com o teor desta decisão e por entender que a mesma contradiz a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, apresentou Recurso para Uniformização de Jurisprudência junto do Supremo Tribunal Administrativo.

B. A referida Decisão foi proferida no dia 17 de Dezembro de 2021, pelo Tribunal Arbitral, Tribunal a quo, no âmbito do processo arbitral n.º 78/2021-T, e julgou parcialmente procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela ora Recorrida, e, em consequência, anulou o ato de liquidação de liquidação de IVA n.º 2020033593464, referente a Outubro de 2016, no valor de (euro) 176.055,55, a liquidação de juros compensatórios (liquidação n.º 202000000159831), no valor de (euro) 26.123,66, e, bem assim, a demonstração de acerto de contas n.º 2020000005669664, da qual resultou o montante de imposto a pagar de (euro) 202.179,21.

C. O Tribunal a quo decidiu favoravelmente as pretensões invocadas pela ora Recorrida, julgando parcialmente procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado e declarando, consequentemente, a ilegalidade dos actos tributários acima melhor identificados e, bem assim, condenando a ora Recorrente ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, e, bem assim, ao pagamento das custas correspondentes.

D. Com especial relevância para análise deste Recurso, entendeu o Tribunal a quo que: "Nesse sentido, resta concluir que a norma constante do n.º 11 do art. 78.º do CIVA, que determina a obrigatoriedade de comunicação da regularização de IVA ao devedor insolvente/executado, que seja sujeito passivo, não tem aplicação ao caso concreto, não sendo tal facto impeditivo da referida regularização de imposto na esfera do credor nos casos em que os devedores já não sejam sujeitos passivos de IVA nessa data. Pelo que as correcções de imposto efectuadas pela AT nestes processos têm subjacente um erro de direito, ao aplicarem a norma constante do n.º 11 do art. 78.º do Código do IVA a factos não subsumíveis nessa norma (regularização de IVA de créditos comprovadamente incobráveis de devedores não sujeitos passivos)".

E. Para que o Recurso para Uniformização de jurisprudência seja admitido é necessário estarem cumpridos os seguintes requisitos: "[...] sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição: a) Entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo, e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo; b) Entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo" (cf. artigos 25.º, n.º 2 do RJAT, 152.º do CPTA e 284.º do CPPT).

F. Para demonstrar essa pretensa oposição é ainda necessário que: "A petição de recurso [seja] é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e a infracção imputada ao acórdão recorrido".

G. Não obstante a tentativa da Recorrente, as suas alegações esbarram numa questão essencial para que exista oposição e seja exigível uma uniformização da jurisprudência: é porque a norma que a Recorrente alega ter sido mal interpretada (v.g. artigo 78.º, n.º 11 do CIVA), não tem, pura simplesmente, aplicação no caso em discussão nos autos do processo arbitral n.º 78/2021-T, esbarrando, desde logo, no elemento literal da norma.

H. Dispõe o artigo 78.º, n.º 11 do CIVA o seguinte: "No caso previsto no n.º 7 e na alínea d) do n.º 8 é comunicada ao adquirente do bem ou serviço, que seja um sujeito passivo do imposto, a anulação total ou parcial do imposto, para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efectuada, devendo esta comunicação identificar as facturas, o montante do crédito e do imposto a ser regularizado, o processo ou acordo em causa, bem como o período em que a regularização é efectuada".

I. A este propósito entendeu o Acórdão Fundamento que: "A comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo de IVA da intenção do credor de proceder à anulação do IVA, contido no crédito incobrável em processo de Insolvência, constitui requisito legal do qual depende a legalidade da "regularização" pelo credor e deve ser feita, em caso de Insolvência do devedor, ao administrador de Insolvência nomeado".

J. Contudo, como bem resumiu o Tribunal a quo, com relevância para a presente questão, "O que se discute nesta sede não é a inexistência de comunicação aos devedores insolventes ou executados (que, de facto, existiu e não é um facto contestado pela AT) mas, sim, a alegação pela administração fiscal de tais comunicações serem, igualmente, obrigatórias fora dos casos expressamente previstos no n.º 11 do art. 78.º, i.e., quando os devedores (já) não são sujeitos passivos e, consequentemente, ineficazes após esse momento".

K. Mais dizendo que: "Ou seja, quer se atente à data da cessação de actividade dos devedores, quer à data em que a matrícula comercial destes foi oficialmente encerrada, conclui-se, em todos os processos de insolvência e execução, que tais datas (todas elas) são anteriores a Outubro de 2016, data em que a comunicação e a regularização de imposto ocorreram. Tal significa que, em Outubro de 2016, quando as regularizações de imposto se efectivaram, os devedores já não eram sujeitos passivos de IVA, nem, sequer, existiam, juridicamente no registo comercial" (assinalado pela Recorrida).

L. Tudo visto e ponderado, não resta senão concluir que não pode o presente Recurso ser admitido, uma vez que, conforme demonstrado, não existe identidade de facto (por os devedores na Decisão objecto de recurso não serem sujeitos passivos de IVA à data da regularização efectuada pela Recorrida) nem identidade de direito (por, em face de os devedores não serem sujeitos passivos, o n.º 11 do artigo 78.º não ser aplicável ao caso em apreço), não havendo, por conseguinte, contradição à luz do disposto no n.º 1 do artigo 152.º do CPTA, nem do n.º 1 do artigo 284.º do CPPT.

M. Discorda, no entanto, a Recorrente da Decisão proferida pelo Tribunal a quo por entender que esta está em contradição com o Acórdão Fundamento, especialmente na parte em que entende que a regularização de IVA efectuada pela Recorrida, no montante de (euro) 169.871,82, respeitantes a vários créditos considerados incobráveis em processos de execução ou insolvência, não foi feita em respeito com o disposto no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, por tal regularização não ter sido comunicada aos respectivos devedores, não tendo, por conseguinte, produzido efeitos, por ter ocorrido em momento posterior à data do encerramento das suas matrículas comerciais.

N. É inequívoco que o n.º 11 do art. 78.º do CIVA apenas exige a comunicação ao devedor quando este seja sujeito passivo, tendo em vista, nesses casos, a regularização simétrica a efectuar na esfera deste.

O. Nos casos, porém, em que o devedor já não seja sujeito passivo à data da regularização de imposto pelo credor, é entendimento pacífico, na jurisprudência nacional (arbitral) e da União, que a obrigação de comunicação ao devedor não é aplicável, pelo que não se suscita a questão da sua possível ineficácia.

P. Acresce que, para efeitos de confirmação da natureza do devedor, o conceito relevante é o de sujeito passivo de IVA - o qual está intrinsecamente ligado à realização de uma actividade económica - e não o da sua matrícula no registo comercial.

Q. Em todo o caso, a alegada violação do cumprimento do requisito da norma constante do n.º 11 do art. 78.º do CIVA não se verifica nos processos de insolvência e execução em análise, porquanto este requisito apenas assume a natureza de requisito "ad substanciam" nos casos em que os devedores sejam sujeitos passivos de IVA à data da regularização de imposto na esfera do credor, o que, comprovadamente, não se verifica neste caso, nem a Recorrente logrou comprovar o contrário nem muito menos conseguiu comprovar a contradição existente com o Acórdão Fundamento.

R. Assim, as correcções de imposto efectuadas pela Recorrente, posteriormente materializadas nos actos de liquidação emitidos por referência a regularizações de IVA efectuadas pela Recorrida em Outubro de 2016 estão alicerçadas em erros de interpretação e aplicação do Direito nacional e comunitário, quanto às normas constantes da alínea b) do n.º 7 e do n.º 11 do art. 78.º do CIVA, porquanto entendem subsumíveis nessas normas os factos acima descritos, que não têm cabimento legal nas mesmas, conforme se detalhou supra.

S. Em conclusão, resulta do exposto e foi exaustivamente comprovado ao longo do processo que, em Outubro de 2016, aquando da regularização de IVA efectuada pela Recorrida, nenhum dos devedores nos processos de insolvência ou de execução objecto de correcção pela Recorrente (e acima listados) tinha, nessa data, a natureza de sujeito passivo de IVA (assinalado pela Recorrida).

T. Em face do que se deixa exposto, não restam dúvidas que as Alegações da Recorrente não podem proceder, uma vez que não existe identidade de facto e de direito entre a Decisão Arbitral proferida e o Acórdão Fundamento, e, mesmo que se entendesse existir identidade, nunca tal Acórdão poderia ser aplicado ao caso vertente, uma vez que propugna uma decisão não consentânea com os princípios do IVA e, bem assim, com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, devendo, por conseguinte, ser mantida a Decisão Arbitral proferida pelo Tribunal a quo e, bem assim, ser determinada a anulação dos actos de liquidação de IVA, bem como o respectivo acto de liquidação de Juros Compensatórios, porque praticados com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cf. artigo 163.º do CPA).

Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a sentença recorrida, com as necessárias consequências legais.».

1.3 - Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que se conheça do mérito do recurso e se decida a questão controvertida a favor da Recorrente, nos termos do acórdão fundamento.

1.4 - Cumpre apreciar e decidir, em conferência, no Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sendo que, antes do mais, há que indagar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.

Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, da infracção imputada à decisão arbitral recorrida [cf. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1 - DE FACTO

2.1.1 - A decisão arbitral recorrida efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A. A Requerente dedica-se à actividade de armazenamento, manipulação, comércio e distribuição de produtos petrolíferos e derivados, realizando exclusivamente operações que conferem direito à dedução do IVA incorrido no seu âmbito.

B. Em Outubro de 2016, a Requerente inscreveu no campo 40 da sua declaração de IVA o montante de (euro) 286.823,80, por conta de regularizações de IVA efectuadas no âmbito do regime dos créditos incobráveis.

C. Os créditos em causa venceram-se antes de 2013.

D. A Requerente aplicou a disciplina legal do art. 78.º do CIVA - em particular, as alíneas a) e b) do seu n.º 7 - para efeitos das referidas regularizações de imposto.

E. Em 31.03.2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT") iniciou uma acção de inspecção interna, de âmbito parcial, ao IVA declarado pela Requerente em Outubro de 2016, tendo por base a alínea d) do n.º 1 do art. 27.º do RCPITA, ou seja, a verificação de eventuais desvios significativos no comportamento fiscal dos sujeitos passivos perante os parâmetros de normalidade que caracterizam a actividade.

F. No âmbito da referida inspecção, a AT corrigiu parte do montante deduzido pela Requerente no campo 40 da Declaração Periódica ("DP") do mencionado período, tendo alegado as seguintes irregularidades:

a) Falta de inserção no RIE - incumprimento do requisito previsto na alínea a) do n.º 7 do art. 78.º do CIVA - correcção no valor de (euro) 5.595,23;

b) Não cumprimento do prazo previsto no n.º 2 do art. 98.º do CIVA - correcção no valor de (euro) 587,94;

c) Comunicação ineficaz - incumprimento do requisito previsto no n.º 11 do art. 78.º do CIVA (após a morte jurídica do devedor) - correcção no valor de (euro) 169.871,82.

G. Em Setembro de 2020, foi a Requerente notificada do relatório da inspecção tributária contendo as conclusões da acção inspectiva, do qual resultaram correcções de IVA num total de (euro) 176.054,99, correspondente a imposto alegadamente em falta por irregularidades no processo de regularização de IVA de créditos considerados incobráveis.

H. A AT concluiu que a Requerente não poderia ter regularizado, a seu favor, em Outubro de 2016, o montante de IVA de (euro) 176.055,55.

I. Concretamente, relativamente a créditos não constantes da LPE, o acto de liquidação adicional fundamentou-se na não apresentação do registo informático de execuções ("RIE") relativamente ao crédito cujo devedor é a empresa B..., Lda., no valor de (euro) 5.595,23 (cf. página 19 e anexo 2 do Relatório de Inspecção), em inobservância do requisito previsto na alínea a) do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA.

J. O crédito em causa foi objecto de um processo de execução.

K. No âmbito do referido processo executivo, o respectivo agente de execução concluiu, em Julho de 2015, pela inexistência total de bens do devedor e pelo não pagamento da dívida à Requerente.

L. Em 16.11.2015, o mencionado agente de execução promoveu a extinção da acção executiva e o respectivo pedido de registo desta no RIE (cf. o anexo 2 do relatório de inspecção).

M. À data, o registo no RIE não se encontrava disponível aos agentes de execução.

N. O agente de execução solicitou ao tribunal competente em sede de processo de execução que promovesse, junto do IGEF ou da DGAJ, a inserção/actualização das respectivas execuções no RIE (cf. documento dd2j6OJH1nL, de 16.11.2015, constante das págs. 2/4 do anexo 2 do relatório de inspecção), tendo informado o Juiz de Direito da Comarca de Lisboa - Instrução Central - 1.ª Secção de Execução - J9 da impossibilidade de promover o respectivo registo no RIE: "[...] cabe ao agente de execução, a obrigação de manter actualizado o registo informático de execuções, no entanto, não consegue proceder em conformidade com o ali inscrito, porquanto, não se mostra disponível no sistema informático de apoio aos agentes de execução a inserção/actualização da presente execução no Registo Informático de Execuções [...]. Pelo exposto, Mui Respeitosamente, requer-se a V. Exa. se digne ordenar ao IGFEJ ou DGAJ a inserção/actualização da presente execução no registo informático de execuções, com base na decisão junta aos autos".

O. Em 21.12.2015, o agente de execução AA notificou a Requerente da extinção da acção executiva por inexistência total de bens e falta total de pagamento, tendo, para o efeito, anexado cópia da certidão de incobrabilidade e do requerimento acima referido, a solicitar ao tribunal competente a inserção desta execução no RIE (documento L6bRq17Ujk, pág. 1/4 do anexo 2 do relatório de inspecção).

P. O sujeito passivo em causa (B..., LDA.) havia já sido objecto de 3 registos na Lista Pública de Execuções a atestar a inexistência de bens na sua esfera.

Q. A Requerente esclareceu o inspector da AT sobre a lacuna/limitação do sistema que não permitia o acesso ao RIE pelo agente de execução para sua actualização.

R. A Requerente esclareceu, ainda, o inspector da AT que tinha, por diversas vezes, questionado o tribunal sobre o assunto, solicitando a intervenção deste, tendo sempre sido informada por este que não tinha, ainda, tido tempo para o efeito.

S. A correcção às regularizações feitas ao abrigo da alínea b) do n.º 7 do artigo do CIVA, após o prazo previsto no n.º 2 artigo 98.º CIVA (p. 19 do RI), respeita ao crédito no montante (euro) 587,94, devido pela sociedade C..., Lda.

T. As facturas a que diz respeito aquele crédito foram emitidas, e venceram-se, em 16.06.2004 e em 20.06.2005.

U. A insolvência da C..., Lda., foi decretada por sentença transitada em julgado a 9/02/2011.

V. Já as regularizações efectuadas com inobservância da apresentação da comunicação prevista no n.º 11 do artigo 78.º CIVA, respeitam a créditos identificados na página 33 do Relatório de Inspecção e respectivos anexos n.os 4 a 16.

W. A AT considerou que as comunicações realizadas nos termos do n.º 11 do artigo 78.º foram ineficazes em relação às seguintes entidades:

[IMAGEM]

X. Na sequência do mencionado relatório de inspecção, a AT procedeu à emissão das liquidações que são objecto do presente pedido.

Y. As liquidações foram pagas pela Requerente em 11.11.2020 (cf. Doc.)».

2.1.2 - Por seu turno, o acórdão fundamento deu como provada a seguinte factualidade:

«1) Em 16.02.2009, foi emitido o Despacho DI200901117, que credenciava um procedimento inspectivo interno, de âmbito parcial, dirigido à análise formal e de coerência de elementos de suporte da declaração periódica do IVA apresentada pelo sujeito passivo, relativa ao período de Dezembro de 2008, que evidenciava o apuramento de IVA a receber no montante de (euro) 380.927,61 - cf. fls. 11 do processo Administrativo junto aos autos (doravante PA).

2) No âmbito desse procedimento, a administração fiscal apurou que a Impugnante regularizou imposto a seu favor no montante de (euro) 271.030,96, inscrito no campo 40 do quadro 6 da respectiva declaração periódica (Dezembro de 2008) - cf. fls. 11 do PA.

3) Posteriormente, a Impugnante foi objecto de uma inspecção externa geral e polivalente aos anos de 2007 e 2008, credenciada pela ordem de serviço n.º ...15 e que decorreu de 09.02.2010 a 02.06.2010 - cf. fls. 11 do PA.

4) O entendimento da AT, quanto à regularização que a Impugnante havia realizado, expresso no relatório elaborado no âmbito do procedimento inspectivo identificado no ponto anterior, foi o de que "deveria a firma "D... S. A., em liquidação", proceder à rectificação do IVA inicialmente deduzido, reportando-se ao Mês de Janeiro de 2009, data em que ocorreu a aludida comunicação, mediante a correspondente regularização a favor do Estado no campo 41 da respectiva Declaração Periódica" - cf. fls. 13 do PA.

5) Nesse sentido, e com vista à recuperação do IVA pelo Estado, foi efectuado um procedimento inspectivo dirigido à D..., credenciado pela ordem n.º ..., de 17 de Março de 2009, da Direcção de Finanças de Braga - cf. fls. 13 do PA.

6) A liquidação que decorreu do procedimento identificado no ponto anterior serviu de base à instauração do processo de execução fiscal n.º 3590200901048848 - cf. fls. 13 do PA.

7) Ao abrigo da ordem de serviço n.º ...72, de 04.07.2011, a AT abriu um novo procedimento inspectivo interno à Impugnante, de âmbito parcial, em sede de IVA, com o objectivo de "proceder ao controlo declarativo relativo à declaração periódica do IVA de Dezembro de 2008" - cf. fls. 3 a 8 do processo Administrativo junto aos autos.

8) Diz-se no relatório elaborado no âmbito do procedimento inspectivo identificado no ponto anterior que a acção inspectiva "teve por motivo justificativo o facto de, à data da referida liquidação, aquela empresa [D...] se encontrar juridicamente extinta, por via do encerramento da sua liquidação em 31 de Outubro de 2008 e, consequente, cancelamento da matrícula" - cf. fls. 8 do PA.

9) E, nesse âmbito, a administração fiscal vem pôr em causa a regularização do IVA pela Impugnante, com base nos seguintes argumentos:

"Ora acontece que aquando da dedução do referido imposto por parte da E... em Dezembro de 2008, assim como da própria comunicação da mesma em 21 de Janeiro de 2009, já se tinha verificado, com data de 3 de Novembro de 2008, o trânsito em julgado da declaração do encerramento da liquidação da D... S. A., em liquidação, por decisão proferida no âmbito do procedimento Administrativo especial de liquidação, conforme se afere da certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial de Guimarães, por consulta em 27 de Junho de 2011." - cf. fls. 15 do PA.

10) Perante o exposto, conclui o técnico responsável pela acção inspectiva que "a regularização de IVA no valor de (euro) 271 030,96, facultativamente efectuada a seu favor, por parte da E... na declaração respeitante ao período de Dezembro de 2008, tendo por base o IVA inicialmente liquidado à D... S. A., em liquidação, foi comunicada a esta em Janeiro de 2009, facto este superveniente à extinção jurídica desta empresa, não se tendo concretizado, conforme deveria ser efectuada, no período de imposto em que tenha transitado em julgado a sentença de insolvência, ou seja, Agosto de 2008, pelo que aquela regularização não se mostra devida, por não se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais vertidos na al. b), do n.º 7, e n.º 11, ambos do artigo 78.º do Código do IVA" - cf. fls. 16 e 17 do PA.

11) A correcção efectuada pelos serviços de inspecção tributária deu origem à liquidação adicional de IVA n.º ...53 e juros compensatórios (Documentos de cobrança n.º ...09 e ...09), no montante global de (euro) 292.922,48 - cf. fls. 22 a 24 do suporte físico dos autos.

12) O referido montante de (euro) 292.922,48 foi objecto de compensação com reembolsos de IVA da Impugnante, relativos ao período de Julho de 2011, promovida por iniciativa da AT, em 21.11.2011 - cf. fls. 25 do suporte físico dos autos.

13) Em 14.12.2011, a Impugnante deduziu reclamação graciosa das aludidas liquidações, com os fundamentos constantes de fls. 125 a 137 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

14) Em 20.04.2012, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, cujo teor consta de fls. 26 a 32 do processe físico e se dá aqui por integralmente reproduzido.

Mais se provou que:

15) A sociedade "D... S. A." foi declarada insolvente por sentença proferida em 19.08.2008, no âmbito do processo 3320/08.2TBGMR - fls. 54 a 58 do suporte físico dos autos.

16) Por despacho proferido em 14.10.2008, no âmbito do referido processo de insolvência, foi declarado encerrado o processo por insuficiência da massa, nos termos dos artigos 230.º, n.º 1, alínea d) e 232.º, n.os 1 e 2 do CIRE, com os efeitos a que alude o artigo 233.º do CIRE - cf. fls. 59 a 60 do suporte físico dos autos.

17) Em 03.11.2008 transitou em julgado a declaração do encerramento da liquidação da "D... S. A.", proferida no âmbito do procedimento Administrativo especial de liquidação - cf. Anexo 7 do RIT (fls. 95 do PA).

18) Em 04.11.2008, foi registado oficiosamente o cancelamento da matrícula da "D... S. A." - cf. fls. 95 do PA.

19) Em 22.01.2009, a Impugnante procedeu à comunicação à D... da regularização do IVA, por carta registada com aviso de recepção, dirigida à "D... S. A.", Rua..., ... - cf. Anexo 2 do RIT (fls. 32 a 34 do PA)».

2.2 - DE DIREITO

2.2.1 - AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A AT veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida no processo 78/2021-T CAAD, por oposição com a decisão proferida no processo 939/12.0BEBRG pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no que respeita à questão que enunciou nos seguintes termos: «O ónus de comunicar a regularização do IVA ao adquirente devedor previsto no n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA é aplicável nos casos em que o adquirente devedor se tenha extinguido juridicamente em momento posterior ao crédito se ter tornado incobrável nos termos do n.º 7 do artigo 78.º do Código do IVA?».

Nos termos do n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é [...] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

Assim, e não havendo dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da Recorrente e tempestividade do recurso), há que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.

Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 - DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

2.2.2.1 - Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso:

i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT);

ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT);

iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [art. 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT].

iv) que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT].

2.2.3 - DA OPOSIÇÃO

Não havendo dúvidas quanto à verificação do primeiro requisito enunciado, passemos de imediato à apreciação do requisito que enunciámos sob o n.º ii, ou seja, saber se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados.

Para tanto, recordemos o teor das decisões em confronto, tendo como pano de fundo a questão que alegadamente nelas foi decidida em sentido divergente.

2.2.3.1 - A esse respeito, ficou dito no acórdão arbitral recorrido:

«A questão controvertida [...] é a de saber se a comunicação prevista no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA é pressuposto da regularização do imposto quando o adquirente da operação tributável que foi sujeita a IVA, à data da regularização, já não fosse sujeito passivo.

No caso concreto, verifica-se que, quando foram efectuadas as comunicações, as sociedades comerciais devedoras estavam já extintas, por via do encerramento da sua liquidação e consequente encerramento da matrícula.

A AT entende, por esse motivo, que as comunicações efectuadas são ineficazes e que essa ineficácia preclude o direito à regularização do IVA em causa.

Ora, se é verdade que o TJUE tem entendido que o artigo 4.º, n.os 1 a 3, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa que tenha cessado uma actividade comercial mas continue a exercer alguma forma de actividade é considerada um sujeito passivo na acepção daquele artigo, o certo é que, no caso, não há prova de que tal tenha sucedido.

Por outro lado, o argumento da AT de que a qualidade de sujeito passivo referida no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA deve reportar-se ao momento em que é realizada a operação e em que, por conseguinte, surge no adquirente o direito a deduzir o IVA correspondente, porque o que leva o legislador a referir, no n.º 11 do artigo 78.º CIVA, que a regularização deve ser comunicada aos adquirentes sujeitos passivos é a expectativa de que, em tais operações, haverá dedução do IVA, não faz, salvo melhor opinião, qualquer sentido. Com efeito, essa "expectativa" do legislador, ainda que fosse relevante, já estaria frustrada pela circunstância de o adquirente ter deixado de ser sujeito passivo de IVA - sendo que não parece fazer sentido ignorar que tal aconteceu para acautelar uma "expectativa" criada no momento em que teve lugar a operação tributável. Porque é que se deveria onerar o sujeito passivo que vê reunidas as condições para proceder à regularização com essa obrigação de comunicação se dela já nada vai resultar de útil?

Parece-nos, em concordância com a Requerente, que, nos casos sobre os quais incidiram as liquidações adicionais aqui impugnadas, não era obrigatória a comunicação prevista no n.º 11 do artigo 78.º do CIVA, pelo que a data em que as mesmas foram enviadas não preclude o exercício do direito à regularização.

Recorde-se, a este propósito, que, conforme se referiu supra no enquadramento teórico inicial da decisão, a enumeração do artigo 78.º, n.º 7, do Código do IVA não pode senão ser considerada exemplificativa e não taxativa, pelo que naquela disciplina legal devem considerar-se integradas todas as situações em que se verifique uma probabilidade razoável de não pagamento.

Assim, partindo do conceito de incobrabilidade definitiva densificado pelo Tribunal de Justiça, afigura-se que um dos casos que tem nele pleno cabimento é o das pessoas colectivas devedoras que tenham cessado a sua actividade e sido dissolvidas.

O Código do IVA considera que se verifica a cessação de actividade exercida pelo sujeito passivo, no momento em que ocorra qualquer dos seguintes factos:

(a) Deixem de praticar-se actos relacionados com actividades determinantes da tributação durante um período de dois anos consecutivos, caso em que se presumem transmitidos os bens a essa data existentes no activo da empresa;

(b) Se esgote o activo da empresa, pela venda dos bens que o constituem ou pela sua afectação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita;

(c) Seja partilhada a herança indivisa de que façam parte o estabelecimento ou os bens afectos ao exercício da actividade;

(d) Se dê a transferência, a qualquer outro título, da propriedade do estabelecimento.

Para além dos factos elencados, a AT pode declarar oficiosamente a cessação de actividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há a intenção de a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma actividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial susceptível de a exercer. Como se verá adiante, nestas circunstâncias, é a própria AT que promove a dissolução e extinção das sociedades, mediante comunicação aos serviços de registo competentes.

Com pertinência para o caso concreto,... coloca a questão de saber como recuperar o imposto liquidado nas situações em que o credor emitiu facturas a um devedor que era um sujeito passivo de IVA quando iniciou a sua relação comercial mas que, entretanto, cessou a sua actividade e deixou de o ser, sem informar o credor desse facto e sem que tenha pago as facturas. Interrogação que é motivada pela omissão deste tipo de casos no artigo 78.º-A do Código do IVA e que o autor resolve no sentido de dever ser admissível a rectificação do IVA a favor do credor.

Tratando-se de uma sociedade, quando a cessação de actividade é acompanhada da sua dissolução e extinção (concomitante ou subsequente), o carácter definitivo da incobrabilidade é ainda mais flagrante, pois a sociedade devedora, por essa razão, deixa de existir, desaparecendo um dos sujeitos da relação jurídico tributária.

Por outro lado, afigura-se que a comunicação ao adquirente prevista no artigo 78.º, n.º 11 e no artigo 78.º-A, n.º 9 do Código do IVA, "para efeitos de rectificação inicialmente efectuada", não pode ser aplicada aos casos de sociedades dissolvidas e extintas. O requisito formal de comunicação ao adquirente é, em abstracto, enquadrável "nas condições [que podem ser] fixadas pelos Estados-Membros" e a sua admissibilidade face ao direito europeu foi objecto de confirmação expressa pelo Tribunal de Justiça, pelo que a sua validade não é posta em crise em relação à generalidade das situações. Assim o tem, da mesma forma, entendido o Supremo Tribunal Administrativo, designadamente em relação a devedores decretados insolventes, pronunciando-se no sentido de que "[a] comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo de IVA da intenção do credor de proceder à anulação do IVA, contido no crédito incobrável em processo de insolvência, constitui requisito legal do qual depende a legalidade da «regularização» pelo credor".

Não obstante, como se afigura evidente, a aplicação desta formalidade a sociedades que já não existem no momento em que o sujeito passivo credor toma conhecimento da respectiva dissolução é impraticável, não sendo possível proceder à comunicação mencionada no artigo 78.º, n.º 5 do Código do IVA por ausência de contraparte. Estamos perante um caso radical de incobrabilidade, dado que a sociedade devedora terminou a sua actividade e é extinta, em regra, por impulso ou promoção da própria AT, pelo que o risco de fraude é inexistente.

Convém, ainda, relembrar que, na interpretação do Tribunal de Justiça, os requisitos formais determinados no âmbito dos artigos 90.º, n.º 1 e 273.º da Directiva IVA têm de limitar-se aos necessários para provar que, depois de efectuada uma transacção, os sujeitos passivos credores não irão, com probabilidade razoável, receber uma parte ou a totalidade da contrapartida pelos serviços prestados, e para assegurar a cobrança exacta do IVA e evitar a fraude, não podendo prejudicar a neutralidade do imposto. Ora, um enunciado que impusesse ao sujeito passivo uma condição, à partida impossível de concretizar, por inexistência do seu destinatário, não lograria satisfazer estes critérios, violando os princípios da neutralidade e da proporcionalidade. Deste modo, na situação em que o adquirente se encontra extinto no momento da regularização, não deve considerar-se aplicável a referida obrigação de comunicar ao devedor a intenção de regularizar o IVA, como condição de rectificação do imposto».

Ou seja, o acórdão recorrido, em síntese e se bem o interpretamos, entendeu que a norma do n.º 11 do art. 78.º do CIVA não é aplicável ao caso nele tratado, pela razão de que o devedor insolvente já não era sujeito passivo (pois era uma sociedade já dissolvida e extinta, sem qualquer actividade) à data da regularização do imposto na esfera do credor, motivo por que não havia obrigatoriedade de este lhe comunicar essa regularização; consequentemente, a falta dessa comunicação não pode impedir a regularização de imposto na esfera do credor, nem justificar as correcções de imposto efectuadas pela AT e que deram origem às liquidações impugnadas.

2.2.3.2 - Por seu turno, no acórdão fundamento ficou dito o seguinte:

«[...] a questão que importa afrontar exige que se interprete o artigo 78.º, n.º 11, do CIVA, no sentido de saber quais os requisitos necessários para proceder à regularização do imposto, com base na incobrabilidade do crédito, em resultado da declaração de insolvência da referida sociedade.

O IVA é um tributo que se socorre do método subtractivo indirecto e que permite aos contribuintes deduzirem ao imposto referente às suas operações de venda de bens e prestação de serviços o que lhes foi facturado na compra de bens e serviços que efectuaram.

Pretende este regime defender a neutralidade do imposto e com a dedução, reporte ou reembolso libertar os operadores económicos do ónus do IVA, no exercício das suas actividades.

Volvendo ao caso em apreço verifica-se que a questão suscitada foi já tratada no acórdão deste STA de 25/06/2015, processo 0288/14, que merece a nossa aderência por inexistirem motivos para divergir da solução aí alcançada.

Com efeito, escreveu-se no referido acórdão o seguinte:

«O artigo 78.º do Código do IVA, na redacção aplicável, não impunha - como não impõe - como requisito da regularização de imposto a favor do credor o trânsito em julgado da sentença de reclamação de créditos na qual tenha sido graduado o crédito incobrável reclamado -, como, aliás, também não impõe que a prova do decretamento da insolvência do devedor tenha de ser feita por certidão do Tribunal, como exige a Administração Fiscal.

Em bom rigor, a lei nada diz sobre a forma pela qual se comprovam os requisitos formais dos quais depende o direito à regularização do IVA por créditos considerados incobráveis, deixando espaço à Administração fiscal para, via infra-legal, dispor sobre a matéria, nos casos em que os sujeitos passivos que queiram efectuar "regularizações" de IVA pretendam conformar o seu modus operandi de forma prevenir ou a minimizar conflitos com a Administração fiscal, designadamente por via de informações vinculativas.

Como diz GUILHERME DE OLIVEIRA MARTINS (Regularizações de IVA: Pistas para Auditoria e Contabilidade, in SÉRGIO VASQUES (Coord.), CADERNOS IVA 2014, Almedina, Coimbra, 2014, p. 172) apesar da clareza límpida da lei, era entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), como tal vertido em diversas instruções administrativas e respostas a pedidos de informação vinculativa, que as exigências quanto à qualificação de incobrável de um crédito no âmbito de um processo de insolvência, rectius, quanto à qualificação de incobrável de um crédito para efeitos de IVA, passavam não só pelo trânsito em julgado da sentença de insolvência (único requisito explicitado pela lei), mas também pela reclamação de créditos por parte do devedor.

Ora, que é do trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência do devedor e não do trânsito em julgado do apenso de reclamação de créditos, que se conta o prazo - à data de 4 anos -, de que dispunha o credor para proceder à regularização do IVA contido no crédito incobrável, já este STA teve ocasião de explicitar no seu Acórdão de 23 de Fevereiro de 2005, proferido no rec. n.º 0888/03. Daí que, no caso dos autos - em que o trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência do devedor ocorreu em 9/02/2005 (cf. o n.º 8 do probatório fixado) - não pode afirmar-se, como fez a sentença recorrida, que a "regularização" foi indevidamente efectuada porquanto a regularização do período 0503T, cuja data limite era 15.05.2005, ocorreu quando ainda não estava reconhecido o crédito por sentença transitada em julgado, pois que o que importa para efeitos de aferir da tempestividade da "regularização" é o trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência e não a do trânsito em julgado do apenso de verificação e graduação dos créditos, sem prejuízo de ser lícito à Administração fiscal a exigência de prova da incobrabilidade do crédito, pressuposto da faculdade de proceder à regularização do IVA.

Já no que respeita à comunicação ao adquirente do bem ou serviço da intenção de proceder à regularização do IVA por via da respectiva "anulação", para que aquele possa proceder à rectificação da dedução inicialmente efectuada (operação simétrica à efectuada pelo credor), tal dever tem expressa consagração legal (cf. o n.º 11 do artigo 78.º do Código do IVA), não apenas para os casos de créditos incobráveis em processo de insolvência mas para todos os previstos no respectivo n.º 7, bem como no caso previsto na alínea d) do n.º 8, não tendo por fonte o "direito circulatório", que como tal não obriga os particulares, mas a própria lei, que a todos obriga.

Ora, tal dever de comunicação ao adquirente que seja sujeito passivo de IVA terá de fazer-se, caso este seja pessoa colectiva, a quem legalmente a represente, sendo que, em caso de insolvência - um dos casos em que tal dever de comunicação é legalmente imposto -, a representação da sociedade insolvente cabe ao administrador da insolvência que tenha sido nomeado, o qual assume a sua representação para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, nos termos do n.º 4 do artigo 81.º do CIRE.

Daí que, a comunicação efectuada pela recorrente, da qual dependia, nos termos da lei, a legalidade da "regularização" de IVA que pretendia efectuar, não tenha sido devidamente cumprida, não podendo tal irregularidade ser relevada porquanto a ora recorrente nada fez perante a devolução da carta, não permitindo assim que a comunicação chegasse ao administrador da insolvência e que este pudesse proceder ao "acerto simétrico" postulado pela anulação do IVA pelo credor.

Entende o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA que não obstante o dever de comunicação a que alude o n.º 11 do artigo 78.º do CIVA não tenha sido devidamente cumprido, tal facto não põe em causa o direito da Recorrente na regularização do imposto a seu favor, perante a natureza de crédito incobrável, ao abrigo da alínea b) do n.º 7 do mesmo preceito legal (cf. parecer, a fls. 218 dos autos).

Não vemos, porém, que a jurisprudência comunitária que cita em favor da sua tese seja transponível para o caso dos autos, sobretudo porque a Directiva IVA não impõe aos Estados-Membros os ajustamentos às liquidações de imposto em razão do não pagamento total ou parcial (créditos incobráveis ou de cobrança duvidosa) - cf. ALEXANDRA MARTINS/PEDRO MOREIRA, Regularizações de IVA: A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito, pp. 56/59 e SUSANA CLARO/HUGO SALGUEIRINHO MAIA, Recuperação de IVA de Créditos Incobráveis ou de Cobrança Duvidosa, pp. 471/472, ambos in SÉRGIO VASQUES (Coord.), CADERNOS IVA 2014, Almedina, Coimbra, 2014 - e em causa não está o exercício do direito à dedução, antes a anulação do imposto já liquidado e pago.

Assim, a formalidade indevidamente cumprida, que se afigura "ad substanciam", impede a legalidade da regularização do IVA efectuada pelo credor e consequentemente o provimento do recurso».

No caso dos autos, a impugnante, ora recorrida, não cumpriu o pressuposto, estabelecido no n.º 11 do artigo 78.º do IVA, da comunicação à devedora insolvente da intenção de proceder à anulação do IVA, em tempo oportuno, pelo contrário, fê-lo em data posterior à extinção da devedora o que torna tal comunicação juridicamente irrelevante, conforme refere a Exma. Magistrada do MP.

Acompanha-se ainda o MP quando afirma que "face às vicissitudes do processo de insolvência que ...não poderia ignorar, impunha-se que, independentemente da data da regularização do IVA, procedesse à comunicação à devedora insolvente da intenção de proceder à anulação do IVA contido no crédito incobrável em processo de insolvência, pelo menos em data anterior à do encerramento da liquidação, ou seja anteriormente à morte jurídica da devedora, ... o que não o fez" sendo caso "para dizer que, se não o fez, no momento próprio e juridicamente relevante, sibi imputet".

A comunicação ao adquirente do bem ou serviço que seja sujeito passivo de IVA da intenção do credor de proceder à anulação do IVA, contido no crédito incobrável em processo de insolvência, constitui requisito legal do qual depende a legalidade da "regularização" pelo credor e deve ser feita, em caso de insolvência do devedor, ao administrador de insolvência nomeado».

Resumindo, o acórdão considerou, não só que, porque foi declarada a insolvência do devedor, a comunicação a que alude o n.º 11 do art. 78.º do CIVA deveria ter sido feita na pessoa do administrador da insolvência - seu legal representante -, como também que essa comunicação tinha de ser feita antes da extinção da devedora, motivo por que, tendo sido efectuada depois, se deve ter tal comunicação como "juridicamente irrelevante", falhando assim um dos requisitos legais para a regularização do IVA pelo credor.

2.2.3.3 - Do confronto dos dois acórdãos resulta que em ambos, no âmbito da possibilidade de os credores (vendedores de bens ou prestadores de serviços) recuperarem o IVA referente a créditos incobráveis por insolvência do devedor [cf. art. 90.º, n.º 1, da Directiva IVA e art. 78.º, n.º 7, alínea b) do CIVA], se coloca a questão da necessidade da comunicação do credor ao devedor, prescrita pelo n.º 11 do art. 78.º do CIVA, como requisito da regularização do imposto, nas situações, como as neles tratadas, em que o devedor, na sequência da declaração de insolvência, estava já extinto, por via do encerramento da sua liquidação e consequente encerramento da matrícula e não havia notícia de que tivesse mantido actividade para além da data da extinção.

Note-se que, em ambos os casos - o que foi tratado pelo acórdão recorrido e o que foi tratado pelo acórdão fundamento - não se discute a incobrabilidade dos créditos, como também não se discute que o credor enviou a comunicação prevista no disposto no n.º 11 do art. 78.º do CIVA e que esse envio ocorreu antes da regularização na esfera do credor; o que se discute é se esta comunicação foi eficazmente efectuada, defendendo a AT que não, porque à data em que a comunicação foi feita o devedor já não tinha existência jurídica e sustentando o credor que sim, porque nessa data já nem sequer lhe era exigível a comunicação à sociedade devedora, na medida em que esta já não era sujeito passivo de IVA. Em síntese, o que está em discussão é saber se a comunicação ao devedor prevista no n.º 11 do art. 78.º do CIVA é também exigida quando, à data em que o credor pretende fazer a recuperação do imposto, aquele já não é sujeito passivo e, consequentemente, se deve considerar ineficaz a comunicação efectuada após o devedor ter perdido essa qualidade.

Ora, à referida questão, os acórdãos em confronto deram resposta divergente:

O acórdão arbitral recorrido, salientando que, no caso, «verifica-se que, quando foram efectuadas as comunicações, as sociedades comerciais devedoras estavam já extintas, por via do encerramento da sua liquidação e consequente encerramento da matrícula», considerou que a norma do n.º 11 do art. 78.º do CIVA não é aplicável ao caso nele tratado, porque o devedor insolvente já não era sujeito passivo (pois era uma sociedade já dissolvida e extinta) à data da regularização do imposto na esfera do credor, motivo por que não havia obrigatoriedade de este lhe comunicar essa regularização; em consequência, a falta dessa comunicação não pode impedir a regularização de imposto na esfera do credor, nem justificar as correcções de imposto efectuadas pela AT e que deram origem às liquidações impugnadas; dito de outro modo, porque a comunicação prevista no n.º 11 do art. 78.º do CIVA não era obrigatória, o direito à regularização não pode considerar-se precludido em razão da data em que essa comunicação foi feita.

Por sua vez, no acórdão fundamento, considerando-se também que a comunicação à sociedade devedora foi efectuada após a extinção desta, entendeu-se que tal comunicação deveria ter sido efectuada antes de a sociedade devedora ter sido extinta e, não o tendo sido, não podia considerar-se verificada a condição prevista no n.º 11 do art. 78.º do CIVA, que deve ser vista como uma formalidade ad substantiam relativamente à possibilidade de regularização do imposto, com base na incobrabilidade do crédito.

Podemos, pois, concluir que existe a oposição requerida para a prossecução do recurso, com a apreciação do respectivo mérito.

2.2.4 - DA NECESSIDADE DE COMUNICAÇÃO PREVISTA NO N.º 11 DO ART. 78.º DO CIVA À SOCIEDADE DEVEDORA QUANDO ESTA FOI JÁ EXTINTA E NÃO EXERCE ACTIVIDADE

Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido - que acima (em 2.2.3.1) deixámos transcrito na parte relevante - faz a melhor interpretação da lei, dispensando-nos de aqui reproduzir novamente a fundamentação nele expendida.

Permitimo-nos, apenas, salientar os seguintes aspectos:

É inequívoco que, na generalidade dos casos, porque a sociedade devedora do crédito incobrável se mantém em actividade, a recuperação do IVA por parte do credor depende da observância da comunicação prevista no art. 78.º, n.º 11, do CIVA, «para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efetuada». Esta comunicação constitui um modo de assegurar que os sujeitos passivos credores não irão receber uma parte ou a totalidade da contrapartida pelos serviços prestados, de assegurar a cobrança exacta do IVA e evitar a fraude, não podendo prejudicar a neutralidade do imposto.

A exigência dessa comunicação mantém-se nos casos em que a sociedade devedora tenha sido declarada insolvente, devendo então a comunicação ser feita ao administrador da insolvência, enquanto representante legal da devedora.

No entanto essa comunicação não pode considerar-se exigível quando a sociedade devedora, que era sujeito passivo na data em que se verificou a incobrabilidade dos créditos, já foi extinta e não há indício algum de que prossiga actividade, quer por tal comunicação se mostrar, então, impossível (a devedora deixou de ter personalidade jurídica e personalidade tributária), quer porque não assumiria relevância, por já não ser possível "a rectificação da dedução inicialmente efectuada" e por inexistir o risco de fraude (o credor já não receberá a totalidade ou a parte em falta da contrapartida pelos serviços prestados) que aquela comunicação visa prevenir.

Nessa situação, a comunicação ao adquirente prevista no art. 78.º, n.º 11, do CIVA, deixa de constituir requisito para a recuperação do IVA pelo credor.

O acórdão fundamento, cujo sumário não merece censura alguma, parece considerar que, porque a sociedade devedora se extinguiu juridicamente em momento posterior ao crédito se ter tornado incobrável nos termos do n.º 7 do art. 78.º do CIVA, o credor deveria ter cumprido o requisito do n.º 11 do mesmo artigo em momento anterior à morte jurídica da sociedade. Mas, salvo o devido respeito, por um lado, o credor não tem controlo algum sobre o momento da extinção do devedor e, por outro lado, a lei não estabelece data ou prazo para a comunicação ao devedor nos termos do n.º 11 do art. 78.º do CIVA.

Assim, concluímos que o acórdão recorrido, cuja fundamentação acompanhamos, não merece censura no segmento em que decidiu que nos casos sobre os quais incidiram as liquidações adicionais impugnadas não era obrigatória a comunicação prevista no n.º 11 do art. 78.º do CIVA.

2.2.5 - CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

A comunicação ao adquirente prevista no art. 78.º, n.º 11, do CIVA, «para efeitos de rectificação da dedução inicialmente efetuada», não se impõe nos casos em que as sociedades devedoras, na sequência da declaração de insolvência, foram já dissolvidas e extintas e não há qualquer indício de que tenham prosseguido a actividade após a data da extinção.

3 - DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em tomar conhecimento do mérito do recurso, negar-lhe provimento e uniformizar jurisprudência no sentido referido em 2.2.5.

Custas pela Recorrente (cf. art. 527.º, n.os 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).

Comunique-se ao CAAD e publique-se no jornal oficial.

(1) Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=6005.

(2) Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/3bd0ae74885f6ca880258412003dbc91.

Lisboa, 28 de Setembro de 2023. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Correia - Anabela Ferreira Alves e Russo.

117116875

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5582479.dre.pdf .

Aviso

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