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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 13/2023, de 5 de Dezembro

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Sumário

Acórdão do STA de 26-10-2023, no Processo n.º 621/17.2BEPNF-A - Pleno da 1.ª Secção Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: «O prazo de caducidade de um ano para reclamação ao Fundo de Garantia Salarial de créditos emergentes de contrato de trabalho previsto no artigo 2.º n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, na redacção anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, é susceptível de suspensão/interrupção, a determinar casuisticamente.»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 13/2023

Sumário: Acórdão do STA de 26-10-2023, no Processo 621/17.2BEPNF-A - Pleno da 1.ª Secção Uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos: «O prazo de caducidade de um ano para reclamação ao Fundo de Garantia Salarial de créditos emergentes de contrato de trabalho previsto no artigo 2.º n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei 59/2015, de 21 de Abril, na redacção anterior à alteração introduzida pela Lei 71/2018, de 31 de Dezembro, é susceptível de suspensão/interrupção, a determinar casuisticamente.».

Acórdão do STA de 26-10-2023, no Processo 621/17.2BEPNF-A - Pleno da 1.ª Secção

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I - RELATÓRIO

1 - AA, com os sinais dos autos, não se conformando com o teor do acórdão proferido pelo TCA Norte em 10 de Fevereiro de 2023, no âmbito do litígio em que era recorrido o Fundo de Garantia Salarial, igualmente com os sinais dos autos, vem dele interpor recurso para uniformização de jurisprudência, para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, invocando, como fundamento, a sua oposição com o acórdão proferido em 16.10.2020, pelo TCA Norte, no processo 617/17.4BEPNF, e remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

«[...]

1.º Há contradição entre o Douto Acórdão recorrido e já transitado em julgado e o Douto Acórdão também do Tribunal Central Administrativo Norte, mormente a decisão proferida no processo 617/17.4BEPNF, de 16.10.2020, transitada em julgado que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel relativamente à mesma questão fundamental de direito proferida no domínio da mesma legislação.

2.º A questão de direito essencial para o resultado e decidida no âmbito da mesma legislação relativamente à qual existe contradição jurisprudencial é a seguinte: saber se o prazo de um ano para reclamação de créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 8 do Decreto-Lei 59/2015, de 21 de abril (Regime do Fundo de Garantia Salarial), sendo um prazo de caducidade, é insusceptível de qualquer interrupção ou suspensão.

E saber ainda se o facto do Recorrente reunir todas as condições legais de acesso ao FGS aquando da aprovação do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, estava obrigado a fazê-lo no prazo de um ano a contar de tal momento, porque nada o impedia, nomeadamente por existir um PER da entidade empregadora, estando impedido de o fazer aquando da sua declaração de insolvência em momento posterior, sendo, assim, o seu pedido intempestivo.

3.º Não obstante a semelhança do caso concreto, em ambas as situações houve lugar a decisões diferentes, em sentido contraditório, por força da existência de entendimento divergente relativamente à interpretação e aplicação da mesma norma jurídica, o artigo 2.º, n.º 8 do DL n.º 59/2015, de 21 de abril.

4.º No Acórdão recorrido, o contrato de trabalho do Recorrente cessou em 04.03.2014, a insolvência da entidade empregadora - A..., S. A. (a mesma do Acórdão fundamento) ocorreu em 15.06.2016 e a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho junto do FGS foi em 05.09.2016.

5.º No Acórdão fundamento, o contrato de trabalho do Recorrente cessou em 04.03.2014, a insolvência da entidade empregadora (a mesma do acórdão recorrido) ocorreu em 15.06.2016 e a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho junto do FGS foi em 23.08.2016.

6.º Em ambos as Acórdãos (recorrido e fundamento) resultou provado que:

- A entidade empregadora apresentou, em 18.10.2013, processo especial de revitalização que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canaveses, sob o n.º 1377/13.3TBMCN, no qual foi nomeado administrador judicial provisório e aprovado o Plano de Recuperação com vista à Revitalização e foi publicitado por anúncio datado de 05.05.2014;

- Correu termos segundo processo especial de revitalização da entidade empregadora na Secção de Comércio de Amarante da Comarca do Porto Este, sob o n.º 1513/15.5T8AMT, que deu entrada em juízo de Dezembro de 2015, no qual foi nomeado administrador judicial provisório em 16.12.2015;

- No dia 15.06.2016 foi proferida sentença a declarar a insolvência da entidade empregadora, a qual transitou em julgado em 06.07.2016.

7.º No Acórdão recorrido decidiu-se que o Recorrente, cujo contrato de trabalho cessou em 04.03.2014, estava obrigado a reclamar créditos no prazo de um ano a contar da aprovação do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, ou seja, até 04.05.2016, por existir um PER da entidade empregadora e que não o podia fazer aquando da sua declaração de insolvência, pelo que o recurso interposto pelo Recorrente improcedeu

8.º No Acórdão fundamento decidiu-se pela procedência do recurso, com idêntico objecto e questão a decidir.

9.º Na verdade, nesse Acórdão, em que o contrato de trabalho do Recorrente terminou em 04.03.2014 decidiu-se que a reclamação de créditos junto do FGS (ocorrida em 23.08.2016) após a declaração de insolvência da entidade empregadora foi tempestiva, não obstante ter decorrido mais de um ano desde a aprovação do NRFGS, isto porque o prazo de um ano para reclamar créditos apesar de ser um prazo de caducidade é susceptível de interrupções e suspensões, o que sucedeu no caso.

10.º Decidiu-se neste Acórdão que devem ser consideradas a existência de causas interruptivas ou suspensivas da caducidade do artigo 2.º, n.º 8 do DL n.º 56/2019, de 21 de abril, interpretação que se adequa ao espírito do sistema comprovado pelo facto do próprio legislador ter criado, ainda que, ex tunc, norma exatamente nesse sentido. Concluindo-se assim que muito embora o contrato de trabalho do Recorrente tenha terminado em 04.03.2014, o pedido de pagamento de créditos junto do FGS, em 23.08.2016, foi tempestivo, considerando que o prazo de caducidade de um ano, que se iniciou em 04.05.2015 esteve suspenso (desde então) até à data da prolação da sentença de insolvência, em 15.06.2016.

11.º Verifica-se assim uma contradição jurisprudencial entre o núcleo essencial do Acórdão recorrido e Acórdão acima referido - acórdão fundamento - a respeito da mesma questão de direito.

12.º Sendo certo que, em ambos os casos (Acórdão recorrido e Acórdão fundamento) os Recorrentes foram trabalhadores da "A..., S. A. ", as petições iniciais são praticamente idênticas, salvo algumas diferenças irrelevantes para a discussão (quanto, por exemplo, à data de apresentação dos requerimentos) e em todos os processos a questão de direito a decidir é a mesma, os recursos são idênticos e os Acórdãos proferidos decidem de forma diferente a mesma questão de direito.

13.º No Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento existe uma identidade substancial da questão de direito decisiva para qualquer deles, resolvidas de modo absolutamente contraditório no domínio da mesma legislação, criando uma frontal divergência jurisprudencial que deve ser superada.

14.º No mesmo sentido de decisão do Acórdão fundamento já se pronunciou o Tribunal Constitucional no Acórdão 583/2018, no processo 188/2018, de 08.11.2018 e Acórdão 328/2018, de 27.06.2018 (rectificado pelo Acórdão 447/2018, no processo 555/2017).

15.º Pronunciaram-se ainda o TAF de Coimbra, no processo 585/16.0BECBR, de 07.02.2017, os Acórdãos do TCA nos processos n.º 1777/17.0BEPRT de 21.12.2018; processo 61/17.3BEBRG de 11.01.2019; processo 295/17.0BEPNF de 25.01.2019; processo 232/17.2BEBRG de 21.12.2018; processo 2492/16.7BEPRT de 07.12.2018 e processo 616/17.6BEPNF de 29.03.2021 (sendo que, neste processo, o caso é em tudo similar ao Acórdão recorrido e fundamento, por se tratar da mesma entidade patronal "A..., S. A. ", as petições iniciais são praticamente idênticas e os recursos são idênticos) e processo 662/18.2BEBRG, de 01.02.2019.

16.º Acresce ainda que:

- A Advogada/signatária do presente recurso patrocinou vários trabalhadores nos PER's e insolvência da sociedade "A..., S. A. ";

- Em todos eles, apresentou pedido para pagamento de créditos junto do FGS depois da declaração da insolvência da entidade patronal;

- Todos os pedidos foram indeferidos pelo FGS;

- Em todos os processos a signatária instaurou acção administrativa junto do TAF de Penafiel e Viseu, patrocinando a anulação da decisão do FGS que indeferiu os citados pedidos e a sua substituição por outra que os julgasse tempestivos e, em consequência, reconhecesse o direito dos trabalhadores ao pagamento dos créditos salariais em dívida através do FGS;

- As acções administrativas instauradas foram em tudo semelhantes, dado que a causa de pedir subjacente ao pedido era exactamente a mesma;

- Algumas sentenças foram logo julgadas procedentes em primeira instância, seguindo a linha de orientação do acórdão fundamento, como foi o caso: processo 652/18.5BEPNF do TAF de Penafiel e o processo 219/17.5BEVIS do TAF de Viseu;

- Outras sentenças foram julgadas improcedentes em primeira instância e, posteriormente, em recurso o TCA Norte revogou as decisões, julgando procedente os recursos, como foi o caso dos processos n.º 616/17.6BEPNF; 221/17.7BEPNF e 222/17.5BEPNF.

17.º Ora, porque como supra referido estamos perante decisões completamente contraditórias relativamente à mesma questão de direito (note-se que os factos em causa em cada um dos processos são exactamente os mesmos) no domínio da mesma legislação, impõe-se garantir uma aplicação uniforme do direito, colocando em igualdade jurídica aqueles que se encontram em situação materialmente idêntica.

18.º Por tudo o exposto, por razões de segurança jurídica, proteção da igualdade e da confiança, valores absolutamente fundamentais no ordenamento jurídico, essenciais e ínsitos ao próprio Estado de Direito impõe-se que este Colendo Tribunal emita recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência relativamente à questão de direito supra devidamente identificada, NOS TERMOS SUSTENTADOS NO ACÓRDÃO FUNDAMENTO, o que se requer:

NESTES TERMOS E, NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deve ser admitido o presente recurso e, em consequência, ser emitido recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência relativamente à questão de direito supra devidamente explanada essencial para o resultado, proferida no domínio da mesma legislação e relativamente à qual existe divergência jurisprudencial entre o Acórdão recorrido e o Acórdão proferido pelo mesmo tribunal (TCAN) no âmbito do processo 617/17.4BEPNF, de 16.10.2020 já transitado em julgado.

MAIS REQUER que por razões de segurança jurídica, proteção da igualdade e da confiança, valores absolutamente fundamentais no ordenamento jurídico, essenciais e ínsitos ao próprio Estado de Direito, se fixe jurisprudência no sentido sustentado pelo Acórdão fundamento, julgando-se assim tempestivo o pedido de pagamento de créditos salariais formulado pelo Recorrente junto do FGS (ocorrido em 02.09.2016) após a declaração de insolvência da entidade empregadora, não obstante ter decorrido mais de um ano desde a aprovação do NRFGS, por o prazo de caducidade ser suscetível de interrupções e suspensões, o que sucedeu no caso, de forma a garantir uma aplicação uniforme do direito, colocando em igualdade jurídica aqueles que se encontram em situação materialmente idêntica.,

ASSIM FARÃO V. EXAS, COLENDOS JUÍZES CONSELHEIROS, COMO SEMPRE,

INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!

[...]».

2 - Não foram produzidas contra-alegações.

3 - A Representante do Ministério Público junto deste STA, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se no sentido de o recurso ser admitido, ser julgado procedente e ser fixada jurisprudência em conformidade com o decidido pelo acórdão fundamento.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De facto

1.1 - O acórdão recorrido deu como provado o seguinte:

«[...]

1) O autor era trabalhador na sociedade S..., Lda.; doc.... junto com a p.i.; P.A., fls. 1, 2, 9, 10, 13

2) O contrato de trabalho do autor cessou a 04.03.2014; Artigos 4.º, a) da p.i. e 3.º da contestação; P.A., fls. 2

3) A entidade empregadora do autor apresentou processo especial de revitalização, que correu termos no Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, sob o n.º 1377/13...., tendo sido nomeado administrador judicial provisório e aprovado o Plano de Recuperação com vista à revitalização, o que foi publicitado por anúncio datado de 05.05.2014; Doc.... junto com a p.i.

4) Correu ainda termos o processo especial de revitalização sob o n.º 1513/15.... na Secção de Comércio de Amarante da Comarca de Porto Este, onde o autor reclamou os seus créditos, tendo sido reconhecido o montante de (euro) 6.981,54, como privilegiado; Doc.... junto com a p.i.

5) O referido processo foi admitido liminarmente a 16.12.2015, tendo nessa mesma data sido nomeado o administrador provisório; Doc.... junto com a p.i.

6) Foi também instaurado o processo de insolvência que correu termos na Secção de Comércio de Amarante da Comarca de Porte Este, sob o n.º 417/15...., onde o autor reclamou créditos no valor global de (euro)18.789,48, sendo (euro)5.686,11 relativos a retribuições de outubro de 2013 a fevereiro de 2014 e proporcionais de férias de 2013/2014, (euro)1.631,70 de subsídio de férias de 2012, 2013 e 2014, (euro)1.001,26 de subsídio de Natal de 2013/2014, (euro)8.855,51 de indemnização e (euro)1.614,90 de juros; doc.... junto com a p.i.

7) O autor apresentou a 06.09.2016 junto da entidade demandada requerimento para pagamento do valor dos créditos salariais no montante global de (euro)17.174,58; doc.... junto com a p.i.; P.A., fls. 9 e ant.

8) Por despacho de 17.05.2017 o Presidente da entidade demandada indeferiu o pedido de pagamento das prestações salariais com fundamento na inobservância do prazo de apresentação do requerimento, porque não ter sido apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho. P.A., fls. 34 e ant.

Ao abrigo do artigo 662.º do C.P.C. aditaram-se os seguintes factos:

6A) A declaração de insolvência foi requerida no dia 20 de março de 2015.

6B) No dia 15 de junho de 2016, foi proferida Sentença de declaração de insolvência da sociedade comercial S..., Lda..

9) A Petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida ao TAF de Penafiel em 11 de agosto de 2017.

IV.1.2 - Factos não provados

Inexistem factos com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados.

[...]».

1.2 - O acórdão fundamento deu como assentes os seguintes factos:

«[...]

A) O Autor foi trabalhador da sociedade "A..., Lda." até ao dia 20-12-2013 (cf. documento fls. l do PA);

B) A entidade empregadora do Autor apresentou processo especial de revitalização, que correu termos no Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, sob o n.º 1377/13.3TBMCN, no qual foi nomeado administrador judicial provisório e aprovado o Plano de Recuperação com vista à revitalização, e que foi publicitado por anúncio datado de 05-05-2014 (cf. documento n.º 2 junto com a PI e cujo teor se dá por reproduzido);

C) Correu temos sob o n.º 1513/15.5T8AMT na Secção de Comércio de Amarante da Comarca de Porto Este, processo especial de revitalização onde o Autor reclamou os seus créditos, tendo sido reconhecido o montante de (euro)21.153,12, como "crédito privilegiado" (cf. documento n.º 3 e cujo teor se dá por reproduzido);

D) O processo referido em C) foi admitido liminarmente a 16.12.2015, tendo nessa mesma data sido nomeado o administrador provisório (cf. documento n.º 3 junto à PI);

E) Foi instaurado o processo de insolvência que correu termos na Secção de Comércio de Amarante da Comarca de Porte Este, sob o n.º 417/15.6T8AMT-J2, onde o Autor reclamou créditos (cf. documento n.º 1 junto à PI e cujo teor se dá por reproduzido);

F) Em 25.08.2016 o Autor apresentou requerimento junto dos serviços da ED para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho do qual consta, além do mais, o seguinte (cf. fls.7/8 do PA e cujo teor se dá por reproduzido);

[IMAGEM]

G) Por despacho datado de 17-05-2017 o Sr. Presidente do FGS indeferiu o pedido de pagamento requerido pelo Autor, com base nos seguintes fundamentos constantes da notificação do referido despacho (cf. documento n.º 2 junto à contestação)

[ver imagem no original]

H) A presente acção deu entrada via email neste tribunal em 10.08.2017 (fls. l do PF).

Ao abrigo do artigo 662.º do C.P.C. aditam-se os seguintes factos:

I) Foi instaurado em 2015 novo PER relativo à sociedade "A..., S. A." o qual correu termos igualmente na Instância Central de Amarante, Secção de Comércio, Jl, sob o número de processo 1513/15.5T8AMT, no âmbito do qual foi proferido despacho em 16.12.2015 que nomeou o administrador judicial provisório - cf. fls. 14 (verso) e 15.

J) O autor apresentou reclamação de créditos no âmbito deste processo, tendo sido incluído na relação provisória de credores então elaborada pelo administrador judicial provisório nomeado - cf. documento de fls. 16 a 30 do suporte físico dos autos;

L) No dia 5 de Maio de 2016 foi proferida sentença que recusou a homologação do plano de recuperação ali apresentado - cf. fls. 117/120.

M) No dia 15.06.2016 foi declarada a insolvência da entidade empregadora - cf. fls. 111/115 dos autos.

[...]».

II.2. De Direito

2.1 - Da admissibilidade do recurso

Nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA, o exercício do poder de uniformização da jurisprudência pressupõe a existência de uma efectiva contradição entre o decidido nos acórdãos que se alega estarem em oposição entre si quanto à decisão da mesma questão fundamental de direito.

Importa, por isso, antes de mais, verificar se ocorre a invocada oposição entre os arestos.

Lembre-se que os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes:

i. que exista contradição entre acórdãos do TCA ou entre um acórdão de um TCA e um acórdão anterior do STA ou ainda entre acórdãos do STA;

ii. que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito;

iii. que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento;

iv. que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão impugnado, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.

Acresce que se mantêm os princípios que vinham da jurisprudência anterior (da LPTA) segundo os quais:

i. para cada questão relativamente à qual se alegue existir oposição deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento;

ii. só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos;

iii. é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - respeitem à mesma questão fundamental de direito, devendo igualmente pressupor a mesma situação fáctica;

iv. só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro

(cf. entre muitos outros o acórdão STA Pleno de 20 de Maio 2010 no proc. 0248/10).

Assim, considera-se que é a mesma a questão fundamental de direito quando:

i. as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

ii. o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfiram, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada - n.º 2 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

2.2 - Começamos por destacar que estamos perante um caso em que as decisões proferidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento respeitam à mesma questão fundamental de direito.

Para aferir da identidade do quadro factual, importa atentar nos seguintes factos:

i) estamos perante dois trabalhadores da mesma entidade empregadora;

ii) no caso do acórdão fundamento, o contrato de trabalho cessou no dia 20.12.2013, ficando também provado que o trabalhador reclamara os seus créditos no PER requerido pela empresa em 2013, que culminara com a aprovação do Plano de Recuperação publicitado por anúncio de 05.05.2014, bem como que procedera à reclamação dos mesmos créditos no âmbito do PER instaurado em 2015, que culminou com a recusa de homologação do plano de recuperação, em 05.05.2016 e com a declaração de insolvência da entidade empregadora em 15.06.2016, tendo ainda ficado provado que o A. reclamara os seus créditos ao Fundo de Garantia Salarial em 25.08.2016 e que o pedido fora indeferido em 17.05.2017 com o fundamento de que já teria decorrido o prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei 59/2015, de 21 de Abril (de ora em diante, NRFGS);

iii) no caso do acórdão recorrido, o trabalhador cessou o vínculo laboral em 04.03.2014, ficando igualmente provado que reclamou os seus créditos no primeiro e no segundo processo de revitalização da empresa, que a declaração de insolvência da entidade empregadora ocorreu em 15.06.2016, que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho junto do FGS deu entrada em 05.09.2016 e que o mesmo foi indeferido em 17.05.2017, com o fundamento de que não tinha sido respeitado o prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial;

Assim, a identidade dos quadros factuais resulta de os contratos de trabalho terem cessado antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 59/2015, de 21 de Abril (Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial); os créditos laborais terem sido reclamados no âmbito dos processos de revitalização a que a empresa se submeteu; os pedidos ao Fundo de Garantia Salarial terem sido formulados após a entrada em vigor do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial e após a declaração de insolvência da empresa e, em ambos, os pedidos de reclamação dos créditos terem sido indeferidos com o fundamento da extemporaneidade por inobservância do prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8 do referido NRFGS.

Verifica-se também uma identidade do quadro jurídico aplicável às questões controvertidas, uma vez que, como dissemos, em ambos os casos o despedimento tem lugar num momento anterior à entrada em vigor do NRFGS, aprovado pelo Decreto-Lei 59/2015, mas o requerimento para pagamento dos créditos é apresentado pelos trabalhadores já na vigência deste novo regime jurídico e em ambos o indeferimento é fundamentado na interpretação de que o prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS não admitiria causas de suspensão ou interrupção.

2.3 - E existe também uma oposição nas decisões expressamente proferidas naqueles dois arestos.

Com efeito, no acórdão fundamento, o TCA Norte, remetendo para uma decisão do mesmo Tribunal, proferida em 29.03.2019 (proc. 616/17.6BEPNF), entendeu que, mesmo aplicando-se ao caso o prazo de caducidade de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessara o contrato de trabalho (prazo previsto no artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS), cabia, face à decisão do TC (acórdão 328/2018) que julgara aquela norma inconstitucional, promover a sua aplicação segundo uma interpretação conforme à constituição, o que resultava na "aplicação ao caso por via interpretativa integradora" da solução entretanto introduzida pela Lei 71/2018, de 31 de Dezembro. De acordo com esta solução, o prazo de caducidade do direito tinha de considerar-se suspenso desde a propositura da "acção de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações". Com base neste entendimento, concluiu pela tempestividade do pedido formulado pelo Requerente em 25.08.2016 (apesar de o contrato de trabalho ter cessado em 20.12.2013) e pela obrigação de o FGS apreciar o pedido.

Já o acórdão recorrido, apoiando-se na jurisprudência deste STA firmada, entre outros, no acórdão de 3 de Outubro de 2019 (Processo 01015/16.2BEPNF), entendeu que era de aplicar ao caso dos autos o prazo de caducidade de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS, contando-se o mesmo da data da entrada em vigor daquele diploma legal (ou seja, 04.05.2015). Assim, concluiu pela intempestividade do pedido, por considerar que o prazo para a sua apresentação caducara em 04.05.2016.

2.4 - Por último, sublinhe-se que existe jurisprudência mais recente do STA sobre esta matéria, que foi firmada no acórdão de 03.11.2022 (proc. 01315/17.4BEPRT), mas que a mesma não se pode considerar constante, atento, sobretudo, o facto de existirem arestos anteriores, igualmente posteriores à jurisprudência do TC que julgou a norma do artigo 2.º, n.º 8 NGFGS inconstitucional, e em que se perfilharam entendimentos diferentes daquele que veio a obter consagração neste aresto mais recente de 2022.

Assim, conclui-se que estão verificados os pressupostos previstos no artigo 152.º do CPTA para a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência.

2.5 - No que respeita ao julgamento do fundo da questão, afigura-se-nos ser de firmar aqui a solução adoptada no já referido acórdão deste STA de 03.11.2022.

Com efeito, o primeiro pressuposto para determinação da solução aplicável é a orientação que resulta da inúmera jurisprudência do Tribunal Constitucional a respeito da inconstitucionalidade da norma do n.º 8 do artigo 2.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (acórdãos 328/2018; 583/2018; 251/2019; 270/2019; 575/2019; 576/2019; 578/2019; 152/2020; 374/2022 e 792/2022) "na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insusceptível de qualquer interrupção ou suspensão".

Trata-se, como bem qualifica o aresto deste STA de 03.11.2022, de uma "decisão interpretativa", em que o Tribunal apenas julga a inconstitucionalidade de um dos sentidos possíveis da norma, devendo a mesma ser interpretada em conformidade com o sentido que não se encontra afectado por aquele vício.

E pelas razões ali expressamente indicadas, extraídas da fundamentação das decisões do TC, resulta claro que o único segmento da norma que enferma de inconstitucionalidade é aquele que não permite a interrupção ou suspensão do prazo para reclamar os créditos, precisamente quando neste período ocorra "um pressuposto essencial do direito ao accionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efectiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito". Como também se afirmou na decisão precedente deste STA que estamos a acompanhar, não foram abrangidos pelo julgamento de inconstitucionalidade, nem a qualificação do prazo como de caducidade do direito, nem a duração do prazo em si.

Neste seguimento, concluiu - e bem - o aresto que vimos a seguir que a norma do n.º 8 do artigo 2.º do NRFGS poderia - e deveria - ser aplicada no sentido conforme à constituição, ou seja, no sentido de que o trabalhador-credor dispõe do prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, sendo este um prazo de caducidade, que é susceptível de interrupção ou suspensão.

Uma das causas de suspensão que há-de ser admitida, à luz da interpretação da norma em conformidade com a CRP, é, precisamente, "o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efectiva declaração pelo tribunal competente". Solução jurídica, que, como se afirma no acórdão fundamento, teve entretanto consagração legal expressa pela alteração legislativa do NRFGS, aprovada pela Lei 71/2018, de 31 de Dezembro (na sequência, de resto, da antes referida jurisprudência do TC), que aditou o n.º 9 ao artigo 2.º, no qual se dispõe o seguinte: "prazo previsto no número anterior [o dito prazo de caducidade de um ano aqui em análise] suspende-se com a propositura de acção de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações".

2.6 - Cumpre verter a interpretação antes expressa para a solução a adoptar no caso concreto. Ora, tendo o contrato de trabalho do A. cessado em 04.03.2014, inicia-se o prazo de contagem de um ano em 05.03.2014. Porém, esse prazo suspende-se (desde o início) por efeito, primeiro, da prévia apresentação pela entidade empregadora de um requerimento de processo especial de revitalização, a que se seguiu o processo de insolvência, tendo ficado provado que o trabalhador tinha reclamado os seus créditos naqueles processos (razão pela qual não tinha sentido estar a correr o prazo de caducidade de um ano para a respectiva reclamação do FGS, uma vez que os mesmos poderiam ser satisfeitos no âmbito daqueles processos). Esta suspensão, tal como resulta da interpretação da norma do artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS em conformidade com a CRP, mantém-se até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão de insolvência, pelo que, tendo o A. e aqui Recorrente apresentado o seu requerimento para pagamento do valor dos créditos salariais junto da Entidade Demandada em 06.09.2016, concluiu-se que o mesmo não é extemporâneo.

Pelo contrário, o pedido tem de considerar-se apresentado em prazo e, nessa medida, o acórdão recorrido não se pode manter.

III - Decisão

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em:

i) Admitir o presente recurso para uniformização de jurisprudência;

ii) Conceder-lhe provimento, e, em conformidade, revogar o acórdão recorrido e a sentença do TAF de Penafiel, julgar procedente a acção, anular a decisão impugnada e determinar que o Fundo de Garantia Salarial proceda à reapreciação do requerimento do autor;

iii) Fixar jurisprudência no seguinte sentido: O prazo de caducidade de um ano para reclamação ao Fundo de Garantia Salarial de créditos emergentes de contrato de trabalho previsto no artigo 2.º n.º 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei 59/2015, de 21 de Abril, na redacção anterior à alteração introduzida pela Lei 71/2018, de 31 de Dezembro, é susceptível de suspensão/interrupção, a determinar casuisticamente.

Custas pelo Recorrido neste Supremo e nas Instâncias.

D.N., com cumprimento do disposto no n.º 4 do art. 152.º do CPTA.

Lisboa, 26 de outubro de 2023. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - José Augusto Araújo Veloso - José Francisco Fonseca da Paz - Ana Paula Soares Leite Martins Portela - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - Liliana Maria do Estanque Viegas Calçada - Pedro Manuel Pena Chancerelle de Machete - Dora Sofia Lucas Neto Gomes.

117116956

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5570642.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2015-04-21 - Decreto-Lei 59/2015 - Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social

    Aprova o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, previsto no artigo 336.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, transpondo a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador

  • Tem documento Em vigor 2018-12-31 - Lei 71/2018 - Assembleia da República

    Orçamento do Estado para 2019

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