Decreto Regulamentar 44/93
de 17 de Dezembro
A crescente exigência de qualidade dos tratamentos e serviços de saúde passa necessariamente pelo rigoroso controlo de qualidade da instalação e funcionamento dos laboratórios de análises clínicas, patologia clínica e anatomia patológica.
Iniciado na década de 80, o controlo da qualidade em química clínica processou-se, a nível interno, através de actividades relacionadas com a padronização e a avaliação das metodologias utilizadas e, a nível externo, através da participação em programas de avaliação de diferentes países.
Os resultados alcançados ao longo de mais de uma década de actividade permitem agora a institucionalização do controlo da qualidade analítica.
A par de tal avaliação e como seu pressuposto indefectível consagram-se rigorosas exigências da qualidade técnica, assistencial e humana dos serviços prestados pelos laboratórios.
Para além de instalações adequadas, importa que os laboratórios e unidades de colheita disponham de equipamento, geral ou especializado, que dê todas as garantias, técnica e cientificamente exigíveis, de fiabilidade dos resultados.
Do mesmo modo, consagram-se exigências ao nível da qualificação e disponibilidade profissional susceptíveis de assegurar a prossecução do mesmo desiderato.
Com o presente diploma, inicia-se seguramente uma nova fase da actividade laboratorial, consolidando as virtualidades da experiência positiva em curso e eliminando alguns aspectos negativos.
Foi ouvida a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos.
Assim:
Ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei 13/93, de 15 de Janeiro, e nos termos da alínea c) do artigo 202.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma regula as condições de licenciamento e fiscalização dos laboratórios que prossigam actividades de diagnóstico, monitorização terapêutica e de prevenção, independentemente da designação adoptada.
Artigo 2.º
Comissão de verificação técnica e sanitária
1 - A fim de fiscalizar e avaliar a qualidade técnica é criada, junto de cada administração regional de saúde, uma comissão de verificação técnica e sanitária, cuja competência e modo de funcionamento são fixados por despacho do Ministro da Saúde.
2 - A comissão referida no número anterior é constituída por três elementos, em representação do Ministério da Saúde, um representante da Ordem dos Médicos e outro da Ordem dos Farmacêuticos.
Artigo 3.º
Valências
1 - Os laboratórios referidos no artigo 1.º podem prosseguir as seguintes valências:
a) Bioquímica geral;
b) Microbiologia geral;
c) Hematologia geral;
d) Imunologia geral;
e) Endocrinologia laboratorial e estudo funcional dos metabolismos, órgãos e sistemas;
f) Monitorização de fármacos e toxicologia clínica;
g) Microbiologia especial;
h) Hematologia especial;
i) Imunologia especial;
j) Anatomia patológica e citologia esfoliativa;
l) Biologia molecular: aplicações nas diferentes valências laboratoriais.
2 - À valência de anatomia patológica e citologia esfoliativa têm acesso os médicos anátomo-patologistas inscritos no respectivo colégio da Ordem dos Médicos.
3 - Às restantes valências terão acesso os médicos patologistas e os farmacêuticos analistas.
4 - A lista das nomenclaturas dos exames que integram as valências referidas no n.º 1 é aprovada por portaria do Ministro da Saúde.
Artigo 4.º
Instalações
1 - Os laboratórios devem dispor de:
a) Um sector de atendimento, dotado de recepção de utentes e de produtos, arquivo de resultados com adequado apoio administrativo, sala de espera e salas de colheitas apropriadas, com instalações sanitárias privativas;
b) Serviços de apoio dotados, de acordo com as valências, de zonas de lavagem e de preparação e esterilização de material;
c) Uma área para execução de análises, compatível com as valências prosseguidas pelos estabelecimentos.
2 - Os laboratórios que preparem autovacinas e auto-alergénios devem dispor ainda de uma área destinada exclusivamente a estas preparações convenientemente protegida contra quaisquer contaminações.
3 - As instalações referidas no n.º 1 devem ter, no conjunto, uma dimensão mínima de 120 m2, incluindo as zonas de circulação.
4 - Os laboratórios onde se efectuem exclusivamente exames laboratoriais na área da anatomia patológica e da citologia esfoliativa devem dispor de instalações com uma área, no mínimo, de 40 m2 e, caso a actividade seja desenvolvida conjuntamente com outras valências, devem os laboratórios possuir também uma zona laboratorial específica para o efeito, com uma área, no mínimo, de 20 m2.
5 - Os laboratórios que utilizem radioisótopos na realização de algumas análises devem dispor de licença definitiva de protecção contra radiações ionizantes, nos termos da lei.
Artigo 5.º
Higiene e segurança do estabelecimento
1 - Quando o tipo de análises a realizar o exija, devem os laboratórios possuir câmaras biológicas (hotte) com ventilação autónoma.
2 - A iluminação nas salas de execução de análises deve ser adequada ao tipo de análises nelas realizadas.
3 - As paredes das zonas de trabalho devem ser revestidas de material liso e lavável, resistente a ácidos e solventes.
4 - O chão das zonas de trabalho deve ser revestido de material liso, de preferência de cor clara, peça única, se possível, sem fendas ou ranhuras que permitam a introdução de material, infectado ou radioactivo, devendo, quando tal não for possível, fazer-se ligações adequadas.
5 - As portas devem ser lisas com puxadores facilmente laváveis.
6 - A saída de água para as pias de despejo deve ser accionada por um sistema que evite o contacto directo das mãos com as torneiras.
7 - Os produtos a lançar na rede geral de esgotos devem ser previamente tratados.
8 - O número de extintores de incêndio será conforme à dimensão do estabelecimento, existindo, obrigatoriamente, um na zona em que se trabalhe com gás.
Artigo 6.º
Equipamento geral
1 - Os laboratórios devem estar equipados com o seguinte equipamento geral:
a) Microscópio com acessórios indispensáveis;
b) Aparelhagem que permita a obtenção de água quimicamente pura com condutividade diversa, de acordo com as exigências dos diferentes sectores do laboratório;
c) Material corrente;
d) Frigorífico;
e) Congelador que atinja temperaturas de menos de 20ºC;
f) Aparelhos de esterilização pelo calor seco (estufa até 200ºC) e pelo calor húmido (autoclave);
g) Centrifugador com acessórios;
h) Banho-maria de temperatura regulável;
i) Balança de precisão.
2 - O equipamento referido no número anterior deve ser completado com o equipamento indicado por cada uma das valências prosseguidas no laboratório, de harmonia com o disposto nos artigos seguintes.
3 - Os laboratórios que, para além das suas valências básicas, realizem algumas das análises incluídas em valências específicas devem dispor do equipamento necessário para o efeito, podendo o equipamento a utilizar ser comum a várias valências.
4 - No caso de os laboratórios não disporem de capacidade técnica para a realização de exames exigindo tecnologia especial e cujos produtos biológicos possam ser enviados a outro laboratório em condições que garantam a qualidade dos exames a praticar devem poder comprovar a quem os enviaram através de contrato publicamente demonstrável e do boletim de resultados do laboratório que realizou os exames.
Artigo 7.º
Valência de bioquímica geral
Os laboratórios com a valência de bioquímica geral devem possuir o seguinte equipamento específico:
a) Centrifugadora com uma aceleração mínima compreendida entre 500 g e 1000 g;
b) Espectrofotómetro termoestatizado permitindo a leitura em comprimentos de onda pelo menos entre 340 nm e 700 nm;
c) Fotómetro de chama ou analisador de iões por eléctrodos selectivos, permitindo pelo menos o doseamento do sódio e do potássio;
d) Aparelho para crioscopia, no caso de o laboratório efectuar a determinação do ponto crioscópico de líquidos biológicos;
e) Aparelho para determinação do pH sanguíneo e parâmetros da relação com o equilíbrio ácido básico, no caso do laboratório efectuar estas determinações;
f) Conjunto para electroforese, incluindo densitómetro;
g) Aparelho de pH.
Artigo 8.º
Valência de microbiologia geral e imunosserologia
Os laboratórios com a valência de microbiologia geral e imunosserologia devem possuir o seguinte equipamento específico:
a) Material para cultura de germes aeróbios e para cultura de germes sob CO2;
b) Estufa de incubação;
c) Agitador para a reacção de VDRL.
Artigo 9.º
Valência de hematologia geral
Os laboratórios com a valência de hematologia geral devem possuir o seguinte equipamento específico:
a) Material para a determinação da velocidade de sedimentação;
b) Material para contagens e fórmulas, incluindo aparelho automático para, pelo menos, contagem de glóbulos vermelhos e brancos;
c) Fotómetro;
d) Centrífuga de micro-hematócrito;
e) Banho-maria regulável de paredes transparentes com agitação contínua e termóstato com uma variação para mais ou para menos de 0,2ºC, ou coagulómetro;
f) Agitador de tubos;
g) Sistema de placas de aquecimento com dispostivo de agitação para a determinação do factor Rh.
Artigo 10.º
Valência de endocrinologia laboratorial e estudo funcional dos metabolismos, órgãos e sistemas
Os laboratórios com a valência de endocrinologia laboratorial e estudo funcional dos metabolismos, órgãos e sistemas devem possuir o seguinte equipamento específico:
a) Centrífuga refrigerada;
b) Aparelho para determinação do pH;
c) Contador de radiações gama;
d) Equipamento de cromatografia e ou espectrofluorimetria adaptado aos exames praticados;
e) Equipamento para as provas funcionais.
Artigo 11.º
Valência de monitorização de fármacos e toxicologia clínica
Os laboratórios com a valência de monitorização de fármacos e toxicologia clínica devem possuir o seguinte equipamento específico:
a) Equipamento adequado de imunoensaio;
b) Equipamento de cromatografia adaptado aos exames praticados;
c) Espectrofotómetro de absorção atómica ou equivalente.
Artigo 12.º
Valência de microbiologia especial
Os laboratórios com a valência de microbiologia especial devem possuir o seguinte equipamento específico:
a) Microscópio com acessórios para fluorescência;
b) Equipamento de imunoensaio;
c) Câmara asséptica;
d) Sistema de membranas filtrantes;
e) Estufas adequadas às técnicas a executar.
Artigo 13.º
Valência de hematologia especial
Os laboratórios com a valência de hematologia especial devem possuir o seguinte equipamento específico:
a) Agregómetro;
b) Viscosímetro;
c) Microscópio com acessórios para fluorescência;
d) Equipamento para electroforese;
e) Citómetro de fluxo.
Artigo 14.º
Valência de imunologia especial
Os laboratórios com a valência de imunologia especial devem possuir o seguinte equipamento específico:
a) Microscópio com acessórios para fluorescência;
b) Equipamento de imunoensaio;
c) Centrífuga refrigerada.
Artigo 15.º
Valência de anatomia patológica e citologia esfoliativa
Os laboratórios com a valência de anatomia patológicva e citologia esfoliativa devem possuir o seguinte equipamento específico:
a) Micrótomo;
b) Microscópio;
c) Estufa de incubação;
d) Estufa de esterilização;
e) Frigorífico;
f) Centrífuga com acessórios;
g) Material corrente adequado.
Artigo 16.º
Valência de biologia molecular aplicada nas diferentes valências laboratoriais
Os laboratórios com a valência de biologia molecular devem possuir o seguinte equipamento específico:
a) Ciclador térmico;
b) Lâmpada de ultravioleta para 254 nm (nanómetros);
c) Estufa de incubação;
d) Câmara de fluxo laminar;
e) Equipamento adequado a microelectroforese em gel de agarose e poliacrilamida.
Artigo 17.º
Exames de valências especializadas
Os exames que digam respeito tradicionalmente a valências especializadas podem ser feitos nos laboratórios possuindo valências gerais desde que as mesmas, pela sua natureza, não obriguem a equipamento específico ou desde que haja equipamento adequado, sem ser necessário preencher todos os pressupostos da valência respectiva.
Artigo 18.º
Pessoal
1 - Os laboratórios devem dispor do seguinte pessoal:
a) Um responsável técnico que seja especialista em patologia clínica ou análises clínicas, inscrito respectivamente nos colégios da especialidade da Ordem dos Médicos ou na Ordem dos Farmacêuticos;
b) Pessoal técnico com habilitações adquiridas nos estabelecimentos oficialmente reconhecidos para o efeito, que colaborará na execução das análises e na colheita de produtos biológicos;
c) Pessoal de atendimento, secretariado e arquivo.
2 - Os laboratórios podem ainda ter ao seu serviço outros especialistas pela Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos e licenciados, não especialistas, em Medicina, Farmácia, Biologia, Química, Bioquímica e Engenharia Química.
3 - O pessoal de cada laboratório deve ser adequado às valências prosseguidas e ao movimento previsível, devendo a proporção ser de um especialista pelas Ordens para oito técnicos devidamente habilitados nos termos da alínea b) do n.º 1.
4 - Os estabelecimentos onde se efectuem exames laboratoriais na área de anatomia patológica devem ter um anátomo-patologista inscrito no respectivo colégio da especialidade da Ordem dos Médicos responsável por essa valência.
Artigo 19.º
Responsável técnico
1 - Cada responsável técnico apenas pode assumir a responsabilidade por um laboratório privado, com horário não inferior a metade do seu período de funcionamento, devendo ser substituído nos seus impedimentos por um profissional qualificado, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo anterior.
2 - Nos casos em que os laboratórios utilizem radioisótopos para a realização de algumas análises, o responsável técnico deve estar habilitado com o curso de segurança ministrado pelo Departamento de Protecção e Segurança Radiológica do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial.
Artigo 20.º
Funcionamento dos laboratórios
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, durante o período de funcionamento do laboratório é obrigatória a presença de um licenciado nas áreas referidas no n.º 2 do artigo 18.º
2 - Os estabelecimentos podem articular-se funcionalmente entre si com o objectivo de garantir o cumprimento das prescrições médicas.
3 - Os resultados dos exames efectuados por cada laboratório devem constar de relatório assinado pelo responsável técnico ou por um especialista pela Ordem dos Médicos ou Ordem dos Farmacêuticos, devidamente identificados.
Artigo 21.º
Colheita de produtos biológicos
1 - Os produtos biológicos só podem ser colhidos em laboratórios devidamente licenciados, no domicílio dos doentes e nas unidades de colheita, por pessoal devidamente habilitado para o efeito, sob a orientação do responsável técnico do laboratório.
2 - Consideram-se pessoal devidamente habilitado para os efeitos do disposto no número anterior os médicos e os farmacêuticos especialistas em análises clínicas, os técnicos superiores referidos no n.º 2 do artigo 18.º e os técnicos de análises clínicas diplomados.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, é lícita a colheita de produtos biológicos em consultórios médicos, no decurso da observação clínica, sempre que o médico assistente o considere necessário.
4 - O período de funcionamento normal dos laboratórios decorre entre as 8 e as 20 horas, devendo abranger obrigatoriamente um período mínimo de duas horas, na parte da manhã, destinado à colheita de produtos biológicos.
Artigo 22.º
Unidade de colheita
1 - O número de unidades de colheita de que cada laboratório pode dispor será determinado em função dos especialistas que nele prestam serviço, na proporção de um especialista para seis unidades, devendo estes encontrar-se contratualmente vinculados no laboratório central.
2 - Cada especialista apenas pode ser responsável por seis unidades de colheita de um único laboratório ao qual estará vinculado com horário não inferior a metade do seu período de funcionamento.
3 - A distância entre as unidades de colheita e o estabelecimento principal não pode ser superior a 60 km.
4 - O acondicionamento e o transporte dos produtos biológicos devem ser efectuados em mala isotérmica e no período máximo de quatro horas após a colheita.
5 - As unidades de colheita não podem ser instaladas junto de estabelecimentos que assegurem prestações de saúde, designadamente em farmácias, casas do povo, juntas de freguesia, bombeiros, casas de pescadores e associações desportivas.
Artigo 23.º
Proibição de colheita de certos produtos biológicos
Não é permitida nas unidades de colheita a obtenção de produtos biológicos destinados a análises cuja realização deva ser imediata ou cujo resultado possa vir a sofrer alterações com o transporte a efectuar para o laboratório central.
Artigo 24.º
Instalações e equipamento das unidades de colheita
1 - As unidades de colheita devem dispor de instalações autónomas e dos seguintes espaços:
a) Sala de espera;
b) Sala de colheita e acondicionamento de produtos biológicos;
c) Instalações sanitárias.
2 - As unidades de colheita devem dispor de equipamento e material apropriado para a colheita, recepção, preparação e transporte dos produtos biológicos e no mínimo de um frigorífico e de uma pequena centrífuga.
Artigo 25.º
Funcionamento das unidades de colheita
1 - As unidades de colheita não podem funcionar sem a presença, no mínimo, de dois técnicos, sendo um deles devidamente habilitado nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º
2 - As unidades de colheita devem ter afixado, em local bem visível, o respectivo horário de funcionamento, bem como a indicação do laboratório central de que dependem e do respectivo responsável técnico, com menção das suas habilitações académicas e profissionais.
Artigo 26.º
Disposição transitória
A área das instalações a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pode, em relação aos laboratórios que se encontram em funcionamento há pelo menos dois anos, ser inferior a 120 m2, mas nunca inferior a 80 m2.
Artigo 27.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia 1 do mês seguinte ao da sua publicação.
Presidência do Conselho de Ministros, 27 de Setembro de 1993.
Aníbal António Cavaco Silva - Arlindo Gomes de Carvalho.
Promulgado em 23 de Novembro de 1993.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 24 de Novembro de 1993.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.