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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 1/2023, de 17 de Março

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Sumário

Acórdão do STA de 18 de Janeiro de 2023, no Processo n.º 104/22.9BALSB - Pleno da 2.ª Secção - uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: I - A isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, em conjugação com o disposto no Decreto-Lei n.º 295/87, de 31 de Julho, e o disposto nos artigos 146.º, n.º 1, alínea b), e 147.º, n.º 1, da Directiva IVA, em benefício dos bens transportados na bagagem pessoal de viajantes, deve ser interpretada no sentido de que não estão abrangidos pela mesma os bens que um particular que não está estabelecido na União Europeia transporta consigo para fora da União para fins comerciais, com vista à sua revenda num Estado terceiro. II - É competência dos serviços aduaneiros, no momento da exportação, verificar se estão ou não preenchidos os requisitos do Decreto-Lei n.º 295/87 relativamente a bens, viajantes e facturas, antes de certificar a exportação dos bens transportados pelos viajantes mediante a aposição de carimbo. III - A certificação da exportação, mediante o certificado aposto na factura, é um acto constitutivo do direito à isenção fiscal prevista no Decreto-Lei n.º 295/87, autonomamente impugnável e só poderá ser anulado nos termos legais previstos para a anulação dos actos administrativos constitutivos de direitos. IV - Sem prejuízo do exposto em III, sempre pode dar-se como verificada tal isenção, subsumível na alínea b) do n.º 1 do artigo 146.º da Directiva IVA, se estiverem satisfeitos os requisitos da entrega de bens tal como é entendida no artigo 14.º da Directiva IVA e se se mostrar comprovada a saída dos bens do território da União, ainda que não tenham sido cumpridos pelo adquirente os formalismos do procedimento aduaneiro correspondente

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1/2023

Sumário: Acórdão do STA de 18 de Janeiro de 2023, no Processo 104/22.9BALSB - Pleno da 2.ª Secção - uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: I - A isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, em conjugação com o disposto no Decreto-Lei 295/87, de 31 de Julho, e o disposto nos artigos 146.º, n.º 1, alínea b), e 147.º, n.º 1, da Directiva IVA, em benefício dos bens transportados na bagagem pessoal de viajantes, deve ser interpretada no sentido de que não estão abrangidos pela mesma os bens que um particular que não está estabelecido na União Europeia transporta consigo para fora da União para fins comerciais, com vista à sua revenda num Estado terceiro. II - É competência dos serviços aduaneiros, no momento da exportação, verificar se estão ou não preenchidos os requisitos do Decreto-Lei 295/87 relativamente a bens, viajantes e facturas, antes de certificar a exportação dos bens transportados pelos viajantes mediante a aposição de carimbo. III - A certificação da exportação, mediante o certificado aposto na factura, é um acto constitutivo do direito à isenção fiscal prevista no Decreto-Lei 295/87, autonomamente impugnável e só poderá ser anulado nos termos legais previstos para a anulação dos actos administrativos constitutivos de direitos. IV - Sem prejuízo do exposto em III, sempre pode dar-se como verificada tal isenção, subsumível na alínea b) do n.º 1 do artigo 146.º da Directiva IVA, se estiverem satisfeitos os requisitos da entrega de bens tal como é entendida no artigo 14.º da Directiva IVA e se se mostrar comprovada a saída dos bens do território da União, ainda que não tenham sido cumpridos pelo adquirente os formalismos do procedimento aduaneiro correspondente.

Acórdão do STA de 18-01-2023, no Processo 104/22.9BALSB - Pleno da 2.ª Secção

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 - RELATÓRIO

«C..., LDA», devidamente identificada nos autos, inconformada com a decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. n.º 496/2021-T - que julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral tendo em vista (i) a anulação do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou previamente; (ii) a anulação dos actos de liquidação de IVA n.os 2020 034018369, 2020034018370, 2020034018371, 2020034018376, 2020034018378, 2020034018380, 2020034018385, 2020034018386, 2020034018387, 2020034018392, 2020034018393, 2020034018394, referentes aos períodos tributários de Janeiro a Dezembro de 2016, os actos de liquidação de juros compensatórios n.os 202000000188510 a 202000000188521, referentes aos períodos tributários de Janeiro a Dezembro de 2016, respectivamente; e (iii) o reembolso do montante de imposto indevidamente pago no montante de (euro) 393 531,36, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor, veio interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3, do RJAT, com base em oposição de acórdãos, apontando como decisão fundamento o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Proc. n.º 01182/11.1BEPRT, datado de 2 de Dezembro de 2020.

Formulou nas respectivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

«[...]

A. O presente recurso é interposto contra a Decisão Arbitral proferida no dia 22 de junho de 2022, no âmbito do processo que correu termos junto do CAAD, sob o n.º 496/2021-T, e que julgou parcialmente (im)procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela ora RECORRENTE e, em consequência, determinou a anulação dos atos de liquidação do IVA, na parte atinente às transações identificadas na secção 4.9 da Decisão Arbitral, relativa à correção designada, no Projeto de Relatório de Inspeção, como 'outros clientes' (cf. cit. Doc. n.º 1).

B. Por não se poder conformar com o teor da Decisão Arbitral proferida, na parte em que indefere o peticionado, e por considerar que a mesma se encontra, quanto à mesma questão fundamental de Direito, em oposição direta com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo 01182/11.18EPRT, datado de 2 de dezembro de 2020 (cf. cit. Doc. n.º 2), vem pelo presente interpor o presente recurso.

C. No que se refere à questão principal, o Tribunal a quo julgou (i) improcedente a anulação dos atos de liquidação do IVA, na parte referente às operações tituladas em nome de AA e (ii) parcialmente procedente a anulação dos atos de liquidação do IVA na parte atinente às transações identificadas na secção 4.9 da presente Decisão Arbitral (cf. cit. Doc. n.º 1).

D. Sucede, contudo, que a Decisão Arbitral recorrida está em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, razão pela qual deve a mesma, uma vez declarada a oposição de decisões e uniformizada a jurisprudência no sentido perfilhado pelo Acórdão fundamento, ser revogada.

E. Nesta sede, refira-se que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo 01182/11.1BEPRT - que aqui serve de Acórdão fundamento - tem subjacente uma Impugnação Judicial deduzida contra um ato de liquidação do IVA, referente aos períodos tributários de janeiro, fevereiro e abril a outubro de 2007 e março a setembro de 2008, tendo subjacente uma situação de facto substancialmente idêntica à da aqui RECORRENTE e no âmbito da qual foram discutidas as mesmas questões de Direito que estiveram em discussão no processo arbitral que antecedeu o presente Recurso.

F. Com efeito, a Decisão Arbitral objeto do presente recurso decidiu que '[...] a Requerente não tem qualquer razão quando pretende sustentar que o reconhecimento do direito à isenção é conferido pelas estâncias aduaneiras competente.' (cf. cit. Doc. n.º 1), ao passo que o Acórdão fundamento entendeu que 'Aquele documento certificado, emitido pela autoridade aduaneira, é constitutivo do direito à isenção e só poderia ser anulado nos termos legais previstos para a anulação dos actos administrativos constitutivos de direito, na redação em vigor à data dos factos (artigos 136.º e 141.º do CPA).' e, portanto, '[...] perante um documento certificado, emitido pelas autoridades legalmente competentes para avaliar e julgar do preenchimento daquele requisito da isenção fiscal, não lhe poderia ser exigido outro comportamento que não o de proceder ao reembolso do IVA nos termos da lei.' (cf. cit. Doc. n.º 2).

G. Deste modo, é, pois, manifesta a oposição da Decisão Arbitral recorrida com o Acórdão fundamento.

H. Com efeito, uma vez que, em ambos os casos, estamos perante uma situação de facto substancialmente idêntica, impõe-se apurar se é ou não aplicável o reconhecimento do direito à isenção do IVA, com base no documento certificado pelas entidades aduaneiras, ou se, ao invés, em momento posterior a essa certificação, a Administração Tributária pode 'desconsiderar' o referido documento certificado através da emissão de atos de liquidação adicionais.

I. Na Decisão Arbitral recorrida, o Tribunal a quo afirma que: '[...] refira-se que a requerente não tem qualquer razão quando pretende sustentar que o reconhecimento do direito à isenção é conferido pelas estâncias aduaneiras competentes. Essas Instâncias, nos termos da lei, atestaram que as mercadorias saíram do território da UE na bagagem pessoal do viajante e a sua função é só essa, como se alcança da norma do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 295/87 e a AT também não pôs em causa essa exportação, limitando-se a dar-lhe diverso enquadramento jurídico que, como se disse, parece correto.' (cf. página 43 do cit. Doc. n.º 1)

J. Já no Acórdão fundamento entendeu-se que 'Como resulta expressamente deste procedimento [descrito de forma detalhada no ponto 6.4. do referido Manual do IVA - Vertente Aduaneira], cabe aos serviços aduaneiros, no momento da exportação, verificar se estão ou não preenchidos os requisitos do Decreto-Lei 295/87 relativamente a bens, viajantes e facturas, antes de certificar a exportação dos bens transportados pelos viajantes mediante a aposição de carimbo. Se a Autoridade Aduaneira entender que não estão verificados os requisitos da isenção não certifica a exportação e fundamenta sumariamente essa decisão na factura. Esse acto será objeto de impugnação autónoma, uma vez que se trata de uma decisão administrativa relativa à verificação dos requisitos da isenção fiscal.' (cf. página 13 do cit. Doc. n.º 2).

K. E, neste sentido, o Acórdão fundamento passou a citar o Acórdão BDV Hungary Trading Kft, proc. C-563/12, e o Acórdão Netto Supermarkt, proc. C-271/06, ambos do Tribunal de Justiça da União Europeia, no qual concluiu que '[...] seria também contrário ao princípio da segurança jurídica que a AT pudesse obrigar o fornecedor a pagar o IVA quando este dispõe dos documentos certificados pelas autoridades aduaneiras e legalmente exigidos para a isenção do IVA ao abrigo do Decreto-Lei 295/87.' (cf., página 14 do cit. Doc. n.º 2).

L. Acrescentando, assim, que 'Aquele documento certificado, emitido pela autoridade aduaneira, é constitutivo do direito à isenção e só poderia ser anulado nos termos legais previstos para a anulação dos actos administrativos constitutivos de direitos, na redação em vigor à data dos factos (artigos 136.º e 141.º do CPA). Ora, quando teve lugar a inspeção tributária, em 2010, há muito que já havia decorrido o prazo para a anulação daqueles actos.' (cf. página 14 do cit. Doc. n.º 2).

M. Concluindo o Acórdão fundamento que 'Mesmo que se considere que a proteção da confiança legítima não seria mobilizável neste caso, atento o facto de o Impugnante, como agente económico avisado e conhecedor do regime jurídico aqui em discussão, ter a obrigação de saber que a venda de uma quantidade tão elevada de relógios não poderia ser qualificada como venda para fins privados, sendo essa uma das condições da isenção, a verdade é que perante um documento certificado, emitido pela autoridade legalmente competente para avaliar e julgar do preenchimento daquele requisito da isenção fiscal, não lhe poderia ser exigível outro comportamento que não o de proceder ao reembolso do IVA nos termos da lei.' (cf. página 14 do cit. Doc. n.º 2).

N. Com efeito, analisando o teor das duas Decisões, resulta que, para a Decisão Arbitral recorrida, a existência das operações financeiras entre a RECORRENTE, que é comerciante de relógios, e um seu cliente individual que solicitou o reembolso do IVA a favor de uma sociedade por si indicada, era por si só indício suficiente para o afastamento da aplicabilidade do regime de 'tax free' a essas transações, independente da existência de um documento certificado pelas estâncias aduaneiras, ao passo que, para o Acórdão fundamento, a existência de um documento certificado, pelas estâncias aduaneiras, é, por si só, constitutivo do direito à isenção, prevista no regime de 'tax free'.

O. Acrescentando, ainda, o Acórdão fundamento, que mesmo que se considerasse que recaía sobre o sujeito passivo a obrigação de averiguar qual o fim a que se destinavam os bens adquiridos, a existência do referido documento certificado pela autoridade legalmente competente para avaliar e julgar do preenchimento dos requisitos de isenção coloca-o na obrigação de, perante o adquirente dos bens, proceder ao reembolso do IVA nos termos da lei.

P. Ora, tal como se deixou demonstrado no Pedido de Pronúncia Arbitral que antecedeu, este entendimento vertido no Acórdão fundamento é, para a RECORRENTE, o entendimento que mais se adequa à teleologia do referido regime, sendo nessa medida o juridicamente mais acertado, porquanto deverá prevalecer sobre o entendimento da Decisão Arbitral recorrida.

Q. Por se considerar que reveste interesse para a boa decisão da presente causa, alude-se, ainda, às Decisões arbitrais que foram proferidas por Tribunais constituídos junto do CAAD, no âmbito dos processos n.os 105/2012-T e 315/2018-T, que têm por base uma situação de facto, também, substancialmente idêntica.

R. Com efeito, no âmbito do processo 105/2012-T, o Tribunal Arbitral decidiu que 'Deste modo, importa, ainda em abstracto, analisar qual a intensidade de controlo que é exigido a um particular sujeito passivo, quando colocado na situação da Requerente. [...] Existe, pois, inerente a este entendimento uma noção de proporcionalidade nas exigências de cuidado e de vigilância que se impõe aos comerciantes. Deverá, pois, ser este o diapasão da análise a promover, tendo também em consideração que a Administração Tributária nunca alegou tratar-se de um esquema fraudulento de que a Requerente fizesse parte ou cuja conduta possibilitasse a concretização.'.

S. No mesmo sentido, no âmbito do processo 315/2018-T, entendeu o Tribunal Arbitral que não recai sobre o sujeito passivo vendedor a obrigação de verificação do cumprimento dos requisitos de aplicação da isenção quando exista a aposição de carimbo pelas estâncias aduaneiras, referindo que: 'De resto, e a este respeito, a situação da Requerente não diverge, substancialmente, da própria AT, na veste dos serviços alfandegários. [...], sendo de referir que a própria AT comete aos serviços alfandegários a incumbência de controlar os requisitos da isenção aos bens, aos visitantes e às facturas e determina que os serviços aduaneiros apenas confirmarão a exportação dos bens transportados na bagagem dos viajantes, mediante a aposição de carimbo aprovado para o efeito nas facturas, caso as condições necessárias à isenção do IVA ao abrigo deste regime, enunciadas atrás, estejam reunidas.' (sublinhado da RECORRENTE).

T. A este respeito, veja-se, ainda, o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 21 de fevereiro de 2008, proferido no âmbito do processo C-271/06, no qual se refere que: 'Seria igualmente contrário ao princípio da segurança jurídica que um Estado-Membro que previu os pressupostos para a aplicação da isenção a uma entrega de bens para exportação para fora da Comunidade, fixando designadamente uma lista de documentos a apresentar às autoridades competentes, e que aceitou inicialmente os documentos apresentados pelo fornecedor como provas justificativas do direito à isenção pudesse depois obrigar este fornecedor a pagar o IVA relativo a essa entrega, quando se demonstre que, devido a uma fraude cometida pelo adquirente da qual o fornecedor não tinha nem podia ter conhecimento, os pressupostos da isenção não estavam efectivamente preenchidos.'

U. Assim, o entendimento do Tribunal arbitral, constante da Decisão objeto de recurso - de acordo com o qual a única função das estâncias aduaneiras é apenas atestar que as mercadorias saíam do território da EU na bagagem pessoal do viajante e que tal documento certificado não implica o reconhecimento do direito à isenção -, constitui um entendimento sem qualquer suporte legal.

V. Em idêntico sentido, resulta do teor do Ofício-Circulado n.º 30139/2012, de 28 de dezembro de 2012, da Direção de Serviços do IVA, que cabe aos lojistas que optem pela venda com liquidação de impostos, a emissão de fatura: '[...] em forma legal e emitida em triplicado. Deve conter a anotação do número e tipo de documento exibido (passaporte ou outro documento oficial que contenha a respetiva identificação), indicativo da identidade e residência do adquirente [...]', nada referindo quanto à obrigatoriedade de verificação dos demais requisitos constantes no referido diploma legal que prevê a isenção de imposto.

W. Na verdade, tal verificação do cumprimento dos requisitos é reservada, de acordo com este Ofício-Circulado, às estâncias aduaneiras, referindo-se que: 'reconhecendo-se a dificuldade de confirmação da residência do adquirente considera-se suficiente, no momento da venda, a exibição do passaporte ou de outro documento oficial que contenha a identificação do adquirente, sem prejuízo dos procedimentos subsequentes de verificação, no âmbito dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira.'

X. Entendimento semelhante resulta da Circular da DGAIEC n.º 6/2010, de 14 de janeiro de 2010, no âmbito da qual é estabelecido o procedimento a seguir pelas estâncias aduaneiras para verificação do cumprimento dos requisitos de que depende a aplicação da isenção prevista nos artigos 1.º a 5.º do Decreto-Lei 295/87, de 31 de julho, resultando de forma clara desta orientação de Serviço que: 'Caso estejam reunidas as condições [...] necessárias à isenção do IVA ao abrigo deste regime, os serviços aduaneiros deverão confirmar a exportação dos bens transportados na bagagem dos viajantes, mediante a aposição do respectivo carimbo, nas facturas [...]'

Y. Ora, no caso da RECORRENTE, existem faturas devidamente carimbadas pela estância aduaneira do Estado-Membro de saída que comprova a efetiva saída dos bens para um território terceiro, garantindo, assim, nos termos do regime aplicável, o direito à isenção de imposto ao adquirente dos mesmos.

Z. Neste sentido, e tendo as transações efetuadas sido validadas pela avaliação efetuada na estância aduaneira de saída, que reconhece, mediante a aposição de carimbo dos serviços, a possibilidade de isenção dos bens adquiridos e, por si, verificados, não pode, agora, em momento posterior, vir ser negada à RECORRENTE a dedução do imposto reembolsado.

AA. Em face do exposto, é imperioso concluir que o ato de liquidação do IVA aqui em apreço, na parte em que não foi anulado, é ilegal.

BB. Por fim, refira-se que também os requisitos previstos no artigo 152.º do CPTA se encontram, no caso, preenchidos, existindo, conforme já demonstrado, contradição entre a Decisão Arbitral recorrida e o Acórdão fundamento, sendo que essa contradição recai sobre a mesma questão fundamental de Direito.

CC. No caso, o Acórdão fundamento já transitou em julgado, sendo que, atentas as particularidades instituídas pelo RJAT, não se aplica o requisito do trânsito em julgado relativamente à decisão recorrida, na medida em que a forma de contagem do prazo para a interposição do presente recurso vem expressamente regulada no RJAT, contando-se a partir da notificação da Decisão Arbitral (artigo 25.º, n.º 3, do RJAT), e não a partir do trânsito em julgado da decisão impugnada, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do CPTA.

DD. Por outro lado, não existe, no sentido da orientação perfilhada na Decisão Arbitral recorrida, jurisprudência mais recente e consolidada no Supremo Tribunal Administrativo.

EE. Nota-se, ainda, que a RECORRENTE elegeu apenas um Acórdão fundamento, claramente identificada e que, quer o Acórdão fundamento, quer a Decisão Arbitral recorrida, configuram decisões expressas.

FF. As soluções jurídicas perfilhadas, quer no Acórdão fundamento, quer na Decisão Arbitral recorrida, respeitam à mesma questão fundamental de Direito e reportam-se a situações de facto substancialmente idêntica.

GG. Veja-se, ainda, que, uma vez declarada a oposição de decisões e uniformizada a jurisprudência no sentido perfilhado pelo Acórdão fundamento e porque do processo arbitral constam todos os elementos necessários a esse efeito, deverá ser apreciada a legalidade dos atos de liquidação do IVA referentes ao período de tributação de 2016, na parte não anulada pela Decisão Arbitral recorrida e, em consequência, ser determinada a sua anulação com todas as consequências daí advenientes.

HH. Caso assim não se entenda - o que se admite por mera cautela de patrocínio e sempre sem conceder -, uma vez declarada a oposição de decisões e uniformizada a jurisprudência no sentido perfilhado pelo Acórdão fundamento, deverá ser ordenado o reenvio do processo ao Tribunal Arbitral, para que este aprecie, novamente, o Pedido de Pronúncia Arbitral.

NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, SENDO, EM CONSEQUÊNCIA:

A) DECLARADA A OPOSIÇÃO DE DECISÕES E UNIFORMIZADA A JURISPRUDÊNCIA NO SENTIDO PERFILHADO PELO ACÓRDÃO FUNDAMENTO, PROFERIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO NO ÂMBITO DO PROCESSO 01182/11.1BEPRT; E

B) DETERMINADA A ANULAÇÃO DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO DE IVA, NA PARTE NÃO ANULADA PELA DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA, REFERENTES AO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2016, TUDO COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

O recurso foi admitido por despacho de 05-09-2022.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

«[...]

1.ª A Recorrente interpôs recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão arbitral proferido no processo 496/2021-T, com fundamento em oposição no acórdão do STA de 02-12-2020 (processo 01182/11.1BEPRT), sem que, contudo, se verifique a necessária identidade da factualidade e do direito subjacentes à decisão recorrida e ao acórdão fundamento para que haja pronúncia pelo STA no recurso aqui em apreciação, como também o julgamento da questão de fundo pelo Tribunal arbitral recorrido não merece qualquer crítica.

2.ª Todavia, importa previamente notar que, compulsado o acórdão fundamento, apenas constitui verdadeiramente objeto do recurso interposto a parte da decisão arbitral que julgou o pedido de pronúncia arbitral (ppa) improcedente por referência à correção relativa às operações com o Sr. AA; ou seja, entende-se que o objeto do recurso não compreende verdadeiramente as demais correções contestadas pela Recorrente e bem assim as liquidações de juros compensatórios por si impugnadas com fundamento autónomo, questões relativamente às quais também o ppa também foi julgado improcedente.

3.ª Como resulta delimitado pela própria Recorrente, 'em ambas as Decisões cuja oposição nesta sede se demonstra, esteve em apreço a aplicabilidade do regime de tax free, previsto no Decreto-Lei 295/87, de 31 de julho, em concreto às normas que regulam o reembolso do imposto pago em território nacional, na sequência da confirmação, pelas estâncias aduaneiras, da verificação do preenchimento dos requisitos de isenção do IVA.' (cf. página 12 das alegações e bem assim o seu ponto 13).

4.ª Sucede que, como resulta do acórdão arbitral recorrido, na correção analisada no ponto 4.7 da sua fundamentação, sob a epígrafe 'As transações efetuadas com outros clientes', foi apreciada questão diferente da referida pela Recorrente como sendo a subjacente no acórdão fundamento, estando para o Tribunal a quo, em suma, em causa na referida correção, a 'ausência de prova da restituição do IVA a esses clientes, como consta em Q), por entender que a existência de cheques ao portador, que até foram levantados pela própria empresa, não comprova e efetiva restituição do imposto, como exige o artigo 78.º, n.º 5, do IVA.'; o que de resto também resulta do referido ponto 4 das alegações da Recorrente.

5.ª O mesmo sucede relativamente à liquidação de juros compensatórios, questão em que se discutiu a sua anulação autónoma, atenta a alegada inexistência de culpa da Recorrente - cf. ponto 4.8 da decisão arbitral referida.

6.ª Assim, não se antevê em que medida o decidido pelo Tribunal a quo, quer quanto à correção referente a transações com outros clientes, quer relativamente à liquidação de juros compensatórios, pode estar em contradição com o acórdão fundamento invocado, por, em ambos os casos, existir um inequívoco distinto fundamento de direito, não estando assim preenchidos os pressupostos de acesso a este recurso, devendo assim, nesta parte, o mesmo desde logo não ser admitido, por inadmissibilidade legal.

7.ª Adicionalmente, e sem prejuízo de, como se explicita infra, também não se verificar oposição de decisões no que igualmente concerne à correção referente ao Sr. AA, o pedido formulado a final na alínea b) das alegações de recurso não tem cabimento no presente recurso.

8.ª Não se estando perante um recurso de cassação, como tem vindo de resto a ser entendimento unânime nos acórdãos proferidos pelo STA no âmbito de recursos como o presente, o Tribunal ad quem apenas se pode limitar a anular a decisão arbitral recorrida e não já atos de liquidação (do IVA e/ou de juros).

9.ª Prosseguindo, também no que se refere à correção referente ao Sr. AA, não estão reunidos os pressupostos de acesso ao recurso de oposição.

10.ª Resulta do acórdão fundamento que estão em causa factos praticados até setembro de 2008 [cf. relatório do referido aresto e igualmente alíneas A) a N) da matéria de facto indicada neste acórdão e ponto 3.1 da matéria de direito], como depois se repete aquando do enquadramento da questão a decidir: 'é o de saber se esse acto de certificação das exportações que ocorreram em 2007 e 2008 [...]' (cf. ponto 3.6 do acórdão fundamento).

11.ª E é à luz do direito aplicável à data dos factos ali em juízo que foi proferida a pronúncia no referido aresto, sendo que, como ali se refere, o Decreto-Lei 295/87 foi, entretanto, revogado pelo Decreto-Lei 19/2017, de 14 de fevereiro.

12.ª Por sua vez, nos autos arbitrais, estão em causa atos praticados no ano de 2016 e, como se refere na decisão arbitral recorrida:

'Esta isenção [do artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do CIVA] veio a ter disciplina própria, no Decreto-Lei 295/87, de 31 de julho (DL 295/87), que isenta do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) as transmissões de bens para fins privados feitas a adquirentes sem residência no território nacional que os transportem na sua bagagem pessoal com destino ao estrangeiro e declara expressamente no seu preâmbulo, que tem por finalidade regulamentar a citada norma do CIVA, obviamente dentro do quadro estabelecido na mencionada Diretiva 69/169/CEE do Conselho.

Entretanto a dita Diretiva 69/169/CEE do Conselho foi revogada com efeitos a partir de 01-12-2008 e substituída pela Diretiva 2007/74/CE do Conselho de 20-12-2007 [Pode consultar-se em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt/TXT/?uri=CELEX%3A32007L0074 acedido em 14-06-2022).], relativa à isenção do imposto sobre o valor acrescentado e dos impostos especiais de consumo cobrados sobre as mercadorias importadas por viajantes provenientes de países terceiros. Esta diretiva deixou de regular a isenção fiscal das mercadorias pessoais transportadas pelos viajantes residentes em países terceiros, em saída do espaço da União. Apesar disso o regime do Decreto-Lei 295/87, de 31 de julho, manteve-se em vigor até 30-06-2017, quando foi revogado pelo Decreto-Lei 19/2017, de 14 de fevereiro (artigos 10.º e 11.º, n.º 1), já depois da data dos factos em análise, que ocorreram em 2016.' (destaque nosso)

13.ª Sendo que, como se refere ainda na decisão arbitral recorrida, o regime jurídico aplicável, sucessivamente alterado por nove diplomas, tendo sido aplicável o regime legal vigente à data dos factos em causa nos autos.

14.ª Assim, salvo melhor opinião e lapso nosso, verifica-se que a regulamentação jurídica, tal como resulta configurada no acórdão fundamento, atento estar-se perante factos ocorridos até setembro de 2008, é distinta da regulamentação que se encontrava em vigor à data dos factos em causa no processo arbitral, referentes ao ano de 2016.

15.ª Valendo esta conclusão igualmente para a doutrina administrativa mencionada no recurso, a qual de resto não pode justificar o incumprimento da lei pela Recorrente, dado que nem sequer tal questão está em causa no acórdão fundamento.

16.ª Pelo que, desde logo, se deve concluir que falta um dos requisitos (cumulativos) de acesso ao tipo de recurso sub judice, devendo o mesmo ser rejeitado.

17.ª Sem prejuízo, a isto acresce ainda que a questão foi enquadrada de forma diferente na decisão arbitral recorrida, por também assim ter sido configurado pela Recorrente no pedido de pronúncia arbitral, pelo que também por este motivo não deve ser admitido o recurso interposto pela Recorrente.

18.ª Como se explicita na decisão recorrida:

'Insurge-se ainda a Requerente por a AT não ter ilidido a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes, em 98.º do PPA. Não se consegue alcançar a que declarações se refere afinal a Requerente pois o que está em causa não é uma declaração de facto, constituída pelo crédito a seu favor do IVA restituído à sociedade A..., Ltd, mas antes a qualificação jurídica desse montante. A AT não põe nunca em causa a transferência do valor; dá-lhe é um diferente tratamento jurídico e como só a matéria de facto está sujeita a prova, não se vê fundamento para a reclamação da Requerente.' (destaque nosso)

19.ª Sendo que, prosseguindo, refere, ainda em matéria probatória que não tem razão a Recorrente quando sustenta que o reconhecimento do direito à isenção é conferido pelas estâncias aduaneiras competentes por 'Essas instâncias, nos termos da lei, atestaram que as mercadorias saíram do território da UE na bagagem pessoal do viajante e a sua função é só essa, como se alcança da norma do artigo 3.º, n.º 2, do DL 295/87 e a AT também não pôs em causa essa exportação, limitando-se a dar-lhe diverso enquadramento jurídico que, como se disse, parece correto.' (destaque nosso)

20.ª É assim evidente que na decisão arbitral se suporta a sua decisão em norma que não foi concretamente relevada no acórdão fundamento, pois ali apenas foi considerado o artigo 1.º do DL 295/87, mas não já o seu artigo 3.º, o que determina, também por esta razão, a inadmissibilidade do recurso interposto.

21.ª Mas, a isto acresce ainda que também a factualidade subjacente nos dois arestos não é semelhante, tendo no acórdão arbitral recorrido sido relevada outra factualidade para além da quantidade dos relógios em causa e que influenciou a decisão proferida, ali se destacando que a Requerente fez diretamente o pagamento a um terceiro, uma sociedade, a A..., Ltd, entidade diferente do particular em nome de quem foram emitidas as faturas, constituindo tal 'indícios suficientes para que a Requerente se apercebesse que as operações com a intervenção destas entidades não se enquadravam no regime de tax free que aplicou aos negócios em causa'.

22.ª Assim, por força desta diferente factualidade, o princípio da segurança e da confiança foram perspetivados pelo acórdão arbitral recorrido de forma distinta da subjacente do acórdão fundamento, pelo que também por mais estas duas ordens de razão deve o recurso interposto não ser admitido.

23.ª De todo o modo, por mera cautela e dever de representação, não se pode deixar de concordar com a decisão arbitral proferida, para que se remete e se se dá aqui por reproduzida, mais se esclarecendo, quanto às decisões arbitrais referidas pela Recorrente, que a sua invocação carece de razão de ser.

24.ª Como referido já, não está em causa, como pretende a Recorrente, a prova da saída dos bens de Portugal mas o fim a que se destinam os bens adquiridos, pois é na natureza privada ou comercial da aquisição que assenta a isenção aqui em causa e os deveres que sobre si impendiam atenta a quantidade e a natureza dos bens em causa, em número bastante avultado e bem assim o pagamento por si efetuado ter sido a entidade diferente do particular em nome de quem foi emitida a fatura, e aquela sociedade, a A..., Ltd, como foi esclarecido pela própria Recorrente é o verdadeiro titular das operações, até por que, como referiu no procedimento inspetivo 'As facturas foram emitidas em seu nome [de AA] apenas pelo facto do próprio assim o ter solicitado.'.

25.ª Na decisão arbitral proferida no processo 105/2012-T, está, desde logo em causa, distinta factualidade, sendo que ademais nesta se refere que 'os deveres que impendem sobre o particular sujeito passivo são, como decorre do artigo 1.º do Decreto-Lei 295/87, de 31 de Julho, o de exigir a exibição de passaporte ou de outro documento oficial válido de que resulte que o adquirente é residente em país terceiro e, bem assim, de fazer um juízo de valor sobre a natureza e quantidade dos bens adquiridos, concluindo sobre se se trata, ou não, de bens cujo destino não são fins privados (oferta, uso próprio, uso de familiar)'.

26.ª Também na decisão arbitral proferida no processo 315/2018-T está em causa factualidade distinta.

27.ª Assim, e remetendo-se uma vez mais para todo o aduzido na decisão arbitral, não merece a mesma qualquer censura, devendo o recurso ser julgado improcedente.

28.ª Pelo que, tudo visto e ponderado, se conclui que o presente recurso para uniformização de jurisprudência não deve, desde logo, ser admitido, por inadmissibilidade legal, atentas as diferentes ordens de razão acima identificadas; e caso assim não se entenda, o que se admite por mera cautela e dever de representação, deve o recurso ser julgado improcedente, não merecendo qualquer censura o acórdão arbitral na parte recorrida, que, conforme acima explicitado, não abrange toda a decisão arbitral na parte em que julgou o pedido de pronúncia arbitral improcedente, devendo este, por ser válido, ser mantido na ordem jurídica.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser julgado improcedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, ser mantida na ordem jurídica a decisão arbitral recorrida, por consentânea com o quadro jurídico vigente.»

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que se mostram reunidos os requisitos de oposição de arestos, com vista à prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência, devendo anular-se a decisão arbitral recorrida.

Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.



2 - FUNDAMENTOS

2.1 - DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão arbitral recorrida o seguinte:

«[...]

A. A Requerente é uma sociedade por quotas, com o capital social de (euro) 74.819,69, que tem como atividade o comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria e joalharia. (PPA, 1.º; PA1, p. 40)

B. A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária de âmbito parcial incidente sobre o IVA do período tributário de 2016, titulado pela Ordem de Serviço n.º OI201903037. (PPA, 14.º: PA1, p. 39)

C. Por ofício datado de 20-10-2019, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária no qual a Administração Tributária considerou que existiram regularizações indevidas do IVA a favor da empresa, por errónea aplicação do regime de Tax Free, tendo proposto efetuar correções no montante total de (euro) 337.427,78. (PPA, 16.º: respetivo doc. 5)

D. Por discordar do entendimento constante do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária da Administração Tributária, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia. (PPA, 18.º: respetivo doc. 6)

E. Por ofício expedido em correio registado em 10-11-2020, a Requerente foi notificada para os termos do Relatório de Inspeção Tributária, elaborado com base no do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária. (PPA, 18.º: doc. 7; PA1, p. 30)

F. No RIT (1), para além do mais, consta do parecer da Coordenadora da Equipa, que mereceu parecer favorável da Chefe de Divisão, com poderes que lhe foram subdelegados pelo Diretor de Finanças-Adjunto [PA1, p. 34 e p. 33 (2)]:

No âmbito da análise externa, realizada, ao exercício de 2016, foram apuradas situações passíveis de correção. As irregularidades traduziram-se em correções de natureza meramente aritmética em sede do IVA, por infração aos artigos 14.º, 27.º e 78.º, todos do CIVA, as quais se encontram descritas e quantificadas no ponto III do relatório.

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As correções respeitam a regularizações indevidas efetuadas a favor do sujeito passivo, nomeadamente:

. (euro) 298.096,46 - por não reunirem as condições para a isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, respeitante às faturas emitidas ao cliente AA.

. (euro) 39.331,32 - por não ter na sua posse, em conformidade com o estipulado no artigo 78.º, n.º 5, do CIVA, prova de que o adquirente foi reembolsado do imposto. Pelo que se consideraram indevidas as suas deduções.

G. AA consta como destinatário das faturas emitidas pela Requerente, juntas como documento n.º 8 do PPA, que pela sua extensão e detalhe aqui se dão por reproduzidas, identificadas sumariamente no quadro seguinte: (PPA, 22.º: respetivo doc. 8).

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H. AA é residente em Hong Kong, China. (PPA, 23.º: PA, p. 127)

I. Após o recebimento de cópia das faturas carimbadas pelas estâncias aduaneiras, a atestar a saída dos bens do território da União Europeia, a Requerente desencadeou o procedimento tendente a reembolsar o IVA suportado por AA na aquisição dos bens e regularizar o valor reembolsado, em seu favor, mediante preenchimento do campo 40 da declaração periódica. (PPA, 23.º: PA1. Pp. 43-44)

J. No RIT consignou-se a base da ação inspetiva da seguinte forma, para além de tudo o mais que consta do documento (PA1, p. 42):

II.3.5 - Transferências transfronteiras

Conforme foi referido no capítulo 11.2, a ação inspetiva teve por base os dados da declaração Modelo 38 - Declaração de Operações Transfronteiras, através da qual as instituições de crédito e sociedades financeiras comunicam à Autoridade Tributária e Aduaneira as transferências financeiras que tenham como destinatário entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação privilegiada mais favorável, em cumprimento do n.º 2 do artigo 63.º-A da Lei Geral Tributária.

No exercício de 2016, a sociedade C..., LDA, NIF..., consta na declaração Modelo 38, a qual contém a seguinte informação:

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K. No RIT, para além do mais, consignou-se a descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas, relativas ao Imposto sobre o Valor Acrescentado ('IVA'), e às respetivas regularizações a favor do sujeito passivo, nos seguintes termos (PA1, pp. 43-44):

III.1 - Imposto sobre o Valor Acrescentado - IVA

III.1.1 - Regularizações do IVA a favor do Sujeito Passivo

Os valores inscritos no campo 40 - Regularizações a favor do Sujeito Passivo, no montante total de 681.820,17 (euro), respeitam essencialmente a regularizações no âmbito do Regime do Decreto-Lei 295/87 de 31/07, conforme se verifica no Quadro 7.

[...]

Com os elementos da contabilidade e com os dados obtidos do ficheiro SAFT da faturação, foi possível determinar as vendas para o Mercado Externo no montante de 4.414.883,49 (euro), as quais representam cerca de 73 % das vendas totais e efetuar a sua repartição por produto, conforme consta no Quadro 8.

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Os dados do Quadro 8 foram extraídos do Quadro A do Anexo onde estão discriminadas todas as faturas e contém o detalhe destas vendas (págs. 3 a 8 do Anexo).

Do Quadro 8 destacam-se as vendas efetuadas com isenção do IVA prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, no total de 2.884.515,20 (euro) (2.537.185,12 (euro) + 347.330,08 (euro)), que representam cerca de 48 % do total das vendas.

A alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA estabelece que estão isentas do imposto as transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade por um adquirente sem residência ou estabelecimento em território nacional ou por um terceiro por conta deste.

Esta isenção foi objeto de regulamentação, no que respeita a transmissão de bens para fins privados transportados na bagagem pessoal de adquirentes residentes em países não pertencentes à Comunidade Europeia, pelo Decreto-Lei 295/87, de 31 de julho, cujo regime é vulgarmente conhecido por 'Tax Free', o qual transpôs para o direito interno português as disposições da Diretiva 69/169/CEE.

O Decreto-Lei 295/87 determina as formalidades a cumprir para que se verifique a isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, pelo que importa analisar as condições referidas neste diploma para que possa ser aplicada aquela isenção.

L. No RIT, para além do mais, retrataram-se do seguinte modo os procedimentos praticados pela Requerente (PA1, p.45, RIT):

Procedimentos praticados pela sociedade

1 - A sociedade C... exigiu do adquirente no ato da venda o valor do imposto, conforme está previsto no artigo 5.º do referido decreto-lei, tendo inscrito o valor da venda na declaração periódica do IVA no campo 3 e o imposto liquidado no campo 4.

Deste modo, nestas vendas, a isenção foi concedida através do mecanismo do reembolso do IVA, também previsto no artigo 5.º daquele decreto-lei.

2 - O reembolso do IVA foi efetuado de duas formas:

- Reembolso ao cliente pela sociedade de intermediação financeira, G..., Lda., NIF..., com a qual a entidade celebrou contrato para o serviço de restituição do imposto.

Neste caso a sociedade G... reembolsa ao adquirente o Imposto cobrado pela sociedade N... e fatura-o posteriormente a esta sociedade.

- Reembolso direto ao cliente pela sociedade N..., Lda., quando não há intervenção da sociedade G...

3 - A regularização do IVA a favor do Sujeito Passivo é efetuada no campo 40:

- Após a receção da fatura da sociedade G..., nos casos em que o IVA foi reembolsado ao adquirente por esta sociedade.

O montante desta regularização foi de 85.033,27 (euro), conforme consta no Quadro 7.

- Após a receção da fatura devidamente carimbada pela estância de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia, nos casos do reembolso direto ao adquirente pela sociedade C..., LDA

O montante desta regularização foi de 584.943,80 (euro), conforme consta no Quadro 7.

M. No RIT, para além do mais, descreveram-se da seguinte forma as vendas efetuadas no regime de Tax Free, sem intervenção da sociedade G..., Lda., efetuadas ao cliente AA (PA1, pp.46-48, RIT):

III.1.1.1 - Vendas efetuadas ao abrigo do regime do Decreto-Lei 295/87, 'Tax Free' sem intervenção da sociedade G...

1 - Vendas efetuadas ao cliente AA

Foram efetuadas vendas a clientes não residentes ao abrigo do regime do Decreto-Lei 295/87, de 31/07, vulgarmente conhecido por 'Tax Free', no montante de 2.537.185,12 (euro), com isenção do IVA.

Este montante corresponde às vendas efetuadas, sem intervenção da sociedade G..., a 51 cidadãos, sendo que 51 % daquele montante corresponde a vendas efetuadas apenas a um cliente, AA, cidadão de Hong Kong, no montante de 1.296.071,55 (euro), tituladas pelas faturas identificadas no Quadro 9.

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Estas vendas apresentam as seguintes caraterísticas:

- As vendas estão tituladas por 20 faturas, emitidas entre 28-01-2016 e 14-12-2016, correspondendo a uma data por cada mês;

- Em 15 faturas foram concedidos descontos no montante de 359.595,02 (euro) que corresponde a um desconto de 23 %;

- Foram vendidos a este cliente 115 relógios, sendo 108 da marca...

- Em todas as faturas consta um carimbo aposto pela estância de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia, neste caso do Reino Unido, a qual certifica a exportação, em cumprimento do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 295/87, de 31-07;

- As faturas emitidas em nome do cidadão AA foram pagas por duas sociedades, com sede em Hong Kong, indicadas na coluna 9 do Quadro 9, pelos montantes indicados no Quadro 10.

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- A devolução do IVA foi efetuada à sociedade A..., Ltd, no montante de 271.399,64 (euro).

O restante valor do IVA de 26.696,82 (euro) (298.096,46 (euro) - 271.399,64 (euro)) respeita às faturas n.os 9111788 e 9111790, datadas de 14-12-2016, que não foi reembolsado no ano de 2016;

As faturas e os documentos comprovativos do recebimento e da devolução do IVA constam nas págs. 9 a 60 do Anexo.

Face às caraterísticas destas vendas foi solicitado à sociedade para:

- Justificar o desconto de 23 % nas vendas efetuadas a este cliente;

- Indicar a razão para o pagamento das faturas não ser efetuado pelo próprio, mas ser efetuado quase na totalidade pela sociedade S... e indicar a razão para que o reembolso do IVA tenha sido efetuado a outra sociedade distinta, a sociedade A..., Ltd;

- Esclarecer a relação do cliente AA com aquelas duas sociedades. (Págs. 61 a 63 do Anexo):

Em resposta, a sociedade referiu o seguinte, conforme consta no e-mail recebido em 28-04-2020 (págs. 65 e 66 do Anexo):

Quanto aos descontos:

- Em termos de desconto comercial, foi feito com o cliente AA um acordo de 23 %, o que lhes permitiu chegar a mercados a que não tinham acesso, permitindo-lhes vender determinado tipo de peças de elevado valor que dificilmente conseguiriam vender a clientes nacionais;

- Aquele cliente estabeleceu esta parceria com a sociedade com base naquele desconto, bem como pelo facto de, sendo residente em Hong Kong, beneficiar da Isenção do IVA na Exportação.

Quanto às sociedades:

- O cliente AA e a sua esposa são os donos da firma A..., LTD, tendo enviado como comprovativo o documento que consta na pág. 67 do Anexo.

A devolução do valor do IVA é feita para esta sociedade por indicação do cliente, dado ser a sua empresa em Hong Kong;

As faturas foram emitidas em seu nome apenas pelo facto do próprio assim o ter solicitado, visto que era ele próprio que levantava presencialmente os produtos na loja, uma vez que só assim poderia beneficiar da Isenção do IVA na Exportação;

O pagamento das faturas foi feito, na maioria das vezes, através da sociedade S...Limited Global, pois era através desta sociedade que ele efetuava a conversão cambial de Hong Kong de Dólares para Euros.

N. No anexo ao RIT, para além do mais, consta a resposta da Requerente à questão que lhe foi apresentada pela AT, referidas no ponto anterior, de 'Indicar a razão para o pagamento das faturas não ser efetuado pelo próprio, mas ser efetuado quase na totalidade pela sociedade S...Limited Global e indicar a razão para que o reembolso do IVA tenha sido efetuado a outra sociedade distinta, a sociedade A..., Ltd' cujo teor integral é o seguinte (PA1, pp.125-126, RIT, anexo):

Relativamente à segunda questão colocada, o cliente AA é o dono, juntamente com a sua esposa, da firma A..., Ltd (documento em anexo). A devolução do valor do IVA é feita para esta sociedade por indicação do cliente, visto tratar-se de ser a sua empresa em Hong Kong. O pagamento das facturas foi feito, na maioria das vezes, através da sociedade S...Limited Global pois era através desta sociedade que ele efectuava a conversão cambial de Hong Kong de Dólares para Euros. As facturas foram emitidas em seu nome apenas pelo facto do próprio assim o ter solicitado, visto que era ele próprio que levantava presencialmente os produtos na nossa loja. Só assim poderia beneficiar da Isenção do IVA na Exportação.

Relativamente ao percurso efectuado pelo próprio aquando das suas deslocações à Europa, não sabemos da forma como o mesmo se deslocava. No entanto, pensamos que pelo facto de não haver voos directos de Lisboa para Hong Kong e tendo o Reino Unido uma relação privilegiada com Hong Kong é natural que o mesmo entre e saia da Europa por este país.

O. No RIT, para além do mais, a propósito das vendas efetuadas ao abrigo do regime do Decreto-Lei 295/87, Tax Free sem intervenção da sociedade G..., Lda. ao cliente AA concluiu-se que (PA1, pp.49, RIT):

Dadas as caraterísticas das vendas efetuadas ao cliente AA e tendo em conta os esclarecimentos prestados pela sociedade, atrás descritos, deve concluir-se que os bens adquiridos por aquele cliente se destinam a fins comerciais, tendo por base os seguintes fundamentos:

- Foi feito com o cliente um acordo com um desconto comercial de 23 %, tendo sido estabelecida uma parceria com base naquele desconto;

- O montante das vendas é elevado, 1.655.666,60 (euro) sem IVA, sendo de 359.595,02 (euro) o montante dos descontos comerciais concedidos;

- A quantidade de artigos adquiridos é também elevada, 115 relógios, sendo 108 da mesma marca;

- A devolução do IVA foi efetuada para a sociedade A..., Ltd, com sede em Hong Kong, da qual é proprietário o cliente AA e esposa;

- Foi referido pela sociedade que as faturas foram emitidas em seu nome apenas pelo facto do próprio assim o ter solicitado, visto que era ele próprio que levantava presencialmente os produtos na loja, uma vez que só assim poderia beneficiar da Isenção do IVA na Exportação.

Desta afirmação pode presumir-se que as aquisições se destinavam à sociedade A..., Ltd, sendo as faturas emitidas em nome do seu sócio AA.

Com os fundamentos descritos, concluiu-se que as vendas efetuadas a este cliente se destinaram a fins comerciais.

Assim, embora estando a exportação certificada pela aposição de carimbo nas faturas pela estância de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia, neste caso o Reino Unido, face ao disposto no artigo 1.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 295/87, de 31/07, considera-se não estarem reunidas as condições para a isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, relativamente às faturas emitidas ao cliente AA, tendo por base os fundamentos atrás descritos.

Face ao exposto, considera-se indevida a regularização do IVA a favor do Sujeito Passivo no campo 40, relativa às faturas emitidas ao cliente AA, no montante de 298.096,46 (euro), discriminado por período no Quadro 12.

P. No RIT, para além do mais, descreveram-se da seguinte forma os procedimentos seguidos nas vendas efetuadas no regime de Tax Free, sem intervenção da sociedade G..., Lda., efetuadas a outros clientes não residentes (PA1, pp. 50-51, RIT):

2 - Vendas efetuadas a outros clientes não residentes

Conforme foi descrito nos procedimentos praticados pela sociedade, após a receção da fatura devidamente carimbada pela estância de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia, a sociedade regulariza a seu favor o IVA no campo 40 das declarações periódicas do IVA e efetua o reembolso direto ao cliente, quando não há intervenção da sociedade G....

Relativamente às vendas tituladas pelas faturas identificadas no Quadro 11, em que não houve intervenção da sociedade G..., a prova do reembolso do IVA recolhida na sociedade foram Cheques ao Portador.

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No decurso do procedimento inspetivo, foram solicitados à sociedade os seguintes elementos e esclarecimentos:

- Justificação da utilização de Cheque ao Portador para devolução do IVA a não residentes;

- Apresentar prova do reembolso do IVA aos clientes, em cumprimento do artigo 78.º, n.º 5, do CIVA, relativamente às faturas indicadas no Quadro 11. (Pág. 63 do Anexo.)

Em resposta referiu o seguinte:

'Quanto aos cheques ao portador, que eram por nós levantados no Banco, destinavam-se a efetuar o pagamento do valor do IVA aos clientes a quem cobrámos este mesmo valor aquando da emissão das faturas. Eram os próprios clientes que nos informavam da sua vinda a Lisboa já com a respetiva fatura certificada pela Alfândega e nos solicitavam que o pagamento fosse feito em numerário.'

'Quanto à prova do reembolso do IVA, enviamos, em anexo, cópias de todos os cheques ao portador.' (Pág. 65 do Anexo.)

Q. No RIT, para além do mais, a propósito das vendas efetuadas ao abrigo do regime do Decreto-Lei 295/87, Tax Free sem intervenção da sociedade G..., Lda., efetuadas a outros clientes não residentes concluiu-se que (PA1, p. 51, RIT):

Tendo em conta o que foi referido, nomeadamente quanto ao levantamento dos Cheques ao Portador ser efetuado pela própria empresa, considera-se que não existe prova de que os adquirentes foram os efetivos beneficiários desses cheques, ou seja, de que foram reembolsados do imposto.

Nos termos do artigo 78.º, n.º 5, do CIVA, quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.

Deste modo, embora estando a exportação certificada, pela aposição de carimbo nas faturas, pelas estâncias de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia, a inexistência de prova do reembolso do IVA aos adquirentes, face ao disposto no artigo 78.º, n.º 5, do CIVA, considera-se indevida a regularização do IVA a seu favor no montante total de 39.331,32 (euro), discriminado por período no Quadro 12.

As cópias das Faturas e dos Cheques (3) ao Portador constam nas págs. 69 a 94 do Anexo.

R. No RIT, para além do mais, consignou-se o seguinte 'resumo das correções' (PA1, pp. 51-52):

Com os dados dos Quadros 9 e 11, resumem-se e determinam-se no Quadro 12 os montantes da regularização indevida do IVA, por período, no total de 337.427,78 (euro).

As regularizações foram relistadas na conta...18 - Regularizações a favor da empresa e indicam-se no Quadro 12 os n.os dos documentos contabilísticos

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S. A AT efetuou e enviou à Requerente os atos de liquidação do IVA n.os 2020 034018369, 2020034018370, 2020034018371, 2020034018376, 2020034018378, 2020034018380, 2020034018385, 2020034018386, 2020034018387, 2020034018392, 2020034018393, 2020034018394, referentes aos períodos tributários de janeiro a dezembro de 2016, respetivamente, no valor total de (euro) 337.428,01. (PPA, 29: doc. 2 da mesma peça)

T. A AT efetuou e enviou à Requerente os atos de liquidação de juros compensatórios n.os 202000000188510 a 202000000188521, referentes aos períodos tributários de janeiro a dezembro de 2016, respetivamente, no valor total de (euro) 56.303,35. (PPA, 29: doc. 3 da mesma peça)

U. A AT efetuou e enviou à Requerente as Demonstrações de Acerto de Contas n.os 2020 00025128003 a 202000025128026, das quais resulta um valor, a pagar, no montante global de (euro) 393 531,36. (PPA, 29: doc. 4 da mesma peça)

V. Por discordar das correções efetuadas pela Administração Tributária, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, nos exatos termos que dela constam e que pela sua extensão e detalhe aqui se dão por reproduzidos, documento que deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 2 em 08-01-2021. (PPA, 30.º: respetivo doc. 9; PA2, pp. 2-206)

W. Na sua reclamação graciosa a Requerente declarou ter diligenciado a obtenção de documentação dos clientes indicados para demonstrar que os valores do IVA lhes foram reembolsados e remeteu a discriminação para o documento que então juntou sob o n.º 8. (PPA, 30.º: doc. 8, inserido no PA2, pp. 2-206, em especial a pp. indicadas)

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X. A Requerente foi notificada, por ofício datado de 17 de maio de 2021, da proposta de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e dos respectivos fundamentos e exerceu o seu direito de audição prévia no dia 2 de junho de 2021. (PPA, 31.º e 32.º: respetivos docs. 10 e 11)

Y. A Requerente foi notificada, por ofício datado de 12 de julho de 2021, da prolação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa (PPA, 33.º: respetivo doc. 1).

Z. Nos dias 2, 3, 4, 7, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17 e 18 de dezembro de 2020, a Requerente procedeu ao pagamento do montante liquidado no total de (euro) 393 531,36 (PPA, 155.º: respetivo doc. 13).

3.2 - Factos instrumentais que resultam da instrução da causa

AA. Os cheques ao portador, cujas fotocópias foram apresentadas para justificar a restituição do IVA aos clientes, foram levantados pela Requerente ou por seus colaboradores (PA1, pp. 125-126).

3.1 - Fundamentação do julgamento da matéria de facto

Toda a matéria de facto está devidamente documentada nos autos, por ter sido junta pela Requerente ao seu PPA ou por constar do processo administrativo. Note-se que nenhum documento foi impugnado pelas partes. O Tribunal considerou esses documentos idóneos e suficientes para responder afirmativamente no julgamento da matéria de facto. Indica-se em cada facto a peça em que ele foi alegado e o documento que o prova.

Foi produzida prova testemunhal e declarações de parte pela Requerente, que ajudaram à compreensão global do funcionamento das operações subjacentes aos atos impugnados.

A reprodução de parte do RIT na seleção da matéria de facto assente não pretende isolar qualquer dos seus elementos como 'facto' no sentido processual, que o não tem. Como está em causa a anulação de atos tributários, com base na invocada ilegalidade nos seus fundamentos, os elementos do RIT funcionam afinal como pressupostos (ou premissa menor) a que este Tribunal terá de aplicar o direito (ou premissa maior).

3.2 - Factos não provados

Em 21.º do PPA a Requerente sustenta que AA é um cliente da Requerente, tendo adquirido, pessoalmente, relógios que transportou consigo para Hong Kong. É sempre complexo decidir se esta afirmação constitui questão de facto ou questão de direito, consoante se entenda que o termo 'cliente' tem o significado popular de frequentador da loja ou se é empregue na sua aceção jurídica, i. e., de sujeito da relação comercial e também da relação jurídico-tributária. Crê-se que neste caso concreto o vocábulo só pode ser entendido com o sentido técnico jurídico de sujeito da relação comercial de compra e venda.

Em consequência não se considera provada, por não ter natureza factual, a afirmação que consta de 21.º do PPA.

Não constam dos autos os documentos que a Requerente, na sua reclamação graciosa, declarou ter obtido dos clientes indicados para demonstrar que os valores do IVA lhes foram reembolsados: (veja-se PA2, pp. 2-206, em especial pp. 154-174).

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Por sua vez, o acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto:

'[...]

A) Pela factura n.º 3223, de 15.10.2007, foi devolvido ao fornecedor R..., S. A., um relógio, no valor de CHF 15.152,00. por deficiente funcionamento - facto constante de fl. 21 do Relatório Final da Acção Inspectiva, elaborado pela DSAF - Divisão Operacional do Norte, a fl. 92 do PA apenso.

B) As vendas a dinheiro n.os 10453, de 17.05.2007, e 10609, de 31.07.2007, e as facturas n.os 3171, de 04.09.2007, 3171, de 04.09.2007, e 3215, contêm carimbos de saída das mercadorias correspondentes do território da União Europeia pelo Aeroporto de Lisboa - cf. docs. 33 a 37 juntos com a p. i. e ponto 2.2 do relatório de inspecção.

C) Em resposta a pedido de informação dirigido à Alfândega do Aeroporto de Lisboa, relativamente às facturas e vendas a dinheiro n.os 10609, de 31.07.2007, 3171, de 04.09.2007, 3215, de 04.10.2007, 10453, 17.05.2007, e 3170, de 04.09.2007, não foi confirmada a autenticidade e a veracidade dos carimbos apostos por não corresponderem aos que, às datas, se encontravam em uso - facto constante de fls. 8 e 22 do Relatório Final da Acção Inspectiva elaborado pela DSAF - Divisão Operacional do Norte, a fls. 79 e 93 do PA apenso.

D) As mercadorias correspondentes às facturas n.os 3195 e 3197, de 28.09.2007, saíram da Comunidade em 11.01.2008 - facto constante de fl. 7 do Relatório Final da Acção lnspectiva elaborado pela DSAF - Divisão Operacional do Norte, a fl. 78 do PA apenso.

E) Nas vendas a dinheiro n.os 2686, 2764 e 3018, consta como adquirente BB com o n.º de passaporte... (...) - cf. docs. 39 a 41 juntos com a p. i.

F) Na factura n.º 3189, consta como adquirente CC com o n.º de passaporte... (...) - cf. doc. 42 junto com a p. i.

G) No ano de 2007, a impugnante vendeu 122 relógios a FF, 63 relógios a DD e 36 relógios a EE conforme quadro que se segue - facto constante de fl. 13 do relatório de inspecção e não impugnado.

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H) No ano de 2008, a impugnante vendeu 224 relógios a FF, 27 relógios a DD e 37 relógios a EE conforme quadro que se segue - facto constante de fl. 14 do relatório de inspecção e não impugnado.

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I) Os clientes FF, DD e EE têm ligações às empresas B..., S.A., com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, e L..., com sede no Panamá, ambas clientes da impugnante em 2007 e 2008 - facto constante de fl. 13 do relatório de inspecção e não impugnado.

J) Relativamente aos clientes FF, DD e EE, os documentos provisórios utilizados para dar saída dos stocks eram emitidos já com os seus nomes e números de cliente - facto constante de fl. 14 do relatório de inspecção e não impugnado.

K) No ano de 2007, os clientes FF, DD e EE entregaram valores para 'crédito em conta', destinados, no caso dos dois últimos, a pagar facturas de meses anteriores - facto constante de fl. 14 do relatório de inspecção e não impugnado.

L) No ano de 2007, o cliente FF efectuou transferências frequentes de valores 'redondos' ((euro) 10.000,00, (euro) 20.000,00) para crédito em conta, incluindo uma transferência efectuada por outro indivíduo, por sua conta - facto constante de fl. 14 do relatório de inspecção e não impugnado.

M) Em Janeiro de 2008, foi registada na contabilidade da impugnante uma factura referente ao alojamento de FF no Hotel..., emitida em nome da impugnante pela mesma suportada - facto constante de fl. 14 do relatório de inspecção e não impugnado.

N) Em 15.10.2010, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto foi emitido 'Relatório de inspecção tributária' relativamente à impugnante com o seguinte teor - cf. fls. 21 e ss. do PA apenso:

'[...]

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

[...]

2) IVA

[...]

2.1) Falta da declaração de exportação

Na análise efectuada pela DGAIEC, foram detectadas algumas situações em que documentos, considerados isentos do IVA por a mercadoria se destinar a um país terceiro, não têm associado qualquer comprovativo de exportação.

Ora, não sendo processada a declaração aduaneira de exportação e comprovada a saída da mercadoria por uma alfândega da Comunidade, não é possível aplicar a isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, alíneas a) ou b), do Código do IVA, pelo que terá de haver lugar à liquidação do IVA correspondente.

Essa situação ocorre nos documentos que se seguem, sendo também indicado o montante de imposto em falta:

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2.2) Carimbo de saída não confirmado

Na acção levada a cabo pela DGAIEC, foi por esta entidade solicitada a confirmação de alguns dos carimbos apostos em documentos de venda aos quais seria aplicável a isenção do DL 295/87, atestando a saída do território da União Europeia. As situações detectadas referem-se a saídas pelo Aeroporto de Lisboa, tendo sido informado pela Alfândega desse aeroporto que os carimbos apostos não correspondem aos que se encontravam em uso nas datas correspondentes.

Dado que as condições para aplicação do referido decreto não se encontram efectivamente reunidas (não é confirmada a saída do território comunitário), cabe ao sujeito passivo a responsabilidade pela liquidação do IVA em falta. Deste modo temos os seguintes valores, detectados no ano de 2007:

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2.3) Saída posterior aos 90 dias previstos na lei

Foram detectados dois documentos em que se verifica que a saída dos bens do território comunitário ocorreu após os 90 dias previsto no DL 295/97. Deste modo, deveria ter havido liquidação do correspondente imposto, sendo esta responsabilidade do sujeito passivo. Refira-se que, embora nas facturas não seja efectivamente mencionada a aplicação do DL 295/87, os procedimentos adoptados foram nesse sentido. De igual modo, tendo sido mencionada uma isenção ao abrigo do artigo 14.º do Código do IVA, esta apenas seria aceite como tal na presença de uma declaração de exportação, devidamente validada e atestada a saída pela Alfândega, o que não ocorre. Assim, a liquidação do IVA nas facturas em causa é efectivamente devida, tendo por base os seguintes valores, detectados no ano de 2007:

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2.4) Adquirente residente em território nacional

Do disposto no DL 295/87, apenas se encontram abrangidas pela Isenção as transmissões efectuadas a adquirentes residentes em países não pertencentes à União Europeia. Refere ainda o artigo 1.º, n.º 3, do referido decreto-lei que se consideram como não tendo residência no território nacional as pessoas que não permaneçam, no ano civil, mais de 180 dias seguidos ou interpolados.

Na análise efectuada pela DGAIEC, verificaram a existência de dois clientes aos quais foi aplicada a isenção prevista no DL 295/87 e que se verifica serem residentes em território português, já que ambos possuem número de contribuinte português, sem indicação (à data dos factos) de serem não residentes, nomeadamente pela indicação de representante fiscal. A comprovação do estatuto de residente ou não deveria ter sido efectuada na consulta do passaporte.

Dado que as condições para aplicação do referido decreto não se encontram efectivamente reunidas (o adquirente é residente em território nacional), cabe ao sujeito passivo a responsabilidade pela liquidação do IVA em falta. Deste modo temos os seguintes valores, detectados no ano de 2007:

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2.5) Transmissões não enquadráveis no conceito de 'fins privados'

Foram detectadas transmissões muito frequentes para três clientes:

- FF, cidadão italiano, com morada na Rússia e passaportes italiano e russo;

- DD, cidadão suíço, detentor de passaporte desse país;

- EE, cidadão italiano, detentor de passaporte dos Estados Unidos da América.

De acordo com a informação da DGAIEC, estes senhores têm ligações às empresas B..., S. A., com morada nas Ilhas Virgens Britânicas, e L..., com sede no... Ambas as empresas são clientes da D... (a B..., em 2007 e 2008, a L..., a partir de 2008), sendo os bens, em virtude da sua natureza e valor, transportados pelos senhores acima referidos. Nas exportações destinadas à B... e à L..., não foram detectadas irregularidades.

No entanto, são também feitas transmissões para estes senhores, em nome pessoal.

Na maioria dos casos, essas transmissões são consideradas isentas. Embora seja mencionado o artigo 14.º, n.º 1, do Código do IVA, não são feitas declarações de exportação, sendo aplicado o procedimento previsto no DL 295/87. Nos restantes casos, é igualmente aplicado o DL 295/87, através da utilização do sistema 'tax free', com intervenção da empresa P..., pelo que na venda é liquidado imposto.

Da análise exaustiva das vendas efectuadas a estes senhores, verifica-se que as aquisições por eles feitas não se podem enquadrar no conceito de aquisições para fins privados, conforme definido no artigo 1.º, n.º 2, do DL 295/87:

'Consideram-se feitas para fins privados as transmissões dos bens que se destinem a ofertas, a uso próprio ou familiar do adquirente e que, pela sua natureza ou quantidade, não devam presumir-se adquiridos para fins comerciais.'

Ora, as aquisições efectuadas por estes senhores não só atingem valores monetários muito elevados (factor de menor importância, face ao valor unitário elevado de alguns artigos comercializados pelo sujeito passivo) como revelam aquisições de quantidades de modo algum compatíveis com fins privados, conforme se vê pelos quadros seguintes:

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Conforme se pode ver do quadro, as compras apresentam quantidades significativas, não compatíveis com a aquisição para fins privados prevista no DL 295/87.

O sujeito passivo tinha de ter noção destas quantidades, tanto mais que eram pessoas com as quais tinha alguma ligação que não a simples venda ao balcão, não só pelas quantidades e frequência das compras como pelo facto de estarem ligados às empresas acima referidas.

Além do mais, estes clientes tinham ficha aberta no programa de gestão de stocks, conforme se deduz do facto de o documento provisório utilizado para dar saída dos stocks (já que os documentos de venda eram manuais) serem emitidos já com o seu nome e com um número de cliente, o que não se verifica na generalidade das transmissões ao abrigo do DL 295/87.

Qualquer destes clientes apresenta, no ano de 2007, entrega de valores para 'crédito em conta'. No caso de DD e EE, esses valores destinaram-se a pagar facturas de meses anteriores. No caso de FF, verifica-se a existência de transferências frequentes, de valores 'redondos' ((euro)10.000,00, (euro)20.000,00), para crédito em conta, incluindo uma transferência efectuada por outro indivíduo, por sua conta.

Em 2008, a relação comercial de FF com a D...é ainda mais forte, verificando-se que perto do final do ano foram já adoptados os procedimentos correctos, sendo feita a exportação através de declaração aduaneira de exportação.

Verificou-se também que foi registada na contabilidade uma factura de Janeiro de 2008, referente ao alojamento do Sr. FF no Hotel..., tendo sido essa factura emitida em nome da D...e por ela suportada.

Pelos factos expostos, as transmissões efectuadas nos anos de 2007 e 2008 para estes clientes não são passíveis de enquadramento na isenção do DL 295/87, pelo que estão sujeitas a liquidação do IVA.

Dado que as condições para aplicação do referido decreto não se encontram efectivamente reunidas (as aquisições não são consideradas como para fins privados), cabe ao sujeito passivo a responsabilidade pela liquidação do IVA em falta. Excluem-se as vendas efectuadas com intermediação das empresas de 'tax free' já que nestes casos o sujeito passivo procedeu à liquidação do imposto.

Deste modo temos os seguintes valores totais, detectados nos anos de 2007 e 2008 (em virtude da extensão, os mapas discriminativos encontram-se nos anexos I e II, folhas 21 e 22 do presente relatório):

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Total das correcções para efeitos do IVA:

De acordo com os pontos acima referidos, foram detectadas diversas situações em que as transmissões efectuadas não poderiam ser isentas. Deste modo, as referidas transmissões encontram-se sujeitas à liquidação do IVA, conforme previsto nos artigos 1.º, 7.º, 16.º e 18.º do Código do IVA. Lembramos que a taxa do IVA aplicável é a taxa normal, prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA, sendo a mesma de 21 %, no período de 01/01/2007 a 30/06/2008, e de 20 %, de 01/07/2008 a 31/12/2008.

Assim, teremos as seguintes correcções para os anos de 2007 e 2008, repartidas por períodos do IVA (conforme mapas discriminativos nos anexos III e IV, fls. 23 e 24 do presente relatório):

O) Em nome da impugnante foram emitidas as liquidações adicionais do IVA e juros compensatórios n.os 10315849, 10315850, 10315851, 10315852, 10315853, 10315854, 10315855, 10315856, 10315857, 10315858, 10315859, 10315860, 10315861, 10315862, 10315863, 10315864, 10315865, 10315866, 10315867, 10315868, 10315869, 10315870, 10315871, 10315872, 10315873, 10315874, 10315875, 10315876, 10315877, 10315878, 10315879, 10315880, relativas a Janeiro, Fevereiro e Abril a Outubro de 2007 e Março a Setembro de 2008, no montante global de (euro) 375.869,93 - cf. fls. docs. 1 a 32 juntos com a p. i.

P) Em 11.04.2011, foi remetida a este Tribunal via correio registado a p. i. que deu origem aos presentes autos - cf. fl. 66 do processo físico.»

«»

2.2 - DE DIREITO

2.2.1 - Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

O presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto ao abrigo do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3, do RJAT, respeita à decisão proferida nos autos de processo arbitral - Proc. n.º 496/2021-T - que julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral tendo em vista (i) a anulação do indeferimento da reclamação graciosa que apresentou previamente; (ii) a anulação dos actos de liquidação do IVA n.os 2020 034018369, 2020034018370, 2020034018371, 2020034018376, 2020034018378, 2020034018380, 2020034018385, 2020034018386, 2020034018387, 2020034018392, 2020034018393, 2020034018394, referentes aos períodos tributários de Janeiro a Dezembro de 2016, os actos de liquidação de juros compensatórios n.os 202000000188510 a 202000000188521, referentes aos períodos tributários de Janeiro a Dezembro de 2016, respectivamente; e (iii) o reembolso do montante de imposto indevidamente pago no montante de (euro) 393 531,36, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor, com base em oposição de acórdãos, apontando como decisão fundamento o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Proc. n.º 01182/11.1BEPRT, datado de 2 de Dezembro de 2020.

Nos termos do n.º 2 do referido artigo 25.º do RJAT, na redacção aplicável, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é [...] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

Como já foi enunciado, o presente recurso tem fundamento na oposição de julgados, impondo-se aferir previamente da verificação dos pressupostos substantivos de que depende o conhecimento do seu mérito. Que são, esquematicamente, os seguintes:

[1.º] que a decisão recorrida tenha apreciado o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária - doravante identificado pela sigla «RJAT»);

[2.º] que exista oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);

[3.º] que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma];

[4.º] que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Avançando, diga-se ainda como se refere no Ac. deste Tribunal (Pleno) de 4 de Junho de 2014, Proc. n.º 01763/13, www.dgsi.pt, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cf., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. n.º 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. n.º 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6.ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao artigo 279.º, pp. 400/403.)».

Tal significa que para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Analisando:

A Recorrente começa por identificar a questão fundamental de direito, objecto de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento da seguinte forma: «se é ou não aplicável o reconhecimento do direito à isenção de IVA, no âmbito do regime 'tax free', com base no documento certificado pelas entidades aduaneiras, ou se, ao invés, em momento posterior a essa certificação, a Administração Tributária pode 'desconsiderar' o referido documento certificado através da emissão de atos de liquidação adicionais», tendo por base a ideia de que em ambas as decisões em confronto estava em causa a aplicabilidade do regime de «tax free» previsto no Decreto-Lei 295/87, de 31-07, designadamente na parte relativa «às normas que regulam o reembolso do imposto pago em território nacional, na sequência da confirmação, pelas estâncias aduaneiras, da verificação do preenchimento dos requisitos de isenção do IVA», tendo sido perfilhadas soluções opostas no que respeita ao valor a atribuir ao reconhecimento do direito à isenção conferido pelas estâncias aduaneiras.

Nesta sequência, refere que o entendimento vertido no acórdão fundamento é o que mais se adequa à teleologia do referido regime, sendo nessa medida, o juridicamente mais acertado, o que significa que deverá prevalecer sobre o entendimento da decisão arbitral recorrida, na medida em que «[...] tendo as transações efetuadas sido validadas pela avaliação efetuada na estância aduaneira de saída, que reconhece, mediante aposição de carimbo dos serviços, a possibilidade de isenção dos bens adquiridos e, por si, verificados, não pode, agora, em momento posterior vir ser negada, à Recorrente, a dedução do imposto reembolsado», concluindo que «[...] os atos de liquidação do IVA objecto dos presentes autos, na parte que não foram anulados, enfermam de erro nos pressupostos de facto e de Direito, devendo ser integralmente anulados [...]».

Pois bem, no âmbito da decisão arbitral recorrida estava em causa um acto de liquidação adicional do IVA, relativo a correcções propostas em procedimento inspectivo, por infracção aos artigos 14.º, 27.º e 78.º do CIVA, no âmbito do qual se apurou, entre outras situações, a venda a pessoa singular residente em Hong Kong, no decurso do ano de 2016 (13 vezes), de uma centena de relógios (115), no valor global de (euro) 2.537.185,12 euros, em cujas facturas consta carimbo aposto pela estância de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia (Reino Unido) que certifica a saída dos bens, constando ainda do RIT que o imposto liquidado na venda pelo comerciante foi devolvido ao adquirente através de contas bancárias de sociedades em cujo capital este participa, tendo-se aí concluído que «Dadas as caraterísticas das vendas efetuadas ao cliente [...] e tendo em conta os esclarecimentos prestados pela sociedade, atrás descritos, deve concluir-se que os bens adquiridos por aquele cliente se destinam a fins comerciais» e que «[...] embora estando a exportação certificada pela aposição de carimbo nas faturas pela estância de saída do território aduaneiro da Comunidade Europeia, neste caso o Reino Unido, face ao disposto no artigo 1.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 295/87, de 31/07, considera-se não estarem reunidas as condições para a isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA».

A partir daqui, a decisão arbitral recorrida identificou como questão decidenda (entre outras) «Saber se as transacções protagonizadas por AA estão abrangidas pelo regime tax free», tendo considerado que «[...] a existência das operações financeiras entre a Requerente, que é comerciante de relógios, e outras empresas que são também comerciantes e uma delas seguramente de relógios eram por si só indícios suficientes para que a Requerente se apercebesse que as operações com a intervenção destas entidades não se enquadravam no regime tax free que aplicou aos negócios em causa. A identidade dos ordenantes ou beneficiários da movimentação das contas bancárias de uma sociedade comercial portuguesa como a Requerente são sempre um sinal não negligenciável, quanto à identidade dos verdadeiros interessados nessas operações bancárias», tendo rematado no sentido de que «[...] a requerente não tem qualquer razão quando pretende sustentar que o reconhecimento do direito à isenção é conferido pelas estâncias aduaneiras competentes. Essas instâncias, nos termos da lei, atestaram que as mercadorias saíram do território da UE na bagagem pessoal do viajante e a sua função é só essa, como se alcança da norma do artigo 3.º, n.º 2, do DL 295/87 e a AT também não pôs em causa essa exportação, limitando-se a dar-lhe diverso enquadramento jurídico que, como se disse, parece correto».

Por seu lado, no âmbito do Acórdão fundamento estava em causa liquidação adicional do IVA, resultante de correcções propostas pelos Serviços de Inspecção, nas quais se invocou a irregularidade da venda a três pessoas singulares de bens ao abrigo do regime previsto no Decreto-Lei 295/87, com a fundamentação de que as aquisições por estes realizadas no decurso dos anos de 2007 e 2008, em número de várias dezenas ou centenas de relógios, «não se podem enquadrar no conceito de aquisições para fins privados, conforme definido no artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei 295/87», tendo os Serviços concluído que «as transmissões efectuadas nos anos de 2007 e 2008 para estes clientes não são passíveis de enquadramento na isenção do DL 295/87, pelo que estão sujeitas a liquidação de IVA».

Na sua análise, o Acórdão fundamento teve presente que a sentença recorrida «confirmou a interpretação de que a isenção do IVA ao abrigo do disposto nos artigos 14.º/1b) do CIVA e 1.º do Decreto-Lei 295/87 tinha como requisito a 'aquisição para fins privados' e que, in casu, esse requisito não se verificava, atentos os seguintes elementos dados como assentes na matéria de facto: a quantidade elevada de relógios adquiridos; as ligações dos adquirentes a empresas clientes da impugnante; a existência de 'créditos em conta' e o pagamento de alojamento a um dos adquirentes em causa, o que permitia concluir que se tratava de aquisições para fins comerciais e não para uso próprio ou familiar», apontando que a Recorrente se insurgia contra tal entendimento invocando, para além do mais, que «a verificação daqueles pressupostos cabe à autoridade aduaneira no momento da exportação (saída dos bens do território nacional) e é atestada mediante a aposição do carimbo nas facturas apresentadas pelos passageiros, o que sucedeu no caso».

Assim sendo, o Acórdão fundamento entendeu que «no caso dos autos apenas foram 'desconsideradas' as isenções respeitantes às vendas sem utilização do sistema 'tax free', ou seja, vendas em que o aqui Impugnante dispunha das facturas certificadas e havia procedido directamente ao reembolso do IVA aos clientes, por isso, o único ponto que importa decidir é o de saber se esse acto de certificação das exportações que ocorreram em 2007 e 2008, isto é, de reconhecimento da isenção do IVA, se constituiu na esfera jurídica do comprador, formando caso decidido, também quanto ao reembolso, ou se aquela isenção pode ser livremente revogada pela AT em sede de inspecção tributária. E a nossa opinião é a de que se formou caso decidido, tendo em conta que: 'i) se trata de um acto dotado de autonomia - certificação ou não certificação da exportação do bem - ii) e que a competência para a sua prática é da autoridade aduaneira e não da autoridade tributária', concluindo que '[...] tem razão a Impugnante e aqui Recorrente quando alega que existe erro de direito da sentença recorrida na interpretação e aplicação das regras previstas no Decreto-Lei 295/87».

Com este pano de fundo, em função do que ficou exposto, temos que as situações factuais que envolvem a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento são substancialmente idênticas, pois que deparamos, em ambas as situações, com a venda de bens (relógios em ambos os casos) a pessoas singulares residentes fora do território da Comunidade Europeia e no decurso de um período anual em número de várias dezenas ou mesmo centenas e em que há evidências da participação de entes societários nessas transacções e em ambos os casos a saída dos bens do território da Comunidade Europeia foi certificada pelas estâncias aduaneiras competentes, estando em causa saber se as referidas operações gozavam ou não da isenção do IVA, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do CIVA e no Decreto-Lei 295/87, e se a AT podia denegar essa isenção após a certificação de saída dos bens feita pelas estâncias aduaneiras competentes, sendo manifesto que tais decisões em confronto deram resposta divergente à questão que a Recorrente erigiu como decidenda no presente recurso para uniformização de jurisprudência: «se é ou não aplicável o reconhecimento do direito à isenção do IVA, no âmbito do regime 'tax free', com base no documento certificado pelas entidades aduaneiras, ou se, ao invés, em momento posterior a essa certificação, a Administração Tributária pode 'desconsiderar' o referido documento certificado através da emissão de actos de liquidação adicionais».

Com efeito, o Acórdão fundamento sustenta que se formou caso decidido, em relação ao reconhecimento de que a isenção do IVA se constituiu na esfera jurídica do comprador, dando depois lugar ao reembolso, tendo em conta que: «i) se trata de um acto dotado de autonomia - certificação ou não certificação da exportação do bem - ii) e que a competência para a sua prática é da autoridade aduaneira e não da autoridade tributária», concluindo que «[...] tem razão a Impugnante e aqui Recorrente quando alega que existe erro de direito da sentença recorrida na interpretação e aplicação das regras previstas no Decreto-Lei 295/87» enquanto a decisão arbitral recorrida refere que «[...] a requerente não tem qualquer razão quando pretende sustentar que o reconhecimento do direito à isenção é conferido pelas estâncias aduaneiras competentes. Essas instâncias, nos termos da lei, atestaram que as mercadorias saíram do território da UE na bagagem pessoal do viajante e a sua função é só essa, como se alcança da norma do artigo 3.º, n.º 2, do DL 295/87 e a AT também não pôs em causa essa exportação, limitando-se a dar-lhe diverso enquadramento jurídico que, como se disse, parece correto.».

Por último, diga-se que, neste domínio, não se pode afirmar que a orientação perfilhada pela decisão arbitral recorrida esteja de acordo com jurisprudência recente e consolidada do S. T. A., no que diz respeito à questão de direito que ora nos ocupa.

Em conclusão, na situação em apreço, mostram-se reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 25.º, n.º 2, do R. J. A. T. e no artigo 152.º do C. P. T. A., pelo que se passará ao conhecimento do mérito do recurso.

*********

2.2.2 - Do Mérito do Recurso

Avançando, no que diz respeito à primeira questão enunciada nos autos, cabe notar que, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, estão isentas de imposto as vendas efetuadas por sujeitos passivos do IVA a adquirentes residentes fora do território da União Europeia, que destinem os bens a uso privado e os transportem na sua bagagem pessoal para fora da União Europeia.

Como dá nota o Exmo. Magistrado do Ministério Público, a referida disposição legal resulta da transposição da alínea b) do n.º 1 do artigo 146.º e do artigo 147.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 («Directiva IVA») (4) [anteriormente Directiva n.º 69/169/CEE).

Dispõe a este propósito o artigo 147.º da citada Directiva:

«Artigo 147.º

1 - Quando a entrega prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 146.º incidir sobre bens transportados na bagagem pessoal de viajantes, a isenção só é aplicável quando estejam reunidas as seguintes condições:

a) O viajante não está estabelecido na Comunidade;

b) Os bens são transportados para fora da Comunidade antes do termo do terceiro mês seguinte ao da entrega;

c) O valor global da entrega, IVA incluído, excede o montante de EUR 175 ou o seu contravalor em moeda nacional, fixado uma vez por ano, através da aplicação da taxa de conversão do primeiro dia útil do mês de Outubro, com efeitos a 1 de Janeiro do ano seguinte.

Todavia, os Estados-Membros podem isentar de imposto as entregas de valor global inferior ao montante previsto na alínea c) do primeiro parágrafo.

2 - Para efeitos do n.º 1, entende-se por 'viajante não estabelecido na Comunidade' qualquer viajante cujo domicílio ou residência habitual não se situe no território da Comunidade. Neste caso, entende-se por 'domicílio ou residência habitual' o lugar mencionado no passaporte, no bilhete de identidade ou em qualquer outro documento reconhecido como documento de identificação válido pelo Estado-Membro no território do qual é efectuada a entrega.

A prova da exportação é feita mediante apresentação da factura, ou de um documento comprovativo que a substitua, munida do visto da estância aduaneira de saída da Comunidade.

Cada Estado-Membro envia à Comissão um espécime dos cunhos dos carimbos utilizados na emissão do visto a que se refere o segundo parágrafo. A Comissão comunica essa informação às autoridades fiscais dos restantes Estados-Membros.»

O referido regime (inicialmente previsto na Directiva n.º 69/169/CEE) foi transposto para o ordenamento nacional através do Decreto-Lei 295/87, de 31-07, cujo artigo 1.º, n.os 1 e 2, dispõe:

«Artigo 1.º

1 - São isentas do imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens para fins privados feitas a adquirentes sem residência no território nacional que, no prazo de 90 dias, os transportem na sua bagagem pessoal com destino ao estrangeiro.

2 - Consideram-se feitas para fins privados as transmissões dos bens que se destinem a ofertas, a uso próprio ou familiar do adquirente e que, pela sua natureza ou quantidade, não devam presumir-se adquiridos para fins comerciais.»

Nesta sequência, importa voltar a nossa atenção para o Acórdão do TJUE de 17-12-2020, proferido no Proc. n.º C-656/19, https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=235704&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=290383, que no considerando 49 refere que «[...] a isenção prevista no artigo 147.º, n.º 1, desta diretiva em benefício dos bens transportados na bagagem pessoal de viajantes não pode ser aplicável a bens que são transportados por um particular para fins comerciais, com vista à sua revenda num Estado terceiro».

No mesmo aresto, é ainda apontado que:

«[...]

51 Contudo, este artigo 147.º prossegue, além disso, como expôs, em substância, o advogado-geral nos n.os 67 a 71 das suas conclusões, o objetivo específico de promoção do turismo, como ilustra a faculdade reconhecida aos Estados-Membros pelo segundo parágrafo do n.º 1, de isentar das entregas de bens cujo valor total seja inferior ao montante previsto no primeiro parágrafo, alínea c), deste número. Ora, conceder o benefício da isenção prevista no referido artigo 147.º às exportações realizadas para fins comerciais, com vista à revenda dos produtos em causa num Estado terceiro, não tem relação com este objetivo de promoção do turismo, o qual está intimamente ligado a uma atividade não económica por parte do adquirente.

52 Por outro lado, a referida interpretação é corroborada pela evolução legislativa da disposição que figura atualmente no artigo 147.º da Diretiva IVA. Esta, como expôs igualmente, em substância, o advogado-geral nos n.os 43 a 59 e 63 das suas conclusões, estava inicialmente ligada às franquias previstas para as importações de mercadorias contidas nas bagagens pessoais dos viajantes, sem nenhum caráter comercial, bem como às entregas efetuadas no estádio do comércio a retalho. Ora, o legislador da União não indicou pretender reverter esta ligação aquando das diversas alterações que introduziu nessa disposição.

53 À luz de todas as considerações precedentes, há que responder à primeira e segunda questões que a isenção prevista no artigo 147.º, n.º 1, da Diretiva IVA, em benefício dos 'bens transportados na bagagem pessoal de viajantes', deve ser interpretada no sentido de que não estão abrangidos pela mesma os bens que um particular que não está estabelecido na União transporta consigo para fora da União para fins comerciais, com vista à sua revenda num Estado terceiro.

[...]»

Ora, como já ficou dito, nas situações apreciadas em cada um dos arestos em confronto nestes autos, a AT constatou que o adquirente dos bens (relógios em ambos os casos) efectuou várias compras ao longo do período anual e em quantidades que permite concluir que os referidos bens se destinam a revenda, ou seja, a fins comerciais, realidade que não é posta em crise em qualquer dos casos, o que significa que tais operações estão fora do âmbito do referido regime de isenção previsto na alínea b) do artigo 146.º da Directiva 2006/112/CE e na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do CIVA, que como regime excepcional deve ser interpretado de forma estrita (neste sentido, o citado acórdão do TJUE, processo C-656/19, considerando 49).

Tal equivale a dizer que a divergência entre as duas decisões assenta na solução dada sobre a responsabilidade do sujeito passivo, sendo que enquanto na decisão arbitral recorrida se entendeu que a falta de enquadramento das operações no citado regime de isenção implicava a sua tributação, sendo o sujeito passivo (comerciante) responsável pela sua liquidação, não obstando a tal o facto de a estância aduaneira ter certificado a saída da mercadoria, já no acórdão fundamento foi entendido que esta certificação da estância aduaneira constituía um ato constitutivo do direito à isenção e só poderia ser anulado nos termos legais previstos para a anulação dos actos administrativos constitutivos de direitos, na redacção em vigor à data dos factos (artigos 136.º e 141.º do CPA), verificando-se que quando teve lugar a inspecção tributária, em 2010, há muito que já havia decorrido o prazo para a anulação daqueles actos.

Neste domínio, e com referência à matéria a dirimir nos autos, temos por adquirida a bondade do exposto no Acórdão fundamento nos termos ali expostos no sentido de que é competência dos serviços aduaneiros, no momento da exportação, verificar se estão ou não preenchidos os requisitos do Decreto-Lei 295/87 relativamente a bens, viajantes e facturas, antes de certificar a exportação dos bens transportados pelos viajantes mediante a aposição de carimbo e bem assim que a certificação da exportação é um acto autonomamente impugnável, uma vez que se trata de uma decisão administrativa relativa à verificação dos requisitos da isenção fiscal previstos no Decreto-Lei 295/87, ou seja, o certificado de exportação emitido pela autoridade aduaneira e aposto na factura é um acto constitutivo do direito à isenção e só poderá ser anulado nos termos legais previstos para a anulação dos actos administrativos constitutivos de direitos, apontando-se ainda que seria também contrário ao princípio da segurança jurídica que a AT pudesse obrigar o fornecedor a pagar o IVA quando este dispõe dos documentos certificados pelas autoridades aduaneiras e legalmente exigidos para a isenção do IVA ao abrigo do Decreto-Lei 295/87.

Além disso, ainda que se reclame uma leitura bem mais redutora em relação ao papel da estância aduaneira no sentido de que se limita a conferir (de forma sumária) a regularidade dos elementos constantes da documentação que lhe é apresentada e emitida pelo sujeito passivo (comerciante) e não propriamente de analisar e conceder a isenção à operação de saída da mercadoria ou se possa discutir a pertinência da invocação do princípio da segurança jurídica por parte do sujeito passivo tal como referido no Acórdão fundamento, tal nunca poderia conduzir ao sancionamento do entendimento sufragado na decisão arbitral recorrida.

Na verdade, no citado Acórdão do TJUE de 17-12-2020, proferido no Proc. n.º C-656/19, ponderou-se também que:

«[...]

55 Importa recordar que, ao abrigo do artigo 146.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva IVA, os Estados-Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados pelo adquirente não estabelecido no respetivo território, ou por sua conta, para fora da União, com exceção, em substância, das entregas de bens transportados pelo próprio adquirente e destinados ao equipamento ou ao abastecimento de meios de transporte para uso privado. Esta disposição deve ser conjugada com o artigo 14.º, n.º 1, dessa diretiva, segundo o qual se entende por 'entrega de bens' a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário (Acórdãos de 28 de fevereiro de 2018, Pienkowski, C-307/16, EU:C:2018:124, n.º 24, e de 17 de outubro de 2019, Unitel, C-653/18, EU:C:2019:876, n.º 19 e jurisprudência referida).

56 Decorre destas disposições e, designadamente, do termo 'expedidos' utilizado no artigo 146.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva IVA que a exportação de um bem é efetuada e que a isenção da entrega para exportação é aplicável quando o direito de dispor desse bem como proprietário tiver sido transferido para o adquirente, quando o fornecedor demonstrar que o bem foi expedido ou transportado para fora da União e quando, na sequência dessa expedição ou transporte, o bem saiu fisicamente do território da União (Acórdãos de 28 de fevereiro de 2018 Pienkowski, C-307/16, EU:C:2018:124, n.º 25, e de 17 de outubro de 2019, Unitel, C-653/18, EU:C:2019:876, n.º 21 e jurisprudência referida).

57 No caso vertente, é facto assente que ocorreram entregas de bens, na aceção do artigo 14.º da Diretiva IVA, que os bens objeto das operações em causa no processo principal foram transportados para fora da União pelos seus adquirentes e que a saída efetiva desses bens do território da União é, para cada uma das entregas em causa, atestada por um visto aposto pela autoridade aduaneira de saída num formulário que está na posse do sujeito passivo.

[...]»

E concluiu o TJUE:

«[...] Face ao exposto, há que responder à terceira e quarta questões que o artigo 146.º, n.º 1, alínea b), e o artigo 147.º da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma jurisprudência nacional por força da qual, quando a administração fiscal constata que os requisitos da isenção do IVA prevista para os bens transportados na bagagem pessoal de viajantes não estão preenchidos, mas que os bens em causa foram efetivamente transportados para fora da União pelo adquirente, está obrigada a examinar se a isenção do IVA prevista nesse artigo 146.º, n.º 1, alínea b), pode ser aplicada à entrega em causa, mesmo que as formalidades aduaneiras não tenham sido efetuadas e que, no momento da compra, o adquirente não tivesse a intenção de obter a aplicação desta última isenção.»

Mas não só.

O mesmo aresto - Acórdão do TJUE (C-656/19) - refere ainda que:

«78 Ora, o facto de o formulário em causa no processo principal se destinar à aplicação da isenção prevista no artigo 147.º da Diretiva IVA não exclui que o visto nele aposto possa permitir considerar que a exigência substantiva que consiste na saída efetiva dos bens do território da União foi satisfeita. Com efeito, por um lado, a aposição desse visto numa fatura ou num documento comprovativo equivalente constitui uma modalidade de prova da exportação dos bens em causa para fora da União expressamente admitida no artigo 147.º, n.º 2, da Diretiva IVA. Por outro, a colocação dos bens em causa no regime aduaneiro de exportação, feita antes ou depois da exportação, constitui uma obrigação formal que, além do mais, não releva do sistema comum do IVA, mas sim do regime aduaneiro. Por conseguinte, o não cumprimento dessa obrigação não exclui por si mesmo que os requisitos substantivos da isenção tenham sido cumpridos (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Vins, C-275/18, U:C:2019:265, n.º 39).

[...]

87 Não se pode, contudo, considerar que tal violação pontual de uma disposição da Diretiva IVA, que não implica uma perda de receita fiscal para a União, põe em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA.

88 Por conseguinte, sem excluir a possibilidade de essa violação poder, nos termos do direito nacional, estar sujeita a sanções administrativas proporcionadas, como a aplicação de coimas pecuniárias, não pode ser punida pela recusa do benefício da isenção do IVA pelas exportações efetivamente realizadas.

[...]»

Neste ponto, é sabido que no caso dos autos, não se discute que ocorreram entregas de bens na acepção do artigo 14.º da Directiva IVA, que os bens objecto das operações em causa foram levados para fora do território da União pelos seus adquirentes e que essa saída foi certificada pela autoridade aduaneira mediante um «visto» aposto na documentação em posse do sujeito passivo e embora a Recorrente não tenha dado cumprimento correcto ao regime de isenção previsto no artigo 147.º da Directiva e no Decreto-Lei 295/87, impõe-se reconhecer que as operações em causa, atenta a comprovação de saída dos bens do território da União, estão abrangidas pela isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 146.º da Directiva, motivo pelo qual não há lugar a liquidação do imposto, independentemente de a conduta do sujeito passivo poder ser objecto de sanção administrativa pelo uso incorrecto do regime, caso esteja prevista no ordenamento nacional.

2.2.3 - Conclusões

I - A isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, em conjugação com o disposto no Decreto-Lei 295/87, de 31-07, e o disposto nos artigos 146.º, n.º 1, alínea b), e 147.º, n.º 1, da Directiva IVA, em benefício dos bens transportados na bagagem pessoal de viajantes, deve ser interpretada no sentido de que não estão abrangidos pela mesma os bens que um particular que não está estabelecido na União Europeia transporta consigo para fora da União para fins comerciais, com vista à sua revenda num Estado terceiro.

II - É competência dos serviços aduaneiros, no momento da exportação, verificar se estão ou não preenchidos os requisitos do Decreto-Lei 295/87 relativamente a bens, viajantes e facturas, antes de certificar a exportação dos bens transportados pelos viajantes mediante a aposição de carimbo.

III - A certificação da exportação, mediante o certificado aposto na factura, é um acto constitutivo do direito à isenção fiscal prevista no Decreto-Lei 295/87, autonomamente impugnável e só poderá ser anulado nos termos legais previstos para a anulação dos actos administrativos constitutivos de direitos.

IV - Sem prejuízo do exposto em III, sempre pode dar-se como verificada tal isenção, subsumível na alínea b) do n.º 1 do artigo 146.º da Directiva IVA, se estiverem satisfeitos os requisitos da entrega de bens tal como é entendida no artigo 14.º da Directiva IVA e se se mostrar comprovada a saída dos bens do território da União, ainda que não tenham sido cumpridos pelo adquirente os formalismos do procedimento aduaneiro correspondente.

2.2.4 - DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA

Nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Mais tem vindo a considerar a jurisprudência constitucional que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».

É certo que o juízo de proporcionalidade entre a taxa cobrada e o valor do serviço prestado se apresenta como problemático, pois envolve a ponderação de diversas variáveis, nem todas objectivas. Mas nem por isso o tribunal se pode eximir do mesmo.

Assim, aplicando a referida interpretação normativa ao caso dos autos, ponderada a tramitação dos autos e o comportamento processual da ora Recorrente, mas também o valor da causa (mais de trezentos e cinquenta mil euros) e a utilidade económica dos interesses a ela associados, a complexidade da questões submetidas a juízo - que se situa na média -, considera-se adequado dispensar a Recorrente e Recorrida do pagamento de 50 % do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de (euro) 275.000, apenas sendo, deste modo, a pagar, para além do inicialmente devido, o valor de 50 % do dito remanescente, neste Supremo Tribunal Administrativo.

Note-se, finalmente e justificando a dispensa parcial, que a norma do citado n.º 7 do artigo 6.º do RCP, referindo apenas a dispensa, deve ser interpretada no sentido de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de (euro) 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

3 - DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, determinar a anulação da decisão arbitral recorrida no segmento impugnado, uniformizando-se a jurisprudência nos termos descritos em 2.2.3.

Custas pela Recorrida, com dispensa de ambas as partes do pagamento de 50 % do remanescente da taxa de justiça, pelo montante superior a (euro) 275.000.

Notifique-se. D. N.

Comunique ao CAAD.

(1) Neste documento utiliza-se o acrónimo «RIT» para designar o Relatório de Inspeção Tributária.

(2) Na referenciação do processo administrativo utiliza-se a numeração dos ficheiros pdf que o contêm e que estão incorporados nos autos.

(3) Os cheques, na cópia que se encontra no anexo do RIT, das linhas 6, 7, 8, 9, 11, 12 do quadro 11 não estão assinados pela Requerente, enquanto sacadora. O Cheque da linha 13 também não está assinado e foi emitido pelo valor (superior) de 13.345,06 (euro). Os cheques apenas estão reproduzidos na sua frente, não havendo qualquer referência ao seu verso. As cópias dos cheques referidos no quadro 12 encontram-se no PA1, pp. 131-156, anexo do RIT.

(4):

CAPÍTULO 6

Isenções na exportação

Artigo 146.º

1 - Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

a) [...]

b) As entregas de bens expedidos ou transportados pelo adquirente não estabelecido no respectivo território, ou por sua conta, para fora da Comunidade, com excepção dos bens transportados pelo próprio adquirente e destinados ao equipamento ou ao abastecimento de embarcações de recreio, aviões de turismo ou qualquer outro meio de transporte para uso privado.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2023. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (revendo posição, acompanha a declaração de voto do Sr. Conselheiro Nuno Bastos) - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso (vencido, de acordo com a declaração de voto que junta) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (com a declaração de voto que junta) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (acompanha a declaração de voto do Sr. Conselheiro Nuno Bastos) - Anabela Ferreira Alves e Russo (acompanha a declaração de voto do Sr. Conselheiro Nuno Bastos).

Declaração de voto do Senhor Conselheiro Joaquim Condesso

Voto de vencido

(rec. 104/22.9BALSB)

Permito-me discordar da deliberação aqui assumida pelo Pleno da Secção com os seguintes fundamentos que passo a enunciar.

O signatário entende que não se verificam os requisitos substanciais de admissibilidade do recurso, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do R. J. A. T., norma que remete, com as devidas adaptações, para o artigo 152.º do C. P. T. A.

Nesta sede, deve, desde logo, recordar-se que a doutrina e jurisprudência vincam a necessidade da oposição de acórdãos emergir de decisões expressas, face a qualquer dos arestos em confronto, tanto o acórdão recorrido como o(s) aresto(s) indicado(s) como fundamento (cf. ac. S. T. A. - Pleno da 2.ª Secção, 6/06/2012, rec. 755/11; ac. S. T. A. - Pleno da 2.ª Secção, 29/01/2020, rec. 1023/16.3BALSB; ac. S. T. A. - Pleno da 2.ª Secção, 29/09/2022, rec. 33/22.6BALSB; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 5.ª Edição, 2021, pág. 1232; Jorge Lopes de Sousa, C. P. P. Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, pág. 478).

Revertendo ao caso dos autos, no projecto de acórdão é identificada a questão fundamental de direito, objecto de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento da seguinte forma: «se é ou não aplicável o reconhecimento do direito à isenção do IVA, no âmbito do regime 'tax free', com base no documento certificado pelas entidades aduaneiras, ou se, ao invés, em momento posterior a essa certificação, a Administração Tributária pode 'desconsiderar' o referido documento certificado através da emissão de actos de liquidação adicionais».

Concretizando, do exame da decisão arbitral recorrida deve concluir-se que a mesma não aborda, de forma expressa, a problemática acabada de identificar.

Desde logo, a questão identificada supra não consta dos assuntos a examinar e decidir pelo acórdão arbitral recorrido e especificados no ponto 4.3 do mesmo aresto.

De resto, os únicos trechos do enquadramento jurídico da decisão arbitral recorrida que abordam a mesma questão são os que passamos a transcrever, ipsis verbis:

«[...] Com base nestes factos a AT concluiu 'que os bens adquiridos por aquele cliente se destinam a fins comerciais' e que, apesar da exportação ter sido atestada por carimbo nas faturas, aposto pela instância aduaneira de saída, não estavam reunidos os pressupostos de isenção previstos no artigo 1.º, n.os 1 e 2, do DL 295/87.

[...]

Ainda em matéria probatória refira-se que a requerente não tem qualquer razão quando pretende sustentar que o reconhecimento do direito à isenção é conferido pelas estâncias aduaneiras competentes. Essas instâncias, nos termos da lei, atestaram que as mercadorias saíram do território da UE na bagagem pessoal do viajante e a sua função é só essa, como se alcança da norma do artigo 3.º, n.º 2, do DL 295/87 e a AT também não pôs em causa essa exportação, limitando-se a dar-lhe diverso enquadramento jurídico que, como se disse, parece correto.

[...]»

Pelo contrário, o aresto fundamento examina, demoradamente, a identificada controvérsia, concretamente, a natureza jurídica do acto de certificação das exportações e a consequente formação de um «caso decidido» que favorece o sujeito passivo.

Com estes pressupostos se dirá, portanto, que a questão suscitada, tal como é configurada nas conclusões do recurso, não revela suporte na decisão arbitral recorrida, não havendo nenhuma oposição expressa de soluções perfilhadas face ao acórdão indicado como fundamento, quanto à mesma questão de direito (problemática de ser, ou não, aplicável o reconhecimento do direito à isenção de IVA, no âmbito do regime «tax free», com base no documento certificado pelas entidades aduaneiras, ou se, ao invés, em momento posterior a essa certificação, a Administração Tributária pode «desconsiderar» o referido documento certificado através da emissão de actos de liquidação adicionais), susceptível de ser dirimida mediante o presente recurso para uniformização de jurisprudência.

Rematando, não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 25.º, n.º 2, do R. J. A. T., e no artigo 152.º do C. P. T. A., desde logo, porque não pode afirmar-se ter o aresto arbitral recorrido adoptado entendimento oposto ao do acórdão indicado como fundamento, por falta de decisão expressa nesse sentido. Não se verificam, portanto, os pressupostos (cumulativos) de que depende o conhecimento do mérito do salvatério, o que se defende.

Lisboa, 18/01/2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso.

Declaração de voto do Senhor Conselheiro Nuno Bastos

Não acompanho a posição que fez vencimento na parte em que conclui que é competência dos serviços aduaneiros verificar se estão ou não preenchidos os requisitos de isenção do IVA antes de certificar a exportação dos bens transportados pelos viajantes.

Por princípio, compete à Direção dos Serviços do IVA a gestão e a fiscalização do funcionamento deste imposto. A atribuição de tal competência a serviços aduaneiros dependeria, por isso, de determinação especial da lei.

Ora, não encontro na lei a atribuição de tais competências aos serviços aduaneiros. O artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 295/87 fixa apenas a competência para comprovar a exportação, isto é, a sujeição da mercadoria a um regime aduaneiro e a saída da mercadoria do território comunitário.

Por outro lado, a estância aduaneira de saída pode ser qualquer uma dentro do território aduaneiro da União, não tendo sequer de ser uma entidade administrativa portuguesa.

Aliás, resulta dos autos que foi isso precisamente que aconteceu no caso, visto que a entidade que confirmou a saída das mercadorias do território aduaneiro da União foram as autoridades aduaneiras do Reino Unido.

Ora, se os serviços aduaneiros não têm competência para reconhecer a isenção do imposto prevista naquele decreto-lei, também não pode ser atribuído à confirmação de saída qualquer valor declarativo ou constitutivo neste âmbito.

Por isso, também não encontro razão bastante para defender que a AT não pudesse verificar a posteriori se estavam reunidos os requisitos de isenção.

A verdadeira questão estaria em saber em que circunstâncias é que a AT poderia exigir do alienante o imposto por este deduzido, quando viesse a concluir a posteriori que a operação não estava isenta do IVA a coberto daquele diploma.

Ora, é neste ponto que, a meu ver, podem ser colhidos importantes subsídios interpretativos do Acórdão do TJUE de 17 de dezembro de 2020 (no processo C-656/19).

Porque foi ali referido - além do mais - que a isenção do IVA de bens adquiridos por viajantes e transportados na sua bagagem pessoal para fora do território aduaneiro da União constitui um caso particular da isenção prevista no artigo 146.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva IVA. E que o facto de AT constatar que a exportação em causa é efetuada para fins comerciais não lhe permite concluir automaticamente que a operação não estava isenta. Não sem primeiro confirmar que a isenção na exportação não derivaria também daquela disposição.

Ora, não resulta dos autos que a AT tenha também verificado se a operação em causa não estaria isenta por ali. Tanto quanto me foi possível aferir, a AT limitou-se a verificar que não estavam reunidos os requisitos da isenção previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA (que transpôs para o direito interno o regime de isenção consagrado no artigo 147.º da Diretiva IVA).

Com este fundamento, concederia provimento ao recurso e revogaria a decisão recorrida. - Nuno Bastos.

116255318

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5284889.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1987-07-31 - Decreto-Lei 295/87 - Ministério das Finanças

    Isenta do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) as transmissões de bens para fins privados feitas a adquirentes sem residência no território nacional que os transportem na sua bagagem pessoal com destino ao estrangeiro. Transpõe para o direito interno português a Directiva 69/169/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 28 de Maio. Publicado em anexo os impressos dos modelos a utilizar pelos sujeitos passivos.

  • Tem documento Em vigor 2017-02-14 - Decreto-Lei 19/2017 - Finanças

    Estabelece um sistema eletrónico de comunicação dos dados dos viajantes e das respetivas aquisições que pretendam beneficiar da isenção de imposto sobre o valor acrescentado nas compras realizadas em Portugal, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 151.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março

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