Assento 3/93
Acordam no pleno da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
O Exmo. Procurador-Geral da República Adjunto no Tribunal da Relação de Coimbra, nos termos e para os efeitos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal - diploma ao qual se devem ter como referidos os preceitos legais que vierem a ser citados sem indicação da respectiva origem - interpôs recurso do acórdão ali proferido em 28 de Novembro de 1991 no processo 68/91, em que foi decidido que o artigo 520.º, alínea a), «expressamente exclui da sua estatuição as partes civis que forem arguido ou assistente, pois que, para esses, a forma de responsabilidade está fixada a partir dos artigos 513.º e seguintes do citado diploma legal», o que está em clara oposição com a decisão proferida através do Acórdão de 13 de Junho de 1990 da Relação do Porto, segundo a qual a «disciplina do artigo 520.º do Código de Processo Penal é apenas atinente à tributação da acção penal. Por isso, o assistente que decair na parte cível deve ser também condenado nas respectivas custas».
O recurso foi recebido e julgada existente a pressuposta oposição dos julgados.
Ordenado o cumprimento do preceito do artigo 442.º, n.º 1, veio o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto nesta Secção apresentar parecer no qual conclui que «a alínea a) do artigo 520.º do Código de Processo Penal exclui a condenação em custas do assistente que decair no pedido cível formulado em processo penal».
Há que tomar posição.
I
Dispõe o artigo 72.º que «o pedido de indemnização civil fundada na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei».
Por outro lado, revogado o Código de Processo Penal de 1929 e não se tendo fixado regime paralelo ao aí estabelecido no respectivo artigo 34.º, cessou a atribuição oficiosa obrigatória da indemnização aos ofendidos por ilícitos criminais.
Caiu-se, pois, num regime de adesão obrigatória como regra, o que é confirmado pelos artigos 82.º e 377.º, em que a prática de um crime «é possível fundamento de duas pretensões dirigidas contra os seus agentes: uma acção penal, para julgamento e, em caso de condenação, aplicação das reacções criminais adequadas, e uma acção cível, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infracção tenha dado lugar» (Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 1992, 5.ª ed., p. 155). Ambas as acções têm disciplina processual própria, regulamentada no Código de Processo Penal, mas, substantivamente, a primeira está sujeita ao ordenamento penal e a segunda à lei civil (cf. artigo 128.º do Código Penal).
O que é obvio é que a formulação do pedido cível em causa importa sempre uma maior actividade processual e jurisdicional.
Por outro lado, tem sido uma constante a autonomização da tributação das duas acções, como se pode ver do artigo 68.º, n.º 4, do Código da Estrada - revogado com a entrada em vigor do Código de Processo Penal - e do artigo 18.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais (cf. o n.º 3 deste último preceito, na sua anterior redacção).
Por sua vez, o artigo 377.º, no seu n.º 3, veio estatuir que a condenação das partes civis em imposto de justiça, custas e honorários segue, na parte aplicável, os termos previstos neste Código e no Código das Custas Judiciais.
II
A regra geral em matéria de custas é a de que nelas deverá ser condenada a parte que lhes houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tiver tirado proveito, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (artigo 446.º do Código de Processo Civil).
Significa isto que a administração da justiça não é gratuita.
As isenções de custas têm carácter excepcional e taxativo (v. artigos 3.º e 183.º do Código das Custas e 523.º). O próprio apoio judiciário, mesmo quando se traduz na dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas, está condicionado à situação económica deficitária dos pleiteantes e visa garantir o acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição da República.
O que não convence é o argumento de que os assistentes não devem ser tributados autonomamente pela sua intervenção no pedido cível, uma vez que já não são tributados como sujeitos processuais penais e isto porque, como já se disse acima, a acção cível indemnizatória importa um acréscimo de actividade, por vezes superior à demandada pelo julgamento da acção penal, e, em qualquer caso, diversa da que tem lugar nesta última, o que justifica custas acrescidas e diversas das que correspondem a acção penal.
Como assim, segundo os princípios, o assistente deve ser condenado em custas na acção cível, se e quando houver sucumbência pela sua parte.
III
Mas como interpretar o artigo 520.º, alínea a), o qual, na sua literalidade, parece isentar os assistentes e arguidos nas acções indemnizatórias?
A solução está, precisamente, na interpretação que ao preceito é dada no acórdão com que a decisão recorrida é confrontada, e que, em resumo, é a seguinte:
Os artigos 513.º a 519.º indubitavelmente que se reportam com exclusividade à responsabilidade por imposto de justiça e custas do arguido e do assistente.
Naquele artigo 520.º, alínea a), visam-se as demais pessoas que intervêm ou podem intervir no processo penal e que não são nem assistentes nem arguidos e que podem «provocar intercorrências processuais (penais ...)» merecedoras, pela sua anomalia, de tributação e de condenação em custas. São elas «as partes civis ou quaisquer outras que não possam ser havidas como sujeitos do processo».
Uma outra razão se pode descortinar no sentido de que a norma que está a ser objecto de análise se reporta tão-somente à acção penal reside na circunstância de nela estar a ser pressuposta uma condenação não apenas em custas mas também em imposto de justiça (leia-se taxa de justiça). Na verdade, enquanto nos processos cíveis se tem de haver a taxa de justiça como incluída no conceito de custas por força do artigo 1.º do Código das Custas Judiciais, já no processo penal a taxa de justiça se autonomiza das custas, como resulta do que, além do mais, se diz nos artigos 184.º e 194.º deste mesmo último repositório legal, quer na redacção anterior, quer na que lhes foi dada pelo Decreto-Lei 387-D/87, de 29 de Dezembro.
Portanto, e sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf. artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), a conclusão a extrair é a de que, quando se fala em pagamento de «imposto de justiça» e custas, se tem em vista apenas a acção penal, já que nela aquele se encontra autonomizado destas últimas.
Finalmente, não é despiciendo acrescentar que uma interpretação que conduzisse à isenção do arguido e dos assistentes na acção de indemnização conexa com a acção penal contenderia, frontal e inadmissivelmente, com o princípio da igualdade de todos perante a lei, que está consignado no artigo 12.º da Constituição da República.
IV
Por todo o exposto e em conclusão, fixa-se, com carácter obrigatório para os tribunais judiciais, a seguinte jurisprudência:
O artigo 520.º, alínea a), do Código de Processo Penal não exclui da condenação em pagamento de imposto de justiça e custas o assistente que decair no pedido cível formulado em processo penal.
Consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Janeiro de 1993. - José Henriques Ferreira Vidigal - Manuel da Rosa Ferreira Dias - Armando Pinto Bastos - José Correia de Oliveira Abranches Martins - António Joaquim Coelho Ventura - Jorge Celestino da Guerra Pires - António de Sousa Guedes - Fernando Alves Ribeiro - José António Lopes Cardoso Bastos - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira (vencido. Defendo a posição que foi expressa no acórdão recorrido, de que fui relator, no sentido de que a responsabilidade por despesas judiciais prevista no artigo 520.º compreende tanto o aspecto criminal como o aspecto do pedido cível. Por outro lado, creio que a faculdade de o lesado poder socorrer-se da actuação do Ministério Público para a dedução do pedido cível confirma a ideia de que o pensamento do legislador terá sido o de proceder a uma unificação do regime tributário do assistente e do arguido. Votei, por isso, na formulação de doutrina obrigatória em sentido oposto ao que obteve vencimento) - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo [vencido, pois entendo que a alínea a) do artigo 520.º do Código de Processo Penal de 1987 exclui da condenação em custas o assistente que decai no pedido cível formulado no processo penal, pelas razões indicadas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 1991 (processo 41864), em que sou juiz-adjunto (v. Colectânea de Jurisprudência, ano XVI, t. 4, pp. 30 e 31), e nas alegações do Ministério Público apresentadas no presente recurso extraordinário, já publicadas na Revista do Ministério Público, n.º 52, pp. 129-132].