Acórdão n.° 124/93 - Processo n.° 744/92
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores requereu ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.° 2 do artigo 278.° da Constituição e dos artigos 57.° e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro), a apreciação preventiva da constitucionalidade da norma do artigo 1.° do decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.° 26/92, sobre «contenção de despesas», na parte em que revoga o Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, decreto esse aprovado em 11 de Dezembro de 1992 e recebido no seu Gabinete, no dia 22 de Dezembro de 1992, para ser assinado como decreto legislativo regional.O pedido alicerça-se, em síntese, nos seguintes fundamentos:
a) O artigo 56.°, n.° 2, alínea a), da Constituição consagra o direito à participação das associações sindicais na elaboração da legislação do trabalho, abrangendo este direito quer os trabalhadores da Administração Pública, quer os restantes trabalhadores;
b) Nos termos daquele preceito da lei fundamental e da alínea a) do n.° 1 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 45-A/84, de 3 de Fevereiro, a aprovação de legislação que fixe ou altere a retribuição dos trabalhadores da Administração Pública deve ser precedida da participação das associações sindicais;
c) A revogação do Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, operada pelo artigo 1.° do decreto ora em apreço, altera a retribuição dos funcionários e agentes da administração pública regional e local.
Convém, com efeito, recordar que o Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, criou uma remuneração complementar, abonável em 14 mensalidades de 5000$ cada uma e actualizável anualmente em percentagem idêntica à estipulada para o índice 100 da escala da carreira do regime geral da função pública, para os funcionários e agentes em efectividade de funções na administração pública regional e local;
d) A extinção dessa remuneração complementar altera a retribuição dos trabalhadores da Região Autónoma dos Açores e das autarquias locais nela situadas, constituindo, nessa medida, legislação do trabalho, que não pode ser decidida sem a participação das associações sindicais;
e) Não tendo havido qualquer participação dos organismos representativos dos trabalhadores no procedimento de elaboração do decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.° 26/92, a norma do seu artigo 1.°, na parte em que revoga o Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, viola a alínea a) do n.° 2 do artigo 56.° da Constituição;
2 - Admitido o pedido, foi notificado o Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores para sobre ele se pronunciar, nos termos dos artigos 54.° e 55.°, n.° 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
Na sua resposta, o Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores teceu as seguintes considerações:
a) As razões aduzidas pelo Ministro da República reconduzem-se à invocação do facto de os organismos representativos dos trabalhadores não terem participado no procedimento que conduziu à aprovação do Decreto Legislativo Regional n.° 26/92;
b) É certo, contudo, que a forma e o processo de participação dos trabalhadores na elaboração das leis do trabalho suscitam diversas dificuldades, por não se encontrar devidamente definida por lei, não obstante a Lei n.° 16/79 regular, em alguns aspectos, essa participação;
c) No caso em apreciação, constata-se que, em contactos havidos quer com os grupos e representações parlamentares dos partidos políticos com assento na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, quer através dos órgãos de comunicação social existentes na Região, os dirigentes das principais associações sindicais representadas na Região, nomeadamente o Sindicato da Função Pública do Sul e Ilhas (SINTAP), a UGT, CGTP - Intersindical e o Sindicato dos Professores da Região, tomaram conhecimento e expressaram a sua posição relativamente ao propósito de se proceder à revogação do Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, sobre cuja matéria, aquando da sua apreciação, e a pedido da competente comissão especializada desta Assembleia, se haviam pronunciado, o que em nosso juízo configura o exercício do direito consagrado no artigo 56.°, n.° 2, alínea a), da Constituição;
d) Nestes termos, a norma constante do artigo 1.° do Decreto Legislativo Regional n.° 26/92, sobre «contenção de despesas», na parte em que revoga o Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, deve ser achada conforme à Constituição, improcedendo consequentemente as razões invocadas pelo requerente;
3 - Tudo visto e ponderado, cumpre, então, apreciar e decidir a questão de saber se a norma do artigo 1.° do decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.° 26/92, na parte em que revoga o Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, é (ou não) inconstitucional.
II - Fundamentos
4 - O decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.° 26/92 tem como epígrafe «Contenção de despesas» e apresenta, no seu preâmbulo, como elementos justificativos da sua aprovação dois considerandos: o de que «a Região Autónoma dos Açores enfrenta graves dificuldades financeiras, decorrentes da quebra de receitas que resultou da profunda mudança verificada na conjuntura internacional, numa perspectiva de distensão e de paz», e, bem assim, o de que, «nestas circunstâncias, é absolutamente indispensável concentrar a aplicação dos recursos existentes no cumprimento estrito das obrigações fundamentais, deixando cair veleidades de ir para além delas, em termos que se traduzem em puro despesismo».Compõe-se de três artigos, o primeiro dos quais dispõe o seguinte:
São revogados os Decretos Legislativos Regionais números 3/92/A, de 11 de Fevereiro, 15/92/A, de 31 de Julho, 16/92/A, de 5 de Agosto, e 24/92/A, de 24 de Outubro.
É a norma deste artigo 1.° - não em toda a sua extensão, mas apenas no segmento em que opera a revogação do Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho - que constitui o objecto do presente recurso. A revogação do Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A é feita, porém, nos termos do artigo 3.° do decreto aqui em análise, com ressalva dos efeitos por aquele produzidos até 31 de Dezembro de 1992.
5 - O Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, invocando, nos prolegómenos justificativos do seu articulado, a existência de «desigualdades advenientes das diferenças médias do nível de custo de vida entre a Região e o continente», criou, com efeitos a partir de 1 de Agosto de 1992 (artigo 4.°), uma remuneração complementar para os funcionários e agentes em efectividade de funções na administração pública regional e local (artigo 1.°).
Esta remuneração complementar é abonável em 14 mensalidades de 5000$ cada uma e actualizável anualmente em percentagem idêntica à estipulada para o índice 100 da escala da carreira do regime geral da função pública (artigo 3.°, n.° 1), sendo-lhe aplicável o regime da remuneração principal quanto a férias, faltas e processo de pagamento (artigo 3.°, n.° 2). Da remuneração complementar, prevista no Decreto Legislativo n.° 15/92/A, são excluídos os titulares de cargos políticos e das autarquias locais, bem como os membros dos respectivos gabinetes e o pessoal dirigente considerado como tal no artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 323/80, de 26 de Setembro.
6 - Nos termos do requerimento do Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, a norma do artigo 1.° do decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.° 26/92, na parte em que revoga o Decreto Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, é inconstitucional, por violação do direito reconhecido às associações sindicais de participação na elaboração da legislação do trabalho, previsto na alínea a) do n.° 2 do artigo 56.° da Constituição.
Acaso enfermará aquela norma de um vício de inconstitucionalidade formal ou, talvez mais rigorosamente, será ela inconstitucional por vício de procedimento, por não ter havido, na fase que precedeu a sua aprovação, uma participação, em termos constitucionalmente adequados, das associações sindicais? A este quesito responde o Tribunal afirmativamente.
Vejamos porquê, justificando sucintamente as seguintes proposições: a matéria sobre que versa a norma do artigo 1.° do decreto n.° 26/92, na parte em que revoga o Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, enquadra-se no conceito constitucional de «legislação do trabalho»; no procedimento de elaboração daquela norma deveria ter sido efectivamente assegurado, em termos constitucionalmente adequados, o direito de participação (audição ou negociação) de todas as associações sindicais representativas dos funcionários e agentes da Região Autónoma dos Açores e das autarquias locais nela localizadas; no processo de elaboração da norma aqui sub judicio, não só não teve lugar a participação de todas as associações sindicais representativas dos trabalhadores interessados, como também não foi adoptado um meio constitucionalmente idóneo em relação àquelas que, nos termos da resposta do autor da norma, tiveram uma qualquer intervenção no processo de produção legislativo-laboral aqui em causa.
6.1 - É já vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de densificação do conceito de «legislação do trabalho», a que se referem os artigos 54.°, n.° 5, alínea d), e 56.°, n.° 2, alínea a), da Constituição - embora, no caso que o Tribunal agora tem entre mãos, apenas esteja em causa o direito de participação reconhecido às associações sindicais, no artigo 56.°, n.° 2, alínea a), e não já aquele que o artigo 54.°, n.° 5, alínea d), atribui também às comissões de trabalhadores, uma vez que este Tribunal já entendeu que as comissões de trabalhadores existentes nos serviços públicos não beneficiam do direito de participar na elaboração da legislação do trabalho (cf. os Acórdãos números 22/86 e 24/92, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 29 de Abril de 1986, e de 11 de Abril de 1992, respectivamente).
Segundo uma formulação utilizada em múltiplos arestos do Tribunal Constitucional, «legislação do trabalho» há-de ser «a que visa regular as relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores, enquanto tais, e suas organizações», ou, se assim melhor se entender, há-de abranger «a legislação regulamentar dos direitos fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na Constituição» (cf. os Acórdãos do Tribunal Constitucional números 31/84, 451/87, 15/88, 107/88, 61/91, 64/91, 355/91 e 93/92, publicados no Diário da República: 1.ª série, de 17 de Abril de 1984; 1.ª série, de 14 de Dezembro de 1987; 1.ª série, de 3 de Fevereiro de 1988; 1.ª série, de 21 de Junho de 1988; 1.ª série A, de 1 de Abril de 1991; 1.ª série A, de 11 de Abril de 1991; 2.ª série, de 28 de Dezembro de 1991, e 1.ª série A, de 28 de Maio de 1992).
A nível da legislação ordinária, a Lei n.° 16/79, de 26 de Maio, no seu artigo 2.°, encerra uma definição genérica de legislação do trabalho, acompanhada de um numerus apertus de matérias que se integram naquele conceito (cf., sobre esta temática, Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Lisboa, Verbo, 1992, pp. 241 e 242).
A referida lei veio disciplinar a participação das organizações de trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho, fornecendo desta última, no seu artigo 2.°, n.° 1, a seguinte noção:
Entende-se por legislação do trabalho a que vise regular as relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores, enquanto tais, e suas organizações, designadamente:
a) Contrato individual de trabalho;
b) Relações colectivas de trabalho;
c) Comissões de trabalhadores, respectivas comissões coordenadoras e seus direitos;
d) Associações sindicais e direitos sindicais;
e) Exercício do direito à greve;
f) Salário mínimo e máximo nacional e horário nacional de trabalho;
g) Formação profissional;
h) Acidentes de trabalho e doenças profissionais.
No n.° 2 do mesmo preceito considera-se igualmente matéria de legislação do trabalho o processo de aprovação para ratificação das convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O artigo 2.° da Lei n.° 16/79, de 26 de Maio - que versa a matéria relativa à participação das organizações de trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho e que se apresenta como uma primeira concretização, a nível legislativo, das disposições constitucionais consagradoras daquele direito dos trabalhadores -, contém uma noção constitucionalmente adequada de «legislação do trabalho», caracterizando os seus vectores mais importantes no domínio das relações individuais e colectivas de trabalho e dos direitos dos trabalhadores, enquanto tais, e suas organizações (cf. os mencionados Acórdãos números 31/84, 355/91 e 93/92).
Muito embora se possa entender que a Lei n.° 16/79 não abrange os trabalhadores da função pública e a sua legislação do trabalho - solução, aliás, expressamente assumida no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 45-A/84, de 3 de Fevereiro, que regulamenta o direito de negociação dos trabalhadores da Administração Pública -, o certo é que, como se escreveu no Acórdão deste Tribunal n.° 93/92, «sempre subsistirá, mesmo fora do contexto de aplicação daquela lei, a noção de legislação do trabalho que nela se contém».
Significa isto que o conceito de «legislação do trabalho», inserto no artigo 2.° daquela Lei n.° 16/79, é utilizável tanto no domínio da «legislação do trabalho», de índole jurídico-privada, como no âmbito da «legislação do trabalho» da função pública.
A norma do artigo 1.° do decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.° 26/92, na parte em que revoga o Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, na medida em que põe termo à «remuneração complementar» criada por este diploma regional, integra-se, assim, à luz do que vem de expor-se, na extentio do conceito constitucional de «legislação do trabalho», concretamente na legislação do trabalho da função pública. Aliás, o artigo 6.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 45-A/84, de 3 de Fevereiro, ao estatuir que serão objecto de negociação colectiva as matérias relativas à fixação ou alteração «dos vencimentos e das demais prestações de carácter remuneratório» dos trabalhadores da Administração Pública, considera, implicitamente, que elas se reportam ao conceito de «legislação do trabalho».
A afirmação antecedente não é prejudicada pelo facto de a remuneração criada pelo Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A não ser uma remuneração base, mas apenas uma remuneração complementar ou acessória. É que, atendendo ao regime constante do artigo 3.° do Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, aquela «remuneração complementar» enquadra-se na noção legal de retribuição, a qual, como salienta a doutrina, é um elemento essencial do contrato, sendo constituída não apenas pelo salário base, mas também pelo conjunto de valores que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (cf. A. L. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, vol. I, 8.ª ed., Coimbra, Almedina, 1992, pp. 347 e segs. e 361 e segs.; cf. também A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 1991, p. 717 e segs.). A isto acresce que, nos termos dos artigos 15.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 184/89, de 2 de Junho, o sistema retributivo da função pública é composto pela remuneração base, pelas prestações sociais e subsídio de refeição e por suplementos (cf., por último, o citado Acórdão n.° 24/92, que considerou que a regulamentação legal do subsídio de refeição constitui legislação do trabalho).
Deve, assim, concluir-se que a norma do artigo 1.° do decreto aqui em análise, na parte em que faz cessar, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1993, um complemento de remuneração, anteriormente criado pelo Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A em favor dos funcionários e agentes em efectividade de funções na administração pública regional e local, abonável em 14 mensalidades de 5000$ cada uma e actualizável anualmente, versa sobre matéria que se integra no conceito de «legislação do trabalho».
6.2 - Alcançada a conclusão de que a norma do artigo 1.° do decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.° 26/92, na parte questionada pelo requerente, disciplina matéria reportável ao conceito de «legislação do trabalho», pode afirmar-se que, no procedimento da sua elaboração, devia ter sido efectivamente assegurado o direito de participação das associações sindicais representativas dos funcionários e agentes da Região Autónoma dos Açores e das autarquias locais existentes no território daquela.
Na verdade, como vem salientando o Tribunal Constitucional em jurisprudência uniforme e constante, estando o direito de participação na elaboração da legislação do trabalho, garantido pelo artigo 56.°, n.° 2, alínea a), da Constituição às associações sindicais - configurando-se, por isso, como um direito institucional e orgânico de que são titulares aquelas organizações representativas dos trabalhadores, não estando, assim, em causa posições subjectivas individuais (cf. Jorge Miranda, A Constituição de 1976, Lisboa, 1978, pp. 462 e 463, e J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, Almedina, 1987, pp. 91 e 92) -, elencado no capítulo III («Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores») do título II («Direitos, liberdades e garantias»), beneficia ele do regime próprio previsto no artigo 18.°, n.° 1, sendo, assim, directamente aplicável, com vinculação das entidades públicas e privadas, quer se trate de «legislação do trabalho» própria dos trabalhadores da Administração Pública, quer dos restantes trabalhadores (cf. os citados Acórdãos números 31/84, 451/87, 24/92 e 93/92 e, bem assim, o Acórdão n.° 146/92, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 24 de Julho de 1992).
Às associações sindicais representativas dos trabalhadores da Administração Pública é, pois, constitucionalmente reconhecido, tal como às associações sindicais representativas dos restantes trabalhadores, o direito de participar na elaboração da «legislação do trabalho». Como ficou consignado no Acórdão deste Tribunal n.° 451/87, «a Constituição, ao garantir o direito de associação sindical, não distinguia - como não distingue - entre os trabalhadores da Administração Pública e os restantes trabalhadores, pelo que aqueles não podiam ver esse direito arbitrariamente restringido, não se descortinando, aliás, em que medida qualquer interesse público constitucionalmente protegido poderia constituir fundamento válido para impedir a participação das associações sindicais representativas daqueles trabalhadores na elaboração da respectiva "legislação do trabalho'».
Aquele direito foi, entretanto, regulamentado pelo Decreto-Lei n.° 45-A/84, de 3 de Fevereiro, que, como já foi referido, disciplina o direito de negociação dos trabalhadores da Administração Pública (artigo 1.°, n.° 1). Este direito abrange a negociação e a participação na fixação das condições de trabalho (artigo 1.°, n.° 2).
Os direitos de negociação colectiva e de participação apenas poderão ser exercidos através das associações sindicais que, nos termos dos respectivos estatutos, representem interesses de trabalhadores da Administração Pública e se encontrem devidamente registadas (artigo 2.°).
Os artigos 5.° a 7.° daquele diploma legal regulam o direito de negociação colectiva das condições de trabalho dos trabalhadores da Administração Pública. Considera-se negociação colectiva a apreciação e discussão, entre as associações sindicais e a Administração, das matérias relativas às condições de trabalho, com vista à obtenção de uma solução consensual (artigo 5.°, n.° 2). O acordo obtido vale, no entanto, apenas como recomendação e não tem a natureza de convenção colectiva, contrato ou acordo colectivo, nem produz, por isso, quaisquer efeitos jurídicos (artigo 5.°, n.° 3).
O artigo 6.°, n.° 1, prescreve que serão objecto de negociação colectiva as matérias relativas à fixação ou alteração dos vencimentos e das demais prestações de carácter remuneratório, das pensões de aposentação ou de reforma e das regalias da acção social e da acção social complementar.
Por sua vez, o artigo 7.°, n.° 1, versando sobre o processo de negociação, determina que esta se inicia com a apresentação, por uma das partes, de uma proposta fundamentada sobre qualquer das matérias acima referidas que a outra parte aceite como base para negociação, devendo seguidamente proceder-se à calendarização das negociações.
O diploma legal cujas coordenadas fundamentais estamos a referenciar regulamenta, no artigo 9.°, o direito de participação dos trabalhadores da Administração Pública, através das suas associações sindicais, entre outras matérias, na elaboração da legislação relativa ao regime geral ou especial da função pública [artigo 9.°, n.° 1, alínea a)]. O direito de participação que incide sobre esta temática tem a natureza de consulta, podendo para o efeito constituir-se comissões técnicas especializadas, considerando-se por ela abrangidas, além das matérias da competência do Governo, aquelas para que este tenha solicitado autorização legislativa (artigo 9.°, n.° 2).
Matérias excluídas de negociação ou participação por parte das associações sindicais são as respeitantes à estrutura, atribuições, competências, política de recursos humanos e gestão e funcionamento da Administração Pública (artigo 12.°).
Importante é ainda referir que, nos termos do artigo 14.°, n.° 1, compete à Direcção-Geral da Administração e da Função Pública (hoje, Direcção-Geral da Administração Pública, por força do Decreto-Lei n.° 229/86, de 14 de Agosto) assegurar o estabelecimento de relações com as associações sindicais dos trabalhadores da Administração Pública e a condução do processo de negociação colectiva e de participação na elaboração da legislação relativa ao regime geral ou especial da função pública.
Interessa, por fim, assinalar que, nos termos do seu artigo 17.°, o Decreto-Lei n.° 45-A/84 aplica-se às Regiões Autónomas, sem prejuízo de estas poderem regulamentar a matéria constante do artigo 14.° - isto é, a que tem a ver com a organização e competência dos serviços da administração pública regional que asseguram o estabelecimento de relações com as associações sindicais e conduzem o processo de negociação colectiva e de participação -, e que, de acordo com o preceituado no artigo 16.°, a Direcção-Geral da Administração e da Função Pública, da Secretaria de Estado da Administração Pública, deverá requerer ao Ministério do Trabalho e Segurança Social a transcrição oficiosa do registo das associações sindicais que representem interesses dos trabalhadores da Administração Pública e comunicá-la às Regiões Autónomas.
Independentemente da questão de saber se a Assembleia Legislativa Regional dos Açores devia ter adoptado, no procedimento de elaboração da norma aqui sub judicio, um «processo de negociação», nos termos do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 45-A/84, de 3 de Fevereiro, ou antes um «processo de consulta», de acordo com o n.° 2 do seu artigo 9.°, já que a matéria sobre que versa a norma aqui em causa tanto se pode enquadrar na alínea a) do n.° 1 do artigo 6.° como na alínea a) do n.° 1 do artigo 9.° do mesmo diploma legal - problema que aqui se deixa por resolver -, pode afirmar-se, com segurança, que aquele órgão de governo próprio da Região Autónoma dos Açores estava constitucionalmente obrigado a garantir às associações sindicais representativas dos funcionários e agentes da administração regional e das autarquias locais uma intervenção efectiva no processo de elaboração da norma do artigo 1.° do decreto n.° 26/92. A participação das associações sindicais referidas na elaboração desta disposição legal devia ter tido lugar em termos constitucionalmente adequados, isto é, devia ter sido conduzida de molde a possibilitar não apenas que a Assembleia Legislativa Regional dos Açores tomasse conhecimento das posições assumidas pelos trabalhadores da administração pública regional e local interessados, através das associações sindicais que os representam, mas também e fundamentalmente a garantir que estas pudessem, com inteiro conhecimento de causa, exercer a sua influência sobre o conteúdo da norma em elaboração.
Como vincou este Tribunal no já citado Acórdão n.° 22/86, «a participação das associações sindicais na elaboração da legislação do trabalho há-de traduzir-se no conhecimento, por parte delas, do texto dos respectivos projectos de diploma legal, antes naturalmente de eles serem definitivamente aprovados, desse modo se lhes dando a possibilidade de se pronunciarem sobre os mesmos, seja formulando críticas, dando sugestões, emitindo pareceres ou até fazendo propostas alternativas - o que tudo deve ser tido em conta na elaboração definitiva da normação que se pretende produzir.
Não se trata, por conseguinte, de qualquer participação das referidas organizações sindicais no trabalho dos órgãos legislativos, nem, muito menos, de uma qualquer espécie de "direito de veto'. Tal como se não trata de impor aos órgãos de poder qualquer obrigação de consagrar nos diplomas legais esta ou aquela solução.
Do que, pois, tão-só se trata - vistas as coisas do lado do órgão legislativo - é de um dever de consulta dos trabalhadores; e, no tocante às sugestões, críticas, pareceres ou propostas que eles até si fizeram chegar, da obrigação de as tomar em consideração, acolhendo aquelas que o justifiquem».
A Assembleia Legislativa Regional dos Açores estava, além disso, constitucionalmente obrigada a propiciar a participação, durante a fase de elaboração da norma objecto do presente processo, de todas as associações sindicais que, nos termos dos respectivos estatutos, representem os interesses dos trabalhadores da Administração Pública potencialmente afectados pela norma em formação e estejam registadas nos serviços competentes da administração pública regional, e não apenas de algumas elas, ainda que das principais ou das mais representativas. A este propósito, realçou recentemente o Tribunal Constitucional que o direito constitucionalmente reconhecido às associações sindicais de participarem na elaboração da legislação do trabalho «é de ordem geral e universal, dirigindo-se a todas as associações sindicais representativas de trabalhadores interessados no processo, e não apenas a algumas delas, como aliás logo se extrai do próprio normativo constitucional, que se reporta a direitos das associações sindicais, e não já a direitos das associações sindicais mais representativas, ou de certas e determinadas associações sindicais. Aliás, este preceito constitucional, ao ser traduzido nas leis que o regulamentaram (Lei n.° 16/79 e Decreto-Lei n.° 45-A/84), encontrou uma forma de execução que o acautela por inteiro e consente uma verdadeira e efectiva possibilidade de intervenção de todas as associações sindicais às quais a norma constitucional se dirige» (cf. o mencionado Acórdão n.° 93/92).
6.3 - Tendo como ponto de referência o quadro traçado nas linhas antecedentes, cumpre agora averiguar o que nos oferece a história do decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.° 26/92 em matéria de participação das associações sindicais no procedimento da sua elaboração.
No requerimento de interposição do presente recurso, o Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores afirma categoriamente que «não houve qualquer participação dos organismos representativos dos trabalhadores no procedimento de elaboração do Decreto Legislativo Regional n.° 26/92». Por outro lado, no preâmbulo do decreto n.° 26/92 não se faz referência a uma eventual audição das organizações representativas dos trabalhadores da administração pública regional e local, omissão cujo significado há-de ser, na linha da jurisprudência deste Tribunal, a presunção de que tal audição não se concretizou (cf. os citados Acórdãos números 451/87 e 15/88).
Trata-se, no entanto, de uma presunção juris tantum, que, como se assinalou no Acórdão deste Tribunal n.° 93/92, seria susceptível de ser ilidida mediante elementos de prova fornecidos pelo autor daquele diploma legislativo regional.
Ora, na resposta do Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores refere-se que «os dirigentes das principais associações sindicais representadas na Região, nomeadamente o Sindicato da Função Pública do Sul e Ilhas (SINTAP), a UGT, CGTP - Intersindical e o Sindicato dos Professores da Região, tomaram conhecimento e expressaram a sua posição relativamente ao propósito de se proceder à revogação do Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho» - trecho este que demonstra não terem participado, durante a fase de elaboração da norma do artigo 1.° do decreto de que tratam os presentes autos, todas as associações sindicais que, nos termos dos respectivos estatutos, representam os interesses dos trabalhadores da administração pública regional e local, mas somente as consideradas como principais ou mais importantes.
É esta uma mácula que, por si só, é suficiente para inquinar a norma do artigo 1.° do decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.° 26/92, na parte questionada, de inconstitucionalidade por vício de procedimento, decorrente da violação do artigo 56.°, n.° 2, alínea a), da lei fundamental.
Mas, para além disso, importa observar que a participação das «principais associações sindicais» representadas na Região Autónoma dos Açores no procedimento de elaboração da norma do artigo 1.° daquele decreto, na parte aqui impugnada, não decorreu de forma constitucionalmente adequada ou idónea, entendida esta nos termos acima assinalados. Na verdade, salienta-se na resposta do Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores que o conhecimento por parte dos dirigentes das principais associações representadas na Região do propósito de se proceder à revogação do Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, e a expressão da sua posição relativamente ao mesmo ocorreram «quer em contactos havidos com os grupos e representantes parlamentares dos partidos políticos com assento na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, quer através dos órgãos de comunicação social existentes na Região». Donde resulta que, mesmo que não se verificasse o défice acima referido quanto ao número das associações sindicais intervenientes no procedimento de formação legislativa, ainda assim a norma do artigo 1.° do decreto n.° 26/92 seria inconstitucional, por infracção ao disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 56.° da Constituição.
Há, assim, que concluir pela inconstitucionalidade da norma submetida à sindicância deste Tribunal por vício de procedimento, em consequência da violação da alínea a) do n.° 2 do artigo 56.° da lei fundamental.
III - Decisão
7 - Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 1.° do decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores n.° 26/92, sobre «contenção de despesas», na parte em que revoga o Decreto Legislativo Regional n.° 15/92/A, de 31 de Julho, por violação do artigo 56.°, n.° 2, alínea a), da Constituição.Lisboa, 19 de Janeiro de 1993. - Fernando Alves Correia - José de Sousa e Brito - Vítor Nunes de Almeida - Armindo Ribeiro Mendes - Luís Nunes de Almeida - Messias Bento - Antero Alves Monteiro Dinis - António Vitorino - Alberto Tavares da Costa - Mário de Brito - Bravo Serra - Maria da Assunção Esteves - José Manuel Cardoso da Costa