Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma Dos Açores 15/2022/A, de 14 de Abril
- Corpo emitente: Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa
- Fonte: Diário da República n.º 74/2022, Série I de 2022-04-14
- Data: 2022-04-14
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Sumário
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Sumário: Recomenda a atualização do regime jurídico da avaliação do impacte e do licenciamento ambiental vigente na Região Autónoma dos Açores.
Recomenda a atualização do regime jurídico da avaliação do impacte e do licenciamento ambiental vigente na Região Autónoma dos Açores
O atual regime jurídico nacional de avaliação de impacte ambiental (AIA) encontra-se instituído pelo Decreto-Lei 151-B/2013, de 31 de outubro, na sua redação atual, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, alterada pela Diretiva n.º 2014/52/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente.
Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º, o referido diploma estabelece, para todo o território nacional e zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional, o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental dos projetos públicos e privados que sejam suscetíveis de produzir efeitos significativos no ambiente.
Por sua vez, o Decreto Legislativo Regional 30/2010/A, de 15 de novembro, estabelece o regime jurídico da avaliação do impacte e do licenciamento ambiental na Região Autónoma dos Açores, o qual se encontra profundamente desatualizado.
O procedimento de avaliação do impacte ambiental desenvolve-se, e encontra o seu fundamento, na tutela do ambiente enquanto bem jurídico e pode ser considerado como o «mais relevante e decisivo instituto jurídico do Direito do Ambiente».
Efetivamente, a AIA é já considerada um princípio geral de Direito Internacional do Ambiente, ou seja, dotado de força erga omnes, nos termos da jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça - cf. casos Pulp Mills on River Uruguay, de 20 de abril de 2010, e Costa Rica vs Nicarágua/Nicarágua vs Costa Rica, de 16 de dezembro de 2015, precisamente por traduzir o paradigma de ponderação de interesses ambientais e outros.
Estamos perante um instrumento preventivo, que visa um controlo prévio das atividades potencialmente lesivas do ambiente, concretizando o princípio basilar da tutela ambiental: o princípio da prevenção.
A AIA constitui um subprocedimento administrativo de um procedimento administrativo autorizativo mais amplo, destinado a analisar os potenciais efeitos significativos de um determinado projeto num dado contexto.
Concretamente, a AIA pretende evitar, ou, não sendo isso possível, minimizar/compensar os impactes de certos projetos (públicos e privados) sobre o meio ambiente envolvente, o que faz mediante um juízo de prognose e de ponderação.
O escopo da AIA é, pois, forçar uma apreciação administrativa prévia, ex professo, de certos empreendimentos, instalações ou atividades sob um ângulo ambiental, de tal forma que, caso as consequências para o ambiente sejam excessivamente gravosas, o projeto não deverá avançar (e, avançando, tal deverá suceder da forma menos lesiva para o ambiente possível).
Como refere Tiago Antunes, trata-se de «obrigar a que, no procedimento complexo de controlo prévio de determinados projetos, os respetivos efeitos sobre o ambiente sejam meticulosamente averiguados e constituam objeto de uma ponderação autónoma, ainda que em balanceamento com outros fatores e preocupações de ordem geral (maxime, com o desígnio de progresso e bem-estar económico-social)» [C. A. Gomes/T. Antunes (coord.), «A Decisão do Procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental», in Revisitando a Avaliação de Impacte Ambiental, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2014, ebook disponível em https://www.icjp.pt/publicacoes/pub/1/4539/view].
É neste âmbito conceptual que importa perceber de que forma o regime jurídico da avaliação do impacte e do licenciamento ambiental vigente na Região Autónoma dos Açores acompanhou a evolução do quadro jurídico nacional e da União Europeia, nomeadamente no que diz respeito ao seu elemento central: a declaração de impacte ambiental.
Nos termos do n.º 1 do artigo 44.º do Decreto Legislativo Regional 30/2010/A, de 15 de novembro, «a declaração de impacte ambiental caduca se, decorridos dois anos sobre a data da sua emissão, não tiver sido dado início à execução do respetivo projeto».
No entanto, a caducidade pode ser ultrapassada se a declaração de impacte ambiental (DIA) for objeto de renovação, nos termos do n.º 3 do artigo 44.º do Decreto Legislativo Regional 30/2010/A, de 15 de novembro, onde se prevê a possibilidade de o proponente, mediante requerimento dirigido à autoridade ambiental, justificar «a necessidade de ultrapassar os prazos previstos ou, tratando-se de projetos públicos, os casos em que o não cumprimento dos prazos se fique a dever a situações decorrentes da tramitação aplicável a tais projetos por causa não imputável ao proponente».
Diga-se, desde já, que o regime regional se encontra totalmente desatualizado relativamente ao regime nacional: o último não só limita a possibilidade de prorrogação, só podendo a DIA ser prorrogada por uma única vez, sendo que é pressuposto da prorrogação a manutenção das condições subjacentes à emissão daquele ato (n.º 7 do artigo 24.º do Decreto-Lei 151-B/2013, de 31 de outubro, na sua redação atual), como prevê mais causas de caducidade, assumindo especial relevância a prevista no n.º 3 do artigo 23.º, que dispõe que a DIA em fase de estudo prévio ou anteprojeto caduca se, decorridos quatro anos sobre a data da sua emissão, o proponente não tiver requerido a verificação da conformidade ambiental do projeto de execução, nos termos previstos no artigo 19.º
De acordo com a interpretação literal da legislação em vigor, a DIA só caduca se, decorridos dois anos sobre a data da sua emissão, «não tiver sido dado início à execução do respetivo projeto» e que o início da execução do respetivo projeto corresponde ao início da execução de qualquer uma das componentes projetadas, daí retirando as devidas consequências: a impossibilidade da caducidade da DIA a partir desse momento.
Repare-se que, seguindo-se esta linha de análise, tendo sido iniciada a execução de uma das várias componentes de um qualquer projeto, a respetiva DIA será válida sine die, ou seja, indefinidamente. Uma tal interpretação do enunciado normativo é, logicamente, insustentável, mas sustenta-se na interpretação literal do normativo.
Neste sentido, há que colocar a seguinte pergunta: para que é que serve a caducidade da DIA? A caducidade da DIA serve, precisamente, para assegurar que se cumpre o escopo da própria AIA enquanto procedimento prévio e de controlo do impacto ambiental dos projetos e empreendimentos suscetíveis de os causar: ou seja, serve para garantir que os efeitos sobre o ambiente sejam meticulosamente averiguados.
A caducidade tem, pois, um propósito garantístico, que se resume a impedir a definitividade de certa avaliação, temporal e contextualmente delimitada, em nome de uma proteção efetiva e dinâmica do ambiente.
Visa-se, pois, evitar que a DIA seja uma espécie de cheque em branco que, após emitido, concede ao proponente do projeto uma posição definitiva e intocável, independentemente de se proceder à execução do projeto.
Como sustentam Carla Amado Gomes e José Duarte Coimbra, «embora a declaração de impacto ambiental se assuma, em si mesma, como um ato temporalmente ilimitado, sem um termo final certo, é bem compreensível que o ordenamento não possa consentir que dada avaliação, realizada no momento x, possa ainda habilitar o lançamento do projeto num momento bem posterior a x, tendo em conta que a avaliação realizada é, sempre e logicamente, contextual e temporalmente condicionada» [C. A. Gomes/J. D. Coimbra, «Da Dispensabilidade da Avaliação de Impacto Ambiental (ainda a propósito da coincineração). Anotação ao Acórdão do TCA-Norte de 18 de março de 2016» in C. A. Gomes (coord.), Direito do Ambiente - Anotações Jurisprudenciais Dispersas, 2.ª ed., 2017, e-book. p. 21].
Dito isto, vai-se mais longe e acrescenta-se que a interpretação que as autoridades ambientais realizam com base no atual normativo impede, quase em absoluto, a caducidade da DIA.
Sucede que é o próprio regime nacional, posterior ao regional, que veio estabelecer, no n.º 1 do seu artigo 48.º, sob a epígrafe «Regiões Autónomas», que «o presente decreto-lei aplica-se às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo da sua adequação à especificidade regional, a introduzir através de decreto legislativo regional, cabendo a sua execução aos serviços competentes das respetivas administrações regionais».
E que não se diga que a especificidade regional, a introduzir através de decreto legislativo regional, pode justificar a adoção de um regime de caducidade com menores garantias em relação ao ambiente: o facto de o regime do artigo 44.º do Decreto Legislativo Regional 30/2010/A, de 15 de novembro, ser idêntico ao regime nacional anterior à transposição da Diretiva n.º 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, prova que, nesta matéria, inexistem especificidades regionais justificativas de um regime diferente e prejudicial para a defesa do interesse ambiental.
Neste âmbito importa ainda ter em conta o princípio da precaução, previsto na alínea c) do artigo 3.º da Lei de Bases do Ambiente, que pode ser formulado nos seguintes termos: «sempre que existam riscos potenciais ou efetivos passíveis de lesar interesses da coletividade, a Administração Pública encontra-se adstrita a adotar as medidas apropriadas ou adequadas a evitar ou minorar os seus possíveis efeitos».
O princípio da precaução move-se em cenários de incerteza científica: dominadas pela prudência, as decisões administrativas devem alicerçar-se nos conhecimentos científicos e técnicos que se encontrem disponíveis, à data, ou, no limite, naqueles que mereçam maior reconhecimento atual pela comunidade científica e técnica; compreende-se, neste último sentido, que a superveniência de melhores conhecimentos gere a revogabilidade das decisões.
Tenha-se em conta que no regime regional, a fase de RECAPE (relatório de conformidade ambiental do projeto de execução) ainda surge integrada no procedimento de pós-avaliação, o que já não sucede no regime nacional. Assim, ficamos com o seguinte panorama: se já existir projeto de execução, a avaliação de impacte ambiental é realizada de forma una; se ainda não existir projeto de execução, a avaliação de impacte ambiental tem de ser realizada a dois tempos ou de forma repartida.
No entanto, não se pense que a DIA e a decisão de conformidade ou desconformidade do RECAPE se encontram no mesmo plano: é na DIA que os impactes ambientais são primeiramente avaliados, que as alternativas são comparadas e que se traça, de raiz, o nível de compromisso entre a tutela ecológica e outros interesses conflituantes.
Com efeito, nas palavras de Tiago Antunes, «a sina do projeto é logo ditada pela DIA. Pode ser apenas uma primeira etapa, mas é decisiva, qualquer que seja o seu sentido: se for negativo, o projeto fica irremediavelmente comprometido; se for (plena ou condicionalmente) positivo, então o projeto de execução e a análise da respetiva conformidade ambiental não poderão deixar de ter em consideração e de respeitar o balanceamento estabelecido inicialmente na DIA, designadamente os limites e condicionantes aí impostos, as medidas de minimização ou compensação ditadas, etc.» [C. A. Gomes/T. Antunes (coord.), «A Decisão do Procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental», in Revisitando a Avaliação de Impacte Ambiental, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2014, ebook disponível em https://www.icjp.pt/publicacoes/pub/1/4539/view].
Por tudo isto, importa atualizar, com urgência, o regime jurídico da avaliação do impacte e do licenciamento ambiental na Região Autónoma dos Açores, nomeadamente transpondo para a ordem jurídica regional as diretivas europeias referentes ao regime jurídico da avaliação de impacte ambiental dos projetos públicos e privados suscetíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, adotadas após a entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional 30/2010/A, de 15 de novembro, e terminar com a menor exigência, por comparação com o quadro jurídico nacional, existente no âmbito dos normativos regionais referentes à caducidade da declaração de impacte ambiental.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores resolve, nos termos regimentais aplicáveis e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 44.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, recomendar ao Governo Regional dos Açores que, no prazo máximo de um ano após a aprovação da presente resolução, proceda à atualização do regime jurídico de avaliação de impacte ambiental na Região Autónoma dos Açores, nomeadamente transpondo para a ordem jurídica regional as diretivas europeias referentes ao regime jurídico da avaliação de impacte ambiental dos projetos públicos e privados suscetíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, adotadas após a entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional 30/2010/A, de 15 de novembro, e termine com o quadro de menor exigência, por comparação com o regime jurídico nacional, existente no âmbito dos normativos regionais referentes à caducidade da declaração de impacte ambiental.
Aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 9 de março de 2022.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Luís Carlos Correia Garcia.
115204764
Anexos
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Ligações deste documento
Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):
-
2010-11-15 -
Decreto Legislativo Regional
30/2010/A -
Região Autónoma dos Açores - Assembleia Legislativa
Estabelece o regime jurídico da avaliação do impacte e do licenciamento ambiental.
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2013-10-31 -
Decreto-Lei
151-B/2013 -
Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território
Estabelece o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental (AIA) dos projetos públicos e privados suscetíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, transpondo a Diretiva n.º 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente.
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