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Parecer (extrato) 11/2021, de 28 de Outubro

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Sumário

Direito de manifestação - Presidente da Câmara Municipal - Aviso prévio - Forças de Segurança - Proteção de dados pessoais

Texto do documento

Parecer (extrato) n.º 11/2021

Sumário: Direito de manifestação - Presidente da Câmara Municipal - Aviso prévio - Forças de Segurança - Proteção de dados pessoais.

Direito de manifestação - Presidente da Câmara Municipal - Aviso Prévia - Forças de Segurança - Proteção de dados pessoais

1.ª O direito de manifestação, consagrado no n.º 2 do artigo 45.º da Constituição, embora autonomizado em relação ao direito de os cidadãos se reunirem livremente, mesmo em lugares abertos ao público, desde que não armados e de modo pacífico (cf. n.º 2) goza de uma esfera de proteção análoga, pelo que o legislador se encontra impedido de o submeter a autorização (cf. n.º 1), na linha do que antecipara o II Governo Provisório, ao aprovar o Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto.

2.ª Ambos os direitos - de reunião e de manifestação - não se limitam a impedir intromissões ou ingerências políticas ou administrativas, pois reclamam dos poderes públicos adequadas medidas de proteção, em ordem a providenciar pela segurança de pessoas e bens e a conciliar o seu exercício com outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos.

3.ª Tal dimensão positiva é corolário da eficácia horizontal dos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias (cf. n.º 1 do artigo 18.º da Constituição), comprometendo os poderes públicos a garantirem que terceiros respeitem, ordeiramente, as reuniões, manifestações e o pluralismo das ideias, convicções e sentimentos que as motivam.

4.ª É esta uma das razões de ser do aviso que os promotores devem fazer chegar ao presidente da câmara municipal territorialmente competente, com dois dias úteis de antecedência (cf. n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto), indicando a hora, local e objeto da reunião, assim como o trajeto, tratando-se de manifestação, cortejo ou desfile (cf. n.º 1 do artigo 3.º).

5.ª O aviso representa, do ponto de vista do procedimento administrativo, uma comunicação prévia, na modalidade prevista pelo n.º 2 e pelo n.º 3 do artigo 134.º do Código do Procedimento Administrativo, com o sentido de que não obriga o destinatário a proferir uma decisão, nem faz presumir do silêncio deste um ato de anuência ou de deferimento tácito.

6.ª Contudo, o aviso prévio é constitutivo de uma relação jurídica administrativa entre os promotores e o município e obriga o presidente da câmara municipal a formular um juízo de prognose acerca do modo mais apropriado de cumprir os deveres de proteção que recaem sobre si e sobre a necessidade de meios e competências que apenas se encontram ao alcance do Governo ou dos governos regionais, das forças de segurança e de outras autoridades públicas com incumbências de segurança interna, proteção civil ou saúde pública.

7.ª Juízo de prognose que se mostra tão mais importante quanto só o presidente da câmara municipal tem conhecimento oficial do aviso prévio, o que importa reconhecer-lhe competências próprias, além das que expressamente o identificam nas disposições do Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto.

8.ª O presidente da câmara municipal não pode limitar-se a replicar o aviso prévio de manifestação ou reunião, recebido em conformidade com o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto, uma vez que tal expediente não permite conceder ordens e instruções aos serviços municipais sob a sua direção (v.g. polícia municipal) e diretrizes aos demais sob a sua coordenação (cf. artigo 37.º da Lei 75/2013, de 12 de setembro), nomeadamente, o serviço de bombeiros, os departamentos de tráfego, de higiene e limpeza da via pública, de iluminação pública ou o serviço municipal de proteção civil, com vista ao ordenamento do trânsito, ao aprestamento de meios logísticos necessários à organização, ao desafogo dos lugares e à mobilização de meios de evacuação e socorro.

9.ª Nos termos do Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto, são competências próprias do presidente da câmara municipal (i) passar comprovativo da receção do aviso prévio (cf. n.º 3 do artigo 2.º), (ii) opor objeções ao plano dos promotores (cf. n.º 2 do artigo 3.º), em razão da ilicitude dos fins ou dos meios (cf. artigo 1.º), (iii) ordenar alterações ao trajeto das manifestações e redução a metade do uso das faixas de rodagem por cortejos e desfiles (cf. n.º 1 do artigo 6.º), (iv) reservar para a realização de reuniões ou comícios determinados lugares públicos devidamente identificados e delimitados, estatuindo critérios objetivos de repartição entre vários interessados (cf. artigo 9.º) e (v) impedir que se realizem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos situados a menos de 100 m das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos (cf. artigo 13.º).

10.ª Compete-lhe, ainda, em casos extremos, proibir determinada reunião, manifestação, comício, desfile ou cortejo, dentro dos pressupostos e requisitos muito estritos que se encontram no n.º 2 do artigo 3.º, do Decreto-Lei 406/74, relevando, aqui, sobremaneira, a proibição de contramanifestações em local e horário que coincidam (cf. artigo 7.º).

11.ª Tais poderes devem ser exercidos em coordenação com as forças de segurança territorialmente competentes, e, sendo caso disso, com os órgãos do Sistema de Segurança Interna - o Primeiro-ministro, o Ministro da Administração Interna, o Secretário-geral, designadamente -, com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e com as autoridades de saúde, sem prejuízo de os próprios serviços municipais, cujo órgão superior é, justamente, o presidente da câmara municipal, empreenderem esforços convergentes.

12.ª Apenas reuniões e manifestações que se preveja, fundadamente, terem escassa adesão e deem sinais de um risco diminuto de perturbação podem cingir-se à esfera municipal, dispensando as forças de segurança, uma vez que, de acordo com o n.º 3 do artigo 237.º da Constituição e com os n.os 2 e 3 do artigo 3.º da Lei 19/2004, de 20 de maio, as polícias municipais - onde tiverem sido criadas - não podem substituir-se à Polícia de Segurança Pública nem à Guarda Nacional Republicana, tão-pouco intervir em domínio que a estas forças se encontra reservado: principalmente, o emprego de meios coercivos na dissuasão e repressão de infrações e perturbações à segurança na via pública.

13.ª Já a interrupção de manifestações, cortejos, desfiles, comícios e outras reuniões em lugares públicos, prevista no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto, compete exclusivamente às autoridades de polícia, como tal qualificadas pela Lei de Segurança Interna (cf. artigo 26.º), porquanto só estas podem impor a dispersão de ajuntamentos e assegurar, destarte, a obediência sem tumultos nem motins (cf. artigo 28.º, n.º 1, alínea c)).

14.ª Ao tempo da aprovação do Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto, assistia ao presidente da câmara municipal o estatuto de magistrado administrativo e de autoridade de polícia, de acordo com os artigos 79.º e 80.º do Código Administrativo, a par do governador civil, a quem cumpria, nas capitais de distrito, receber o aviso prévio de manifestações e reuniões públicas e adotar as necessárias providências de polícia administrativa, sob a direção do Governo, que ele, no distrito, representava.

15.ª A posição institucional privilegiada do governador civil para coordenar autoridades municipais e forças de segurança, sob a direção do Ministro da Administração Interna, em matéria de aplicação do Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto, perdeu-se com a Lei Orgânica 1/2011 e com o Decreto-Lei 114/2011, ambos de 30 de novembro, ao repartirem as competências dos governadores civis por outros órgãos do Estado, de institutos públicos e das autarquias locais.

16.ª Só desde então, os presidentes das câmaras municipais sedeadas nas capitais de distrito passaram a exercer os poderes consignados no Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto, precisamente nas cidades onde decorrem com maior frequência comícios, manifestações e outros ajuntamentos de cariz político e sindical, suscetíveis de produzirem desacatos, tumultos e outras perturbações agravadas da segurança e tranquilidade públicas.

17.ª A transferência de tais competências, porém, não se fez acompanhar da necessária adaptação da Lei de Segurança Interna, dos regimes orgânicos das forças de segurança, nem tão-pouco da legislação respeitante às atribuições das autarquias locais e competência dos órgãos respetivos, nomeadamente do próprio presidente da câmara e das polícias municipais, de modo a fixar procedimentos de coordenação com o Sistema de Segurança Interna, com as forças de segurança, com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil ou com as autoridades de saúde, tendo apenas permanecido o parecer facultativo das autoridades militares ou das forças de segurança territorialmente competentes, para o caso de se impor o afastamento de 100 metros a determinados edifícios ou instalações (cf. artigo 13.º do Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto).

18.ª Cumpre, assim, ao presidente da câmara municipal lançar mão dos instrumentos de auxílio administrativo que o Código do Procedimento Administrativo instituiu no artigo 66.º, precisamente para os casos em que a lei não «imponha a intervenção de outros órgãos no procedimento», e a estrutura municipal, por falta de atribuições ou de meios, não se encontre em condições de cumprir todos os deveres públicos de proteção que os riscos associados à manifestação ou reunião justificam.

19.ª Auxílio administrativo cujo procedimento deve ser adequado funcionalmente (cf. artigo 59.º do CPA) à exiguidade do prazo (24 horas) de que dispõe o presidente da câmara municipal para opor objeções aos promotores, determinar alterações ao plano do ajuntamento ou limitações que minimizem os inconvenientes à livre circulação de terceiros.

20.ª O referido auxílio só pode ser eficaz se os órgãos e serviços instados tiverem conhecimento da identidade dos promotores e dispuserem de um modo de os contactar com brevidade, antes e durante a manifestação, comício, cortejo, desfile ou outra reunião em lugar público ou aberto ao público.

21.ª O n.º 2 do artigo 66.º do Código do Procedimento Administrativo devolve à Lei 26/2016, de 22 de agosto, a aplicação das restrições fixadas sobre acesso aos documentos administrativos, visando regrar os fluxos de informação administrativa entre diferentes órgãos ou mesmo entre diferentes pessoas coletivas públicas, precisamente, por se tratar, aqui, de um subprocedimento administrativo atípico, em que os órgãos e serviços convocados, embora exerçam uma competência própria, o fazem por conta de fins públicos alheios, importando, por isso, investi-los de legitimidade.

22.ª Constam do aviso prévio das reuniões públicas e manifestações, além da hora, local e concretização do ajuntamento, o nome, morada e profissão dos promotores que o assinam, o que faz da comunicação um documento administrativo nominativo: aquele que, independentemente do seu conteúdo, ou parte dele, se encontra em poder de órgãos e serviços contemplados no artigo 4.º da Lei 26/2016, de 22 de agosto, e contenha dados pessoais, na aceção que lhes dá o Regulamento Geral da Proteção de Dados, para efeitos de circulação e tratamento.

23.ª A identificação dos promotores conota-os, nem sempre de modo idêntico, com opções políticas, filiação sindical ou convicções religiosas e metafísicas, motivo por que implicam com dados especialmente sensíveis e sob uma acrescida proteção contra operações ilícitas, desleais ou diáfanas de tratamento de dados, seja em face do artigo 9.º do RGPD ou nos termos do artigo 6.º da Lei 59/2019, de 8 de agosto.

24.ª Recebido o aviso prévio, o presidente da câmara municipal deve, por conseguinte, recensear criteriosamente os serviços, entidades e agentes municipais, aos quais, além da hora, local e objeto da reunião ou comício, e do trajeto, tratando-se de manifestação, cortejo ou desfile, dará indicação do nome e contacto dos promotores signatários, especificando, em relação a cada transmissão de dados a finalidade ínsita, própria das competências ou tarefas de cada um.

25.ª Uma vez que o tratamento de dados pessoais deve ser reduzido ao mínimo necessário, o responsável deve abster-se de reencaminhar cópias do aviso prévio ou de transcrever, integralmente, o seu teor, antes divulgando em despacho a proferir com as devidas ordens, instruções e diretrizes os dados indispensáveis à colaboração dos promotores e com os promotores.

26.ª A segurança constitui finalidade comum entre as competências desempenhadas pelo presidente da câmara municipal - essencialmente, a montante do comício ou manifestação - e o papel das forças de segurança, acentuado no seu decurso e desfecho. Como tal, o presidente da câmara municipal, por si ou através de agente na sua dependência funcional, informa as autoridades de polícia previstas na Lei de Segurança Interna acerca da hora, local e objeto da reunião ou comício e do trajeto, tratando-se de manifestação, cortejo ou desfile, assim como do nome e contacto dos promotores signatários, seja para solicitar o parecer previsto no artigo 13.º do Decreto-Lei 406/74, seja para requisitar auxílio administrativo, de acordo com o artigo 66.º do CPA, como, ainda, para que tais autoridades de polícia possam exercer as competências que, exclusivamente, lhes pertencem, em especial, virem a adotar, se necessário, as medidas de polícia gerais e especiais, previstas, respetivamente, nos artigos 28.º e 29.º da Lei de Segurança Interna.

27.ª Entre tais medidas, compreende-se a de pôr termo à manifestação, comício, cortejo, desfile ou reunião em lugar público ou aberto ao público, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto, pois constitui pressuposto necessário da interdição temporária de acesso e circulação de pessoas em dado local e da ordem de dispersão ou evacuação, tipificadas, respetivamente, pelas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 28.º da Lei de Segurança Interna. Encontram-se fora do alcance do presidente da câmara municipal, o qual não dispõe de poderes de direção sobre os agentes das forças de segurança.

28.ª Deve o presidente da câmara municipal, sempre que o repute necessário ou conveniente, segundo um juízo de prognose acerca das proporções do ajuntamento, da perigosidade indiciada pelas circunstâncias ou do objeto controverso da concentração, propício a eventuais contramanifestações súbitas, proceder de igual modo junto dos órgãos superiores do Sistema de Segurança Interna, designadamente do Primeiro-ministro e do Gabinete Coordenador de Segurança (GCS), considerando as funções especiais de assessoria e consulta de tal órgão para a coordenação técnica e operacional da atividade das forças e dos serviços de segurança (cf. n.º 1 do artigo 21.º da LSI).

29.ª A brevidade imposta pela reduzida antecedência, admitida pela lei ao aviso prévio, e pelo prazo mais curto, ainda, para opor objeções ao plano dos promotores, justifica que os contactos com o Sistema de Segurança Interna se efetuem através do secretariado permanente do GCS (cf. n.º 5 do artigo 21.º da LSI).

30.ª Sem prejuízo de prévia consulta, nos termos do n.º 1 do citado artigo 66.º do CPA, a perceção, por qualquer um destes órgãos, de circunstâncias favoráveis a um risco não despiciendo de acidente grave, tal como definido no n.º 1 do artigo 3.º da Lei de Bases da Proteção Civil (LBPC) e que excedam as atribuições e os meios do município em cujo território ocorre a concentração prevista, justifica-se facultar à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) todos os elementos relevantes colhidos do aviso prévio, ainda que se trate de dados pessoais sensíveis, o que pode efetuar-se a nível central ou junto do órgão desconcentrado territorialmente competente, utilizando, se for caso disso, o Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro.

31.ª Às operações de tratamento de dados com ou entre autoridades de polícia aplica-se a Lei 59/2019, de 8 de agosto. Lei que transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva (UE) 2016/680, de 27 de abril de 2016, e que tem por âmbito o tratamento de dados pessoais necessário a atividades de polícia administrativa - e não apenas de polícia criminal - depois de diluirmos a ambiguidade literal do artigo 1.º no que, inequivocamente, transmite o Considerando (12) da Diretiva, uma vez que, ali, de modo expresso, descortina-se, como âmbito próprio, a manutenção da ordem pública «em manifestações, grandes eventos desportivos e distúrbios», seja por órgãos de polícia, seja por «outras autoridades de aplicação da lei».

32.ª Não obstante ter deixado de possuir o estatuto de autoridade de polícia, desde a revogação do artigo 80.º do Código Administrativo pela Lei 79/77, de 25 de outubro, apesar de não constituir uma autoridade de polícia, no estrito sentido da Lei de Segurança Interna e do seu artigo 26.º, muito menos, uma autoridade de polícia criminal, no sentido da alínea d) do artigo 1.º do Código de Processo Penal, o presidente da câmara municipal exerce poderes de polícia administrativa respeitantes à segurança de pessoas e bens, ao desempenhar a generalidade das funções que o Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto, lhe atribui.

33.ª Onerado por deveres de proteção para com os participantes nos comícios e em outras reuniões públicas, para com manifestantes ou marchantes de cortejos e desfiles, a partir do tratamento do aviso prévio, o presidente da câmara municipal, do mesmo passo, fica incumbido de adotar providências adequadas à segurança de terceiros e à redução, tanto quanto razoavelmente possível, dos inconvenientes que decorrem, inevitavelmente, para a generalidade dos transeuntes.

34.ª O tratamento dos dados transmitidos às forças de segurança, aos competentes membros do Governo e a outros órgãos do Sistema de Segurança Interna (v.g. Secretário-geral) é admitido pelo artigo 6.º da Lei 59/2019, de 8 de agosto, o que exige reduzi-lo ao estritamente necessário, dar garantias de segurança ao titular dos dados (cf. n.º 1) e não empreender definições de perfis que conduzam a atos ou omissões discriminatórias por conta das opções políticas, filiação sindical ou convicções religiosas ou filosóficas dos titulares dos dados (cf. n.º 2).

35.ª Exige, de igual modo, o preenchimento de, pelo menos, um dos pressupostos enunciados nas alíneas do n.º 1, o que, perante a temática versada, nos remete para a alínea a) - autorização por lei - considerando estar em causa a titularidade e exercício de competências próprias dos mencionados órgãos que, por maioria de razão, superam o interesse pessoal, direto e legítimo a que se refere o n.º 5 do artigo 6.º da Lei 26/2016, de 22 de agosto.

36.ª No exercício de competências próprias ou delegadas e com estrita observância do fim que se divisa na sua atribuição, os órgãos da Administração Pública não devem ser confrontados com restrições iguais ou superiores àquelas que são opostas aos administrados, no acesso, que se mostre necessário, a documentos administrativos nominativos.

37.ª Por outro lado, o caráter aberto, por definição, das manifestações, cortejos, desfiles, comícios e reuniões, em lugares públicos ou abertos ao público, permite, em certos casos, considerar que o titular renuncia, notoriamente, à preservação de alguns meios de identificação ou de reconhecimento pessoal por terceiros, sempre que assume, na esfera pública, possíveis conotações ideológicas, filosóficas, confessionais ou sindicais, em termos que nos remetem para a justificação do tratamento de dados sensíveis, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei 59/2019, de 8 de agosto. Será o caso do manifestante ativista que se dispõe, sem qualquer reserva, a ser entrevistado pelos órgãos de comunicação social, surgindo identificado pelo nome junto do público.

38.ª Em todo o caso, a justificação do tratamento não faz ignorar, antes pressupõe, a afirmação dos princípios gerais que conformam o tratamento de dados, com as especificidades previstas na citada lei, designadamente quanto à adstrição do tratamento de dados à finalidade respetiva (cf. artigos 7.º e 8.º), quanto à imposição de distinções entre diferentes categorias de titulares de dados (cf. artigo 9.º), quanto à segregação de dados baseados em apreciações pessoais (cf. n.º 1 do artigo 10.º), à exatidão e fidelidade dos dados (cf. n.º 2 e seguintes do artigo 10.º) e à proibição de decisões individuais automatizadas (cf. artigo 11.º), além do que se prevê em matéria de conservação transitória e condicionada dos dados pessoais (cf. artigo 12.º).

39.ª Com relação ao tratamento de categorias especiais de dados por outros órgãos e serviços municipais e, quando necessário, pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil ou pelas autoridades de saúde, aplica-se, em conformidade com o n.º 2 do artigo 8.º da Lei 59/2019, de 8 de agosto, o disposto no RGPD e na Lei 58/2019, de 8 de agosto, que completa a sua execução na ordem jurídica nacional.

40.ª Apesar de proibido o tratamento de dados sensíveis, pelo n.º 1 do artigo 9.º do RGPD, o fluxo de dados encontra justificação na alínea g) do n.º 2, considerando os motivos de interesse público em que assenta a necessidade e atendendo a que, sem esse tratamento, podem ser comprometidos os direitos fundamentais de reunião e de manifestação. Isto, na condição de os dados serem poupados a tratamentos fúteis, de ser respeitada «a essência do direito à proteção dos dados pessoais» e de estarem previstas «medidas adequadas e específicas que salvaguardem os direitos fundamentais e os interesses do titular dos dados».

41.ª Aqui, também, pode, por vezes, ser invocada a publicidade de alguns identificadores de dados pessoais sensíveis pelos próprios titulares - os promotores e organizadores de manifestações, comícios e outras reuniões de cariz público que, de modo notório e voluntário, se identificam perante a imprensa - enquanto respaldo para o tratamento de dados sensíveis, justificado pela alínea e) do n.º 2 do artigo 9.º do RGPD.

42.ª Vale, ainda - e, porventura, a título principal - o disposto no artigo 86.º do RGPD, em cujo preceituado se admite às autoridades ou organismos públicos divulgarem documentos administrativos nominativos, «a fim de conciliar o acesso público a documentos oficiais com o direito à proteção dos dados pessoais nos termos do presente regulamento», pois, de novo, e por maioria de razão, não faria sentido subestimar o acesso por órgãos administrativos, como condição necessária ao exercício de uma competência e à prossecução do interesse público, por comparação com os interesses pessoais e diretos dos particulares, por mais legítimos que sejam.

43.ª Da citada disposição do RGPD pode afirmar-se encontrar eco no n.º 2 do artigo 28.º-A do Decreto-Lei 135/99, de 22 de abril, que congrega normas de modernização administrativa, ao postular, como princípio geral, nas relações entre serviços e organismos da Administração Pública, «a partilha de dados e ou documentos públicos necessários a um determinado processo ou prestação de serviços, em respeito pelas regras relativas à proteção de dados pessoais».

44.ª Tais regras são corolários dos princípios gerais consignados no artigo 5.º do RGPD: da licitude, lealdade e transparência do tratamento de dados pessoais; da limitação pelas finalidades ou proibição da reutilização para outros fins; da redução ao mínimo necessário, excluindo operações fúteis e dados superabundantes; da exatidão e fidelidade dos dados, conferindo ao titular direitos e garantias especiais; da conservação pelo tempo estritamente indispensável; da integridade e da confidencialidade; e, por fim, da responsabilidade.

45.ª Acresce, na eventualidade de o órgão responsável pelo tratamento de dados e de o órgão destinatário se encontrarem ambos sob um especial dever de sigilo, que a proteção é reforçada por este meio, como vem sufragando a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, em múltiplos pareces respeitantes a relações de cooperação interadministrativa.

46.ª O responsável pelo tratamento de dados - em concreto, o presidente da câmara municipal, como primeiro responsável, ao rececionar o aviso prévio - tem como principal dever, junto dos seus colaboradores, criar e conservar condições de organização e funcionamento que, de modo sistemático, ofereçam proteção (privacy by design) e que, por defeito, impeçam os tratamentos desnecessários, em vista do fim específico em causa (privacy by default).

47.ª Sem prejuízo das funções próprias do encarregado de proteção de dados, cumpre, para o efeito, ao responsável - não a tarefa de chamar a si todas as operações de tratamento - mas a de exercer os seus poderes hierárquicos e de coordenação, no sentido de eliminar práticas instaladas e procedimentos demasiado uniformes que potenciam transmissões fúteis ou transviadas de dados pessoais, avaliar, de modo frequente, os instrumentos de conservação prolongada, e testar periodicamente as condições de segurança.

48.ª Independentemente de vigorar algum especial dever de sigilo, o presidente da câmara municipal pode designar um agente municipal ou delegar poderes num subalterno, adjunto ou substituto (cf. n.º 3 do artigo 44.º do CPA) para coordenar as comunicações necessárias entre os vários serviços municipais, as autoridades públicas competentes exteriores ao município e os promotores, antes, durante e após a manifestação.

49.ª Tal agente, encontrando-se sob aplicação da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, está, hoje, obrigado, por dever de lealdade, aos objetivos da proteção de dados (cf. n.º 9 do artigo 173.º) e pode vir a responder disciplinarmente pela revelação inconfidente a terceiros de dados pessoais constantes do procedimento iniciado com o aviso prévio (cf. alínea g) do artigo 186.º), sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional emergente de infração a disposições injuntivas do RGPD.

50.ª Tudo visto, os tratamentos de dados a que se refere o pedido de consulta, nas diferentes questões enunciadas, têm condições para serem praticados licitamente e satisfazerem aos demais requisitos que os regimes legais de proteção de dados pessoais impõem à atividade administrativa, em especial, à que decorre de iniciativas de manifestações, reuniões em lugares públicos ou abertos ao público, em conformidade com o Decreto-Lei 406/74, de 29 de agosto.

https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/pp2021011.pdf

Este parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 10 de setembro de 2021.

João Alberto de Figueiredo Monteiro - Eduardo André Folque da Costa Ferreira (Relator) - Maria Isabel Fernandes da Costa - João Conde Correia dos Santos - Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves - Marta Cação Rodrigues Cavaleira - Maria de Fátima da Graça Carvalho.

Este parecer foi homologado por despacho de 14 de outubro de 2021, de Sua Excelência a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública.

21 de outubro de 2021. - O Secretário da Procuradoria-Geral da República, Carlos Adérito da Silva Teixeira.

314667508

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4707716.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1974-08-29 - Decreto-Lei 406/74 - Ministérios da Administração Interna e da Justiça

    Garante e regulamenta o direito de reunião.

  • Tem documento Em vigor 1977-10-25 - Lei 79/77 - Assembleia da República

    Define as atribuições e competências das autarquias locais.

  • Tem documento Em vigor 1999-04-22 - Decreto-Lei 135/99 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece medidas de modernização administrativa a que devem obedecer os serviços e organismos da Administração Pública na sua actuação face ao cidadão, designadamente sobre acolhimento e atendimento dos cidadãos em geral e dos agentes económicos em particular, comunicação administrativa, simplificação de procedimentos, audição dos utentes e sistema de informação para a gestão.

  • Tem documento Em vigor 2004-05-20 - Lei 19/2004 - Assembleia da República

    Revê a lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais.

  • Tem documento Em vigor 2011-11-30 - Decreto-Lei 114/2011 - Ministério da Administração Interna

    Transfere competências dos governos civis e dos governadores civis para outras entidades da Administração Pública, liquida o património dos governos civis e define o regime legal aplicável aos respectivos funcionários.

  • Tem documento Em vigor 2011-11-30 - Lei Orgânica 1/2011 - Assembleia da República

    Transfere competências dos governos civis e dos governadores civis para outras entidades da Administração Pública em matérias de reserva de competência legislativa da Assembleia da República.

  • Tem documento Em vigor 2013-09-12 - Lei 75/2013 - Assembleia da República

    Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico.

  • Tem documento Em vigor 2016-08-22 - Lei 26/2016 - Assembleia da República

    Aprova o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos, transpondo a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro

  • Tem documento Em vigor 2019-08-08 - Lei 58/2019 - Assembleia da República

    Assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados

  • Tem documento Em vigor 2019-08-08 - Lei 59/2019 - Assembleia da República

    Aprova as regras relativas ao tratamento de dados pessoais para efeitos de prevenção, deteção, investigação ou repressão de infrações penais ou de execução de sanções penais, transpondo a Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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