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Assento 3/92, de 30 de Outubro

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Sumário

O DISPOSTO NO ARTIGO 7, NUMERO 2, DO DECRETO LEI 399/82, DE 23 DE SETEMBRO, (PRECEITO QUE PREVÊ O REQUERIMENTO, POR PARTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE EXTINÇÃO DA SOCIEDADE QUE NÃO EXERÇA QUALQUER ACTIVIDADE DURANTE 1 ANO), PRESSUPÕE QUE FORAM DETECTADAS DECLARAÇÕES, FACTURAS OU OUTROS DOCUMENTOS RELATIVOS A SOCIEDADE AÍ CONSIDERADA E COMPROVANTES DE AQUISIÇÃO DE MERCADORIAS.

Texto do documento

Assento 3/92
Recurso para o tribunal pleno n.º 76797, 2.ª Secção.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1 - Do Acórdão deste Tribunal de 21 de Janeiro de 1988, que negou a revista pedida pelo Ministério Público, contra o acórdão da Relação que confirmara decisão da 1.ª instância a julgar improcedente acção proposta pelo Ministério Público contra OFITEL - Oficina Técnica de Construções Metálicas, Lda., com o pedido de declaração judicial da extinção da sociedade ré e de cancelamento de todos os registos a ela referentes, com invocação do disposto no artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei 399/82 e de a ré ter deixado de exercer qualquer actividade comercial ou industrial desde 1974 e não possuir já qualquer património, recorreu o digno agente do Ministério Público junto deste Tribunal para o tribunal pleno, alegando que, em situação de facto semelhante, também o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 5 de Novembro de 1987, decidiu em sentido oposto, ou seja, que a situação justificava a extinção da sociedade, no caso Fábrica de Calçado Duro, Lda.

Este douto magistrado entendeu verificar-se oposição entre os dois acórdãos citados na aplicação dos artigos 6.º e 7.º daquele Decreto-Lei 399/82, com o acórdão fundamento a entender ser bastante para ser declarada a extinção de uma sociedade a cessação da sua actividade por um ano e o acórdão recorrido a exigir mais a prova de que tal sociedade fora utilizada nos termos previstos no artigo 6.º do mesmo decreto-lei.

A Secção deliberou oportunamente, em conferência, que existe a oposição entre os dois acórdãos que integra o conflito de jurisprudência a justificar a sua resolução e prolação de assento.

Na sequência do processo só o Ministério Público alegou, doutamente sustentando que deve revogar-se o acórdão recorrido e lavrar-se assento em conformidade com a doutrina consagrada no acórdão fundamento.

Corridos os vistos, cumpre decidir.
2 - De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil, o acórdão que reconheceu a existência da oposição em causa não impede que o tribunal pleno decida em contrário. Esse não é o caso, visto que os dois acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação (Decreto-Lei 399/82) e no intervalo da sua publicação não foi introduzida qualquer modificação legislativa que interfira na resolução do problema, tendo eles, como bem se demonstra no acórdão da Secção, solucionado diferentemente a mesma questão de direito e sido proferidos em processos diferentes e sem que seja posto em dúvida o trânsito em julgado do acórdão fundamento, que aliás assim se presume - artigo 763.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

Nada há, pois, a objectar à verificação dos fundamentos do recurso.
3 - A inactividade de uma sociedade comercial não foi durante muito tempo, nem era, à data da publicação daquele Decreto-Lei 399/82, causa legal da sua dissolução, a não ser que correpondesse à cessação do seu objecto ou ao preenchimento ou impossibilidade de satisfação do seu fim - cf. artigos 120.º do Código Comercial e 42.º da Lei de 11 de Abril de 1901. Mas então o que estaria em causa seria não a sua eventual inactividade, mas a causa dela.

Com o aludido decreto-lei, inserido nas medidas de endurecimento do combate à evasão fiscal, no sector do imposto de transacções, a par, entre outras, da estatuição do cancelamento do registo consagrada no artigo 5.º desse diploma para os contribuintes que não liquidassem e ou não entregassem nos cofres do Estado o imposto devido, durante três meses consecutivos, adoptaram-se, nos artigos 6.º e 7.º, medidas sancionadoras para quando forem detectadas declarações, facturas ou outros documentos relativos a pessoas fictícias ou inexistentes, referidos no § 1.º do artigo 58.º do respectivo Código, como comprovantes de aquisição de mercadorias. E, no artigo 7.º, depois de se equiparar, para efeitos do artigo 6.º citado, as sociedades que não exerçam qualquer actividade às pessoas fictícias (n.º 1), dispõe-se que o agente do Ministério Público competente requererá a sua extinção se durante um ano a sociedade não exercer qualquer actividade (n.º 2).

3.1 - A interpretação literal deste n.º 2 levou alguns a verem nele a consagração de uma causa de extinção de sociedades pelo mero decurso do prazo de um ano sem actividade, embora mediante declaração judicial requerida pelo Ministério Público; é disso exemplo o acórdão fundamento.

Outros ainda, preocupados com o ratio legis que entendem emergir dos preceitos daquele decreto-lei e se anuncia expressamente no seu relatório, ao referir que nele se aproveita o ensejo para se conhecer «os efeitos decorrentes da utilização de pessoas fictícias, inexistentes ou de sociedades sem actividade, através de medidas que vão desde a aplicação de multas à apreensão de bens e até à sua própria extinção», viram nisso a equiparação das situações de utilização de umas e outras como pressupostos do aí estatuído e houveram como exigível para a extinção em causa a verificação concreta da utilização da sociedade desactivada durante um ano para a emissão de declaração, facturas ou outros documentos comprovantes de aquisição de mercadorias; exemplifica essa orientação o acórdão recorrido.

3.2 - Pensamos seguramente que a razão está com estes.
Vejamos.
3.2.1 - Antes de mais, todo aquele diploma legal, a começar pelo primeiro período do seu relatório, é pura e simplesmente inspirado, até circunscrito a isso, por preocupações de combate à evasão fiscal.

Basta ler cada um dos seus artigos para se verificar que estatuem sobre infracções fiscais nele consideradas até ao artigo 8.º, inclusive, e que, dos outros, o 9.º e o 10.º alteram preceitos de natureza fiscal e o 11.º, o último, consagra a repetida e discutida norma de atribuição a membros do Governo da competência para resolver por despacho as dúvidas de interpretação do diploma.

Pois bem. A constituição até ao seu registo de uma sociedade comercial no nosso país é algo de complexo ou pelo menos demorado e caro. Como se sabe, o facto é até apontado como exemplo mau de burocracia. Para os sócios, a sua obtenção traduz-se na consecução de um instrumento de intervenção no mercado em ordem à realização de certos fins ou actividades económicas (afectio societatis). Como tal e para além do capital investido ou do património realizado representa um valor económico para os sócios em que se pode projectar fortemente o clássico aviamento de estabelecimento instalado, efectivo ou viável. Ora, por vezes, tal instrumento é, logo à partida, uma vez criado, mantido sem actividade, a aguardar o momento oportuno de intervenção; porque não ignoravam as demoras para a constituição de uma sociedade e previam a ocorrência de situação estrutural ou conjuntural futura própria para a actuação através de uma sociedade, os sócios, pessoas avisadas, constituem-na para activar no momento adequado ou aproveitam outra desactivada por ocorrência transitória.

Ora, numa situação destas ou outra equivalente, bem pode dizer-se que uma cominação de extinção pelo só decurso de um prazo tão curto implicaria defraudar a expectativa legítima dos sócios ao constituírem a sociedade ou manterem-na activa, ao menos daqueles que o tivessem feito antes da entrada em vigor do referido decreto-lei.

Por outro lado, tecnicamente, seria estranho que, deixada cair e desgarrada em diploma de teor meramente fiscal, definidor de infracções de evasão fiscal concretas e consagrador das respectivas sanções, aparecesse uma norma de carácter geral a estatuir sobre a extinção de sociedades inactivas, numa perspectiva inteiramente diversa da que domina toda a restante estatuição; no n.º 2 do artigo 7.º sancionar-se-ia o estar e não o agir.

Nem se apele para preocupações de verdade estatística e de instrumento de controlo democrático da economia a ditar a extinção da sociedade no fim de um ano de inactividade. Basta notar que o diploma legal em que se insere o preceito nada tem a ver com preocupações estatísticas nem de controlo da economia, democrático ou não, sem embargo das eventuais implicações das medidas fiscais, em que o diploma se contém. O interesse do legislador não se manifestou nesse sentido minimamente que fosse, faltando quer no relatório quer no preceituado do diploma o mínimo de qualquer consagração de preocupações dessas. E seria estranho que a estatística, em vez de abrir um título para inscrever sociedades destas, determinasse a sua extinção num clamoroso desvirtuamento da função da estatística. Não. Seguramente que o legislador não quis mais do que disse. Conteve-se em medidas de natureza puramente fiscal, em ordem a garantir para o fisco as respectivas receitas.

3.2.2 - Isto posto, observaremos também que a literalidade do artigo 7.º não favorece a interpretação do acórdão fundamento. Com efeito, o que surge aí é a equiparação das sociedades inactivas às pessoas fictícias para efeitos do artigo 6.º (o sublinhado é nosso). Os efeitos são os da apreensão das mercadorias ou de outras equivalentes que, na estatuição desse artigo, só têm lugar quando forem detectadas declarações, facturas ou outros documentos comprovantes da sua aquisição e quando tais elementos sejam relativos a tais pessoas. Assim, o n.º 1 do artigo 7.º supõe necessariamente que em relação à sociedade inactiva se verifica a situação concreta que condiciona a apreensão cominada no artigo 6.º Não pode assim razoavelmente duvidar-se que «as sociedades a que se refere o n.º 1 do artigo 7.º são só aquelas que, inactivas, forem usadas para subtrair ao controlo fiscal, com emissão de elementos a elas referentes, os negócios da economia vulgarmente conhecida por paralela.

Ora a provisão do n.º 2 quanto às sociedades a que se reporta não é mais extensa. E para se chegar a tal conclusão não será necessário apelar para as normas técnicas de elaboração de leis que desaconselham de todo em todo o uso pelo legislador no mesmo artigo dos mesmos conceitos com conteúdos diversos. Muito menos o intérprete o deve supor, sem declaração expressa. Basta notar que, de acordo com o seu literal teor, o agente do Ministério Público competente requererá a sua extinção se durante um ano a sociedade não exercer qualquer actividade. Note-se e acentue-se: «a sua extinção» e «a sociedade» e não a extinção «da sociedade», ou sociedades, que durante um ano não exerça ou não exerçam qualquer actividade. Sua, possessivo; dela. Dela; de qual? Obviamente daquela a que se reporta o n.º 1 do mesmo artigo que, no género de «sociedades» aí referido, se concretizou na que foi aproveitada para o fim censurado no artigo 6.º Daí a referência plural a «sociedades» no n.º 1, e a singular à «sociedade» do n.º 2 do artigo 7.º

3.2.3 - A evolução posterior da legislação confirma, se necessário fosse, a correcção deste entendimento.

Na textura do Código das Sociedades Comerciais distinguem-se, entre os casos de dissolução das sociedades, os que operam de imediato, previstos no artigo 141.º, e os que operam mediante decisão judicial, consagrados no artigo 142.º Entre estes consagra-se a falta de exercício de qualquer actividade durante cinco anos consecutivos. Ora, o Decreto-Lei 399/82 não foi então revogado. Assim, se o seu artigo 7.º, n.º 2, tivesse o sentido que o recorrente pretende teríamos simultaneamente duas causas da extinção ou dissolução das sociedades por inactividade; uma, pelo decurso de um só ano nessa situação e cuja declaração caberia ao Ministério Público promover e outra ao fim de cinco anos de inactividade e que os sócios também poderiam requerer. Como ninguém duvidará que o n.º 2 do artigo 7.º em causa impõe ao Ministério Público um dever funcional que, como tal e em princípio, ele não pode escusar-se de exercer, e porque nada excluirá que qualquer pessoa, incluindo os sócios de uma sociedade inactiva há um ano, represente ao Ministério Público tal situação, teremos configurado um artificialismo caprichoso dessa dualidade de fundamentos, na tese que rejeitamos. O que se nos impõe da vigência simultânea do Código das Sociedades Comerciais e do Decreto-Lei 399/82 é que no artigo 7.º, n.º 2, deste consagra uma sanção cível para extinguir a fonte que serviu de instrumento à evasão fiscal prevenida assim.

Como tal é norma correctamente consagrada no sistema fiscal.
4 - Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, e em formular o seguinte assento:

O disposto no artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei 399/82, de 23 de Setembro, pressupõe que foram detectadas declarações, facturas ou outros documentos relativos à sociedade aí considerada e comprovantes de aquisição de mercadorias.

Sem custas, por delas estar isento o recorrente.
Porto, 13 de Julho de 1992. - Dionísio Teixeira Moreira de Pinho - Mário Sereno Cura Mariano - José Saraiva - Alberto Baltazar Coelho - Pedro de Lemos e Sousa Macedo - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo - José Henrique Ferreira Vidigal - Manuel da Rosa Ferreira Dias - Joaquim de Carvalho - Afonso Manuel Cabral de Andrade - João Carlos Leitão Beça Pereira - Jaime Ribeiro de Oliveira - António Cerqueira Vahia - Miguel de Mendonça e Silva Montenegro - João Augusto Gomes Figueiredo de Sousa - Mário Horácio Gomes de Noronha - José Joaquim Martins da Fonseca - Agostinho Pereira dos Santos - Bernardo Guimarães Fischer de Sá Nogueira - Alfredo António de Azevedo Barbieri Cardoso - Vítor Manuel Lopes de Sá Pereira - Luís Vaz de Sequeira - Roger Bennett da Cunha Lopes - António Marinho de Andrade Pires de Lima - António de Noronha Tavares Lebre - Rui Azevedo de Brito - Fernando Adelino Fabião - António César Marques - José Magalhães - Jorge Manuel Mora do Vale - Ramiro Luís d'Herbe Vidigal - Eduardo Augusto Martins - José Santos Monteiro - José Ramos dos Santos - José Correia de Oliveira Abranches Martins - Jorge Celestino da Guerra Pires - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva (vencido nos termos da declaração de voto que junto).


Declaração de voto
Os assentos - artigo 2.º do Código Civil - reconduzem-se a actos de natureza normativa, traduzindo verdadeiras normas jurídicas legislativas, revestidas de eficácia impositiva universal - cf. Castanheira Neves, O Instituto dos Assentos e a Função Jurídica dos Supremos Tribunais, pp. 292 e seguintes, e «Assento», in Polis, I, p. 419; Gomes Canotilho, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 124, 131. Ora, a função legislativa não compete aos tribunais - artigo 206.º da Constituição. De contrário, o munus judicial, ao ser chamado, através dos assentos, ao exercício daquela função, seria investido num estatuto que está em contradição com o sentido que lhe deverá corresponder no sistema político do Estado de direito dos nossos dias, baseado no sistema democrático da separação de funções - cf. cit. Revista, 120.º, 618 e 619. Daí que seja patente a inconstitucionalidade dos assentos, como decorre, aliás, para nós, do disposto no artigo 115.º n.os 1, 2 e 5, da lei fundamental. Nem se argumente em contrário com o teor do seu artigo 122.º, n.º 1, alínea g), o qual, na lógica do sistema, e no panorama legislativo actual, se refere tão-só à declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, dos regulamentos administrativos - artigo 66.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Não votei, em consequência, o presente assento. - Ferreira da Silva.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/46072.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-09-23 - Decreto-Lei 399/82 - Ministério das Finanças e do Plano - Secretaria de Estado do Orçamento

    Comina sanções para a falta de liquidação ou pagamento do imposto de transacções.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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