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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 15/2014, de 22 de Dezembro

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Sumário

«Nos termos e para os efeitos dos artigos 120.º, n.º 4 e 49.º, n.os 1 e 2, alíneas c) e d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, presume-se que age de má fé a sociedade anónima que adquire bens a sociedade por quotas declarada insolvente, sendo de considerar o sócio-gerente desta e seu filho, interveniente no negócio de aquisição como representante daquela, pessoas especialmente relacionadas com a insolvente.»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 15/2014

N.º 1936/10.6TBVCT-N.G1.S1(1)

Acordam em Plenário no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

1. Secularmonia - Imobiliária, S.A. propôs no dia 9-11-2011 contra a massa insolvente de José Gomes Borlido Lda., ao abrigo do disposto no artigo 125.º(2) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas aprovado pelo Decreto-Lei 53/2004, de 18 de março, doravante designado C.I.R.E., ação de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente com processo comum, sob forma ordinária, deduzindo o seguinte pedido:

Que se declarem nulos e/ou ineficazes os atos de resolução praticados pelo Sr. Administrador da insolvência de José Gomes Borlido Lda. referentes aos contratos de compra e venda mencionados nos itens 1.º e 2.º desta peça celebrados entre esta sociedade e a A.

2. Os contratos de compra e venda que estão em causa são os contratos de compra e venda celebrados nos dias 31-12-2009 e 7-4-2010 em que outorgaram, respetivamente, em representação da vendedora, ora insolvente, José Gomes Borlido Lda., os sócios gerentes Agostinho Correia Gomes Borlido e Fernando Correia Gomes Borlido (escritura de 31-12-2009) e Agostinho Correia Gomes Borlido e José Carlos Correia Borlido (escritura de 7-4-2010) e, em representação da compradora Secularmonia - Imobiliária, S.A., na qualidade de administrador único, Fernando Sérgio Parente Borlido, filho de Fernando Correia Gomes Borlido, sócio-gerente de José Gomes Borlido Lda.

3. No contrato de 31-12-2009 foi vendida pelo preço de 8.700(euro) a fração "A" e no contrato de 7-4-2010 foram vendidas as frações "I", esta pelo preço de 40.000(euro) e a fração "AC", infra identificadas em 24./3 e 4 da matéria de facto, esta pelo preço de 100.000(euro).

4. A ação foi julgada parcialmente procedente, por provada, no tocante às frações "A" e "AC", declarando-se ineficaz e de nenhum efeito a resolução, concretizada, quanto à primeira, pela missiva datada de 20-6-2011 e, quanto à segunda, pela missiva de 24-5-2011, absolvendo-se a ré no tocante à fração "I" por resolução concretizada por esta missiva de 24-5-2011.

5. Da sentença apelou a massa insolvente de José Gomes Borlido Lda. Insurge-se, na parte em que ficou vencida, considerando que devia ter-se reconhecido eficaz a resolução incidente sobre a fração "AC" tanto à luz do artigo 121.º/1, alínea h) - caso de resolução incondicional - dada a diferença excessiva entre o preço de venda do imóvel (100.000(euro)) e o seu valor de transação à data das escrituras (129.000(euro)) como à luz do artigo 120.º/4 e 49.º/2, alínea d) - caso de resolução condicional - atento, face a estas últimas disposições, o especial relacionamento com a insolvente por parte da compradora a determinar presumida má fé do comprador; procedeu o recurso por se considerar verificada a presunção consagrada no artigo 120.º/4, declarando-se, no acórdão da Relação, "válidos e eficazes os atos de resolução praticados pelo Sr. administrador da insolvência que estavam em causa na apelação" com base no disposto nos artigos 120.º/4 e 49.º/2, alínea d) por via da interpretação extensiva deste último preceito.

6. Do acórdão da Relação de 9-1-2014 interpôs a autora, agora vencida na totalidade, recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

7. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25-3-2014, publicado em www.dgsi.pt, 1936/10.6TBVCT-N.G1.S1, ora acórdão recorrido, doravante abreviadamente designado (AR), negou a revista.

8. Reconheceu o (AR) que as mencionadas compras e vendas não foram efetuadas com comprador que fosse alguma das pessoas singulares elencadas no artigo 49.º/1 especialmente relacionadas com o administrador da insolvente, pois o comprador foi a sociedade anónima, ora autora e recorrente.

9. No entanto, porque o administrador único desta sociedade anónima é filho de um dos intervenientes na compra e venda e sócio gerente da vendedora, a previsão constante do artigo 49.º/1, referente ao devedor pessoa singular, é aplicável ao artigo 49.º/2, alínea d) por interpretação extensiva deste preceito, norma de natureza excecional, "por funcionar a figura da pessoa coletiva apenas como instrumento para a consecução do negócio prejudicial à massa, sendo pertinente a este propósito a referência que a recorrente tece em redor do 'lucro' resultante do negócio - 29.000(euro) - que reverte afinal para os sócios daquela, designadamente o filho do administrador da insolvente" - ver fls. 383.º-V.º do (AR) e alegações da massa insolvente a fls. 227.

10. Na parte que importa, o acórdão recorrido está, assim, sumariado:

"II. Tendo uma sociedade, menos de seis meses antes de dar entrada em juízo do processo onde veio a ser declarada insolvente, procedido à escritura de venda de vários imóveis a favor de outra sociedade em que os respetivos sócios eram filhos de um dos três sócios da insolvente e sobrinhos dos dois restantes, preenche-se a presunção prevista no nº 4 do art. 120º do CIRE".

11. A sociedade compradora, Secularmonia - Imobiliária, S.A., interpôs no dia 24-4-2014 recurso para o Pleno das Secções Cíveis, sustentando que o (AR) está em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-1-2014, acórdão fundamento, doravante (AF), transitado em julgado no dia 18-2-2014 (ver fls. 131 do 1.º Volume dos autos de recurso de uniformização de jurisprudência).

12. Nesse acórdão, revista n.º 1936/10.6TBVCT-O.G1.S1, 1.ª secção, com sumário publicado em www.stj.pt. redigido pelo juiz relator, considerou-se o seguinte:

"VII - A presunção de má fé do terceiro verifica-se com o preenchimento de dois pressupostos, ou seja, a ocorrência de um ato ou omissão considerados prejudiciais para a massa insolvente, nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, e o aproveitamento do benefício, por parte de pessoas, especialmente, relacionadas com o devedor, ainda que a relação especial não existisse a essa data.

VIII - No enquadramento das pessoas, especialmente relacionadas com o insolvente, não cabe a administradora e representante legal de terceiro, tão-só, por ser, também, filha de um dos sócios e administradores da insolvente".

13. Nas suas alegações, a recorrente identificou os elementos que determinam a contradição alegada e a violação imputada ao (AR).

14. Referiu a este propósito:

"a) O acórdão recorrido julgou improcedente a ação de impugnação da resolução em benefício da massa, pois declarou válida e eficaz a resolução operada pelo administrador da insolvência uma vez que entendeu estarem preenchidos os pressupostos de que depende a resolução condicional, nomeadamente a má fé presumida da impugnante de acordo com o artigo 120.º,n.º4 do C.I.R.E.

b) O acórdão fundamento julgou procedente a ação de impugnação da resolução em benefício da massa, pois declarou ineficaz e de nenhum efeito a resolução operada pelo administrador da insolvência por não se verificar um dos requisitos de que depende a sua verificação, in casu, a má fé presumida da impugnante de acordo com o artigo 120.º, n.º4 do C.I.R.E".

Imputou ao (AR) violação do disposto no artigo 49.º, n.º2, alínea d), salientando que os acórdãos em contradição foram proferidos no domínio da mesma legislação e incidem sobre a mesma questão fundamental de direito que é a de saber se, "para efeitos de preenchimento da presunção de má fé consignada no artigo 120.º, n.º4, é havida como pessoa especialmente relacionada com a sociedade insolvente, nos termos do artigo 49.º, n.º2, a pessoa coletiva cujo administrador é filho de um dos sócios da sociedade insolvente".

15. O recurso foi admitido por decisão de 6-6-2014 (fls. 160/162) do juiz relator nos termos do artigo 692.º do C.P.C.

Contradição entre acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça

16. Cumpre em primeiro lugar verificar se ocorre a mencionada contradição. Não existindo dúvida de que os (AR) e (AF) de, respetivamente, 25-3-2014 e 29-1-2014, foram proferidos no domínio da mesma legislação - C.I.R.E. aprovado pelo Decreto-Lei 53/2004 - a questão fundamental de direito que em ambos se suscitou foi a de saber se, para efeito de presunção de má fé de terceiro quanto a ato de compra e venda ocorrido dentro de dois anos anteriores à data de início do processo de insolvência a que alude o artigo 120.º, constitui pessoa especialmente relacionada com o insolvente a sociedade comercial compradora por ser uma das pessoas a que se refere o artigo 49.º/2, alínea d) quando o administrador desta é filho de um dos sócios da sociedade insolvente.

17. Não ocorre divergência no plano de facto que justifique um juízo negativo, visto que nas duas causas o comprador é uma sociedade anónima cujo administrador é filho de um dos sócios da insolvente - ver 27 e 28 da matéria de facto do (AR) a fls. 380.º-v.º e 18 da matéria de facto do (AF) a fls. 145.

18. A questão tem interesse, relevando não apenas para os casos em que o comprador é uma sociedade anónima, como sucedeu nos casos aqui em apreciação, mas igualmente nos demais casos em que o comprador seja uma outra sociedade que tenha por representante legal uma pessoa relacionada (v.g. por parentesco, casamento, vida comum, etc.) nos termos indicados na lei (ver artigo 49.º/1, alíneas a) a d)) com as pessoas que a lei tem como especialmente relacionadas com o devedor pessoa coletiva.

19. Como resulta do exposto, os (AR) e (AF) deram sobre a questão resposta diametralmente oposta: ver 7., 8., 10. 11. e 12. supra.

Uniformização proposta pelo Ministério Público

20. Os autos foram a vistos e o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, no tocante à questão de mérito, pronunciando-se no sentido de se uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: "para efeitos de preenchimento da presunção de má fé, prevista no n.º 4 do artigo 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), é havida como pessoa especialmente relacionada com a sociedade insolvente, nos termos do n.º 2 do artigo 49.º do mesmo diploma legal, a pessoa coletiva cujo administrador é filho de um dos sócios da sociedade insolvente".

21. Justifica o entendimento, considerando o seguinte:

- Que os atos resolvidos em benefício da massa insolvente não foram praticados entre o filho (descendente) do sócio da pessoa coletiva devedora (insolvente), mas sim entre uma sociedade terceira, da qual tal filho era administrador, e a sociedade devedora (insolvente) da qual o pai era sócio. "O legislador considerou haver um maior risco para o conjunto dos credores sendo as operações realizadas pela insolvente direta ou indiretamente com aquelas pessoas, cabendo aqui as situações em que uma das pessoas elencadas no n.º 1 que mantenha relações com uma das elencadas no n.º 2 intervenha atuando em representação de outrem"

- Esta interpretação da norma não traduz interpretação extensiva, "socorrendo-se o intérprete, apenas, do texto da lei e aos elementos lógicos do sistema jurídico, da história do preceito, condensada nos trabalhos preparatórios e da teleologia da norma, orientada para evitar a frustração das finalidades do processo de insolvência através da edição da norma interpretanda".

- Esta interpretação dispensa também, qualquer discussão quanto à natureza taxativa ou enunciativa da enumeração constante do preceito.

- Assim, no caso concreto, embora o filho do sócio da insolvente não tenha uma relação direta com esta (é a pessoa coletiva por si representada, enquanto administrador, que possui essa relação direta com a insolvente) a alínea d) do n.º 2 do artigo 49.º, conjugado com o n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), ao alargar aos descendentes dos sócios esse vínculo, conduz a que o filho do administrador seja, no caso, pessoa especialmente relacionada com o devedor pessoa coletiva por força do artigo 49.º do C.I.R.E."

Uniformização proposta pela recorrente

22. A recorrente considera que a jurisprudência deve ser uniformizada neste sentido:

"Tendo o ato resolvido sido celebrado pela sociedade insolvente e uma sociedade terceira cujo administrador é filho de um dos sócios da insolvente, não se preenchem os pressupostos de que depende a presunção de má fé prevista no artigo 120.º, n.º 4 do C.I.R.E., nomeadamente o conceito de pessoa especialmente relacionada com o insolvente previsto no artigo 49.º do C.I.R.E".

23. Justifica este entendimento, considerando o seguinte:

- A hipótese dos autos não se subsume à letra do artigo 49.º do C.I.R.E.

- O artigo 49.º do C.I.R.E. não admite interpretação extensiva porque o seu elenco é absolutamente taxativo, o que se compreende porque as pessoas incluídas na previsão daquele preceito veem os seus créditos sujeitos ao regime de subordinação, incidindo sobre elas o pesado ónus de ilidir uma presunção de má fé.

- De resto, ainda que se consentisse, por hipótese de raciocínio, que o elenco do artigo 49.º é passível de interpretação extensiva, cumpriria indagar se a pessoa que a letra da lei tem como especialmente relacionada com o devedor pessoa coletiva, ou seja, "o filho do sócio ou administrador, de facto ou de direito, da sociedade insolvente, pode ser "a pessoa coletiva que tem como administrador o filho do sócio ou do administrador, de facto ou de direito, da sociedade insolvente".

- Assim não se deve entender porque uma coisa é o administrador da recorrente, enquanto pessoa individual e autónoma da sociedade, outra coisa é a sua intervenção e conhecimentos que lhe advêm enquanto efetivo administrador daquela, ou seja, o artigo 49.º/2, alínea d) do C.I.R.E. prevê determinadas situações de relação especial com o devedor pessoa coletiva entre pessoas singulares, não podendo, de todo, ser interpretado extensivamente de modo a abranger relações entre pessoas coletivas.

Factos provados

24. Factos provados:

1- A sociedade por quotas José Gomes Borlido, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida nos autos principais em 22 de setembro de 2010 e já transitada em julgado.

2- O processo de insolvência teve o seu início no dia 24 de junho de 2010.

3- Em 07 de abril de 2010, por escritura pública de compra e venda, celebrada no Cartório a cargo da Notaria lic. Maria Isaura Abrantes Martins, em Viana do Castelo, exarada a fls. 82/84, do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 153-B, a sociedade José Gomes Borlido, Lda. transmitiu à sociedade Secularmonia - Imobiliária, Lda., pelo preço de 140.000,00(euro), os seguintes imóveis:

- Fração autónoma designada pela letra "I", correspondente ao rés do chão, lado nascente, destinada a comércio, com uma garagem na subcave, pelo preço de 40.000,00(euro).

- Fração autónoma designada pelas letras "AC", correspondente ao terceiro andar direito, bloco nascente, destinado a habitação, com uma garagem na subcave, pelo preço de 100.000,00(euro).

Ambas do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no gaveto da Avenida 25 de Abril com a Rua de Monserrate, nº 196, Rua de Monserrate, 176, freguesia de Viana do Castelo (Monserrate), concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o número 1198/20020423 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 2.381º, conforme se retira da escritura pública constante de fls. 28 a 32 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

4- Em 31 de dezembro de 2009, por escritura pública de compra e venda, celebrada no cartório a cargo da notária lic. Francisca Maria Sequeira da Silva Ribeiro de Castro, em Esposende, exarada a fls. 90/91-v, do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 75-A, a sociedade José Gomes Borlido, Lda. transmitiu à sociedade Secularmonia - Imobiliária, Lda. pelo preço de 8.700,00(euro), o seguinte direito: 296/10000 partes indivisas da fração autónoma designada pela letra "A", correspondente a garagem, na cave, com três arrumos, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua de Monserrate, 176, freguesia de Viana do Castelo (Monserrate), concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o número 1198 e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 2381º, conforme se retira da escritura pública constante de fls. 41 a 44 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

5- Em missiva enviada à A. em 24 de maio de 2011, o Sr. Administrador de Insolvência declarou resolvido e ineficaz a transmissão referida na alínea c), nos termos e com os fundamentos que constam da cópia da referida missiva, junta aos autos de fls. 23 a 25 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

6- Em missiva enviada à A. em 20 de junho de 2011, o Sr. Administrador de Insolvência declarou resolvido e ineficaz a transmissão referida na alínea d), nos termos e com os fundamentos que constam da cópia da referida missiva, junta aos autos de fls. 33 a 35 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

7- Aquando da inscrição daquelas frações na respetiva matriz predial, o Serviço de Finanças de Viana do Castelo somente atribuiu às mesmas o seguinte valor patrimonial:

Fração autónoma "I": 22.451,54(euro).

Fração autónoma "AC": 32.176,72(euro).

Fração autónoma "A": 8.667,28(euro).

8- As frações autónomas descritas no n.º 3 supra indicado valiam, à data da transmissão, o total global de 211.540,00(euro), sendo que a fração "AC" valia 129.000,00(euro) e a fração "I" valia 82.540,00(euro).

9- 296/10000 partes indivisas da fração autónoma descrita na alínea D) dos factos assentes valia, à data da transmissão, 8.797,29(euro).

10- As frações autónomas "A", "I" e "AC" do prédio sito nesta cidade, à GNR, estavam a ser comercializadas do modo seguinte:

- Nos escritórios da insolvente sitos na Rua Nova de Sant'ana, n.º 190, nesta cidade.

- Na agência imobiliária "Promotora d'Amorosa", com escritório no edifício do antigo mercado municipal, nesta cidade.

11- A fração autónoma "I" tem de área 78 m2.

12- E está localizada no interior do pátio traseiro do prédio onde se insere, não confrontando com a via pública.

13- Tal fração encontra-se afastada do centro da cidade, pois o prédio onde se insere localiza-se junto à entrada norte da cidade de Viana do Castelo.

14- A fração autónoma "AC" tem a área de 161,45 m2 com garagem na subcave.

15- E está integrada num prédio que se localiza na entrada norte da cidade de Viana do Castelo.

16- Encontra-se longe do centro cívico da cidade.

17- Tal como de zonas comerciais.

18- Sendo o prédio onde se insere circundado por duas ruas com muito movimento rodoviário e muito barulhentas.

19- O direito descrito no n.º4 incide sobre uma zona do prédio destinada a garagem de automóveis.

20- E localiza-se longe das zonas comerciais e de prestação de serviços.

21- Em abril de 2010, a insolvente continuava a laborar na execução de um prédio em construção na Rotunda da Abelheira, em Viana do Castelo.

22- Tendo até à data da sua insolvência, em 22 de setembro de 2010, mantido ao seu serviço mais de 20 trabalhadores.

23- Sendo que até à data da insolvência, a firma José Gomes Borlido, Lda. teve sempre materiais ao seu dispor para aplicar naquela obra.

24- Designadamente granito para forrar exteriormente aquele prédio de cave, rés do chão e 3 andares, como forrou.

25- Até cerca de um mês antes da data da sua insolvência, a insolvente manteve os seus funcionários de escritório ao seu serviço.

26- À data das transmissões descritas nos números 3 e 4 era administrador único da A. Fernando Sérgio Parente Borlido, conforme se retira da cópia da certidão de matrícula daquela junta aos autos de fls. 87 a 88 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

27- Fernando Sérgio Parente Borlido é filho de Fernando Correia Gomes Borlido e de Maria de Lurdes da Costa Parente Borlido, conforme se retira da certidão junta aos autos de fls. 96 e 97 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

28- Fernando Correia Gomes Borlido e Agostinho Correia Gomes Borlido são sócios da insolvente, conforme certidão junta aos autos principais.

Apreciando

Legislação

25. Está em causa a interpretação do artigo 120.º/4 conjugado com o artigo 49.º/2, alínea d) ambos do C.I.R.E.

26. Prescrevem os aludidos preceitos:

Artigo 120.º

Princípios gerais

[...]

4- Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.

Artigo 49.º

Pessoas especialmente relacionadas com o devedor

1 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular:

a) O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;

b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior;

c) Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor;

d) As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

2 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa coletiva:

a) Os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;

b) As pessoas que, se for o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;

c) Os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;

d) As pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no n.º 1.

Pressupostos da resolução em benefício da massa insolvente nos termos do artigo 120.º do C.I.R.E.

27. Admitem a resolução em benefício da massa insolvente, nos termos do artigo 120.º, os atos:

a) prejudiciais à massa;

b) praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência e

c) em que houve má fé do terceiro.

Não se suscita dúvida quanto à verificação tanto no caso do (AR) como no do (AF) dos pressupostos referidos em a) e em b).

A venda das frações ocorreu em 31-12-2009 e 7-4-2010, ou seja, dentro do ano anterior a 24-6-2010, data do início do processo de insolvência.

Em nenhuma das ações o prejuízo verificado nas transações foi manifesto, ressalvada a fração "I" (ver 24/3 e 8 supra da matéria de facto) por haver uma grande diferença entre o preço de venda e o preço real dos imóveis, caso em que se preenche a previsão constante do artigo 121.º/1, alínea h) que configura uma das situações de resolução incondicional.

A questão de direito controvertida à luz dos acórdãos recorrido e fundamento

28. Os (AR) e (AF) fundaram a sua divergência em dois pressupostos: (a) que a sociedade anónima ou o seu legal representante não estão em relação de domínio ou de grupo com a sociedade por quotas vendedora, ora insolvente, doravante designada sociedade insolvente, não se integrando, por isso, diretamente no elenco do artigo 49.º; (b) que o terceiro a que alude o artigo 120.º/4 sobre o qual incide a presunção de má fé tem de ser, ele próprio, pessoa especialmente relacionada com o insolvente.

29. Nesta linha de pensamento, a divergência entre os acórdãos é patente: o (AR) considerou que se justificava, por interpretação extensiva, subsumir ao elenco do artigo 49.º o caso em que o legal representante da sociedade anónima, seu administrador único, era ele próprio pessoa especialmente relacionada com a insolvente por ser filho do sócio gerente desta; ao invés, o (AF) adotou o entendimento, já salientado (ver 12 supra) de que, no enquadramento das pessoas especialmente relacionadas com o insolvente, não cabe a administradora e representante legal de terceiro, tão-só por ser, também, filha de um dos sócios e administradores da insolvente.

30. Considerando que o recurso de uniformização de jurisprudência foi interposto e admitido neste contexto, impõe-se ponderar se a sociedade anónima se deve integrar no elenco do artigo 49.º ainda que seja de perspetivar, como veremos, uma interpretação do artigo 120.º/4 que considere incorrer em presunção de má fé o terceiro que não seja, ele próprio, pessoa especialmente relacionada com a insolvente.

Natureza taxativa do artigo 49.º do C.I.R.E.

31. Tem-se entendido - e esta questão nem sequer aqui está posta em causa - que as pessoas especialmente relacionadas com o insolvente a que alude o artigo 120.º/4 são aquelas a que se refere o artigo 49.º (ver Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Vol I, 2005, pág. 432 e Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Fernando Gravato Morais, Almedina, 2008, pág. 73).

32. A sociedade anónima que adquiriu os mencionados imóveis à sociedade por quotas, ora insolvente, pessoa coletiva devedora, não é pessoa relacionada com a vendedora sociedade por quotas "por qualquer das formas referidas no n.º1" do artigo 49.º, o relacionamento pelo parentesco, pelo casamento ou pela vida em economia comum, relacionamento próprio e exclusivo das pessoas singulares.

33. É evidente que os administradores das sociedades anónimas, enquanto pessoas singulares que se encontrarem numa relação de parentesco (filiação, no caso) com os sócios gerentes da pessoa coletiva devedora que, enquanto gerentes, a administram (artigo 49.º, n.º 2, alínea c)), são havidos pela lei, precisamente em razão desse laço de parentesco, "como pessoas especialmente relacionadas com o devedor pessoa coletiva" (artigo 49.º/1, alínea b) e 2, alínea c) em conjugação com a alínea d)). Mas não, obviamente, por serem administradores das sociedades anónimas. Constituindo, como é sabido, distintas entidades jurídicas - a sociedade e os seus administradores - o que está aqui em causa é saber se a sociedade deve ser considerada pessoa especialmente relacionada com o devedor pessoa coletiva porque assim o é o seu administrador único.

34. Ora ao pretender atribuir-se à sociedade, pela indicada razão, o estatuto de pessoa especialmente relacionada com o devedor pessoa coletiva, não estamos face a uma interpretação meramente declarativa, mas face, no mínimo, a uma interpretação extensiva

35. Crê-se todavia que o (AR) precisamente porque esta situação envolve a introdução de uma nova categoria de pessoa especialmente relacionada com o insolvente que não consta do elenco constante do artigo 49.º, o que fez por se lhe afigurar que certas situações de facto justificam a sua inclusão, procede a uma efetiva integração analógica (artigo 10.º do Código Civil).

36. É reconhecidamente difícil, na aplicação prática, distinguir os casos de interpretação extensiva dos casos de interpretação analógica. Recorde-se que a interpretação extensiva se dá quando, para além do núcleo de representação, há uma extensão "até ao limite do sentido literal possível [...]. Ir além do domínio marginal mais latamente concebido só é, então, possível por via da analogia (Metodologia da Ciência do Direito, Karl Larenz, Fundação Calouste Gulbenkian, 1969, pág. 399). Ora, no caso vertente, foi-se além do limite do sentido literal possível porque as pessoas a que alude o artigo 49.º/2, alínea d) são necessariamente pessoas singulares.

37. Considera-se que a enumeração do artigo 49.º tem natureza taxativa e não meramente exemplificativa pois, se assim não fosse, nenhum impedimento se vislumbraria quanto à interpretação analógica. Tudo afinal se resumiria em saber se este caso omisso justificava a integração analógica, densificando-se o que seria o conceito aberto de "pessoa especialmente relacionada com o devedor".

38. Importa atentar que, quando se reconhece que uma pessoa é uma daquelas especialmente relacionadas com o devedor, atribui-se-lhe um estatuto jurídico que releva não apenas para a previsão do artigo 120.º/4, mas igualmente para a consideração como subordinado do crédito que essa pessoa detenha sobre o insolvente (artigos 47.º e 48.º) Esta será porventura a razão essencial que justifica a natureza taxativa do elenco que consta do mencionado artigo 49.º. Ou seja, se integrássemos no elenco do artigo 49.º a sociedade anónima tão-só por ser o seu legal representante, ele próprio, pessoa especialmente relacionada com a insolvente, amanhã não podíamos deixar de considerar que o crédito detido por uma sociedade nessas condições seria um crédito subordinado.

39. A taxatividade evidencia-se na lei - neste sentido, veja-se o preâmbulo do Decreto-Lei que aprova o Código quando refere que as "pessoas especialmente relacionadas com o devedor são "criteriosamente indicadas no artigo 49.º", entendimento corroborado pela doutrina: veja-se também o que foi mencionado no já citado Código da Insolvência Anotado, pág. 234. Reconhece-se que a taxatividade não consegue abranger situações que porventura justificariam de jure condendo a sujeição a idêntico regime, conforme salienta Menezes Leitão in Direito da Insolvência, 2009, Almedina, pág. 104 quando, por exemplo, se refere à relação especial de pessoa singular com sobrinho que não consta das alíneas do mencionado artigo 49.º/1.

40. Justificando essa natureza taxativa, refere Fernando PeñaLópez - in "El Crédito de las Personas Especialmente Relacionadas con el Deudoren la LeyConcursal", Revista del Poder Judicial, 79, terceiro trimestre de 2005, pág. 162/194, designadamente pág. 170 - a propósito do similar artigo 93.º da Lei 38/2011, de 10 de outubro, que procedeu em Espanha à reforma da Lei 22/2003, de 9 de julho (LeyConcursal) que "a listagem do artigo 93.º da LC, na medida em que implica a aplicação de uma pena privada, com a consequente grave restrição dos direitos concursais daqueles a quem é imposta, deve ser interpretada de forma restritiva (odiosa suntrestringenda)". Este autor sustenta inclusivamente que "não deve, portanto, ser ponto de partida de interpretações extensivas ou analógicas (artigo 4.º/2 do Código Civil) tendentes a ampliar para além da letra da lei os casos em que se deva proceder à sua aplicação"(3). Também Blanca Villanueva García-Pomareda in "Alternativa a la AutomaticaSubordinación de los Titulares de Participaciones Significativas en el Concurso"(4) considera que "nestes casos o legislador não concede margem de apreciação. A verificação de algum dos indicados enunciados no preceito impõe de forma automática a consideração da pessoa especialmente relacionada e a subordinação dos créditos que detenha [...]. A contrariosensu, não se admitem outras pessoas especialmente relacionadas para além daquelas expressamente previstas pelo legislador. A menção destas situações permite fazer uma valoração. Entre as razões justificativas do automatismo impõe-se uma de natureza económica. Com esta solução podia obter-se maior celeridade nos procedimentos concursais, pois evitar-se-ia ao julgador a tarefa de investigar se realmente essas pessoa tiveram informação adicional ou contribuíram para a insolvência(5)".

41. Estamos, na verdade, face a uma medida restritiva dos direitos concursais que se justifica, como salienta PeñaLópez, "pelo risco que representaria, para o concurso, a plenitude dos direitos desses credores". Trata-se, por conseguinte, de uma sanção, impondo uma autêntica pena privada a "todas as pessoas especialmente relacionadas com o devedor insolvente que tenham acordado com ele a constituição de um crédito, visto que se presume que todos eles o fizeram com a intenção de defraudar os demais credores" (loc. cit., pág. 169).

42. Aceita-se, por conseguinte, a orientação no sentido da taxatividade, pois, para além das razões de segurança e de certeza que se justificam tendo em vista reconhecer como créditos subordinados aqueles que são "detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor", sucede que a lei não exclui que outras situações concretas da vida permitam ao administrador da insolvência resolver o contrato por má fé do terceiro que não seja pessoa especialmente relacionada com o insolvente, tal o caso aqui em causa da sociedade anónima compradora de imóveis à sociedade ora insolvente.

43. A taxatividade ou numerus clausus evita a incerteza, essa a sua vantagem; deixa de fora situações que porventura mereceriam ser incluídas no elenco taxativo, essa a sua desvantagem. No entanto, como se disse, a lei não fecha as portas à resolução com fundamento em má fé do terceiro fora dos casos em que não se verifique a presunção de má fé constante do n.º4 do artigo 120.º.

44. Aqui chegados, aceite o pressuposto de que partiram os (AR) e (AF) a que aludimos - ver infra 28 (b) - impor-se-ia considerar em sintonia com o (AF) que não se mostrava preenchida a previsão constante do artigo 120.º/4. Certo é que, como já se disse, a interpretação do artigo 120.º/4, que foi pressuposta em ambos os arestos, não pode deixar de ser reponderada. A relevância que foi dada ao âmbito interpretativo do artigo 49.º resulta daquela pressuposta interpretação; à luz de outro entendimento já não assume relevância decisiva a discussão sobre o alcance da natureza taxativa do artigo 49.º.

Má fé de terceiro

45. Saliente-se desde já que terceiro que não seja pessoa especialmente relacionada com o insolvente sujeita-se à resolução em benefício da massa insolvente, provando-se o conhecimento de alguma das circunstâncias previstas no artigo 120.º/5.

Interpretação do artigo 120.º/4 do C.I.R.E.

46. A questão fundamental de direito que verdadeiramente está aqui em causa consiste em saber se uma sociedade, cujo legal representante é ele próprio pessoa especialmente relacionada com a insolvente, deve considerar-se sujeita à presunção de má fé e à resolução em benefício da massa insolvente por atos que lhe foram prejudicais cuja prática ou omissão ocorreu dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que houve participação desse legal representante.

47. O preceito presume a má fé de terceiro - no caso, a sociedade anónima - (a) quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e (b) em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.

48. A resposta à questão de saber quem se presume de má fé à luz do artigo 120.º/4 consente duas possíveis interpretações: primeira, que se presume de má fé o terceiro que seja ele próprio pessoa especialmente relacionada com o insolvente que participou ou se aproveitou dos atos prejudiciais à massa insolvente; segunda, que se presume de má fé o terceiro, mesmo que não seja pessoa especialmente relacionada com o insolvente, desde que no ato tenha participado ou tirado proveito pessoa especialmente relacionada com o insolvente.

49. À luz da primeira interpretação impõe-se saber se o terceiro que está em causa deve considerar-se ou não pessoa especialmente relacionada com o insolvente; à luz da segunda interpretação basta que se prove, para que haja presunção de má fé, que participou no ato ou dele tirou proveito pessoa especialmente relacionada com o insolvente. Há que uniformizar questão fundamental de direito que, como se disse, emerge da conjugação de dois preceitos, o artigo 120.º/4 e o artigo 49.º/2. A uniformização impõe a interpretação conjugada de ambos.

50. Atente-se, como se disse, que a má fé do terceiro pode resultar do conhecimento, à data do ato, de qualquer das circunstâncias a que alude o n.º 5. Provadas as circunstâncias, provada está a má fé do terceiro. No caso do n.º4, independentemente da prova que se venha a produzir no sentido de se verificarem ou não as aludidas circunstâncias, rege a presunção juristantum, reconhecidos os pressupostos que estão na sua base e, claro, reconhecida a prejudicialidade do ato.

51. São plúrimas as situações da vida em que o terceiro obtém vantagens num negócio à custa do património do futuro insolvente, prejudicando-se os interesses da massa insolvente em consequência da privilegiada informação e conhecimento da situação económica e financeira que advém da intervenção no ato ou no seu aproveitamento por parte de pessoa especialmente relacionada com o insolvente. Justifica-se a presunção com base em tão impressivos indicadores.

52. Se o elenco das pessoas especialmente relacionadas com o devedor é taxativo e seguramente não admite interpretação analógica, já o mesmo não parece que se possa entender no que respeita à dimensão interpretativa do conteúdo da "participação" ou "aproveitamento" no ato prejudicial por parte da pessoa especialmente relacionada com o insolvente.

53. Trata-se aqui de viabilizar o poder potestativo de resolução em benefício da massa dos atos prejudiciais à massa praticados durante determinado período com base numa presunção de má fé do terceiro que auferiu vantagem em negócio pela intervenção, do seu lado, de pessoa especialmente relacionada com o insolvente.

54. De entre as situações passíveis de configurar a presunção está, sem dúvida, o caso de sociedade anónima em que o administrador único é filho do sócio-gerente da sociedade vendedora.

Má fé do terceiro nas situações contempladas no artigo 120.º/5 do C.I.R.E

55. Saliente-se ainda que a lei, posto que não considere situação integrativa de presunção judicial de má fé, nos termos do artigo 120.º/4, a da sociedade que contratou com a pessoa coletiva devedora se no ato praticado ou omitido não participou ou aproveitou "pessoa especialmente relacionada com o insolvente", ainda assim ela pode, como já se disse, sujeitar-se à resolução desse ato em benefício da massa insolvente, provando-se que, nesse caso, se verificava alguma das circunstâncias a que alude o artigo 120.º/5. Pense-se, por exemplo, num caso em que a sociedade adquiriu um determinado imóvel à pessoa coletiva devedora, evidenciando-se das intervenções no âmbito social o conhecimento da situação de insolvência iminente. Ali, porém, rege a presunção de má fé, aqui a má fé resultará da prova do conhecimento de um dos factos índice mencionados nas várias alíneas do artigo 120.º/5 cujo ónus compete a quem resolve o contrato (artigo 342.º/1 do Código Civil).

56. O comprador não fica, portanto, por ser pessoa coletiva sem relação de domínio ou de grupo com o devedor insolvente, necessariamente livre de um juízo de má fé, sujeitando-se, nos termos do artigo 120.º/5, à resolução do ato oneroso prejudicial realizado em que não se verificaram os pressupostos da resolução incondicional que constam do artigo 121.º/1, alínea h).

57. Na resolução incondicional basta provar que o ato se realizou dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência, existindo excesso manifesto entre as obrigações assumidas pelo insolvente e pela contraparte de que é exemplo marcante a diferença entre o preço pago e o valor da coisa vendida (artigo 121.º/1, alínea h); na resolução condicional, a participação e aproveitamento no ato prejudicial - participação e aproveitamento cujo conteúdo não pode deixar de ser densificado em função das situações concretas - configuram presunção legal desde que quem se aproveita e/ou participa seja pessoa especialmente relacionada com o insolvente, pessoa referenciada em função do critério taxativo do artigo 49.º. A objetividade que flui do artigo 49.º constitui parâmetro que delimita o campo da presunção juristantum do artigo 120.º/4; finalmente, temos os casos em que a má fé do terceiro resulta do conhecimento da situação de debilidade económica do insolvente (artigo 120.º/5).

58. A lei, como se vê, considera haver má fé provado que seja o conhecimento de alguma das situações mencionadas no artigo 120.º/5 num ato que é prejudicial ao insolvente. Também a presunção de má fé a que alude o artigo 120.º/4 resulta diretamente do facto da participação ou aproveitamento no ato de pessoa especialmente relacionada com o insolvente pela óbvia suspeita, assumida pela lei, de que o prejuízo para o insolvente resultou da influência exercida pela pessoa especialmente relacionada. Suspeita essa assente no catálogo taxativo do artigo 49.º. Cumpre ao terceiro ilidir a presunção.

59. Assim, a referida presunção tanto se verifica quanto à resolução dos atos prejudiciais em que o terceiro (a) é ele próprio pessoa especialmente relacionada com o insolvente como em relação aos atos em que o terceiro (b) não é pessoa especialmente relacionada com o insolvente mas neles participou ou se aproveitou pessoa especialmente relacionada com o insolvente. Acolhe-se, pois, a segunda interpretação anteriormente enunciada deste preceito.

Apreciação do presente litígio

60. Nas cartas remetidas pelo administrador da insolvência tendo em vista a resolução em benefício da massa insolvente das vendas efetuadas pela ora insolvente à sociedade anónima, ora impugnante, considerou-se, com base nos factos alegados, que estavam preenchidas as previsões que constam dos artigos 120.º/1 e 3 e alínea h) do n.º 1 do artigo 121.º.

61. Uma das questões que a autora suscitou, face à resolução condicional declarada nos termos do artigo 120.º/4, foi a de a Relação ter considerado um fundamento que não tinha sido invocado. Tal pretensão não foi acolhida pelo S.T.J. no (AR) por entender que importava atender não à qualificação, mas aos factos que estavam na base da declaração resolutiva e, no que respeita a estes, não apenas foi alegada a situação de parentesco que veio a integrar o preenchimento desse artigo 120.º/4 com referência ao artigo 49.º/2, alínea d) como "também nas cartas se referiu a má fé por parte da autora por "saber da situação económico-financeira difícil da insolvente e da consequente impossibilidade de satisfazer os demais credores resultantes das mesmas transmissões" (fls. 382). Houve, portanto, alegação factual passível de integrar tanto a resolução incondicional como a resolução condicional; a mera divergência no plano da qualificação não vincula o juiz, como resulta do artigo 5.º/3 do C.P.C./2013.

62. A autora interpôs recurso para uniformização de jurisprudência considerando que o entendimento do (AR) estava, também neste aspeto, em contradição com o (AF) que sustentou que a declaração resolutiva tem de indicar os concretos factos fundamento da medida, descrevendo a motivação pois que só dessa forma se encontra o interessado em condições de impugnar a resolução". A autora salientou que a circunstância de, no seu libelo inicial, ter precisado o grau de parentesco entre os sócios-gerentes da sociedade insolvente e o administrador da sociedade impugnante "não significa que esta soubesse - e não sabia - que a resolução operada tinha como fundamento a presunção de má fé do artigo 120.º, n.º4".

63. O recurso para uniformização de jurisprudência não foi admitido, quanto a este ponto, por se entender que era diversa a dimensão de facto que estava em causa nos dois acórdãos.

64. Constata-se que o administrador único da sociedade anónima é filho do sócio-gerente da insolvente, sendo, por isso, pessoa especialmente relacionada com o devedor pessoa coletiva, participando necessariamente nos atos prejudiciais à massa em que intervieram a sociedade insolvente e a sociedade anónima.

65. Trata-se de uma participação qualificada em que o interveniente se encontra numa relação de representação orgânica e unipessoal com a sociedade, formando, ele próprio, como titular do órgão da administração, a própria vontade do ente coletivo. Ocorre, pois, neste caso inequivocamente uma participação suscetível de integrar a presunção do artigo 120.º/4.

66. A presunção juristantum constante do artigo 120.º/4 não foi afastada face à prova produzida e, por conseguinte, a resolução procede. Refira-se que, fosse qual fosse a decisão, quanto à fração "I" a resolução fundou-se na resolução incondicional constante do artigo 121.º/1, alínea h) e não houve, quanto à decisão proferida em 1.ª instância, recurso por parte da autora, nesta parte vencida, não podendo, assim, a massa insolvente aqui demandada ser prejudicada pela decisão do recurso (artigo 635.º/5 do C.P.C.).

67. Importa, pois, concluir que incorre em presunção de má fé, nos termos dos artigos 120.º/4 e 49.º/1, 2, alíneas c) e d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a sociedade anónima que adquiriu vários imóveis à sociedade por quotas vendedora, ora insolvente, prejudicando-a, constatando-se que são pessoas especialmente relacionadas com o devedor pessoa coletiva o sócio gerente desta e o seu filho que é administrador único daquela. Não ilidida a presunção, o recurso não pode proceder e, consequentemente, o (AR) não pode ser revogado.

68. Importa igualmente concluir, à luz do artigo 49.º/2, alínea d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que a sociedade anónima que adquiriu imóveis à sociedade por quotas que os vendeu não é pessoa especialmente relacionada com a sociedade por quotas por ser o administrador daquela filho de gerente desta, pois não se inscreve tal situação no elenco taxativo do referido preceito.

69. Decisão

A) Nega-se a revista.

B) Uniformização de jurisprudência

Nos termos e para os efeitos dos artigos 120.º, n.º4 e 49.º, n.os 1 e 2, alíneas c) e d) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, presume-se que age de má fé a sociedade anónima que adquire bens a sociedade por quotas declarada insolvente, sendo de considerar o sócio-gerente desta e seu filho, interveniente no negócio de aquisição como representante daquela, pessoas especialmente relacionadas com a insolvente.

Custas pelo recorrente.

(1) Processo distribuído no Supremo Tribunal de Justiça no dia 1-7-2014 [P. 2014/701 1936/10].

(2) Os artigos sem indicação de diploma referem-se ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

(3) A tradução é da responsabilidade do relator.

(4) www.eprints.ucm.es/14702/1/Comunicación_Harvard.pdf

(5) A tradução é da responsabilidade do relator.

Lisboa, 13 de novembro de 2014. - José Fernando de Salazar Casanova Abrantes (relator) - Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego - Orlando Viegas Martins Afonso - Paulo Távora Victor - Gregório Eduardo Simões da Silva Jesus - José Augusto Fernandes do Vale - Manuel Fernando Granja Rodrigues da Fonseca - Fernando da Conceição Bento - João José Martins de Sousa - Gabriel Martim dos Anjos Catarino - João Carlos Pires Trindade - José Tavares de Paiva - António da Silva Gonçalves - António dos Santos Abrantes Geraldes - Ana Paula Lopes Martins Boularot - Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago Sottomayor - Fernando Manuel Pinto de Almeida - Fernanda Isabel de Sousa Pereira - Sebastião José Coutinho Póvoas - António Manuel Machado Moreira Alves - Nuno Pedro de Melo e Vasconcelos Cameira - António Alberto Moreira Alves Velho - João Mendonça Pires da Rosa (com a declaração que junto) - Carlos Alberto de Andrade Bettencourt de Faria - José Joaquim de Sousa Leite - José Amílcar Salreta Pereira - João Luís Marques Bernardo - João Moreira Camilo (Voto o Acórdão com a declaração de que repensei a fundamentação parcialmente diferente que consta do acórdão recorrido de que fui relator) - Paulo Armínio de Oliveira e Sá - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza - Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos - António José Pinto da Fonseca Ramos - Ernesto António Garcia Calejo - Henrique Manuel da Cruz Serra Baptista - Helder João Martins Nogueira Roque (com voto de vencido que junto) - António Silva Henriques Gaspar (presidente).

Declaração de voto

Voto a decisão e voto a uniformização fixada, porquanto a situação sobre a qual nos debruçamos é nitidamente um caso de negócio celebrado com pessoa especialmente relacionada com a sociedade insolvente, tal como o art. 49º, nº 1 do CIRE taxativamente densifica esse tipo de pessoa na economia do diploma.

Penso até que o art. 120º, nº 4 do CIRE não necessita de qualquer interpretação extensiva, contendo em si mesmo, literalmente, a presunção de má fé no negócio entre a sociedade insolvente e uma outra sociedade quando, do lado desta, nele participar ou dele beneficiar, pessoa singular que caiba em qualquer das alíneas do nº do art. 49º perante quem, do lado daquela, seja uma das pessoas indicadas nas várias alíneas do nº 2 do artigo.

Sem prejuízo de subscrever o acórdão, redigiria por isso o segmento uniformizador em termos diferentes. Assim:

Nasce a presunção de má fé do nº 4 do art. 120º do CIRE quando, em negócio do tipo definido no nº 2 do artigo, do lado do terceiro participa, ou dele se aproveita, qualquer das pessoas mencionadas nas várias alíneas do nº 1 do art. 49º do mesmo diploma perante, do lado da sociedade insolvente, qualquer das pessoas elencadas no nº 2 desse mesmo artigo.

(João Pires da Rosa)

Declaração de voto de vencido:

Votei vencido o presente acórdão de uniformização, porquanto, como relator do acórdão fundamento, considero que:

1. Inexiste subjacente à realidade normativa aplicável um núcleo da situação de facto subsumível, essencialmente, idêntico, nos casos do acórdão recorrido e do acórdão fundamento, que constitui o pressuposto essencial da identidade da questão fundamental de direito entre os dois acórdãos em alegada oposição.

2. Com efeito, não decorrem dos autos, a que se reporta o acórdão fundamento, factos que permitam concluir pela validade e eficácia das declarações de resolução, com vista a acionar a «resolução condicional», nem se demonstraram os requisitos da prejudicialidade do ato para a massa insolvente, nem da má fé do terceiro, real ou presumida.

3. Pressupondo a «resolução condicional» a má-fé do terceiro, e presumindo-se a má-fé do terceiro quanto aos atos prejudiciais, importa a especificação pelo administrador da insolvência da causa da prejudicialidade, o que não aconteceu, sob pena de nulidade do ato de resolução.

Lisboa, 13 de novembro de 2014. - Helder Roque.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/3771397.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2003-06-28 - Lei 22/2003 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a fixar as condições de idoneidade e as incompatibilidades que condicionam o acesso e o exercício da actividade de inspecção técnica de veículos a motor e seus reboques.

  • Tem documento Em vigor 2004-03-18 - Decreto-Lei 53/2004 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Altera o Código de Processo Civil, o Código do Registo Comercial, o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o Código Penal, o Código de Registo Civil e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado.

  • Tem documento Em vigor 2011-06-22 - Lei 38/2011 - Assembleia da República

    Eleva a vila de Alfena, no concelho de Valongo, à categoria de cidade.

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