de 4 de Setembro
No novo processo especial de recuperação da empresa e de protecção dos credores, regulado pelo Decreto-Lei 177/86, de 2 de Julho, surge igualmente como uma inovação a figura do administrador judicial. Há, assim, que caracterizar o seu estatuto. Este é modelado a partir da concepção que justifica todo o sistema: o processo surge intencionalizado a recuperar a empresa, quando economicamente viabilizável, e não a liquidar o seu património.Entretanto, porque se trata de um processo de natureza falimentar, não poderá deixar de caber, como regra, aos credores, embora sob o controle do juiz, a responsabilidade de definir o modo de recuperar a empresa e os seus créditos; daí que aos credores pertença, em princípio, a faculdade de propor o administrador judicial de entre uma lista nacional de pessoas habilitadas para o exercício de tais funções.
A inscrição nessa lista visa garantir a necessária preparação profissional e idoneidade moral. Mas não converte o administrador judicial num funcionário público ou num agente do Estado. Estão ainda os administradores judiciais sujeitos aos impedimentos e suspeições aplicáveis aos juízes; isto revela, por um lado, a especial dignidade que se quis atribuir às suas funções e, por outro, a garantia de isenção e de imparcialidade que devem merecer. Não sendo, obviamente, um gestor público, não poderá deixar de ser o administrador judicial um gestor avalizado por um critério de ordem pública, já que estão em jogo decisivos interesses públicos, embora decorrentes da protecção de interesses privados, como sejam os da própria empresa e dos seus titulares, e os das várias categorias de credores.
Indo ao fundo da problemática posta pelo novo sistema, não deixa de ser fundamentado o receio de que, sendo, na prática, credores públicos os maiores credores de empresas em situação de crise financeira (Fazenda Nacional, Segurança Social, empresas públicas), o processo de recuperação se possa transformar, embora indirectamente, numa forma de intervenção estatal. Só que um mecanismo processual não poderá, ele mesmo, conter a virtualidade de alterar uma realidade que lhe é estranha. Tudo estará em, através de outros mecanismos normativos ou de uma política de actuação inspirada nos inderrogáveis méritos da iniciativa privada, impedir que situações meramente incidentais possam perverter o sistema; este facultará, na verdade, que o peso excessivo do Estado na economia seja neutralizado. O que não poderá, como resulta evidente, é criar um regime que flutue, conforme, em cada caso, os maiores credores tenham natureza pública ou natureza privada.
No tocante à remuneração do administrador judicial, alterou-se, radicalmente, o método adoptado para os administradores de falências. Isto porque já não se tem como destino normal da empresa sujeita ao processo de recuperação a liquidação do seu património. Daí o tratar-se essa remuneração não como um encargo do processo, integrado nas respectivas custas, mas como um encargo normal da própria empresa, se bem que definido pelo tribunal. Mas para que tal regime seja realístico e possa efectivamente funcionar impõe-se aos três maiores credores o ónus de prover os fundos necessários ao pagamento das remunerações e despesas do administrador, sempre que necessário, garantindo-se, no entanto, a preferência no reembolso sobre todos os demais credores.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
(Funções)
Para além de outras funções que lhe possam ser cometidas, cabe ao administrador judicial a gestão do património das empresas que sejam objecto de processo especial de recuperação da empresa e de protecção dos credores, regulado pelo Decreto-Lei 177/86, de 2 de Julho, ou para as quais haja sido requerido esse meio de protecção.
Artigo 2.º
(Quadro de recrutamento)
1 - As funções de administrador judicial só podem ser exercidas pelas pessoas inscritas numa lista nacional elaborada pela comissão instituída para o efeito.2 - Durante o período de dois anos a contar da data da entrada em vigor do presente diploma poderão as funções de administrador judicial ser exercidas pelas pessoas inscritas como revisores oficiais de contas.
3 - Em despacho fundamentado, pode o juiz designar como administrador judicial pessoa não habilitada nos termos dos números anteriores, se ela, pela sua idoneidade e experiência, oferecer as necessárias garantias de bom exercício da função.
Artigo 3.º
(Composição da comissão)
1 - A comissão nacional prevista no n.º 1 do artigo 2.º é composta pelas seguintes entidades:a) Um procurador-geral-adjunto, que presidirá;
b) O inspector-geral de Finanças;
c) O presidente da Câmara dos Revisores Oficiais de Contas;
d) Dois professores universitários de Administração ou Gestão de Empresas.
2 - A comissão é nomeada pelo Ministro da Justiça, cabendo a designação do magistrado referido na alínea a) do n.º 1 à Procuradoria-Geral da República.
3 - Sob proposta do respectivo presidente, poderá a comissão solicitar o apoio de técnicos de reconhecido mérito para a coadjuvarem na selecção da lista nacional.
4 - Os encargos decorrentes do funcionamento da comissão serão assegurados nos termos que vierem a ser fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
Artigo 4.º
(Recrutamento dos administradores)
1 - A comissão reúne trimestralmente e inscreverá na lista nacional de administradores judiciais as pessoas que o requeiram, desde que ofereçam garantias de idoneidade moral e técnica e possuam títulos académicos na área da gestão de empresas ou experiência profissional adequada.2 - Sempre que o julgue conveniente, a comissão pode condicionar a admissão do requerente à prévia realização de provas de aptidão ou entrevistas.
Artigo 5.º
(Suspensão da inscrição)
1 - A comissão pode, por decisão fundamentada, suspender por período determinado ou cancelar definitivamente a inscrição de um administrador na lista nacional por falta manifesta de aptidão ou idoneidade para o exercício das funções.2 - A medida deve ser sempre precedida de audiência do administrador, o qual pode, no entanto, ser suspenso enquanto decorrer o processo de averiguação, desde que haja sérios indícios da sua inaptidão ou sejam graves os factos que lhe são imputados.
3 - O processo de averiguação será sempre reduzido a escrito, com entrega de nota de culpa ao visado.
Artigo 6.º
(Estatuto dos administradores)
A inscrição na lista nacional de administradores judiciais não investe o inscrito na qualidade de agente ou servidor do Estado nem garante o pagamento de qualquer remuneração por parte do Estado.
Artigo 7.º
(Impedimentos e suspeições)
Os administradores judiciais podem exercer outras funções, mas estão sujeitos aos impedimentos e suspeições aplicáveis aos juízes, bem como às regras gerais sobre incompatibilidade válidas para os corpos sociais das sociedades.
Artigo 8.º
(Remunerações dos administradores)
1 - Os administradores judiciais são remunerados pela empresa, sendo a remuneração fixada pelo juiz; este terá na devida conta o parecer dos credores, a prática de remunerações seguida na empresa e as dificuldades das tarefas cometidas ao administrador.2 - O administrador será ainda reembolsado das despesas que venham a ser aprovadas pelo juiz com o parecer favorável da comissão de credores.
3 - Pode o juiz determinar que os três maiores credores adiantem os fundos necessários à remuneração e ao reembolso das despesas do administrador, devendo esse adiantamento ser reembolsado pela empresa com preferência sobre qualquer outro crédito.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 10 de Julho de 1986. - Aníbal António Cavaco Silva - Mário Ferreira Bastos Raposo - Luís Fernando Mira Amaral - Rui Carlos Alvarez Carp.
Promulgado em 9 de Agosto de 1986.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 14 de Agosto de 1986.
Pelo Primeiro-Ministro, Eurico Silva Teixeira de Melo, Ministro de Estado.