Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2018
Como é do conhecimento público, ocorreu, no passado dia 24 de janeiro de 2018, um episódio ambiental extremo no rio Tejo, materializado no arrastamento de um volume significativo de matéria orgânica acumulada na albufeira de Fratel para jusante, provocando a formação de espumas, na sequência da agitação e do arejamento consecutivos na passagem pelas barragens do Fratel, de Belver e do açude de Abrantes, alterando a qualidade da água na zona da captação de Valada. Este episódio expôs a existência e o agravamento de problemas sérios quanto à qualidade da água no rio Tejo, em particular no troço Perais-Belver e na albufeira de Fratel - problemas esses que urge endereçar, já que a bacia hidrográfica deste rio integra ecossistemas estratégicos do ponto de vista ambiental e representa um recurso socioeconómico determinante para a vivência e economia de cerca de três milhões de habitantes, sendo um território extenso e sujeito a diversas pressões.
Com efeito, as massas de água têm uma determinada capacidade de assimilação de carga poluente, designadamente de origem orgânica, a qual, uma vez ultrapassada, provoca a degradação da sua qualidade, com consequências ecológicas e sociais graves. A capacidade de assimilação de carga poluente pelas massas de água diminui nos períodos em que os caudais são mais baixos, podendo os efeitos de degradação da água ser potenciados com o aumento dos valores da temperatura.
Do ponto de vista meteorológico, o ano hidrológico de 2016-2017 foi classificado como «ano seco», com precipitações abaixo da média, temperaturas elevadas e registos de várias ondas de calor, com cerca de 81 % do território em seca severa e 7,4 % em seca extrema, provocando uma descida significativa dos caudais, do armazenamento das albufeiras e das reservas de águas subterrâneas. A atual capacidade de carga das massas de água, para efeitos de autodepuração, é, por isso, substancialmente menor do que a verificada em anos médios. Acresce que estando a decorrer o período húmido do ano hidrológico de 2017-2018, não se verificou ainda uma alteração significativa das condições referidas, nomeadamente na bacia hidrográfica do rio Tejo para sul, onde os caudais se mantêm abaixo da média de períodos homólogos de anos anteriores.
A comparação dos resultados das análises realizadas à água na albufeira de Fratel, em março de 2017 e janeiro de 2018, revelou, neste contexto, valores, em 2018, cinco vezes superiores em sólidos totais (328 e 1426 mg/l), 30 vezes superiores em lenhina solúvel (30,82 e 869 mg/l), e 5000 vezes superiores no descritor celulose (0,022 para 123 mg/l). Por sua vez, quanto aos teores de oxigénio dissolvido à superfície, registaram-se, respetivamente, nos dias 22 e 24 de janeiro de 2018, valores na ordem dos 0,24 mg/l e 1,1 mg/l, em ambos os casos inferiores aos valores médios de oxigénio dissolvido usuais numa água superficial de boa qualidade, na ordem dos 9 mg/l, e abaixo também do limite inferior admissível de 5 mg/l. São, assim, patentes os problemas de anoxia intensa na albufeira de Fratel.
As campanhas de prospeção e amostragem de sedimentos do rio Tejo, no troço entre Vila Velha de Ródão e Belver, promovidas após o episódio de 24 de janeiro de 2018, permitiram, entretanto, identificar a existência de cerca de 30 000 m3 de lamas depositadas no fundo do rio Tejo: cerca de 12 000 m3 encontram-se localizadas junto à zona envolvente do emissário de Vila de Velha de Ródão, 5000 m3 no Cais do Arneiro/Conhal e 14 000 m3 a 2 km a montante da Barragem do Fratel. De entre estas, suscitam especial cuidado as lamas localizadas junto à zona envolvente do emissário de Vila Velha de Ródão, as quais ostentam características distintas dos sedimentos acumulados nas restantes zonas, seja em termos de qualidade, seja em termos de odor. As lamas têm uma altura acentuada, que atinge cerca de dois metros na sua medida máxima, e apresentam elevados teores de matéria orgânica e nutrientes que constituem uma fonte significativa de consumo de oxigénio na coluna de água, o que explica, de forma considerável, a degradação da qualidade da água e as situações de anoxia verificadas, de acordo com a caracterização analítica das lamas.
À referida depleção de oxigénio na coluna de água acresce a tendência de eutrofização, com o consequente crescimento de algas. A existência de blooms algais causa um desequilíbrio ecológico, ao promover o domínio de certas espécies aquáticas sobre outras e ao reduzir os níveis de oxigénio, e pode provocar a morte de peixes.
Torna-se, assim, imperativo e urgente garantir, de uma forma sustentada, as condições que permitam a recuperação estrutural e funcional dos ecossistemas aquáticos no troço Perais-Belver do rio Tejo, para o que se afigura especialmente determinante a intervenção de limpeza das lamas localizadas junto à zona envolvente do emissário de Vila de Velha de Ródão e no Cais do Arneiro/Conhal, indispensável à promoção da recuperação da capacidade de autodepuração da albufeira e à melhoria da qualidade da água naquela zona, para níveis que não comprometam, entre outras, a subsistência e a sobrevivência da fauna piscícola.
A concretização desta intervenção, urgente e de manifesto interesse público e nacional, requer especificamente a prossecução de um conjunto de ações tendentes: i) à preparação do terreno a ocupar, incluindo a montagem de estaleiro, o aprovisionamento de materiais, a criação de plataforma e bacia de retenção, a aplicação de geotêxtil e telas impermeabilizantes e a disponibilização de geotubes; ii) à limpeza e aspiração do fundo do rio, na zona envolvente ao emissário submarino de Vila Velha de Ródão e no Cais do Arneiro/Conhal, incluindo a afetação de uma plataforma flutuante e de um sistema de aspiração submerso; iii) à descarga dos materiais aspirados, por meio de uma linha composta por tubagens que encaminhará os materiais para o sistema de mistura rápida, a partir do qual serão conduzidos para geotubes, armazenados temporariamente no estaleiro da intervenção; iv) à instalação de um sistema de tratamento compacto, para separação da fração sólida/líquida; v) à devolução do permeado ao rio; vi) à recolha, transporte e encaminhamento da fração sólida a destino final adequado; vii) e à desmontagem de estaleiro e reposição integral da situação de referência do terreno a ocupar.
Como resulta patente, a intervenção de limpeza de lamas programada carece da afetação temporária de um terreno apropriado, para o que se procedeu a um levantamento exaustivo de todos os terrenos circundantes da zona, tendo-se constatado que todos, à exceção do prédio denominado «Barroca da Senhora», apresentam condições que, face aos objetivos visados, por uma ou outra razão, inviabilizam a intervenção visada no mais curto espaço de tempo possível, atenta a situação de emergência.
O prédio «Barroca da Senhora», infra identificado, é, assim, o único terreno que reúne cumulativamente o conjunto de características indispensáveis à prossecução da operação programada, designadamente: a) área adequada à necessidade de implantação: área disponível de 5,014 ha, estimando-se uma área necessária de implantação de (aproximadamente)1 ha para o armazenamento de equipamentos e materiais de grandes dimensões; b) proximidade da zona a intervencionar: localiza-se a cerca de 1100 m da zona a intervencionar de Vila Velha de Ródão, e a cerca de 500 m do Cais do Arneiro/Conhal, o que pode constituir uma otimização de recursos; c) desnível mínimo face à cota do rio: situa-se junto ao rio Tejo, não sendo necessário vencer diferenças de cotas significativas ((aproximadamente) 5 m), com consequências na duração da operação; d) acessos: situa-se junto a acessos rodoviários para camiões pesados, o que permite uma melhor mobilização e desmobilização dos meios necessários; e) afastamento de zonas habitacionais: localiza-se na periferia do aglomerado urbano de Vila Velha de Ródão, o que permite minimizar os eventuais incómodos a causar à população; e f) topografia adequada: declive pouco acentuado, o que facilita consideravelmente a intervenção. Sublinha-se que o terreno em causa, um antigo areeiro, apresenta uma descontinuidade de coberto vegetal em contraste com a zona envolvente e classificada como Monumento Natural das Portas de Ródão, nomeadamente árvores dispersas, como pinheiros, carrascos e vegetação ripícola, de pouco valor ambiental.
Acresce referir que o eventual comprometimento da ação de limpeza das lamas, além de comportar sérios riscos para o ambiente - em especial para os recursos hídricos, a fauna e a flora fluviais, em resultado do decaimento dos níveis de oxigénio dissolvido e da constituição de situações de anoxia intensa, nas quais a maioria das espécies não sobrevive -, comportaria igualmente riscos para a saúde e abastecimento públicos.
Neste contexto, não pode ser esquecido que um dos objetivos centrais da política de ambiente é assegurar a gestão sustentável dos recursos hídricos e, em particular, garantir a efetiva aplicação da Lei da Água, aprovada pela Lei 58/2005, de 29 de dezembro, e demais legislação complementar, em especial no que respeita à qualidade da água.
Assim, um juízo sério de ponderação e balanço dos valores jurídicos em causa confirma a inteira conformidade das ações planeadas com o regime jurídico de ações interditas e condicionadas, a que o prédio «Barroca da Senhora» está sujeito enquanto parte integrante do Monumento Natural das Portas de Ródão, classificado pelo Decreto Regulamentar 7/2009, de 20 de maio, da Reserva Ecológica Nacional e da zona protegida das albufeiras de águas públicas.
Em face do que antecede, está plenamente assegurado o cumprimento do princípio da proporcionalidade, em todas as suas dimensões, ao qual a Administração está sujeita nos termos do n.º 6 do artigo 266.º da Constituição e do artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo, bem como a devida salvaguarda do interesse particular, expressa pela plena garantia de justa indemnização, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição, considerando-se demonstrada a urgência e o interesse público que fundamentam a requisição solicitada pela Agência Portuguesa do Ambiente, I. P., quanto ao prédio «Barroca da Senhora».
Assim:
Nos termos do n.º 1 do artigo 82.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro, na sua redação atual, e da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Reconhecer a necessidade de promover a requisição do prédio denominado «Barroca da Senhora», com 5,014 ha de área total, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º 14 da Secção BZ do distrito de Castelo Branco, concelho de Vila Velha de Ródão e freguesia de Vila Velha de Ródão, propriedade da herança jacente de Joaquim Conceição Lopes, da qual é cabeça de casal Maria Fernanda Lopes.
2 - Considerar de interesse público e nacional a garantia de proteção do ambiente e da saúde humana no que diz respeito à qualidade da água do rio Tejo, promovendo-se todas as medidas consideradas necessárias e adequadas à prevenção de danos ecológicos, ambientais e de saúde pública, e à recuperação dos recursos hídricos da respetiva bacia hidrográfica, designadamente na albufeira de Fratel.
3 - Considerar imperativo e urgente garantir, de forma sustentada, as ações que permitam a recuperação estrutural e funcional dos ecossistemas aquáticos no troço Perais-Belver do rio Tejo, garantindo ainda uma melhoria da qualidade da água que aflui à captação de água para abastecimento público em Valada.
4 - Considerar de manifesto interesse público e nacional a não inviabilização da ação de limpeza das lamas localizadas junto à zona envolvente do emissário de Vila de Velha de Ródão, de cerca de 12 000 m3, e no Cais do Arneiro/Conhal, de cerca de 5000 m3.
5 - Considerar de manifesto interesse público e nacional a requisição para ocupação e utilização temporária do prédio mencionado no n.º 1, por ser proporcional, adequada e indispensável à prossecução da intervenção referida no número anterior.
6 - Dar por verificada a urgência inadiável da referida requisição, a qual não pode exceder o período de um ano, nos termos do n.º 2 do artigo 80.º do Código das Expropriações.
7 - Determinar que a presente resolução entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Presidência do Conselho de Ministros, 22 de março de 2018. - Pelo Primeiro-Ministro, Augusto Ernesto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros.
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