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Acórdão 467/2014, de 17 de Julho

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Sumário

Decide não declarar a a ilegalidade da norma do artigo 59.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que aprova a Lei das Finanças das Regiões Autónomas.

Texto do documento

Acórdão 467/2014

Acórdão, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Um grupo de deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 51.º da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: doravante LTC), a declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade da norma do artigo 59.º, n.º 2, da Lei Orgânica 2/2013, de 2 de setembro, que aprova a Lei das Finanças das Regiões Autónomas.

Sob a epígrafe "Adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais", dispõe a norma impugnada:

"[a]s Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem ainda, nos termos da lei, diminuir as taxas nacionais do IRS, do IRC e do IVA, até ao limite de 20 %, e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor».

Para sustentar o seu pedido, alega o requerente, em síntese, que a fixação do limite máximo até ao qual, nos termos desse dispositivo, se permite a diminuição das referidas taxas, em 20 %, está em claro conflito com a norma do n.º 2 do artigo 138.º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), que fixa tal limite em 30 %, não sendo admissível que a Lei das Finanças Regionais venha alterar as normas estatutárias, atendendo a que "[...] os Estatutos das Regiões Autónomas são leis de valor reforçado, apenas submetidos à Constituição, prevalecendo sobre qualquer outra lei, seja ou não, de valor reforçado, inclusive a Lei das Finanças Regionais [como decorre dos artigos 280.º, n.º 2, alínea c), e 281.º, n.º 1, alínea d)]».

Notificada, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, a Presidente da Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos.

Fixada a orientação do Tribunal, após a apresentação e debate do memorando a que se refere o n.º 2 do artigo 63.º da LTC, cumpre decidir.

II - Fundamentação

2 - A alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição atribui a um décimo dos deputados à Assembleia Legislativa das regiões autónomas dos Açores e da Madeira legitimidade para requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de quaisquer normas, com fundamento em violação dos direitos das regiões, ou a declaração de ilegalidade, com fundamento em violação dos respetivos estatutos político-administrativos.

No caso presente, seis dos quarenta e sete deputados que constituem a Assembleia Legislativa Regional da Madeira requerem ao Tribunal Constitucional a declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade de norma constante de lei da República, sustentando que esta contradiz norma constante do Estatuto Político-Administrativo da Madeira (doravante: EPARAM). Nenhum obstáculo há, por isso, ao conhecimento do pedido, uma vez que se dá por verificada a legitimidade do requerente nos termos do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição.

3 - Através da Lei Orgânica 2/2013, de 2 de setembro, a Assembleia da República aprovou a nova Lei das Finanças das Regiões Autónomas, procedendo à definição dos meios de que dispõem as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira para a concretização da autonomia financeira consagrada na Constituição e nos estatutos político-administrativos.

A referida Lei Orgânica, que revoga, no seu artigo 73.º, a anterior Lei das Finanças Regionais (Lei Orgânica 1/2007, de 19 de fevereiro) dedica o seu Título VI à regulação do modo de exercício do poder tributário próprio das regiões e à definição do regime através do qual as mesmas regiões poderão adaptar às suas específicas necessidades o sistema fiscal nacional. É no contexto da definição deste último regime (adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais) que o artigo 59.º da Lei Orgânica 2/2013 vem determinar, no seu n.º 2:

"As Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem ainda, nos termos da lei, diminuir as taxas nacionais do IRS, do IRC e do IVA, até ao limite de 20 %, e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor».

Contudo, o EPARAM, no n.º 2 do seu artigo 138.º (que também tem por epígrafe a adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais), dispõe:

"A Assembleia Legislativa Regional pode, nos termos da lei, diminuir as taxas nacionais dos impostos sobre o rendimento (IRS e IRC) e do imposto sobre o valor acrescentado até ao limite de 30 %, e dos impostos especiais de consumo, de acordo com a legislação em vigor».

Sustenta o requerente que, perante esta disparidade de regimes sobre a mesma matéria, deve prevalecer aquele que resulta do EPARAM e não aquele que resulta da Lei das Finanças Regionais, em virtude do superior valor hierárquico que a Constituição confere às normas constantes dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões. Uma vez que tais normas prevalecem sobre quaisquer outras [artigo 280.º, n.º 2, alíneas b) e c), da CRP; artigo 281.º, n.º 1, alíneas b) e c)], alega o requerente que a norma constante do n.º 2 do artigo 138.º do EPARAM terá por efeito invalidar aquela outra constante do n.º 2 do artigo 59.º da Lei Orgânica 2/2013, razão pela qual pede que o Tribunal declare, com força obrigatória geral, a ilegalidade desta última.

4 - Em jurisprudência constante, tem este Tribunal dito (Acórdãos n.os 567/2004, 11/2007, 581/2007 e 328/2008, nomeadamente) que, em matérias a diversos títulos atinentes às relações financeiras entre Estado e regiões, as normas constantes dos estatutos político-administrativos das regiões não prevalecem sobre as leis da república que, aprovadas sob forma própria, sejam emitidas pela Assembleia da República ao abrigo da competência exclusiva que o artigo 164.º, alínea t), da Constituição lhe atribui.

O poder de que dispõem as regiões autónomas de adaptar o sistema fiscal nacional às suas exigências específicas é hoje, inquestionavelmente, uma das expressões da autonomia financeira regional.

Antes da segunda revisão constitucional poder-se-ia ainda colocar, como problema em aberto, a questão de saber se as regiões poderiam, no âmbito da autonomia que lhes fora constitucionalmente devolvida, não apenas exercer poder tributário próprio mas ainda modificar, em função das suas especificidades, os impostos nacionais (veja-se o Acórdão 91/84). Após 1989 a dúvida já se não tem cabimento. Na verdade, a redação atual da alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, que data dessa altura, esclarece-a claramente, ao estabelecer que as regiões autónomas, para além de exercerem poder tributário próprio (criando impostos de âmbito e natureza estritamente regional), detêm ainda a faculdade de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais.

Questão com esta última relacionada, mas dela de certo modo diversa, é a de apurar a fonte reguladora do modo de exercício deste específico poder autonómico.

Na segunda revisão constitucional ficou estabelecido que a competência regional para a modificação ou adaptação do sistema fiscal nacional às necessidades próprias da região seria exercida "nos termos de lei-quadro da Assembleia da República». É essa ainda a expressão que permanece na versão atual da alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, desde essa altura inalterada.

Todavia, a Lei Constitucional 1/1997 veio aditar ao atual artigo 164.º, em matéria relativa à reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, a sua alínea t), segundo a qual é da exclusiva competência da mesma Assembleia legislar sobre o regime de finanças regionais. Da mesma revisão constitucional resultou ainda que a lei da Assembleia da República que define, ao abrigo da referida alínea t), o regime de finanças regionais, terá a forma de Lei Orgânica (artigo 166.º, n.º 2), necessariamente aprovada, em votação final global, por maioria parlamentar qualificada (artigo 168.º, n.º 5). Além disso, e a propósito da cooperação dos órgãos de soberania e dos órgãos regionais (artigo 229.º), a Lei Constitucional 1/1997 acrescentou que "[a]s relações financeiras entre a República e as regiões autónomas são reguladas através da lei prevista na alínea t) do artigo 164.» (n.º 3 do referido artigo 229.º).

Assim sendo, a lei-quadro da Assembleia da República a que se refere a alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP corresponde hoje à Lei das Finanças Regionais. Constituindo o poder de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais uma expressão da autonomia financeira das regiões, e sendo a Lei das Finanças Regionais, de acordo com a CRP, o local próprio para a regulação das relações financeiras entre a República e as regiões, será ainda nesta última lei que se há de encontrar o regime a que deve obedecer a região, sempre que queira fazer uso da competência - que a Constituição lhe atribui - para adequar às suas especificidades os impostos nacionais.

5 - No sistema de atos legislativos que a Constituição da República define, a Lei das Finanças Regionais ocupa um lugar hierárquico bem identificado. Sendo necessariamente aprovada pela Assembleia da República sob a forma de Lei Orgânica (artigo 166.º, n.º 2, da CRP), e incorporando por isso uma deliberação parlamentar tomada por maioria particularmente exigente (artigo 168.º, n.º 5), é-lhe atribuído na hierarquia dos atos normativos do Estado o lugar correspondente ao das leis de valor absolutamente reforçado (artigo 113.º, n.º 3, e artigos 280.º e 281.º, alínea b), do n.º 2 e alínea b) do n.º 1, respetivamente).

Idêntico valor reforçado detêm, como já se sabe, as leis da Assembleia da República que, por iniciativa exclusiva dos parlamentos regionais, aprovam ou alteram os Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas. Mas tal facto não permite só por si que se conclua que, havendo, em matéria de adaptação do sistema fiscal nacional às necessidades das regiões, discrepâncias entre normas estatutárias e normas constantes da Lei das Finanças Regionais, o conflito se deva resolver no sentido da prevalência das primeiras.

Tal só sucederia se, face à Constituição, coubesse aos estatutos autonómicos e só a eles a tarefa de regular a "matéria" em causa. Mas, como vimos, não é essa a solução que a CRP hoje consagra: o sistema constitucional, progressivamente aperfeiçoado, não devolveu aos estatutos político-administrativos a função exclusiva (e excludente) de definir a forma de partilha de competências jurídico-financeiras entre Estado e regiões. Adotando uma solução coerente em Estado unitário parcialmente regionalizado (no qual, como se disse no Acórdão 624/97, autonomia financeira regional não pode ser sinónimo de "soberania" ou "independência [financeira]"), a CRP conferiu a outra lei da República que não a que aprova os estatutos regionais a função de definir o modo geral de articulação entre República e regiões autónomas no domínio financeiro. Tal inclui - como acabou de ver-se - a regulação do modo pelo qual as regiões adaptam às suas específicas necessidades o sistema fiscal nacional.

Esta solução constitucional, que assim eleva a Lei das Finanças Regionais a elemento essencial do sistema de articulação jurídico-financeira entre República e regiões, não implica nenhuma descaracterização dos Estatutos Político-Administrativos, que, enquanto leis básicas das regiões, continuam a ser a sede própria para a definição dos poderes de autonomia (artigo 227.º, n.º 1). Nem tão pouco diminui o valor decisivo que a faculdade de autodeterminação financeira detém para a concretização do modelo de autonomia que a Constituição consagra.

6 - As implicações decorrentes do lugar que, segundo a CRP, a Lei das Finanças Regionais ocupa no sistema de articulação jurídico-financeira entre República e regiões são de outra índole, e resumem-se ao seguinte: ao contrário do que sucede em relação àquelas matérias que só os estatutos podem regular, com exclusão de quaisquer outras fontes - e vejam-se, por exemplo, as que estavam em causa nos casos dos Acórdãos n.os 92/92, 657/95, 291/95, 162/99 e 128/2005 -, na especial matéria que nos ocupa a norma estatutária não tem poder invalidante de norma que, constando da Lei das Finanças Regionais, disponha de modo diverso.

Isto mesmo tem sido reafirmado pelo Tribunal (cf. os já referidos os Acórdãos n.os 567/2004, 11/2007, 581/2007, 238/2008), em doutrina que, não obstante relativa a outros domínios das relações financeiras entre Estado e regiões que não aquele que especificamente está em causa no presente caso, não deixa, pelas razões expostas, de para ele valer.

Como se disse no Acórdão 238/2008:

[...] "De tudo o que anteriormente se expôs decorre a necessária conclusão de que, por força da repartição constitucional de competências, os parâmetros de validade jurídica das normas relativas às relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas se devem procurar na Constituição e não nos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas.

Assim, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira não é, no que respeita às "relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas", o referente de validade da Lei das Finanças das Regiões Autónomas. Pois, nos termos da Constituição, é a essa lei, cuja aprovação e iniciativa competem em exclusividade à Assembleia da República, que cumpre regular as referidas relações financeiras.

À Assembleia da República cabe, pois, concretizar, na Lei de Finanças da Regiões Autónomas, os termos exatos do princípio da autonomia financeira e do princípio da solidariedade nacional em matéria financeira; pode também definir a forma de cálculo das transferências orçamentais e, ainda, a possibilidade de prestação de garantias aos empréstimos contraídos pelas regiões autónomas.

Pelo que deve, nesse plano, obediência à Constituição da República Portuguesa. Terá, nomeadamente, de respeitar a exigência da forma de Lei Orgânica, prescrita no artigo 166.º, n.º 2, e as demais normas e princípios constitucionais, incluindo o princípio da solidariedade nacional (decorrente do n.º 2 do artigo 225.º, da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º e do n.º 1 do artigo 229.º, n.º 1 da Constituição), cujo alcance foi discutido, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade, no Acórdão 11/2007.

Não está, contudo, a Assembleia da República impedida pelas normas do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira de regular, da forma que entender mais adequada, no quadro normativo dos preceitos e princípios constitucionais, as matérias relativas às relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas.

Nos termos da Constituição da República Portuguesa, essas relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas devem ser reguladas por uma lei de valor reforçado da Assembleia da República que possa ser modificada por iniciativa parlamentar, ou seja, pela Lei Orgânica que define o regime das finanças das regiões autónomas (artigos 229.º, n.º 3, 164.º, alínea t), e 166.º, n.º 2).

Ora, assentando o presente pedido de declaração de ilegalidade de normas da lei das Finanças Regionais no valor supralegislativo dos Estatutos Político-Administrativos da Regiões Autónomas e no caráter de subordinação da Lei das Finanças das Regiões Autónomas a esses Estatutos, prejudicado fica, desde logo, o conhecimento das concretas questões de ilegalidade que vêm suscitadas.

Essa apreciação apenas se justificaria se pudesse concluir-se pela superioridade paramétrica dos Estatutos Regionais relativamente à Lei de Finanças das Regiões Autónomas, caso em que se tornava ainda necessário verificar se existia uma efetiva contrariedade, conforme vem alegado, entre as impugnadas normas desta lei e as disposições do Estatuto Político - Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

Não existindo, no entanto, essa alegada primazia normativa, o pedido terá necessariamente de improceder».

III - Decisão

7 - Nos termos e pelos fundamentos expostos, não se declara a ilegalidade da norma do artigo 59.º, n.º 2, da Lei Orgânica 2/2013, de 2 de setembro.

Lisboa, 17 de junho de 2014. - João Caupers - Fernando Vaz Ventura - Maria Lúcia Amaral - José da Cunha Barbosa - Carlos Fernandes Cadilha - Maria de Fátima Mata-Mouros - Lino Rodrigues Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - João Cura Mariano - Maria José Rangel de Mesquita - Pedro Machete - Ana Guerra Martins - Joaquim de Sousa Ribeiro.

207954771

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/318343.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-10-06 - Acórdão 91/84 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade das normas do decreto da Assembleia Regional dos Açores aprovado em 28 de Junho de 1984 e que vem identificado como sendo o Decreto Legislativo Regional n.º 18/84.

  • Tem documento Em vigor 2007-02-19 - Lei Orgânica 1/2007 - Assembleia da República

    Aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas.

  • Tem documento Em vigor 2013-09-02 - Lei Orgânica 2/2013 - Assembleia da República

    Aprova a Lei das Finanças das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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