Resolução da Assembleia da República n.º 51/2014
Recomenda ao Governo a adoção de medidas com vista a assegurar maior eficácia no âmbito da prevenção e combate aos fogos florestais
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, com vista a assegurar maior eficácia no âmbito da prevenção e combate aos fogos florestais, adotar as seguintes recomendações:
1 - Recomendações gerais:
1.1 - Acompanhar de forma permanente, na Assembleia da República, todo o sistema associado à política florestal, designadamente na monitorização das recomendações aprovadas sobre esta questão ao longo do tempo, incluindo as constantes da presente resolução;
1.2 - Rever o edifício legislativo florestal e a sua relação com a proteção civil, mantendo a necessária coerência e fazendo evoluir o atual modelo existente;
1.3 - Garantir a estabilidade orgânica da autoridade nacional florestal, de forma a manter a consistência e a continuidade das competências do Estado na defesa da floresta contra os incêndios, bem como a assegurar previsibilidade na relação com os diferentes agentes do setor florestal;
1.4 - Garantir os fundos públicos (do Orçamento do Estado e de fundos comunitários) para a execução das políticas de prevenção, reforçando o Fundo Florestal Permanente;
1.5 - Recomendar a intervenção do Estado no sentido de ser implementada uma plataforma de promoção da regulação de mercados, de forma a assegurar o necessário equilíbrio entre a produção e a comercialização/transformação de produtos florestais;
1.6 - Promover uma maior interação entre as instituições de investigação, incluindo a universidade, a administração, a produção e a indústria;
1.7 - Apresentar um estudo de avaliação sobre a valorização da biomassa florestal, numa perspetiva de utilização integrada de um recurso endógeno enquadrável na estratégia 2020, a elaborar pelo Ministério da Agricultura e do Mar e pelo Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia.
2 - Recomendações legislativas:
Desenvolvimento de políticas de prevenção e combate aos incêndios florestais:
2.1 - Concentrar numa única entidade a coordenação operacional de prevenção e de combate aos incêndios florestais, mantendo o planeamento na responsabilidade das entidades que atualmente a detêm;
2.2 - Incentivar novas formas de gestão agrupada e comercial dos espaços florestais, como sejam as sociedades gestoras florestais, valorizando as intervenções integradas;
2.3 - Concretizar o alvará florestal, dando qualidade e segurança à atividade de projeto e de exploração florestal;
2.4 - Ponderar a criação de incentivos fiscais que promovam a gestão florestal, o emparcelamento, a regularização da situação predial, o associativismo florestal e a reflorestação de áreas ardidas;
Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra os Incêndios Florestais:
2.5 - Adaptar a legislação e a regulamentação da utilização do fogo técnico, ao nível:
i) Da prevenção (fogo controlado) através da criação de um programa nacional de gestão de combustível;
ii) Do combate (fogo de supressão), para flexibilizar os requisitos da credenciação de técnicos especializados;
2.6 - Proceder à alteração da competência na instrução dos autos no âmbito do Decreto-Lei 124/2006, de 28 de junho, alterado pelos Decretos-Leis 15/2009, de 14 de janeiro, 17/2009, de 14 de janeiro e 114/2011, de 30 de novembro, sem ignorar a realidade de cada proprietário florestal;
2.7 - Rever a legislação contraordenacional no âmbito florestal, incluindo as penas pecuniárias e acessórias e criando mecanismos que assegurem a eficaz monitorização dos processos;
Sistema de proteção civil:
2.8 - Definir "autoridade política», "autoridade técnica» e "autoridade operacional», clarificando-as nos diferentes níveis nacional, regional e local, abrindo-se a possibilidade para novas formas de intermunicipalidade nos patamares técnico e operacional;
2.9 - Prever a possibilidade de o comandante operacional municipal (COM) poder ser o mesmo para vários municípios adjacentes e a constituição de serviços municipais de proteção civil, que envolvam municípios adjacentes;
2.10 - Ajustar a lei do financiamento dos corpos de bombeiros, estabelecendo critérios rigorosos e objetivos que envolvam, por um lado, o histórico de ocorrências e o quadro de cada associação humanitária de bombeiros voluntários e, por outro, os riscos específicos de cada município;
2.11 - Adotar iniciativa legislativa que clarifique o momento e a forma como os municípios são efetivamente envolvidos, o ressarcimento das despesas efetuadas e imponha a convocatória das comissões municipais e distritais de proteção civil, com vista à obrigação de ativar os planos municipais de emergência até ao máximo de 16 horas de incêndio florestal e os planos distritais de emergência até ao máximo de 48 horas de incêndio florestal;
2.12 - Clarificar as competências e a capacidade de intervenção da autoridade municipal de proteção civil e redefinir o conceito e funções do COM, equacionando a própria redefinição da sua designação.
3 - Recomendações operacionais:
Desenvolvimento de políticas de prevenção e combate aos incêndios florestais:
3.1 - Garantir que o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI) tenha em consideração as alterações climáticas na avaliação da evolução das metas e objetivos, estabelecendo uma interligação com os instrumentos de política nacional nesta matéria;
3.2 - Incluir no Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI) a avaliação custo-benefício que, através de uma visão integrada, proceda à priorização de metas e objetivos e programe os investimentos até ao fim do plano, identificando a respetiva fonte de financiamento;
3.3 - Melhorar o atual sistema de gestão agrupada e integrada dos espaços florestais, direcionando os incentivos florestais para a concretização de projetos territoriais integrados, promovidos por zonas de intervenção florestal (ZIF), baldios ou outras formas de gestão territorial flexíveis, e prever apoios à certificação da gestão florestal;
3.4 - Os instrumentos financeiros de apoio devem:
i) Dar prioridade aos investimentos nas atuais áreas florestais, como sejam as reconversões ou rearborizações;
ii) Apoiar a diversificação de atividades nas áreas florestais;
3.5 - Alargar o âmbito do pagamento de serviços públicos prestados pela floresta, através das medidas de apoio à Rede Natura 2000, das medidas silvo-ambientais e das ajudas diretas, nomeadamente através do "greening»;
3.6 - Promover um processo eficaz e rápido de cadastro predial rústico e estimular a regularização matricial e predial, recorrendo a formas que permitam beneficiar ou premiar os proprietários que o fizerem até final de 2020, promovendo a sua mais ampla divulgação, com a envolvência dos diversos agentes sociais e locais;
Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios - Prevenção:
3.7 - Aprovar uma diretiva nacional de prevenção florestal, no quadro do Programa Nacional de Prevenção Estrutural (Portaria 35/2009, de 16 de janeiro), que assegure a formalização de uma relação entre as diversas entidades envolvidas e proporcione a maior divulgação das ações de prevenção contra os incêndios florestais, identificando diretamente cada uma das funções no dispositivo;
3.8 - Incentivar modelos de planeamento, de execução e de gestão da prevenção intermunicipal (planos de defesa da floresta, gabinetes técnicos florestais e outros) com a sua necessária monitorização por parte do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., (ICNF, I.P.), avaliando-se o custo-benefício dos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra os Incêndios (PMDFCI), com vista à sua simplificação, priorizando-se as ações de prevenção antecipadamente estabelecidas;
3.9 - Identificar o responsável pela execução e manutenção da rede primária da faixa de gestão de combustíveis, assumindo o Estado a sua efetiva coordenação e a sua execução subsidiária, prevendo-se a possibilidade de o seu financiamento ter lugar através de fundos comunitários, nomeadamente os fundos de coesão;
3.10 - Reforçar o programa de sapadores florestais, através de:
i) Atingir os objetivos previstos no PNDFCI;
ii) Reequipar as equipas mais antigas;
iii) Definir o conceito de serviço público que as equipas prestam e retomar a sua formação em articulação com o ICNF, I.P., privilegiando exercícios de ações de apoio ao combate aos incêndios florestais;
3.11 - Aumentar e profissionalizar as equipas GAUF (Grupos de Análise e Uso do Fogo), em função da necessidade de melhorar o ritmo de execução e manutenção da rede primária e de apoiar a estratégia de combate indireto aos fogos florestais;
3.12 - Centrar as ações de sensibilização na necessidade de reduzir o número de ignições, alterar e evitar os comportamentos negligentes, alertando a população para a importância da floresta e para o uso do fogo, através de uma campanha nacional generalista e de campanhas locais direcionadas para públicos-alvo bem identificados e caracterizados com base no histórico das causas dos incêndios florestais; nesta linha, o Governo lançou o programa "Portugal pela Floresta»;
3.13 - Criar um programa nacional de autoproteção e construção de comunidades resilientes a catástrofes, de iniciativa interministerial, envolvendo autarquias, organizações florestais e populações, fornecendo recursos e formação adequada, que permitam desenvolver competências, iniciativas e ações no sentido da proteção contra o risco e da sua mitigação, com a identificação de uma organização local de comando, concretização de infraestruturas de proteção, produção de manuais de boas práticas em situação de catástrofes e ações de treino;
3.14 - Intensificar e melhorar a investigação das causas dos incêndios, assegurando a formação contínua dos investigadores e aproveitando os resultados dessa investigação como suporte das campanhas locais de sensibilização, procurando diminuir o número de causas desconhecidas;
3.15 - Envolver paralelamente um maior número de militares na investigação das causas dos incêndios e aumentar o número de equipas da Polícia Judiciária afetas à investigação criminal nesta área;
3.16 - Melhorar o funcionamento da Rede Nacional de Postos de Vigia e os seus níveis de deteção, investindo em novas tecnologias de deteção remota de vigilância, prevendo-se a possibilidade de funcionarem durante 24 horas nos locais com mais ignições noturnas, em função do estado de alerta e do histórico das causas dos incêndios, concentrando esta competência numa autoridade de âmbito nacional que assegure a coordenação global da vigilância;
Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios - Combate:
3.17 - Avaliar a possibilidade de aquisição, por parte do Estado, de aviões pesados anfíbios - Canadair - recorrendo a fundos comunitários;
3.18 - Identificar, prever e acompanhar todas as situações que reduzam o número de horas inoperacionais dos meios aéreos, cuja manutenção caiba direta ou indiretamente ao Estado, e garantir a estabilidade plurianual dos meios aéreos contratados;
3.19 - Prever o acionamento imediato de um elemento de comando após destacamento de meios para uma ocorrência e, por consequência, a montagem do posto de comando para que se estabeleça toda a cadeia logística de aconselhamento e de estado-maior;
3.20 - Difundir, nos postos de comando, uma base sustentada de informação científica de apoio à decisão operacional, incluindo a previsão meteorológica à escala local e a previsão do comportamento do fogo;
3.21 - Delinear um planeamento logístico para repouso de bombeiros com mais de seis horas de combate, assim como melhorar as condições de prestação de socorro dos próprios bombeiros em situações críticas, nomeadamente na frente de fogo, consolidando e agilizando a cooperação com as Forças Armadas e com a Cruz Vermelha Portuguesa;
3.22 - Estudar e melhorar a estratégia usada no combate a grandes incêndios, privilegiando-se medidas de controlo do perímetro do fogo, utilizando equipas com ferramentas manuais, equipas de análise e utilização do fogo, apoiadas por equipamento de extinção hidráulica, máquinas de rasto e aeronaves pesadas para missões específicas articuladamente com os meios terrestres; a prévia avaliação do potencial de perda poderá justificar a alteração do paradigma do combate aos incêndios;
3.23 - Consolidar a cooperação com as Forças Armadas para a utilização das máquinas de rasto e criar condições para a celebração de contratos de seguro de modo a que a utilização das máquinas de rasto disponibilizadas pelas câmaras municipais e pelas empresas ocorram com a necessária cobertura legal de riscos;
3.24 - Reforçar as ações de vigilância pós-fogo e de rescaldo, criando estruturas específicas para o efeito e implementando um maior envolvimento do Exército, da Força Aérea e de outras forças civis na preponderante ação de deteção e intervenção prematura nos reacendimentos;
Sistema de Proteção Civil:
3.25 - Criar uma carreira de gestores de emergência e o respetivo modelo formativo que possa facilitar o recrutamento de pessoal de comando;
3.26 - Apostar na formação e treino dos bombeiros no combate a incêndios florestais (técnicas de combate) e no comando (gestão de operações), bem como na formação de comandantes para a gestão de grandes ocorrências e, também, na formação e certificação de formadores, que permita uma maior descentralização e o melhor aproveitamento das unidades locais de formação;
3.27 - Criar condições para a realização de ações de treino operacional dos bombeiros, privilegiando o treino conjunto e interdisciplinar entre os diferentes agentes, de forma a harmonizar procedimentos e a identificar possíveis falhas no sistema, utilizando-se para tal a execução das faixas de gestão de combustíveis, quando geridas com recurso ao fogo, ações de renovação de pastagens, antecedidas por um trabalho de proximidade e de continuidade junto dos pastores e com o seu envolvimento;
3.28 - Reorganizar e recriar um centro integrado de formação especializada em incêndios florestais na Lousã, aproveitando os laboratórios aí existentes, as escolas técnicas florestais e o centro de formação da Escola Nacional de Bombeiros;
3.29 - Consolidar com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) o enquadramento institucional do COM e o enquadramento orgânico do Centro Municipal de Operações e Socorro (CMOS), garantindo a definição de um referencial de formação e de qualificação obrigatório para os COM e os mecanismos de coordenação com a estrutura de comando da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC);
3.30 - Promover a abrangência e cobertura de todo o território continental por parte da Força Especial de Bombeiros, bem como incentivar a constituição de equipas de intervenção permanente;
3.31 - Estimular o voluntariado, adotando medidas para o tornar mais atrativo e criando os incentivos que se tenham por mais adequados ao necessário reconhecimento e valorização do Estatuto do Bombeiro;
3.32 - Garantir que o caderno de encargos para a aquisição dos equipamentos de proteção individual (EPI) seja o mesmo para a compra e para a entrega aos corpos de bombeiros, criando uma central de compras;
3.33 - Prever, no modelo para a aquisição dos EPI e de outros equipamentos ou meios, um levantamento prévio da capacidade financeira dos corpos de bombeiros, assim como uma relação das necessidades e adequação dos meios em função da cartografia de risco;
3.34 - Aumentar a fiscalização da atividade dos corpos de bombeiros a realizar por parte da ANPC, quer na componente do equipamento existente e na formação, treino e instrução ministrada, quer na do financiamento.
Aprovada em 14 de maio de 2014.
A Presidente da Assembleia da República, Maria da Assunção A. Esteves.