Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 21/2017/A
Pronúncia por iniciativa própria da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores sobre o Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, a Cadeia de Apoio da Horta e a criação de um centro tutelar educativo nos Açores.
A qualidade do nosso sistema autonómico não se mede apenas pelo desenvolvimento económico-social ou pelo reforço de competências dos órgãos de governo próprio da Região.
A qualidade da autonomia também se mede, desde logo, pela forma como os direitos humanos são respeitados.
A situação degradante vivida nas cadeias de Ponta Delgada e Horta e a ausência de um centro tutelar educativo para jovens na Região são atentatórias dos direitos humanos de centenas de açorianos.
As condições absolutamente degradantes do Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada e da Cadeia de Apoio da Horta são há muito conhecidas.
Tratam-se de duas infraestruturas em péssimo estado de conservação e que não garantem o mínimo de condições de sanidade e segurança, quer para os reclusos, quer para os guardas prisionais que ali trabalham.
O estado de degradação destes dois estabelecimentos prisionais constitui um atentado aos direitos humanos e à dignidade dos reclusos.
A situação agrava-se no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, devido ao grave problema de sobrelotação da cadeia. Esta cadeia tem atualmente mais de 180 reclusos, embora apenas possua capacidade para acolher 110 reclusos.
A legítima privação da liberdade a que os reclusos estão sujeitos por decisão da justiça não pode servir para justificar a limitação de outros direitos fundamentais, como seja o direito a ter um alojamento digno que garanta segurança e habitabilidade ou o direito à privacidade, tal como prevê o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
É necessária uma intervenção urgente no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada e na Cadeia de Apoio da Horta de modo a melhorar as condições de ambas as infraestruturas e dar dignidade aos reclusos.
Mas no caso da cadeia de Ponta Delgada, devido à sua sobrelotação, só a construção de um novo estabelecimento prisional na ilha de São Miguel poderá pôr fim à permanente violação dos direitos humanos que se verifica há demasiado tempo naquela cadeia.
O novo Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada deverá possuir a dimensão adequada para acolher a população prisional existente não só na ilha de São Miguel mas também os reclusos desta ilha detidos em estabelecimentos prisionais fora da Região.
As intenções do Ministério da Justiça para o Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, reveladas recentemente no Relatório sobre o Sistema Prisional e Tutelar, não respondem, de forma alguma, às necessidades atuais.
Construir uma nova cadeia na ilha de São Miguel com capacidade para 300 reclusos é manifestamente insuficiente, contabilizando os cerca de 200 açorianos que estão em estabelecimentos prisionais no continente. Além disso, propor um prazo de 10 anos para a construção de uma nova cadeia na ilha de São Miguel mais não é do que adiar uma solução para o problema.
É por tudo isto que as obras urgentes nos estabelecimentos prisionais de Ponta Delgada e Horta, bem como a construção de uma nova cadeia na ilha de São Miguel, não podem continuar a ser permanentemente adiadas, uma vez que os reclusos estão sob a responsabilidade do Estado Português.
As gravíssimas deficiências no funcionamento do sistema prisional na Região Autónoma dos Açores não mereceram, da parte de sucessivos governos da República, a devida resposta.
Mas nunca, como nos últimos dois anos, houve tantas promessas para resolver o problema. É altura do atual governo da República passar das palavras aos atos, iniciando as obras urgentes nas cadeias de Ponta Delgada e Horta e incluindo no Orçamento do Estado para 2018 as verbas necessárias para o efetivo arranque do processo de construção do novo Estabelecimento Prisional na ilha de São Miguel.
O Estado, nos termos consagrados na Constituição da República Portuguesa, também tem o direito e o dever de intervir de forma corretiva no processo de formação dos nossos jovens sempre que eles, ao ofenderem valores essenciais da comunidade e as regras mínimas que regem a vida social, revelem uma personalidade desconforme ao dever-ser jurídico básico.
Visando dar uma resposta mais qualificada em termos educativos e formativos, assente na perspetiva de proximidade do centro ao local de proveniência do menor, pela Portaria 102/2008, de 1 de fevereiro, o Governo da República criou a Rede Nacional de Centros Educativos e por sua vez criou o Centro Educativo dos Açores, constituindo parte integrante dessa Rede.
Volvidos 10 anos, aproximadamente, persiste uma situação que coloca em causa a salvaguarda dos direitos desses menores nos Açores.
Urge encontrar uma solução para as nossas crianças e jovens que se encontram internados em centros educativos fora da Região. Estes centros educativos, nos quais a «educação para o direito» assume primazia, visa educar o jovem para o direito e promover a sua inserção de forma digna e responsável na vida em comunidade.
Estes jovens, com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos, praticaram um facto qualificado como ilícito de natureza criminal e, por isso, nos termos da Lei Tutelar Educativa (Lei 166/99, de 14 de setembro, alterada pela Lei 4/2015, de 15 de janeiro), é-lhes aplicada uma medida tutelar educativa, que no expoente máximo, se poderá materializar no internamento num centro educativo.
Muito embora, nos termos da Lei Tutelar Educativa, o internamento em centro educativo dos jovens constitua uma medida educativa e terapêutica, é a medida mais grave e, por conseguinte, somente aplicada em última instância. O afastamento temporário dos jovens do seu meio habitual, embora os pretenda educar, constitui uma mudança brusca nas suas vidas diárias.
O meio de origem destes jovens é igualmente problemático, oriundo de comportamentos desviantes e, por vezes, criminosos. Tal se deve a um conjunto de fatores socioeconómicos desfavoráveis e desestabilizadores que potenciam a precariedade de afetos e de condições de vida, levando esses jovens a comportamentos errantes.
Assim sendo, a sua entrada nestes centros está bem definida pelas diretrizes dos Juízos de Família e Menores da Comarca dos Açores, e pelo Projeto Educativo Pessoal, em que o tribunal fixa o regime de execução do internamento mediante um regime de execução em que são definidas fases progressivas no projeto de intervenção educativa de cada centro. Estas fases progressivas irão permitir ao educando alcançar maior liberdade e autonomia dependendo do grau de cumprimento do seu Projeto Educativo Pessoal. O educando deve ser incentivado a participar na preparação e avaliação do Projeto Educativo, tal como os pais, o representante legal ou a pessoa detentora da guarda do educando.
A reinserção é um processo de investimento pessoal e individualizado, trabalhado em rede, envolvendo o próprio menor, a família e o Estado, pelo que a articulação com as famílias e o regresso à comunidade apresentam-se como desafios tão ou mais importantes do que a obtenção de emprego aquando do fim da medida de internamento.
No tocante ao envolvimento das famílias na execução destas medidas institucionais, as mesmas são envolvidas desde o início do internamento, sendo chamadas a participar no percurso educativo do jovem. O contacto entre os técnicos e os familiares de referência dos jovens deve ser regular, desenvolvendo-se quer a nível da planificação, através da participação na elaboração do Projeto Educativo Pessoal, quer na concretização das várias ações. A proximidade com a família permite reforçar e melhorar as competências parentais.
No caso dos Açores, estes jovens são simplesmente enviados para centros educativos fora da Região, comprometendo assim o envolvimento da família em todo este processo, a obtenção de resultados e agravando o seu desenraizamento, quer a nível familiar, quer a nível social.
Ao fim de uma década de promessas, da parte dos governos regionais e da República, para resolver o problema, jovens açorianos numa idade muito difícil e provenientes de situações muito frágeis continuam a ser deslocados para o continente.
O superior interesse destes jovens continua a não ser salvaguardado. É premente garantir uma solução para o problema, que passa pela criação de um centro tutelar educativo nos Açores. A verba necessária para concretizar esta importante medida deve ser incluída no Orçamento do Estado para 2018.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores resolve, nos termos regimentais aplicáveis e ao abrigo do disposto da alínea i) do artigo 34.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, pronunciar-se nos seguintes termos:
1 - Considerar degradantes e atentatórias dos direitos humanos as condições em que vivem os reclusos no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada e na Cadeia de Apoio da Horta.
2 - Exigir ao Governo da República a realização imediata de obras de conservação e requalificação no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada e na Cadeia de Apoio da Horta.
3 - Apelar ao Governo da República para que proceda rapidamente à assinatura, em conjunto com o Governo Regional dos Açores, do protocolo relativo à cedência do terreno para a construção do novo Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, que deveria ter sido assinado em maio de 2017.
4 - Recomendar ao Governo da República que o Orçamento do Estado para 2018 contemple verbas necessárias para o arranque efetivo da construção do novo Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, que tem de ser uma absoluta prioridade e deve possuir a dimensão adequada para acolher a população prisional existente e os reclusos açorianos transferidos para o continente.
5 - Recomendar ao Governo da República que promova, de forma célere e em conjunto com o Governo Regional dos Açores, as diligências necessárias ao início do processo de criação de um centro tutelar educativo nos Açores, devendo o Orçamento do Estado para 2018 contemplar as verbas necessárias para esse efeito.
6 - Apelar à intervenção do Presidente da República nestes processos, de forma a garantir que os direitos humanos são salvaguardados e que as funções soberanas do Estado Português são devidamente cumpridas na Região.
7 - Desta resolução deve ser dado conhecimento ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República e a todos os grupos e representações parlamentares nela representados, ao Primeiro-Ministro e à Ministra da Justiça.
Aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 19 de outubro de 2017.
A Presidente da Assembleia Legislativa, Ana Luísa Luís.