Pedido de indemnização civil em processo penal por crime fiscal
A atuação do Ministério Público no âmbito do processo penal por crime fiscal tem-se pautado por diferentes critérios de decisão sobre a admissibilidade ou não da dedução de pedido de indemnização civil.
O Código de Processo Penal consagra, a respeito do pedido de indemnização civil emergente da prática de crime, um sistema de adesão obrigatória ou vinculada relativamente aos crimes de natureza pública, só podendo ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, nos casos concretos que a lei processual penal elenca (n.º 1 do artigo 72.º) ou quando as questões por ele suscitadas inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal (n.º 3 do artigo 82.º).
O Código de Processo Penal consagra ainda o princípio da sua suficiência (artigo 7.º), segundo o qual se afirma a autonomia da jurisdição penal para conhecer de todas as questões, mesmo que não penais que possam influir na apreciação da causa penal, uma vez que o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa.
Ao Ministério Público cabe, em representação do Estado e de outras pessoas e interesses cuja representação lhe seja atribuída por lei, formular o pedido de indemnização civil conexo com o processo penal (n.º 3 do artigo 76.º do Código de Processo Penal), o qual deve ser deduzido aquando da prolação da decisão acusatória (n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo Penal).
A Autoridade Tributária e Aduaneira constitui um serviço da administração direta do Estado dotado de autonomia administrativa que tem por missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos.
A noção de Estado constante do n.º 3 do artigo 76.º do Código de Processo Penal reporta-se a serviço público/ente público diretamente gerido pela Administração (Estado Administração), a um serviço integrado, totalmente distinta da noção de Estado coletividade.
O ato legislativo de criação da Autoridade Tributária e Aduaneira identifica expressamente um serviço integrado do Estado e não um ente personalizado, individualidade jurídica dele distinta, que indiretamente prossegue algum ou alguns fins específicos da administração pública que o Governo entendeu confiar-lhe.
Aquilo que constitui a causa de pedir no pedido civil indemnizatório enxertado no processo penal fiscal são justamente os factos narrados e que integram a prática do crime, situação totalmente autónoma da dívida tributária consequente.
Não ocorre litispendência entre o pedido formulado em ação executiva para cobrança da dívida de impostos e o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal contra o ali executado, neste arguido e demandado civil, pela prática de crime fiscal.
Atualmente, e através da jurisprudência uniformizada vertida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2013, ocorre reconhecimento da admissibilidade da dedução de pedido de indemnização civil conexo com o processo penal fiscal nos casos de crime de abuso de confiança contra a segurança social.
Nas situações em que o valor do pedido indemnizatório seja inferior a 20 unidades de conta, enquanto demandante civil, o Estado Português - Autoridade Tributária e Aduaneira - está isento de custas [alínea n) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais]; e, nos casos em que o valor seja igual ou superior aquele limite, o Estado fica dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça [alínea d) do n.º 1 do artigo 15.º do Regulamento das Custas Processuais].
No pedido de indemnização civil enxertado no processo penal são aplicáveis as regras referentes ao instituto das custas de parte, devendo o Ministério Público, em representação do Estado, fazer uso, se for caso disso, das regras contidas no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais a esse respeito.
Em face do exposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 12.º do Estatuto do Ministério Público, determino que os magistrados e agentes do Ministério Público observem o seguinte:
1 - Cabe ao Ministério Público, em representação da Autoridade Tributária e Aduaneira, deduzir pedido de indemnização civil conexo com o processo penal, por crimes de natureza fiscal, sem exceção, e desde que aquela solicite tal intervenção [artigo 1.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do Estatuto do Ministério Público, artigo 71.º e n.º 3 do artigo 76.º do Código de Processo Penal].
2 - A pretensão dirigida ao Ministério Público para que, em representação da Autoridade Tributária e Aduaneira, deduza pedido de indemnização civil conexo com o processo penal por crime fiscal, deve ser expressamente formalizada no inquérito pelo dirigente do serviço desconcentrado competente, e, sempre que possível, prévia ou contemporaneamente à remessa ao Ministério Público do parecer a que alude o n.º 3 do artigo 42.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
3 - Sempre que a Autoridade Tributária e Aduaneira não manifestar a sua posição nos termos assinalados no número antecedente, deverão os magistrados do Ministério Público efetuar as diligências necessárias tendo em vista a sua obtenção.
4 - Em conformidade com a admissibilidade de dedução do pedido de indemnização civil, reunidos que se mostrem os respetivos pressupostos legais, nada obsta à utilização dos processos penais especiais, máxime o processo sumaríssimo e o processo abreviado, no domínio da criminalidade fiscal.
6 de setembro de 2013. - A Procuradora-Geral da República, Joana
Marques Vidal.
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