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Acórdão 487/2010, de 27 de Janeiro

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Sumário

Decide não julgar organicamente inconstitucional a norma do artigo 156.º, n.º 2, do Código da Estrada. (Processo n.º 311/10)

Texto do documento

Acórdão 487/2010

Processo 311/10

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional I - Relatório. - 1 - O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Guarda, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da "sentença proferida [...] na parte que recusou a aplicação da norma constante do artigo 156.º, n.º 2 do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei 44/2005, de 23.02, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto nos artigos 25.º, n.º 1, 32.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea b), todos da Constituição da República

Portuguesa."

No que ora releva, assentou a referida decisão nos fundamentos seguintes:

"A recolha de sangue nos termos do n.º 2 do preceito indicado é legalmente admissível à luz do preceito indicado, mesmo sem se informar o arguido da finalidade do exame ou sem se apurar da existência de consentimento presumido ou expresso do visado. É esta a interpretação que se extrai do teor do normativo em análise, por referência ao n.º 3 acima reproduzido, e, sobretudo, em comparação com a redacção do art. 162.º/3, do CE, na redacção originária dada pelo Decreto-Lei 2/98, de 03-01.

Efectivamente, dispunha este preceito que o exame para pesquisa de álcool no sangue só não deve ser realizado se houver recusa do doente ou se o médico que o assistir entender que de tal exame pode resultar prejuízo para a saúde. Nestas duas hipóteses, devia o médico proceder aos exames que entendesse convenientes para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool (n.º 3 do referido art. 162.º do CE).

Ora, o actual art. 156.º/2 e 3, do CE, deixou de fazer referência à recusa, admitindo, assim, a realização do exame para pesquisa de álcool no sangue mesmo nessa hipótese, sem se apurar da existência de consentimento presumido ou expresso.

Destarte, o actual art. 156º/2, do CE, tem um conteúdo inovatório em relação ao normativo que o precedeu, o que conduz de forma inexorável à inconstitucionalidade orgânica deste preceito, pois a realização do referido exame, nos termos referidos, viola o direito à integridade pessoal acima analisado, não existindo autorização da

Assembleia da República.

De facto, a actual redacção do art. 156.º/2 e 3, do CE, foi introduzida pelo Decreto-Lei 44/2005, de 23-02, e este diploma foi emanado com base na autorização operada pela Lei 53/2004, de 04-11, que, no entanto, não fazia qualquer referência à matéria em discussão, pelo que o Governo não estava autorizado

a inovar nos termos supra referidos.

Daí que se concorde com a conclusão sustentada pela Relação do Porto, no acórdão de 09-12-2009 (processo 1421/08.6PTPRT.P1, in www.dqsLpt), no sentido de que o art. 156.º/2, do CE é organicamente inconstitucional, acrescentando-se que é organicamente inconstitucional quando interpretado no sentido de permitir a realização de recolha de sangue sem o consentimento presumido ou expresso, por violação do disposto nos artigos 25.º/1, 32.º/2 e 165.º/1, alínea b), todos da Constituição da

República Portuguesa.

A segunda norma com potencial de aplicação ao caso vertente é o art. 172.º/1, do CPP. Pese embora este normativo se destine fundamentalmente aos casos de recusa, pois estes demandam, para além da habilitação legal necessária, um juízo de ponderação em concreto, a verdade é que se admite o mais também serve de fundamento legal ao menos. Sucede, contudo, que a sua aplicação exige uma decisão do juiz de instrução, conforme tem sido entendimento do Tribunal Constitucional (cf.

acórdãos n.os 155/07 e 288/07, in www.tribunalconstitucional.pt), pressuposto este

que não se verifica no caso concreto.

As considerações precedentes conduzem inexoravelmente à inadmissibilidade legal do relatório pericial de fls. 8, que atesta a taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido, por força do art. 126.º/1 e 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), pois dos meios de prova recolhidos não se extrai a existência de consentimento presumido, que exigia a explicação ao arguido da razão de ser da colheita de sangue a que foi sujeito, não se podendo extrair da condução ao Hospital e da recolha de sangue que o arguido tivesse conhecimento de tal facto porquanto foi conduzido ao Hospital também para tratamento médico. Também não se extrai a existência de consentimento

expresso.

Assim, não sendo admissível o relatório de fls. 8 e não tendo sido produzida mais prova sobre a taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido, a factualidade em análise

não logrou demonstração."

2 - Nas suas alegações, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso, formulando as

seguintes conclusões:

"1 - Quer segundo o artigo 162.º, n.os 1 e 2 do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, quer segundo o artigo 156.º do mesmo Código na actual redacção (saída das alterações operadas pelo Decreto-Lei 265- A/2001, de 28 de Setembro e pelo Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro), em caso de acidente trânsito, quando não for possível realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, deve ser, no estabelecimento de saúde para onde os intervenientes forem conduzidos, ser realizado exame de pesquisa de álcool no sangue.

2 - Em qualquer dos regimes, o interveniente pode recusar submeter-se a este exame, caso em que se procederá à realização de outros exames médicos para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool, (n.º 3 e 4 do artigo 162.º, na antiga redacção, e n.º 2 e 3 do artigo 156.º, na actual redacção).

3 - Assim, apercebendo-se naturalmente o interveniente no acidente da realização do exame e não se opondo, é perfeitamente legitimo concluir que consentiu, ainda que

tacitamente, que o mesmo fosse realizado.

4 - Deste modo, não tendo a actual redacção do artigo 156.º do Código da Estrada qualquer carácter inovatório em relação ao estabelecido no artigo 162.º do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei 2/98, a norma do n.º 2 daquele artigo 156.º não é organicamente inconstitucional, mesmo que se entenda que está perante matéria cujo tratamento legislativo cabe na competência exclusiva da Assembleia da

República.

5 - Pelo exposto, deve conceder-se provimento ao recurso."

Notificado para contra-alegar, o Recorrido José Marques Pereira não respondeu.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - 3 - Importa, em primeiro lugar, averiguar as circunstâncias do caso concreto e delimitar o objecto do recurso.

O Recorrido José Marques Pereira foi acusado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal. Foi-lhe imputado ter sido interveniente num acidente de viação que consistiu no despiste do veículo por si conduzido.

Tendo sido conduzido ao hospital foi-lhe aí feita colheita de sangue para análise de alcoolemia, tendo acusado uma TAS de 3,00 g/l.

Realizada a audiência de discussão e julgamento veio o arguido a ser absolvido, considerando-se na sentença recorrida que o relatório pericial que atestara a aludida alcoolemia era legalmente inadmissível. Para assim concluir, o Exmo. Juiz considerou que o actual artigo 156.º, n.º 2 do Código da Estrada é organicamente inconstitucional, já que apresenta um conteúdo inovatório face ao regime anterior fixado no artigo 162.º, n.º 2, do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei 2/98, de 3 de

Janeiro.

Nestes termos, segundo a sentença recorrida, o artigo 156.º, n.º 2 do Código da Estrada é organicamente inconstitucional "quando interpretado no sentido de permitir a realização de recolha de sangue sem o consentimento presumido ou expresso do interveniente em acidente de viação".

4 - Para conhecer do objecto do recurso há que cotejar as alterações normativas existentes, com vista a indagar do carácter inovatório dessa alteração.

A revisão do Código da Estrada efectivada pelo Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, e no que ora nos importa, no atinente ao procedimento para fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, introduziu, nas situações de exame em caso de sinistro rodoviário, o artigo 162.º, que apresentava a seguinte

redacção:

"Artigo 162.º

Exames em caso de acidente

1 - Os condutores e quaisquer pessoas que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado nos termos do artigo 159.º 2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame no local do acidente, deve o médico do estabelecimento hospitalar a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos proceder aos exames necessários para diagnosticar o estado de

influenciado pelo álcool.

3 - No caso referido no número anterior, o exame para a pesquisa de álcool no sangue só não deve ser realizado se houver recusa do doente ou se o médico que o assistir entender que de tal exame pode resultar prejuízo para a saúde.

4 - Não sendo possível o exame de pesquisa de álcool nos termos do número anterior deve o médico proceder aos exames que entender convenientes para diagnosticar o

estado de influenciado pelo álcool."

Este artigo foi alterado pelo artigo 4.º do Decreto-Lei 265-A/2001, de 28 de

Setembro, passando a estatuir:

"Artigo 162.º

[...]

1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no

ar expirado, nos termos do artigo 159.º

2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.

3 - Se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito, o médico deve proceder a exame pericial para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.

4 - Os mortos devem também ser submetidos ao exame previsto no n.º 2."

Por sua vez, o Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, veio introduzir novas alterações ao Código da Estrada e no que se refere ao artigo 162.º, que passou a integrar o novo artigo 156.º, da sua redacção passou a constar o seguinte:

"1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no

ar expirado, nos termos do artigo 153.º

2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influencia pelo álcool.

3 - Se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito, deve proceder-se a exame para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.

4 - Os condutores e peões mortos devem também ser submetidos ao exame previsto

no n.º 2."

Finalmente, a Lei 18/2007, de 17 de Maio, veio aprovar o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, em que, nomeadamente, e, para a economia do presente recurso, se estatui:

"Artigo 1.º

Detecção e quantificação da taxa de álcool 1 - A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado,

efectuado em analisador qualitativo.

2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.

3 - A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em

analisador quantitativo.

Artigo 4.º

Impossibilidade de realização do teste no ar expirado 1 - Quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização daquele teste, é

realizada análise de sangue.

2 - ...

3 - ...

Artigo 7.º

Exame médico para determinação do estado de influenciado pelo álcool 1 - Para efeitos do disposto no n.º 8 do artigo 153.º no n.º 3 do artigo 156.º do Código da Estrada, considera-se não ser possível a realização do exame de pesquisa de álcool no sangue quando, após repetidas tentativas, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente.

2 - ...

3 - ..."

5 - Verifica-se, assim, que é uma lei que aprova o Regulamento de Fiscalização de Condução sob influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas e que, por intermédio do artigo 7.º, n.º 1, faz sua a norma constante do n.º 3 do artigo 156.º do Código da Estrada, estabelecendo que "considera-se não ser possível a realização do exame de pesquisa de álcool no sangue, quando, após repetidas tentativas, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente."

A lei concentra em si toda a matéria atinente à situação em apreço, derrogando as normas que estejam em desacordo com o regime por si instituído.

A interpretação questionada na decisão recorrida conforma-se com a Lei 18/2007, pelo que não há que subsumir essa realidade a inconstitucionalidade orgânica, mesmo que se considerasse que versava sobre matéria da competência legislativa própria da

Assembleia da República.

Nestes termos, e contrariamente ao sufragado na decisão recorrida, o artigo 156.º, n.º 2 do Código da Estrada não é organicamente inconstitucional.

III - Decisão. - 7 - Nestes termos, concedendo-se provimento ao recurso, decide-se:

Não julgar inconstitucional a norma do artigo 156.º, n.º 2 do Código da Estrada.

Ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o agora decidido

quanto à questão de constitucionalidade.

Sem custas.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2010. - José Borges Soeiro - Gil Galvão - Maria João Antunes - Carlos Pamplona de Oliveira - Rui Manuel Moura Ramos (votei a decisão nos termos da fundamentação do Acórdão 479/2010).

204247619

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2011/01/27/plain-281911.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/281911.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1998-01-03 - Decreto-Lei 2/98 - Ministério da Administração Interna

    Altera o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio. Republicado em anexo com as alterações ora introduzidas.

  • Tem documento Em vigor 2001-09-28 - Decreto-Lei 265-A/2001 - Ministério da Administração Interna

    Altera o Código da Estrada, aprovado pelo Dec Lei 114/94 de 3 de Maio. Republicado em anexo com as alterações ora introduzidas.

  • Tem documento Em vigor 2004-11-04 - Lei 53/2004 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio.

  • Tem documento Em vigor 2005-02-23 - Decreto-Lei 44/2005 - Ministério da Administração Interna

    No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, altera o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio e posteriormente alterado. Republicado na íntegra com todas as alterações.

  • Tem documento Em vigor 2007-05-17 - Lei 18/2007 - Assembleia da República

    Aprova o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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