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Acórdão 486/2010, de 27 de Janeiro

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional a norma constante no n.º 2 do artigo 70.º do Código de Processo do Trabalho, interpretada como sendo aplicável a situação de impossibilidade de comparência do advogado, independentemente de essa situação ter origem em evento subsumível ao conceito de «justo impedimento».

Texto do documento

Acórdão 486/2010

Processo 393/10

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional I - Relatório. - 1 - Manuel Taipina de Jesus, intentou acção declarativa de condenação, num processo em que figura como recorrido Eduardo Xavier da Silva Estanislau, pedindo que se decretasse a ilicitude da resolução do contrato de trabalho e a condenação do réu/recorrido a pagar ao autor/recorrente uma indemnização de (euro)969,62, acrescida de juros de mora a contar da citação.

Tendo visto a sua pretensão negada pelo Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, e tendo sido o réu/recorrido absolvido do pedido, interpôs o autor recurso para o

Tribunal da Relação de Coimbra.

Nesse Tribunal foi confirmada a decisão da sentença impugnada e julgado improcedente o recurso. Na parte referente à questão de saber se a falta da mandatária do autor à audiência de julgamento deveria ter dado lugar ao seu adiamento - e que constitui o cerne dos presentes autos - decidiu então a Relação o seguinte:

"2. Quanto à questão de saber se a falta da mandatária do autor à audiência de julgamento, deveria ter dado lugar ao seu adiamento:

Como se disse, no dia designado para julgamento a mandatária do autor enviou requerimento, alegando ter sido acometida de doença súbita e imprevista que a impedia de comparecer. Como se observa desse requerimento (manuscrito), protestou juntar atestado médico, caso o Sr. juiz a quo o entendesse necessário e, requereu o adiamento do julgamento 'no pressuposto de que a ilustre mandatária do Réu dará o seu acordo até ao início da audiência'. Sucede que a mandatária do réu não deu esse acordo e se verifica mesmo que, aberta a audiência, pela mesma foi dito que se opunha ao adiamento com fundamento na falta da mandatária do autor, não obstante a iniciativa para a persuadir que o Sr. juiz levou a cabo. E, por isso, este 'determinou a realização da audiência de julgamento, considerando aposição da ilustre mandatária do réu e o

disposto no artigo 70.º/2 do CPT'.

Ora, tendo como epígrafe, para além do mais, 'causas de adiamento da audiência', dispõe o artigo 71.º n.º 2 do Cód. Proc. Trabalho que 'a audiência só pode ser adiada, e por uma só vez, se houver acordo das partes e fundamento legal'.

Os fundamentos legais para o adiamento são os enumerados no artigo 651.º do C. P.

Civil, entre os quais se destaca o previsto na alínea c) do seu n.º 1: 'se faltar algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade de comparência, nos termos do n.º

5 do artigo 155.º'.

A redacção do artigo 71.º n.º 2 do Cód. Proc. Trabalho, corresponde a idêntica solução que era adoptada nos artigos 65.º do CPT de 1981 e do CPT de 1963.

Em conformidade com o n.º 2 deste preceito, a audiência poderá ser adiada uma vez por falta de advogado se houver acordo das partes nesse sentido.

O processo laboral, ao regular as causas de adiamento da audiência, instituiu um regime mais apertado e restritivo que o estabelecido no artigo 651.º do Código de Processo Civil, exigindo-se ali, para além do 'fundamento legal', a existência de acordo das

partes.

Este regime especial já foi objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão 264/94 (consultável no site deste Tribunal), considerando-se que se coloca no âmbito da livre conformação do legislador a opção assumida a propósito do processo laboral, nada impondo que este houvesse de repetir a disciplina em vigor no domínio do processo civil, existindo 'boas razões, ditadas pela peculiaridade da natureza dos interesses em jogo no direito do trabalho, para o ritualismo processual nele imposto se revestir de regras específicas e porventura mais exigentes, ditadas pela necessidade de se imprimir ao andamento dos respectivos processos um grau de acrescida celeridade'. E que esse regime não viola o princípio constitucional do acesso

ao direito (artigo 20.º da CRP)

Na verdade, a existência de limites (de disciplina) para o adiamento da audiência de julgamento, sendo essas regras conhecidas e ponderáveis pelas partes na sua gestão do andamento do processo, não podem deixar de considerar-se adequadas e proporcionais ao desenvolvimento de um processo equitativo e célere. A regra em causa, de resto, mostra-se conhecida pela mandatária do apelante ao manifestar no seu requerimento supra assinalado que pretendia o adiamento do julgamento 'no pressuposto de que a ilustre mandatária do réu dará o seu acordo até ao início da

audiência'.

Daí que a arguição de inconstitucionalidade feita pelo apelante não possa proceder.

Mas o apelante convoca a norma artigo 146.º do C. P. Civil, referente ao justo impedimento, para defender que a mesma justifica o adiamento quando a falta de advogado constitua em si mesma 'justo impedimento'.

Da definição desta figura jurídica - artigo 146.º, n.º 1 do C. P. Civil ('considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto') - resulta que a mesma se aplica aos casos da realização de acto processual que não foi praticado no decurso do prazo normal, impondo-se à parte que alegue o justo impedimento e ofereça a respectiva prova no momento em que se apresenta a praticar o acto fora de prazo (n.º 2 do artigo

146.º).

Não é essa a situação em apreço.

A situação em causa tem a ver com a falta de comparência de advogado a audiência de julgamento - e não à prática de um acto processual subordinado a prazo que possa ser admitido posteriormente ao seu decurso, em razão de justo impedimento. Naquela primeira situação, as consequências são reguladas em normas distintas, no caso as que

acima elencámos.

A impossibilidade (ainda que não previsível) de comparência de advogado a audiência de julgamento pode constituir fundamento de adiamento, mas é necessário para tanto o acordo das partes. Acordo que, de resto, apenas só pode suceder uma única vez, deixando antever que depois dele - e nos termos da lei - aquela impossibilidade já não dá lugar à possibilidade de qualquer adiamento.

Temos, assim, que a regra do artigo 70.º n.º 2 do CPT se aplica independentemente da impossibilidade de comparência de advogado a audiência de julgamento ter origem em evento subsumível ao conceito de 'justo impedimento'."

2 - Por inconformado, veio o recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional - LTC).

Depois de convidado, pelo então Relator do processo, a definir o objecto do recurso constitucional, veio responder, nomeadamente, o seguinte:

"[...]

O julgamento deveria ter sido adiado por existir justo impedimento invocado no processo antes de realizada a audiência de julgamento.

O Sr. Juiz 'a quo' tinha conhecimento do impedimento da mandatária do Autor. Por esse facto, ainda tentou persuadir a ilustre mandatária do réu no sentido de conferir o

seu acordo ao adiamento da audiência.

Propôs até a nova data de 23/11/2009 para realização do julgamento.

Porém, face à posição da ilustre mandatária do réu, que manteve a sua oposição ao adiamento, decidiu, a nosso ver mal, realizar o julgamento.

Ora, A falta do advogado de uma das partes, quando essa falta constitua justo impedimento - que é o caso dos Autos - é fundamento legal para o adiamento da Audiência, nos termos do artigo 146.º do CPC que se aplica subsidiariamente ao CPT.

Remete-se a este propósito, para o importante Acórdão do Tribunal de Évora de 19 de Junho de 2001 (processo 991/01 em que foi relator o Desembargador António

Gonçalves Rocha).

O justo impedimento, ainda que na sistemática do CPC esteja vocacionado para a prática de actos processuais que disponham dum prazo peremptório, é expressão, segundo julgamos, de uma máxima de justiça aplicável também no domínio processual.

Chocar-nos-ia bastante, que nos casos em que um advogado fosse acometido de doença súbita - que é o caso dos presentes Autos - ou que sofresse um acidente grave na viagem para o Tribunal no dia de julgamento - a audiência pudesse decorrer sem a presença do mandatário, em prejuízo da parte que representa, sem qualquer culpa de ambos (refira-se que o espírito da reforma do processo civil foi justamente flexibilizar o conceito de justo impedimento, concentrando-o na ideia de culpa e afastando-o de uma espécie de responsabilidade objectiva) se a situação fosse comunicada ao Tribunal antes do inicio da audiência - que foi o caso dos Autos, como se disse.

O artigo 70.º não pode ser interpretado isoladamente, nem afasta a aplicação do instituto do Justo Impedimento previsto no artigo 146.º do CPC.

Assim, ao decidir realizar a Audiência de julgamento, nas circunstâncias acima descritas foram violadas as normas constantes do disposto no artigo 70.º do CPT e a do artigo 146.º do CPC, porque havia sido alegado justo impedimento antes da hora designada

para a Audiência de julgamento.

Acresce que, a interpretação ao artigo 70.º do CPT e do artigo 146.º do CPC no sentido de o adiamento da Audiência de julgamento em processo de trabalho só ser possível mediante o acordo da outra parte, independentemente da comunicação de justo impedimento por parte de um dos mandatários das partes antes da data e hora designada para o efeito, é inconstitucional por violação grave do direito da igualdade das partes e ao direito ao patrocínio judiciário e ao direito de fazer-se acompanhar por advogado em julgamento nos termos do artigo 13.º e 20.º n.º 2 da CRP, violando tal

decisão todas as normas agora mencionadas.

O Tribunal da Relação de Coimbra declarou improcedente a questão suscitada por considerar que o conceito de justo impedimento não se aplica ao processo de trabalho, não havendo assim lugar a adiamento da audiência para além das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º do CPT. É esta questão que se pretende seja apreciada pelo

Tribunal Constitucional."

Em sequência desse requerimento, apresentou o Recorrente, as seguintes alegações,

concluindo da seguinte forma:

"1 - A realização da Audiência de Julgamento do processo em questão, que foi julgado pelo Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz foi agendada para o dia 29 de Setembro

de 2009 pelas 13H30.

2 - No dia agendado a signatária ficou doente, impossibilitada de comparecer no Tribunal de Trabalho da Figueira da Foz para realização da Audiência.

3 - Encetou diligências no sentido de ser substituída, o que não conseguiu.

4 - Requereu o adiamento da audiência e juntou documento médico comprovativo do

seu estado de saúde.

5 - O Tribunal 'a quo' após ouvir a parte contrária realizou ainda assim a audiência de

julgamento.

6 - Decidiu mal o Sr. Juiz 'a quo' salvo o devido respeito.

7 - O julgamento não poderia ser realizado sob pena de violar o disposto nos artigos

70.º do CPT e o artigo 146.º do CPC.

8 - Deveria o mesmo ter sido adiado por existir justo impedimento invocado no processo antes de realizada a audiência de julgamento.

9 - O Sr. Juiz 'a quo' tinha conhecimento do impedimento da mandatária do Autor.

10 - Por esse facto, ainda tentou persuadir a ilustre mandatária do réu no sentido de conferir o seu acordo ao adiamento da audiência.

11 - Propôs até a nova data de 23/11/2009 para realização do julgamento.

12 - Porém, face à posição da ilustre mandatária do réu, que manteve a sua oposição ao adiamento, decidiu, a nosso ver mal, realizar o julgamento.

13 - Nos presentes Autos - esclareça-se foi a entidade patronal na qualidade de Autora que intentou a acção - não existe a preocupação de acautelar direitos do

trabalhador.

14 - Desde logo porque estes não estão em causa, os direitos em causa são os da

entidade patronal.

15 - Pelo que, o Tribunal 'a quo' ao decidir julgar de imediato sem a presença da signatária não tinha a preocupação de com a realização do julgamento sem adiamento

obter uma decisão o mais célere possível.

16 - Já que, no caso não existiam direitos do trabalhador a acautelar, como atrás se

referiu.

17 - Aliás, a falta do advogado de uma das partes, quando essa falta constitua justo impedimento - que é o caso dos Autos - é fundamento legal para o adiamento da Audiência, nos termos do artigo 146.º do CPC que se aplica subsidiariamente ao CPT.

18 - O artigo 70.º não pode ser interpretado isoladamente, nem afasta a aplicação do instituto do Justo Impedimento previsto no artigo 146.º do CPC.

19 - Assim, ao decidir realizar a Audiência de julgamento, nas circunstâncias acima descritas foram violadas as normas constantes do disposto no artigo 70.º do CPT e a do artigo 146.º do CPC, porque havia sido alegado justo impedimento antes da hora

designada para a Audiência de julgamento.

20 - Acresce que, a interpretação ao artigo 70.º do CPT e do artigo 146.º do CPC no sentido de o adiamento da Audiência de julgamento em processo de trabalho só ser possível mediante o acordo da outra parte, independentemente da comunicação de justo impedimento por parte de um dos mandatários das partes antes da data e hora designada para o efeito, é inconstitucional por violação grave do direito da igualdade das partes e ao direito ao patrocínio judiciário e ao direito de fazer-se acompanhar por advogado em julgamento nos termos do artigo 13.º e 20.º no 2 da CRP, violando tal

decisão todas as normas agora mencionadas.

Termos em que se requer a VV. Exas. seja declarada a inconstitucionalidade arguida com as legais consequências, assim se fazendo Justiça."

Decorrido o prazo para contra-alegar, o Recorrido não respondeu.

3 - Em consequência da mudança de Relator do processo, foi proferido despacho-convite proferido pelo novo Relator, dizendo o seguinte: "Convida-se o recorrente para, em 10 dias, se pronunciar sobre a eventual possibilidade de não se conhecer de parte do recurso pelo facto da dimensão normativa desenvolvida nas suas alegações não corresponder à 'ratio decidendi' da decisão recorrida, na medida em que esta afastou, dando por não verificada a violação invocada no que se reporta ao artigo

146.º do Código de Processo Civil."

Decorrido o prazo, o Recorrente não respondeu.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - 4 - O Recorrente integra no objecto do recurso o artigo 70.º, n.º 2, do Código de Processo de Trabalho (CPT) na redacção precedente, (anterior ao artigo 1.º do Decreto-Lei 295/2009, de 13 de Outubro) em conjugação com o artigo 146.º do Código de Processo Civil (CPC), reportado ao "justo impedimento", porquanto tinha sido invocada tal situação a justificar a falta de advogado à audiência

de julgamento e discussão.

Tal invocação mereceu a seguinte ponderação na decisão recorrida:

"Mas o apelante convoca a norma artigo 146.º do C. P. Civil, referente ao justo impedimento, para defender que a mesma justifica o adiamento quando a falta de advogado constitua em si mesma 'justo impedimento'.

Da definição desta figura jurídica - artigo 146.º, n.º 1 do C. P. Civil ('considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto') - resulta que a mesma se aplica aos casos da realização de acto processual que não foi praticado no decurso do prazo normal, impondo-se à parte que alegue o justo impedimento e ofereça a respectiva prova no momento em que se apresenta a praticar o acto fora de prazo (n.º 2 do artigo

146.º).

Não é essa a situação em apreço.

A situação em causa tem a ver com a falta de comparência de advogado a audiência de julgamento - e não à prática de um acto processual subordinado a prazo que possa ser admitido posteriormente ao seu decurso, em razão de justo impedimento. Naquela primeira situação, as consequências são reguladas em normas distintas, no caso as que

acima elencámos.

A impossibilidade (ainda que não previsível) de comparência de advogado a audiência de julgamento pode constituir fundamento de adiamento, mas é necessário para tanto o acordo das partes. Acordo que, de resto, apenas só pode suceder uma única vez, deixando antever que depois dele - e nos termos da lei - aquela impossibilidade já não dá lugar à possibilidade de qualquer adiamento.

Temos, assim, que a regra do artigo 70.º n.º 2 do CPT se aplica independentemente da impossibilidade de comparência de advogado a audiência de julgamento ter origem em evento subsumível ao conceito de 'justo impedimento'."

Seguindo a terminologia da decisão recorrida, o pedido de julgamento de inconstitucionalidade incide sobre o facto de vir a ser indagado se "a regra do artigo 70.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho se aplica, independentemente da impossibilidade de comparência do advogado a audiência de julgamento ter origem em evento subsumível ao conceito de 'justo impedimento'." (o itálico é nosso).

5 - Considerando o artigo 70.º, n.º 2 do CPC, na redacção aplicável, o acordo das partes e a existência de fundamento legal constituem requisitos cumulativos do adiamento da audiência no foro laboral. Assim, o tribunal não deve recusar o adiamento, nomeadamente nas hipóteses das alíneas c) e d), do n.º 1, do artigo 651.º, sem se assegurar previamente que o mandatário presente se opõe de forma inequívoca,

ao adiamento.

Com efeito, o adiamento da audiência só pode verificar-se uma vez e desde que se verifiquem os dois requisitos cumulativos referenciados: o acordo das partes e haver

fundamento legal.

6 - O CPT, a propósito da espécie de processos, distingue entre processo declarativo ou executivo, podendo o processo declarativo ser comum ou especial.

Tratando nos artigos 54.º e seguintes do processo declarativo ordinário, aquele código rege, no caso dos autos, no artigo 70.º, n.º 2 (hoje artigo 70.º, n.º 4), sobre as causas

de adiamento da audiência.

Deste modo, pode dizer-se que o processo laboral, ao regular as causas de adiamento da audiência em processo declarativo, no então artigo 70.º, n.º 2, do CPT, instituiu um regime mais apertado e restritivo que o estabelecido para a correspondente forma de

processo no artigo 651.º do CPC.

Com efeito, exigiu-se ali, para além do "fundamento legal", a existência de acordo das

partes.

E, por assim ser, sustenta o Recorrente que a norma do artigo 70.º, n.º 2, ao definir este regime restritivo, "viola o princípio constitucional do acesso ao direito quando além de exigir a existência de fundamento legal, exige o acordo das partes".

Vejamos.

7 - Nos termos do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, "a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos".

E o n.º 2 do mesmo preceito acrescenta que "todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por

advogado perante qualquer autoridade".

Tentando delimitar o sentido e alcance do preceito constante do artigo 20.º, escreveu-se assim no Acórdão 264/94 (publicado no Diário da República, 2.ª série,

de 17 de Setembro):

"[...] Ao assegurar a todos o 'acesso aos tribunais, para defesa dos seus direitos', a primeira parte do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição consagra a garantia fundamental que se traduz em confiar a tutela dos direitos individuais àqueles órgãos de soberania a quem compete administrar a justiça em nome do povo (artigo 205.º). A defesa dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos integra expressamente o conteúdo da função jurisdicional, tal como ela se acha definida no artigo 206.º da lei Fundamental. Do mesmo passo, ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, o legislador constitucional reafirma o princípio geral da igualdade consignado no n.º 1 do artigo 13.º'.

Nesta linha de entendimento se vem pronunciando a doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional, salientando-se em ambas que o direito de acesso ao direito e aos tribunais constitucionalmente consagrado, mais do que um instrumento de defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, é também elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois que este não pode deixar de exigir a democratização do direito".

Ora, à luz destes princípios, não se crê que o regime de adiamento da audiência previsto na norma do artigo 70.º, n.º 2, do CPT, possa ter-se como violador daquele

preceito constitucional.

Contem-se manifestamente no âmbito da livre conformação do legislador a opção assumida a propósito do processo laboral, nada impondo que este houvesse de repetir a disciplina em vigor no domínio do processo civil.

Existem, acrescenta o citado aresto n.º 264/94, que vimos seguindo de perto, boas razões ditadas pela peculiaridade da natureza dos interesses em jogo no direito do trabalho, para o ritualismo processual nele imposto se revestir de regras específicas e porventura mais exigentes, ditadas pela necessidade de se imprimir ao andamento dos respectivos processos um grau de acrescida celeridade.

Acresce que, não obstante o aludido normativo se revelar mais restritivo do que o regime geral do processo civil constante do mencionado artigo 651.º, também aqui se verifica que, face a esta disposição legal e nos termos do seu n.º 3, a audiência, em regra, não pode ser adiada mais do que uma vez.

Assim, numa segunda marcação, a audiência realizar-se-á, independentemente da presença dos mandatários, pelo que a divergência com o processo de trabalho é de grau de intensidade e não da previsão, em si.

Este Tribunal teve também, noutra oportunidade, ocasião de se pronunciar, (no Acórdão 240/2004 publicado no Diário da República, 2.ª série, de 4 de Junho de

2004) dizendo:

"[...] quanto à diversidade de regimes entre o processo civil de trabalho e o processo civil comum, designadamente em matéria de direito ao recurso, reconhecendo que, estando vedado ao legislador disciplinar de forma arbitrariamente limitativa o direito ao recurso em processo laboral, nada o impede de estabelecer neste regimes distintos do processo comum, concretamente mais preclusivos, exigentes ou limitativos, em homenagem à 'particular celeridade e economia processual exigida no processo de trabalho' [Acórdão 403/00, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48.º vol., págs. 95/121 (115), no qual estava em causa o artigo 72.º, n.º 1, do CPT de 1981, ao exigir, diversamente do que sucede no processo civil comum, que a arguição de nulidades da sentença constasse do próprio requerimento de interposição do recurso].

Com efeito, uma acrescida necessidade de celeridade processual é vista como fundamento válido da diferenciação de regimes em várias situações entre o processo laboral e o tronco comum do processo civil. Aliás, a própria existência com autonomia de um direito adjectivo do trabalho é explicada, em grande medida, pela presença neste ramo do direito de especiais exigências de uma justiça célere. Raul Ventura, nos anos sessenta, aquando da publicação do CPT de 1963 (aprovado pelo Decreto-Lei 45.497, de 30-12-1963), indicava como um dos princípios estruturantes do processo do trabalho - e que, de alguma forma justificava a sua autonomização - o princípio da celeridade, afirmando a propósito: '(são) constantes as referências doutrinais à exigência de celeridade e a justificação é óbvia, pelas necessidades dos trabalhadores. Além destes interesses pessoais, um motivo de ordem geral exige nestes processos maior celeridade: a preservação da paz social. Não se trata apenas do fermento da inquietação social que qualquer litígio individual de trabalho pode produzir; trata-se sobretudo de evitar que, pela demora da solução do litígio, ele tenda a reproduzir-se, isto é, que a falta de definição de direitos individuais venha a conduzir - de boa ou de má fé - à repetição dos factos que dão origem ao litígio e que a pluralidade do litígio venha até a transformar-se em colectivização dele.' (Princípios Gerais de Direito Processual do Trabalho, in Curso de Direito Processual do Trabalho, Lisboa, 1964,

págs. 35/36)."

Com efeito, o facto de se exigir no processo laboral como condição do adiamento da audiência de julgamento o acordo das partes, em nada interfere com o alcance e conteúdo do princípio do acesso ao direito e aos tribunais, na vertente estatuída, agora, no n.º 2, do artigo 20.º - "todos têm direito a fazer-se acompanhar por advogado

perante qualquer autoridade".

No dizer de Germano Marques da Silva (in, Constituição Portuguesa Anotada, coordenada por Jorge Miranda e Rui Medeiros, 2.ª ed., 1.º Volume, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 427) "é duvidoso, por outro lado, que a remissão para a lei ('todos têm direito, nos termos da lei [...], a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade') afaste qualquer ideia de aplicabilidade directa do preceito em causa [...] [estando o legislador] [...] expressamente autorizado a restringir o direito em causa para salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos. Decisivo, para o efeito, é que sejam observados os limites constitucionais às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga".

E, conforme, se afirmou supra constituem "outros interesses constitucionalmente protegidos" as "boas razões (do legislador) ditadas pela peculiaridade da natureza dos interesses em jogo no direito do trabalho, para o ritualismo processual nele imposto se revestir de regras específicas e porventura mais exigentes, ditadas pela necessidade de se imprimir ao andamento dos respectivos processos um grau de acrescida celeridade".

E não restarão dúvidas, também, que se encontram observados os limites constitucionais às leis restritivas de direitos, liberdades e garantias ou direitos de natureza análoga, porquanto além dos casos expressamente previstos na Constituição, respeitantes ao processo penal (cf. artigo 32.º, n.os 2 e 3) e aos processos sancionatórios (processos de contra-ordenação, processos disciplinares) a que se refere o artigo 32.º, n.º 10, dado que o direito ao advogado se insere nas garantias de defesa, deve-se também considerar que o "direito ao acompanhamento de advogado"

tem sentido útil e cabe, no âmbito de protecção do artigo 20.º, n.º 2, ainda noutros procedimentos. É o caso de expulsão e extradição (artigo 33.º), dos procedimentos de defesa de direitos perante autoridades administrativas independentes (artigos 35.º, n.º 2, 37.º, n.º 3, 39.º, n.º 1 e 41.º, n.º 6), e dos procedimentos e processos referentes a acções populares (artigo 52.º n.º 3) (vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra,

2007, p. 413).

8 - O não adiamento do julgamento, por não se encontrar presente o mandatário do recorrente, não põe em causa as adequadas garantias processuais para exercer o seu direito relativamente à acção por ele instaurada, tanto mais que acompanhando o mandatário as fases anteriores do processo, o juiz está, ainda, revestido do poder-dever de conduzir as diligencias probatórias a realizar em audiência.

Também não se poderá convocar o princípio da igualdade, porquanto as partes estão exactamente colocadas na mesma situação, face ao normativo constante do artigo 70.º, n.º 2 do CPT, isto é, ambas poderão ver realizada a audiência sem a presença do respectivo mandatário, caso o advogado da parte contrária não dê a sua anuência ao

adiamento.

Assim, o quadro normativo em apreço assegura de forma adequada - tendo nomeadamente em conta a peculiar configuração dos interesses próprios do processo laboral - uma tutela judicial efectiva, que se traduz "em (fazer) impender sobre o legislador, que a deve tomar em consideração na organização dos tribunais e no recorte dos instrumentos processuais, sendo-lhe vedado (1) a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas no direito de acesso aos tribunais; (2) a criação de "situações de indefesa" [...]" (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob.

citada, p. 416) que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem

respeito.

Com efeito, não existe nesta situação processual uma qualquer limitação do direito de defesa (e do acesso aos tribunais) ou do princípio da igualdade em termos de dela resultarem causal e adequadamente prejuízos efectivos para os interesses das partes.

III - Decisão. - 9 - Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente, fixando a taxa de justiça 25 UC.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2010. - José Borges Soeiro - Gil Galvão - Maria João Antunes - Carlos Pamplona de Oliveira - Rui Manuel Moura Ramos.

204247602

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2011/01/27/plain-281910.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/281910.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2009-10-13 - Decreto-Lei 295/2009 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social

    Altera o Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 76/2009, de 13 de Agosto, e republica-o em anexo na sua redacção actual. Altera a Lei nº 3/99 de 13 de Janeiro, assim como a Lei nº 52/2008 de 28 de Agosto, relativas à organização e funcionamento dos tribunais judiciais.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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