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Acórdão 483/2010, de 26 de Janeiro

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Sumário

Decide não julgar inconstitucionais as normas constantes do n.º 9 do art. 113.º e als. a) e b) do n.º 1 do art. 411.º do Código de Processo Penal, na interpretação de que o prazo de interposição do recurso se conta a partir do depósito da sentença na secretaria, independentemente da notificação pessoal ao arguido. (Processo n.º 452/10)

Texto do documento

Acórdão 483/2010

Processo 452/10

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Bruno Filipe Jesus Sousa Soares interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Faro que o condenou na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período. Esse recurso não foi admitido porque se considerou que o prazo, de vinte dias e contado a partir da data do depósito da sentença, tinha sido ultrapassado.

Desta decisão reclamou o arguido para o Presidente da Relação de Évora sustentando, por um lado, que o recurso versava sobre a matéria de facto sendo, dessa forma, o prazo de interposição de trinta dias e, por outro, que esse prazo deveria contar-se a partir do dia em que o arguido fora pessoalmente notificado da sentença, não da data do depósito desta, entendimento que considera infringir a garantia de recurso conferida pelo n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.

O Presidente da Relação indeferiu a reclamação, por despacho de 11 de Maio de

2010.

2 - É desta decisão que vem interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo o recorrente ver apreciada a questão de inconstitucionalidade das normas dos artigos 113.º, n.º 9, e 411.º, n.os 1, alínea a) e 4, do Código de Processo Penal (CPP), tal como a havia suscitado na reclamação para o Presidente da Relação.

3 - Admitido o recurso, o recorrente apresentou alegações em que concluiu:

«I. Nos termos do artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, as notificações ao arguido podem ser feitas na pessoa do respectivo defensor, com excepção das respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor

nomeado.

II. Como se depreende do referido preceito legal, existem momentos e actos processuais que o legislador impôs que fossem notificados pessoalmente aos arguidos, sem prejuízo de igual notificação aos seus advogados ou defensores.

III. E essa imposição de notificação pessoal aos arguidos pretendeu salvaguardar a garantia de dar conhecimento efectivo aos arguidos para não pôr em causa o exercício ou a possibilidade de exercício do seu legítimo direito de defesa, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, pelo menos nos momentos e actos mais significativos cujo desconhecimento efectivo poderia resultar na preterição dessa garantia fundamental.

IV. Também nas situações previstas no artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, os arguidos poderão estar representados em juízo por mandatários (advogados ou defensores oficiosos) e, contudo, faz-se uma exigência expressa de notificação pessoal aos arguidos sem prejuízo da notificação aos mandatários ou defensores.

V. Enveredar pelo entendimento seguido pelo Venerando Senhor Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Évora (que decidiu que o prazo para a interposição do recurso se conta a partir da data do depósito da sentença na secretaria do Tribunal e não da notificação que, por contacto pessoal ou por via postal, há-de ser feita ao arguido, que justificadamente faltou à leitura de sentença, considerando por isso, o arguido notificado na pessoa do seu defensor), seria colocar no mesmo prato da balança valores com diferente dignidade e relevância jurídica, plenamente diferenciados na tutela do Direito, sendo certo que a eventual responsabilização do defensor por falta de cumprimento ou observância dos deveres a que está adstrito não irá restituir à liberdade quem dela se viu privado sem possibilidade de esgotar os seus meios de

defesa por causa do defensor.

VI. Os interesses e valores protegidos aqui em causa - a liberdade da pessoa humana -, não se compadecem com menos que uma plena e eficaz garantia de todos os direitos

de defesa do arguido.

VII. Essa garantia concretiza-se ou efectiva-se com a previsão de toda a panóplia de possibilidades, incluindo o mau patrocínio, através de mecanismos legais que obstem à preterição do pleno e cabal exercício dos direitos que assistem aos arguidos em processo penal no âmbito das suas garantias de defesa.

VIII. Importa garantir o pleno e cabal exercício dos direitos dos arguidos no âmbito das suas garantias de defesa, para tal é indispensável garantir o conhecimento efectivo das decisões que os afectem e das quais possam recorrer ou deduzir oposição esgotando todos os meios judiciais que lhe assistam se tal desejar e se mostrar

necessário a que se faça Justiça.

IX. Pese embora os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor (constituído ou nomeado) que o devem levar a comunicar ao arguido o resultado do decidido no tribunal de recurso, se a comunicação não tiver lugar objectivamente ficam postergados os direitos de defesa do mesmo arguido, o qual, numa tal situação, ficou no total desconhecimento dos motivos fácticos ou jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de imposição de pena, que lhe foi imposta pelo Estado, ao exercitar o seu ius puniendi.

X. A decisão de indeferimento da reclamação apresentada ao Venerando Senhor Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Évora, da decisão/despacho de 11/05/2010 de não recebimento do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora da sentença do Tribunal Judicial de Faro, que interpretou e aplicou o disposto nos artigos 113.º, n.º 9 e 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido de ter-se a sentença condenatória proferida por notificada ao arguido com o deposito na secretaria, não tendo assim de lhe ser notificada pessoalmente, e que o prazo de interposição de recurso dessa sentença condenatória se conta a partir do deposito na secretaria, viola claramente o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e como tal deve ser julgada materialmente inconstitucional.

XI. Mais deverá, em nome das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, mormente no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, ser decretado que o disposto no artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, deve ser interpretado no sentido de se impor a notificação pessoal do arguido da decisão condenatória, e que, nos termos dos artigos 411.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, é a partir dessa notificação pessoal ao arguido que começa a contar o prazo para

interposição de recurso.

XII. E, em consequência, deverá ser determinada a reforma da decisão de indeferimento da reclamação apresentada ao Venerando Senhor Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Évora da decisão/despacho de 11/05/2010, de não recebimento do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora da sentença do Tribunal Judicial de Faro, de harmonia com o juízo de inconstitucionalidade efectuado, entendendo-se que o arguido (Recorrente) foi pessoalmente notificado da sentença condenatória em 3 de Abril de 2009, contando-se dessa notificação o prazo para a interposição do recurso dessa decisão (sentença) condenatória, e que, assim sendo, o respectivo recurso para o Tribunal da Relação de Évora foi devida e atempadamente apresentado, determinando-se o respectivo recebimento e prosseguimento da normal tramitação processual.

Nestes termos e nos melhores de Direito,

Devem as normas dos artigos 113.º, n.º 9, 333.º, n.º 5 e 411.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, serem julgadas inconstitucionais, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretadas no sentido de que a notificação de uma decisão condenatória relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso, se conta a partir do depósito da sentença na secretaria do tribunal, independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem exceptuar os casos em que este não tenha obtido conhecimento pessoal da decisão

condenatória, fazendo-se assim justiça.»

O Ministério Público alegou e conclui do seguinte modo:

«1 - A norma constante do artigo 113.º, n.º 9, e 411.º, n.º 1, alíneas, a) e b), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que o prazo para interposição de recurso, por parte do arguido, de sentença condenatória proferida em 1.ª instância, se conta da data do seu depósito, quando aquele participou em toda a audiência de produção de prova e foi notificado da data em que iria ter lugar a leitura da sentença, tendo faltado a este acto e sendo nele representado pelo seu defensor, não viola o princípio das garantias de defesa, onde se inclui o direito ao recurso (artigo 32.º, n.º 1,

da Constituição).

2 - Na verdade, neste circunstancialismo processual, é do pleno conhecimento do arguido a data em que ocorrerá a publicitação da sentença, que obrigatoriamente será depositada, a ela tendo fácil acesso agindo com a diligência devida e não havendo qualquer motivo para pôr em causa o cumprimento dos deveres funcionais e deontológicos do defensor que o representou.

3 - Termos em que deverá improceder o presente recurso.»

II - Fundamentos

4 - A questão de constitucionalidade, tal como o recorrente a enunciou, durante o processo e no requerimento de interposição do recurso, diz exclusivamente respeito à determinação do termo inicial do prazo de interposição do recurso em processo penal por parte do arguido: se a data em que ocorreu o depósito da sentença na secretaria, se a data (posterior) em que a sentença lhe foi pessoalmente notificada.

Durante o processo, como suporte da norma constitucionalmente atacada, o recorrente refere os artigos 113.º, n.º 9 e 411.º, n.º 1, do CPP. No requerimento da interposição já refere, além daquele artigo 113.º, n.º 9, o artigo 411.º, n.º 1, alínea a) e n.º 4. Nas alegações apresentadas neste Tribunal acrescenta o artigo 333.º, n.º 5, do CPP, aos

preceitos anteriormente mencionados.

Ora, o arguido apenas esteve ausente na audiência em que se procedeu à leitura da sentença, pelo que não foi aplicado o regime previsto no artigo 333.º do CPP. Além de que é no requerimento de interposição que se define o objecto do recurso, não podendo este ser posteriormente alargado. Também a matéria de que trata o n.º 4 do artigo 411.º do CPP (prazo de interposição do recurso quando se impugna matéria de facto) é estranha a questão de inconstitucionalidade que vem suscitada. Nada se discute quanto ao âmbito ou qualificação da matéria impugnada.

Assim, sem prejuízo de um afinamento a que ulteriormente se procederá, está em apreciação a constitucionalidade das normas dos artigos 113.º, n.º 9 e 411.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPP, na interpretação de que o prazo de interposição do recurso se conta a partir do depósito da sentença na secretaria, independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem exceptuar os casos em que este não tenha obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória.

5 - Dispõe o n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal que:

«Artigo 113.º

(Regras gerais sobre notificações)

[...]

9 - As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em

último lugar.

[...].»

E o n.º 1 do artigo 411.º do mesmo Código que:

«Artigo 411.º

(Interposição e notificação do recurso)

1 - O prazo para interposição do recurso é de 20 dias e conta-se:

a) A partir da notificação da decisão;

b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;

c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.

[...].»

O recorrente entende que viola as garantias de defesa em processo penal contar o prazo para interposição do recurso da data do depósito da sentença e não da data em que esta lhe foi pessoalmente notificada, mesmo nos casos em que ele não «tenha tido obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória». Expressão esta última que, nas circunstâncias da aplicação do regime jurídico ao caso concreto significa «quando não esteve presente na sessão do julgamento que procedeu à sua leitura, justificando a

falta».

Com efeito, em fiscalização concreta, a questão de constitucionalidade, sem perder o necessário recorte normativo, não pode abstrair da particular dimensão aplicativa da norma que as circunstâncias do caso concreto lhe emprestam. Assim sendo, para um adequado enquadramento da questão de constitucionalidade, importa recordar que:

a) Tendo o julgamento decorrido em diversas sessões, o arguido compareceu às sessões da audiência e teve conhecimento de que a sentença iria ser lida na sessão do

dia 13 de Março de 2009.

b) O arguido não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura da sentença, por se encontrar doente, segundo informação da advogada constituída que o representava posteriormente confirmada pela apresentação de uma justificação médica.

c) Nessa audiência esteve presente a mandatária do arguido.

d) A sentença foi depositada no dia 23 de Março de 2009.

e) O arguido veio a ser pessoalmente notificado da sentença em 3 de Abril de 2009.

6 - O Tribunal Constitucional já foi chamado, por diversas vezes, a pronunciar-se sobre questões de inconstitucionalidades relativas à notificação de decisões condenatórias ao arguido em processo penal e às respectivas consequências nos prazos de reacção

contra essas decisões.

Em função das particularidades normativas relevantes, nuns casos tem entendido que se cumpre a exigência do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição apenas com a notificação da decisão ao defensor (v.g. Acórdãos n.os 109/99 e 545/03 - disponíveis, bem como todos os outros que venham a ser citados, em www.tribunalconstitucional.pt); noutros tem julgado inconstitucionais normas ou interpretações normativas que levem à não notificação pessoal ao arguido (v.g. Acórdãos n.os 59/99, 87/03, 476/04 e 418/05).

Como diz o Ministério Público, dessa jurisprudência constitucional sobre entendimentos normativos que constituem «lugares paralelos» daquele que agora constitui objecto do recurso, pode indeferir-se com segurança que:

Primo - O exercício do direito ao recurso por parte do arguido condenado pressupõe o conhecimento ou a cognoscibilidade do teor integral da decisão condenatória e dos demais elementos que possam condicionar ou influenciar decisivamente a formação da vontade de recorrer. Assim, o início do prazo do recurso pressupõe a oportunidade de acesso, quer ao escrito inteligível em que a sentença condenatória necessariamente se consubstancia, quer às próprias actas que documentam a produção de prova em audiência. E, nesta perspectiva, será inconstitucional, v. gr., a contagem daquele prazo a partir do depósito da sentença manuscrita de modo ilegível (Acórdãos n.os 148/01 e 202/01) ou sem ter em conta a possibilidade de acesso às actas que incorporam e documentam a prova oralmente produzida em julgamento, condicionando decisivamente as possibilidades de uma eventual impugnação séria e fundada da decisão sobre a

matéria de facto (Acórdão 363/00).

Secundo - O princípio das garantias de defesa não impõe que o conhecimento da sentença deva necessariamente ser levado ao próprio arguido mediante "notificação pessoal", com entrega de cópia da sentença condenatória. Basta que conheça oficialmente a data em que a sentença vai ser proferida e que ele ou o seu defensor ao longo do processo tenham assistido à leitura de tal decisão e tenham tido oportunidade de integral acesso ao escrito que a consubstancia.

Assim, no Acórdão 75/99, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional o artigo 411.º, n.º 1, do CPP, enquanto estabelece que o prazo para interposição de recurso se inicia com a leitura em audiência da decisão condenatória, estando o arguido e o seu defensor presentes, e o seu subsequente depósito na secretaria. E, no Acórdão 109/99 - em situação com manifesta analogia com o caso dos autos - considerou-se que tal norma (conjugada com o artigo 113.º, n.º 5 do mesmo Código), na interpretação segundo a qual, com o depósito da sentença na secretaria, o arguido que, justificadamente, faltou à audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma, deve considerar-se notificado do seu teor, para o efeito de, a partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença, se, nessa audiência, esteve presente o seu mandatário, não viola o princípio constante do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. Também pelo Acórdão 545/03 se não julgou inconstitucional a norma do artigo 373.º, n.º 3, conjugada com as dos artigos 113.º, n.º 5 (na altura) e 332.º, n.º 5, do CPP, entendendo-se naquele aresto que apesar de o arguido não ter estado presente na leitura sentença, como tinha estado presente no julgamento, tinha tido conhecimento pessoal da data da leitura da sentença, nessa sessão estivera presente o seu defensor e a sentença fora depositada nesse dia, ele dispusera de todas as condições para conhecer o teor da sentença e o seu exacto conteúdo. Trata-se de uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos, na parte em que o recorrente a questiona (aquilo em que poderia divergir não foi valorizado pelo arguido, como adiante

se explicará).

7 - É certo que, no Acórdão 59/99, o Tribunal julgou inconstitucional a norma constante do artigo 113.º, n.º 5, do CPP, quando interpretado no sentido de que a decisão condenatória, proferida por um tribunal de recurso, pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência, na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem dever ser, para ela convocado. E também pelo Acórdão 87/03 se julgou inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 411.º do CPP, na interpretação segundo a qual o prazo para interposição do recurso da sentença proferida em conferência, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 419.º do mesmo diploma, devia ser contado a partir do momento do seu depósito na secretaria e não da respectiva notificação, quando nem ao arguido, nem ao seu defensor fora dado

prévio conhecimento desse acto judicial.

Há, porém, duas evidentes e essenciais diferenças entre estas hipóteses e a situação definida pela norma recortada pelo recorrente, tendo em consideração a situação concreta em que a falta do arguido à sessão em que se procedeu à leitura da sentença se verifica em 1.ª instância, e não no tribunal de recurso, com as consequências inerentes a diversidade de regimes processuais em vigor.

Em primeiro lugar, a hipótese da "norma" agora em apreciação o arguido sabia em que data exacta iria ocorrer a leitura da sentença, porque, no termo de audiência de julgamento em que esteve presente, foi disso notificado. É uma situação valorativamente muito diversa, quanto às condições para formar uma vontade esclarecida sobre impugnar ou não a decisão, daquela que ocorre com a leitura do acórdão que aprecia o recurso no tribunal superior. Nesses casos, como se refere no citado Acórdão 59/99, o arguido não tem, sem a efectiva colaboração do defensor, conhecimento da

data em que tal decisão é publicitada.

Em segundo lugar, no caso dos autos, o arguido não esteve representado no acto de leitura da sentença por um defensor "ad hoc", designado pelo tribunal como consequência de ter faltado o "normal" e primitivo defensor do arguido. O defensor que assistiu à leitura e foi notificado da sentença foi o mesmo que participou na audiência de julgamento e acompanhou integralmente a produção da prova.

Neste circunstancialismo, deve considerar-se assegurada, se não o conhecimento efectivo, a plena cognoscibilidade da decisão condenatória pelo arguido, independentemente da respectiva notificação pessoal, bastando-lhe para o seu conhecimento efectivo que contactasse, logo de seguida à data que bem sabia ser aquela em que a decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem conhecia) quer a própria secretaria judicial. O sistema pode em tais circunstâncias, no funcionamento normal das coisas que não foi ilidido, repousar na presunção de que o arguido se interesse pelo que se passe nesse decisivo transe do processo penal contra si dirigido e que o advogado cumpra o dever deontológico de acertar com ele a opção fundamental quanto à impugnação ou não da decisão.

Ora, neste concreto circunstancialismo processual, não se verificam os "riscos" que estiveram na base do juízo de inconstitucionalidade formulado através do acórdão n.os 59/99 - sendo manifesto que o primitivo defensor está "vinculado a deveres funcionais e deontológicos" que lhe impõem que dê conhecimento da condenação proferida ao

próprio arguido.

O hipotético e eventual desconhecimento do exacto teor da sentença só poderá radicar, neste circunstancialismo, numa grosseira negligência do próprio arguido, que bem sabendo que, em certa data, ia ser publicitada (e lhe ia ser plenamente acessível) o teor de tal sentença, se desinteressou, injustificadamente, do sentido e conteúdo da mesma. Em tais circunstâncias (notificação da data em que iria ocorrer a leitura da sentença, falta do arguido a essa sessão, presença do defensor constituído, justificação posterior da falta), o arguido que não compareceu no acto de leitura pública da sentença só verá o seu direito ao recurso afectado se for grosseiramente negligente, desinteressando-se totalmente do desfecho do julgamento em que plenamente

participou.

Juízo este que se conforta ou pressupõe, de um lado, um mínimo de interesse (ou a irrelevância da indiferença) do arguido perante as decisões judiciais que lhe digam respeito e a presunção do cumprimento dos seus deveres deontológicos por parte do respectivo mandatário judicial. Mas que assenta também, do outro lado, na pressuposição de que os poderes públicos praticam escrupulosamente os actos processuais no tempo e modo legalmente prescrito, por forma a que esse mínimo de compromisso de cidadania e de diligência profissional se não transformem num encargo desmesurado para obter o conhecimento da decisão e eliminar a incerteza quanto ao exercício dos poderes processuais subsequentes. Todavia nenhuma questão desta

natureza foi colocada no presente recurso.

III - Decisão

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar o recorrente nas custas, com vinte e cinco unidades de conta de taxa de justiça

9 de Dezembro de 2010. - Vítor Gomes - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Fernandes Cadilha - Gil Galvão.

204234229

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2011/01/26/plain-281866.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/281866.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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