Resolução da Assembleia da República n.º 134/2010
Recomenda ao Governo que considere a abordagem das demências uma
prioridade política, que elabore um plano nacional de intervenção para as
demências e adopte as medidas necessárias para um apoio adequado aos
doentes e suas famílias.
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que desenvolva as seguintes medidas:1 - Reconheça as demências e a doença de Alzheimer como uma prioridade social e de saúde pública.
2 - Reconheça a doença de Alzheimer como doença crónica.
3 - Produza um estudo de âmbito nacional, designadamente do ponto de vista epidemiológico, com um levantamento exaustivo da realidade das demências e da doença de Alzheimer em Portugal, que especifique, nomeadamente:
Quantos são os doentes diagnosticados;
Quantos estão por diagnosticar;
Quantos são acompanhados por médico especialista do Serviço Nacional de Saúde (SNS);
Quantos são acompanhados por médico especialista do sector privado ou social não convencionado, suportando a despesa de saúde do seu próprio bolso;
Quantos doentes têm acompanhamento psicológico e social no âmbito do SNS e segurança social;
Quantos doentes têm acesso a programas de intervenção não farmacológica, nomeadamente estimulação cognitiva, terapia ocupacional e fisioterapia;
Quantos doentes têm acompanhamento psicológico e social fora do SNS e segurança social;
Quantos doentes fazem medicação;
Quantos deixaram de fazer medicação e por que razão;
Quantos têm acesso a ajudas técnicas pelo SNS ou segurança social;
Quantos pagam ajudas técnicas do seu próprio bolso;
Quantos não têm acesso a ajudas técnicas;
Quantas pessoas com demência vivem sós em Portugal;
Quantos cuidadores formais com formação adequada para demências e doença de Alzheimer existem em Portugal;
Quanto custam ao erário público estes cuidadores formais;
Quantos são necessários para cobrir as necessidades da população;
Quantos cuidadores formais e informais estão a ser formados para responder ao previsível aumento do número de casos de demência;
Quantas pessoas com demência estão inseridas na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) para apoio domiciliário ou residencial;
Quantas estão a receber cuidados paliativos no âmbito da RNCCI;
Quantas têm acesso a respostas privadas ou de instituições particulares de solidariedade social (IPSS), domiciliários ou residenciais pagas do seu próprio bolso;
Quantas pessoas com demência estão dependentes de cuidador informal, nomeadamente um familiar;
Qual o impacto na despesa pública (SNS ou segurança social) resultante do apoio do Estado com medicamentos, ajudas técnicas, produtos para incontinência, produtos de higiene, consultas de especialidade, internamento ou cuidados continuados e intervenção não farmacológica;
Qual o impacto económico privado resultante dos gastos do doente, ou sua família, com medicamentos, intervenções não farmacológicas, ajudas técnicas, produtos para incontinência, produtos para higiene, consultas de especialidade, internamentos, necessidade de vigilância permanente e outros cuidados;
Qual o encargo directo e indirecto para o Estado com os cerca de 153 000 doentes com demência em Portugal.
4 - Em função do resultado destes estudos, elabore um Plano Nacional para as Demências que garanta um apoio e acompanhamento digno, humanizado e qualificado às pessoas com doença de Alzheimer, ou outras demências, assente, nomeadamente, nos seguintes objectivos:
I - Melhorar a qualidade de vida das pessoas doentes, nomeadamente:
Aumentando as competências de diagnóstico hospitalar para reduzir o tempo de espera para uma consulta de especialidade;
Melhorando as condições de comunicação do diagnóstico encaminhando imediatamente para o acompanhamento médico, psicológico e social de que pode beneficiar;
Formando equipas especializadas e multidisciplinares para apoio domiciliário;
Melhorando o apoio domiciliário através da utilização de novas tecnologias;
Proporcionando uma rede adequada de respostas residenciais em cuidados continuados quando o apoio domiciliário se torna inviável, sempre com acompanhamento multidisciplinar devidamente qualificado;
Garantindo acesso a cuidados paliativos na fase terminal da doença de Alzheimer e outras demências.
II - Assegurar um crescente apoio aos cuidadores informais, nomeadamente através de:
Desenvolvimento e diversificação das estruturas formais de acompanhamento;
Consolidação dos direitos e da formação dos cuidadores, através de um Estatuto do Cuidador Familiar, que reconheça os seus direitos e necessidades específicas;
Melhoria no acompanhamento sanitário e social dos cuidadores informais.
III - Reforçar a coordenação entre todos os intervenientes, designando coordenadores regionais de entre as equipas das administrações regionais de saúde (ARS).
IV - Permitir às pessoas com a doença de Alzheimer e seus familiares a possibilidade de escolha do apoio domiciliário, sempre que esta solução seja adequada.
V - Optimizar o percurso dos cuidados, nomeadamente através da:
Criação de exames de rastreio sistemáticos de base populacional;
Reforço dos cuidados de saúde primários e da articulação com as consultas de especialidade;
Criação de uma carta de informação «doença de Alzheimer» para cada doente;
Elaboração e implementação de um dispositivo de alerta e acompanhamento dos casos sinalizados.
VI - Estabelecer metas e objectivos, nomeadamente através da:
Garantia de uma dotação específica, em sede do Orçamento do Estado para a saúde e de entre as verbas destinadas à RNCCI, para a aplicação do Plano Nacional para as Demências, bem como para o alargamento e melhoria das respostas;
Definição de metas bianuais;
Apresentação pela Direcção-Geral de Saúde ao Parlamento de um relatório semestral sobre o progresso das respostas à doença de Alzheimer e outras demências.
VII - Estudar um sistema fiscal equitativo para:
Custos assumidos por doentes e cuidadores por não haver respostas do Estado;
Incidência de IVA em ajudas técnicas e cuidados específicos especialmente onerosos.
VIII - Aprovar um estatuto da pessoa com demência, com vista a:
Promoção do direito de as pessoas tomarem as suas próprias decisões e ao planeamento antecipado prevendo situações de futura incapacidade, com vista à implementação de «decisões para o futuro»;
Consagração de legislação adequada aos cuidados prestados a pessoas com demência, ao seu tratamento e à investigação sobre a demência;
Revisão do regime de tutela de maiores em situação de incapacidade, de forma a, nomeadamente:
i) Prever a possibilidade de autotutela, ou seja, a possibilidade de o próprio
escolher por quem quer ser representado;
ii) Distinguir a necessidade de representação para questões financeiras e paraquestões de saúde e pessoais;
iii) Prever a possibilidade de avaliação da capacidade para a prática de determinado acto ou categoria de actos;Planeamento antecipado prevendo situações de futura incapacidade, nos termos da legislação aplicável em cumprimento do artigo 9.º da Convenção dos Direitos do Homem e a Biomedicina, aprovada em Oviedo em 1997;
Cumprimento das declarações de vontade anteriormente manifestada no tocante a uma intervenção médica por um paciente que, no momento da intervenção, não se encontre em condições de expressar a sua vontade;
Salvaguarda do consentimento informado;
Protecção das pessoas em situação de incapacidade;
Garantia do exercício dos seus direitos e de apoio na tomada de decisões.
5 - Desenvolva, nomeadamente através dos serviços públicos, uma campanha de sensibilização para a doença de Alzheimer e outras demências, bem como sobre a importância de um diagnóstico precoce, características, sintomas e medicação existente. A campanha deverá, também, enunciar as respostas existentes no âmbito do SNS e segurança social e forma de acesso.
Aprovada em 22 de Outubro de 2010.
O Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.