O nosso país, cuja tradição nas coisas do mar é longa e brilhante, não pode, portanto, alhear-se das questões respeitantes aos navios nucleares.
Reconhecendo-se que no momento actual existe, do ponto de vista da experiência adquirida, insuficiente conhecimento dos riscos inerentes aos navios nucleares, o movimento de tais navios em águas territoriais portuguesas e a sua permanência em portos portugueses deverão ser por nós objecto de medidas de segurança simultâneamente mais cautelosas e mais pormenorizadas do que é habitual.
Porém, tendo-se depressa concluído que o estabelecimento de regras que dessem conta de todos os problemas em jogo se revestia de grande complexidade - de facto, são eles ainda hoje motivo de estudos profundos em muitos países, mesmo naqueles tècnicamente mais evoluídos -, entendeu-se que a solução mais indicada seria a de recorrer às instituições já existentes com capacidade técnica para abordar os diversos problemas e estabelecer com essas instituições uma organização capaz de em cada instante apreciá-los na sua totalidade. A seu tempo, na medida em que tal se torne necessário e possível, de acordo com a experiência adquirida e com as situações que gradualmente forem aparecendo, se irá regulamentando com o pormenor indispensável.
Assim, sendo objecto do presente decreto-lei o estabelecimento dos meios de acção indispensáveis à resolução de problemas originados pelo movimento de navios nucleares em águas territoriais portuguesas e pela sua permanência em portos portugueses do continente e ilhas adjacentes, constitui-se uma comissão permanente para os navios nucleares e reconhece-se a instituições já existentes competência específica, tudo por forma a permitir uma acção directa na apreciação dos problemas que forem surgindo e, logo que possível, no estabelecimento das regras a observar, com vista a reduzir a um nível aceitável, tão baixo quanto possível, os riscos das radiações ionizantes ou de qualquer outra causa de origem nuclear para as pessoas embarcadas, os trabalhadores dos portos e as populações em geral.
Nestas condições:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º Para efeitos deste decreto-lei são adoptadas as seguintes definições:
a) «Navio nuclear» significa todo o navio provido de fontes de energia nuclear;
b) «Fonte de energia nuclear» significa qualquer instalação de produção de energia que utilize reactores nucleares como fonte de energia para a propulsão de navios ou qualquer outro fim;
c) «Instalação nuclear devidamente certificada» significa uma instalação nuclear pertencente a um navio que tem em ordem o certificado de segurança para navio nuclear de passageiros ou o certificado de segurança para navio nuclear de carga, conforme o caso;
d) «Certificado de segurança para navio nuclear de passageiros» é o documento passado a um navio nuclear de passageiros, após inspecção e vistoria, nos termos da alínea b), regra 10, do capítulo VIII da Convenção internacional para salvaguarda da vida humana no mar, estabelecida em Londres em 1960;
e) «Certificado de segurança para navio nuclear de carga» é o documento passado a um navio nuclear de carga, após inspecção e vistoria, nos termos da alínea c), regra 10, do capítulo VIII da Convenção internacional para salvaguarda da vida humana no mar, Londres, 1960;
f) «Documentação de segurança» (Safety Assessment) é o conjunto de documentos contendo informação suficientemente pormenorizada sobre o navio e sua instalação nuclear que permita uma avaliação do grau de segurança do navio, satisfazendo ao especificado na regra 7 do capítulo VIII e ao n.º 9 do Anexo C da Convenção internacional para salvaguarda da vida humana no mar, Londres, 1960;
g) «Manual de operação» é o documento contendo informação relativa à operação da instalação nuclear, satisfazendo ao especificado na regra 8 do capítulo VIII e n.º 8 do Anexo C da Convenção internacional para salvaguarda da vida humana no mar, Londres, 1960;
h) «Vistoria de entrada» é a vistoria especial a que devem ser submetidos os navios nucleares antes da entrada nos portos, nos termos da regra 11 do capítulo VIII da Convenção internacional para salvaguarda da vida humana no mar, Londres, 1960;
i) «Autoridade marítima portuária» é a autoridade que superintende no porto de interesse na qualidade de delegado normal da Direcção-Geral da Marinha, podendo ser, conforme os casos, o chefe do departamento marítimo, o capitão do porto ou o delegado marítimo.
Art. 2.º Pertencerá ao Ministro da Marinha, ouvida a comissão permanente prevista no artigo 3.º, a resolução dos problemas relacionados com o movimento de navios nucleares em águas territoriais portuguesas e a respectiva admissão em portos nacionais.
Art. 3.º Para apreciar todos os assuntos emergentes da visita de navios nucleares a águas territoriais ou portos nacionais, coordenação dos pareceres referidos nos artigos subsequentes e habilitar o Ministro da Marinha a resolver, nos termos da competência estabelecida no artigo anterior, é constituída junto do Ministério da Marinha a Comissão Permanente para os Navios Nucleares, com a seguinte composição:
Presidente: director-geral da Marinha ou seu representante;
Vogais:
Dois representantes da Junta de Energia Nuclear;
Um representante da Comissão de Protecção contra as Radiações Ionizantes;
Dois representantes da Comissão Permanente de Direito Marítimo Internacional;
Um representante da Organização de Defesa Civil do Território;
Um representante da Direcção da Marinha Mercante;
Um representante do Ministério das Comunicações.
§ único. Para tomarem parte nos trabalhos desta Comissão Permanente poderá o presidente convocar, quando o julgar conveniente, outras entidades representando ou não outros organismos.
Art. 4.º À Comissão Permanente referida no artigo anterior competirá dar pareceres, que serão submetidos à consideração do Ministro da Marinha, e coordenar os pareceres indicados nos artigos subsequentes sobre:
1) Concessão ou denegação do direito de entrada e de navegação em águas territoriais e portos nacionais de navios nucleares;
2) Avaliação, em princípio, das condições dos portos relativamente à admissão de navios nucleares;
3) Condicionamentos gerais a que deve estar sujeita a navegação em águas territoriais e a permanência em portos nacionais de navios nucleares;
4) Preenchimento por parte dos armadores nucleares das obrigações estabelecidas nas convenções internacionais aplicáveis e pela lei interna portuguesa;
5) Todo e qualquer outro assunto relativamente ao qual o Ministro da Marinha entenda dever consultá-la.
Art. 5.º Pertencerá à Junta de Energia Nuclear e à Direcção-Geral da Marinha a apreciação pormenorizada das condições de segurança dos navios nucleares, respectivamente sob os aspectos nuclear e marítimo indicados na sua documentação de segurança completada por verificação a bordo, se for julgado conveniente.
Caberá ainda às entidades referidas a elaboração de pareceres preliminares a submeter à consideração da Comissão Permanente referida no artigo 3.º Art. 6.º Pertencerá à Junta de Energia Nuclear, à Direcção-Geral da Marinha, à Comissão de Protecção contra as Radiações Ionizantes e à respectiva administração portuária e autoridade marítima portuária a competência para o estabelecimento das medidas de segurança exteriores a adoptar em caso de visita de navios nucleares a portos portugueses e a responsabilidade de delas dar conhecimento à Comissão Permanente referida no artigo 3.º Art. 7.º Competirá à Organização Nacional de Defesa Civil do Território, em colaboração com a Junta de Energia Nuclear, a responsabilidade de estabelecer planos de medidas de emergência em casos de acidentes nucleares.
Art. 8.º Pertencerá à autoridade marítima portuária dar execução às medidas relacionadas com a visita de navios nucleares aos portos no quadro das resoluções tomadas nos termos dos artigos 2.º a 7.º Art. 9.º A fim de permanentemente habilitar a autoridade marítima portuária ao desempenho das funções que lhe são cometidas pelo artigo anterior, será constituído e funcionará junto daquela autoridade, em cada caso concreto e para os fins especìficamente relacionados com a visita de um navio nuclear, um grupo de segurança nuclear do porto, com a seguinte composição:
Um representante da Junta de Energia Nuclear;
Um representante especial da Direcção-Geral da Marinha;
Um representante da administração portuária.
Art. 10.º O grupo de segurança nuclear do porto referido no artigo anterior, que actuará por delegação da Comissão Permanente mencionada no artigo 3.º, será obrigatòriamente ouvido em todos os problemas de segurança local, competindo-lhe especìficamente:
a) Informar o capitão do porto, para o habilitar a decidir sobre os resultados da vistoria de entrada a executar conforme os preceitos do capítulo VIII da Convenção para salvaguarda da vida humana no mar, 1960, e recomendações do seu Anexo C;
b) Informar e aconselhar sobre o modo por que foram e estão sendo executadas as medidas de segurança exteriores durante a estadia dos navios nucleares nos portos, de acordo com as indicações recebidas da Comissão Permanente referida no artigo 3.º ou com a regulamentação vigente aplicável.
As informações do grupo de segurança nuclear do porto são definitivas.
Ao grupo de segurança caberá ainda decidir em caso de emergência;
c) Estabelecer uma ligação da coordenação com o órgão local de defesa civil do território relativamente às medidas de emergência a adoptar em caso de acidente nuclear.
Art. 11.º A vistoria de entrada será da competência da Junta de Energia Nuclear e da Direcção-Geral da Marinha, respectivamente nos seus aspectos nuclear e marítimo, e tem por objectivo verificar se no momento de entrada de um navio nuclear num porto ele oferece as condições de segurança previstas na sua documentação de segurança.
Art. 12.º Sem prejuízo de outras medidas de carácter particular que venham a ser estabelecidas, a vistoria de entrada deverá verificar:
a) Que a instalação nuclear está devidamente certificada e que foram feitos os exames periódicos exigidos pelo manual de operação;
b) Por exame dos diários de bordo, o comportamento da instalação nuclear e do equipamento durante um período razoável, de uma semana a um mês, incluindo o tempo de permanência no último porto visitado;
c) Que os dispositivos de protecção e o retentor do reactor estão intactos e que qualquer operação prevista que implique a alteração da integridade dos mesmos satisfaz às prescrições do manual de operação;
d) Que os níveis de radiação nas zonas do interior e da vizinhança do navio acessíveis ao pessoal de terra não excedem os valores máximos admissíveis fixados na legislação portuguesa;
e) Por exame dos registos de bordo ou por medições independentes, a actividade e a quantidade dos resíduos radioactivos existentes no navio e os processos e planos para a sua eliminação;
f) Que os dispositivos e o equipamento convencionais e de emergência, cuja segurança é essencial quando navegando em águas restritas, estão em condições de eficiente funcionamento.
Art. 13.º A execução das medidas de segurança estabelecidas nos termos dos artigos 4.º a 7.º, a propósito da visita de navios nucleares a portos portugueses, será de responsabilidade da Junta de Energia Nuclear, da Direcção-Geral da Marinha, da capitania do porto e da administração portuária.
Art. 14.º Independentemente de outras medidas de carácter particular que venham a ser estabelecidas, as medidas de segurança deverão visar a:
a) Reduzir ao mínimo os riscos de incêndio, encalhe e colisão durante a navegação do navio nas zonas de aproximação e permanência nas zonas portuárias;
b) Conseguir que durante a sua permanência no porto o navio esteja suficientemente isolado e pronto a sair em qualquer momento;
c) Controlar por forma adequada o nível de radioactividade das poeiras atmosféricas e das águas no porto visitado.
Art. 15.º O presidente e os vogais da Comissão Permanente referida no artigo 3.º e, bem assim, os delegados referidos no § único do mesmo artigo, terão direito a uma senha de presença de 225$00 por cada sessão a que assistirem, quer plenária, quer dos grupos de trabalho que venham a constituir-se, com o abono máximo de duas sessões por mês, e também aos transportes e ajudas de custo, correspondentes à sua categoria como funcionários públicos, quando se desloquem em serviço da citada Comissão Permanente. Os correspondentes encargos serão suportados pelo orçamento do Ministério da Marinha.
§ único. Para fazer face no corrente ano aos encargos previstos neste artigo é inscrita no capítulo 5.º, artigo 224.º, sob a divisão «Organismos consultivos», do orçamento do Ministério da Marinha a importância de 20000$00, acrescentando-se àquele artigo o seguinte número:
3) Senhas de presença a sessões ao presidente e vogais da Comissão Permanente para os Navios Nucleares.
Esta inscrição será compensada pela anulação de importância igual na verba inscrita no capítulo 5.º, artigo 183.º, n.º 1), do mesmo orçamento.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 22 de Abril de 1964. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Manuel Gomes de Araújo - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de Matos Antunes Varela - António Manuel Pinto Barbosa - Joaquim da Luz Cunha - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - Eduardo de Arantes e Oliveira - António Augusto Peixoto Correia - Inocêncio Galvão Teles - Luís Maria Teixeira Pinto - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Francisco Pereira Neto de Carvalho.