Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º
1/2010/A
Pedido de declaração de inconstitucionalidade das alíneas c) e d) do artigo 13.º
da Lei 90/2009, de 31 de Agosto
Considerando a entrada em vigor da Lei 90/2009, de 31 de Agosto, que vem revogar, nas alíneas c) e d) do seu artigo 13.º, o Decreto Legislativo Regional 21/92/A, de 21 de Outubro, que aprova as medidas de apoio aos indivíduos portadores da doença do machado, e o Decreto Regulamentar Regional 9/93/A, de 6 de Abril, que regula a protecção especial prevista para estes doentes;Considerando que a lei em causa é mais gravosa para os doentes portadores da doença Machado-Joseph, pois há certos benefícios, nomeadamente o fornecimento de certo material clínico que deixa de estar coberto por este diploma;
Considerando ainda que estamos perante uma matéria de competência legislativa própria, e tendo em conta o disposto no artigo 228.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 15.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), temos de concluir que as normas legais nacionais - que não sejam reservadas aos órgãos de soberania - só têm aplicação nas Regiões Autónomas quando se verifique a falta de legislação regional - e apenas enquanto esta falta se verificar, ficando assim expresso o princípio da supletividade do direito estadual;
Considerando que, havendo legislação regional sobre a matéria, o diploma em questão não tem aplicabilidade na RAA, sob pena de clara violação do disposto no artigo 228.º, n.º 2, da CRP e do artigo 15.º do EPARAA;
Considerando que se um diploma regional traduz uma especificidade ou particularidade regional, ou regionalmente relevante, é, naturalmente, ao poder legislativo regional que deve ser cometida a primazia do tratamento destas matérias, na medida em que pressupõe uma maior acuidade e melhor percepção da realidade regional;
Considerando que o direito regional tem função de lei especial em face das normas gerais, e que norma geral não derroga norma especial;
Considerando que depois da revisão constitucional de 2004, emerge da CRP, uma reserva de competência legislativa a favor das Regiões Autónomas para aprovar legislação de âmbito regional, em matérias não reservadas aos órgãos de soberania e sobre as quais as assembleias legislativas possam legislar;
Considerando que estamos perante uma doença que tem uma prevalência elevada na Região Autónoma dos Açores, deveria, aquando do processo de elaboração desta lei, ter sido dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 229.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 116.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, que consagram o direito de audição dos órgãos de governo próprio, sobre as questões respeitantes à Região;
Considerando que a Assembleia Legislativa não foi ouvida neste âmbito:
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, nos termos disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 42.º, n.º 1, alínea c), e 44.º, n.º 3, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei 2/2009, de 12 de Janeiro, resolve o seguinte:
Artigo único
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores requer ao Tribunal Constitucional, nos termos constantes do anexo à presente resolução, e que dela faz parte integrante, a declaração de inconstitucionalidade das alíneas c) e d) do artigo 13.º da Lei 90/2009, de 31 de Agosto.Aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 10 de Fevereiro de 2010.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Francisco Manuel Coelho Lopes Cabral.
ANEXO
(requerimento a que se refere o artigo único da resolução) Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional:A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores vem, nos termos da Resolução 1/2010, de 10 de Fevereiro, e ao abrigo do disposto nas alíneas a) do n.º 1 e g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa, requerer a fiscalização abstracta e sucessiva da constitucionalidade das normas constantes das alíneas c) e d) do artigo 13.º da Lei 90/2009, de 31 de Agosto, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1 - A Lei 90/2009, de 31 de Agosto, define o regime especial de protecção social na invalidez no âmbito do regime geral de segurança social do sistema previdencial, do regime não contributivo do subsistema de solidariedade e do regime de protecção social convergente;
2 - Esta lei abrange as pessoas em situação de invalidez originada por paramiloidose familiar, doença de Machado-Joseph (DMJ), sida (vírus da imunodeficiência humana, HIV), esclerose múltipla, doença de foro oncológico, esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença de Parkinson (DP) ou doença de Alzheimer (DA);
3 - Por passar a abranger as pessoas em situação de invalidez originada por doença de Machado-Joseph (DMJ) esta lei vem revogar, através das normas constantes das alíneas c) e d) do seu artigo 13.º, o Decreto Legislativo Regional 21/92/A, de 21 de Outubro, que aprova as medidas de apoio aos indivíduos portadores da doença do machado, e o Decreto Regulamentar Regional 9/93/A, de 6 de Abril, que regula a protecção especial prevista para estes doentes;
4 - O regime agora instituído pela Lei 90/2009, de 31 de Agosto, coarcta os direitos dos doentes atingidos por esta doença, nomeadamente quanto à atribuição de material clínico de apoio e outro material clínico, direito este previsto nos artigos 5.º e 6.º do Decreto Legislativo Regional 21/92/A, de 21 de Outubro;
5 - Assim, estamos perante uma revogação que vem retirar benefícios aos indivíduos portadores desta doença, benefícios que estavam previstos no revogado Decreto Legislativo Regional 21/92/A, de 21 de Outubro;
Acontece que esta solução padece de grave inconstitucionalidade. Senão vejamos:
6 - De acordo com o artigo 6.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), o Estado «respeita na sua organização o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública».
7 - A Constituição estabelece que «o regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares» e «visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses» (cf. artigo 225.º, n.º 1, da CRP);
8 - A actual delimitação do poder legislativo regional, proveniente da revisão constitucional de 2004, ampliou significativamente a delimitação do poder legislativo regional, com quebra de praticamente todos os paradigmas à luz dos quais esta se tinha vindo a desenvolver (1);
9 - Com a vi revisão constitucional foi redefinido o estatuto constitucional das autonomias regionais, em especial no que se refere à competência legislativa regional, cujo âmbito passou a ser parametrizado em função das matérias enunciadas nos respectivos Estatutos Político-Administrativos que não sejam reservadas aos órgãos de soberania;
10 - Isto significa que a partir da vi revisão constitucional e com a aprovação da Lei 2/2009, de 12 de Janeiro, que alterou o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), passou a reconhecer-se à legislação, cujo âmbito de aplicação seja restrito ao território das Regiões Autónomas, uma posição específica no enquadramento dos actos legislativos, uma vez que decaiu a exigência de observância do disposto em leis da República (2);
11 - Neste contexto, o disposto no artigo 228.º, n.º 2, da CRP [reafirmado pelo artigo 15.º do EPARAA (3)] impõe que apenas na falta de legislação regional própria sobre matéria não reservada à competência dos órgãos de soberania, se apliquem nas regiões autónomas as normas legais em vigor;
12 - Tendo em conta o disposto no artigo 228.º, n.º 2, da CRP e no artigo 15.º do EPARAA, temos de concluir que as normas legais nacionais - que tratem de matérias não reservadas aos órgãos de soberania - só têm aplicação nas Regiões Autónomas quando se verifique a falta de legislação regional - e apenas enquanto esta falta se verificar;
13 - A Constituição e o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores enunciam, assim, expressamente o princípio da supletividade do direito estadual (4), consubstanciado na ideia geral de que as normas emitidas pelos órgãos de soberania preenchem os espaços de vazio legislativo decorrente da omissão das Regiões Autónomas na normação de matérias da respectiva competência;
14 - Quando este espaço regulativo se encontre preenchido não pode o Estado fazê-lo;
15 - As leis e os decretos-lei só serão aplicáveis no território regional enquanto as Assembleias Legislativas não legislarem sobre a matéria (5); e, se já o tiverem feito, a legislação nacional não pode revogar a legislação regional, dados os diferentes âmbitos de aplicação territorial quando não haja supletividade;
16 - Admitir-se a possibilidade de tal revogação representaria, para além do mais, uma inaceitável solução, em face do princípio da certeza e segurança jurídica;
17 - «A insularidade, importante factor histórico de isolamento das populações insulares, está na base das especificidades económicas, sociais e culturais de ambos os arquipélagos e justifica, no plano político, a relevância da autonomização de uma vontade colectiva, diferente da vontade geral, para prossecução dos interesses regionais, diferentes do interesse nacional» (6);
18 - «Por imperativo da autonomia dos Açores e da Madeira, nessas matérias não reservadas ao Parlamento são as Assembleias Legislativas regionais os órgãos competentes para legislar, quando elas tenham âmbito regional [artigos 112.º, n.º 4, e 227.º, n.º 1, alínea c) da CRP] (7);
19 - Hoje é possível extrair, como já defendia uma parte significativa da doutrina antes de 2004 (8), uma reserva de competência legislativa a favor das Regiões Autónomas para, em matérias não reservadas aos órgãos de soberania e sobre as quais os parlamentos insulares possam legislar, aprovar legislação de âmbito regional (9);
20 - Ao afirmar inequivocamente que compete à Assembleia Legislativa legislar no âmbito regional, a revisão constitucional introduziu expressamente um novo elemento a favor da concepção que advogava a existência de uma reserva legislativa a favor da Região Autónoma;
21 - Essa é uma opção constitucional que está feita;
22 - O legislador constitucional, ao sublinhar expressamente que a autonomia regional é territorialmente limitada, está simultaneamente a reforçar «o princípio segundo o qual, salvo reserva da Assembleia da República, são as Assembleias Legislativas Regionais, os únicos órgãos legislativos competentes para emitir leis de âmbito regional» (10), em matérias estatutárias ou que possam ser objecto de decreto legislativo regional;
23 - Como se disse, não só o princípio fundamental da autonomia depõe a favor da existência de uma competência legislativa reservada das Regiões Autónomas, como também, tem pleno sentido entender-se que, sendo a competência das assembleias regionais definida na Constituição e nos respectivos Estatutos, a atribuição constitucional ou estatutária de determinada competência às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas exclui a possibilidade de elas poderem vir a ser exercidas por qualquer outro órgão, salvo explícita ou implícita autorização constitucional (11);
24 - Por outro lado, a própria consagração constitucional do aludido princípio da supletividade do direito estadual (cf. artigos 228.º, n.º 2, da CRP e 15.º do EPARAA) reforça este entendimento, porquanto o mesmo não só determina uma aplicação tendencialmente residual do direito estadual, como não contém, em si mesmo, a afirmação da possibilidade dos órgãos de soberania emitirem legislação de aplicação exclusiva nos Açores e na Madeira (12);
25 - Ora, havendo legislação regional sobre a matéria, o diploma em questão não tem aplicabilidade na RAA, sob pena de clara violação do disposto no artigo 228.º, n.º 2, da CRP e no artigo 15.º do EPARAA;
26 - Sob pena de grave inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 228.º, n.º 2, da CRP e no artigo 15.º do EPARAA, a vigência no ordenamento jurídico regional do Decreto Legislativo Regional 21/92/A, de 21 de Outubro, afasta, assim, a aplicabilidade à Região das disposições constantes da Lei 90/2009, de 31 de Agosto;
27 - Admitir o contrário é supor que a Constituição adoptou um sistema de competências legislativas que permite um grave e confuso conflito institucional, em que os órgãos de soberania legislariam sobre uma determinada matéria para, posteriormente, a correspondente Assembleia Legislativa legislar diferentemente;
28 - Concomitantemente, o juízo de constitucionalidade das normas constantes das alíneas c) e d) do artigo 13.º da Lei 90/2009, de 31 de Agosto, deve ser feito à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, quando atribui competência legislativa a cada Região Autónoma em matérias enunciadas no respectivo Estatuto Político-Administrativo;
29 - O EPARAA, no artigo 58.º, n.º 2, alínea f), atribui à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores a competência para legislar em matéria de «apoio aos cidadãos portadores de deficiência»;
30 - Esta norma é, assim, atributiva de competência legislativa à Região Autónoma dos Açores para editar legislação de protecção às pessoas portadoras da doença de Machado-Joseph (DMJ);
31 - A DMJ tem uma especial incidência na Região Autónoma dos Açores, como atestam alguns estudos (13);
32 - A conjugação do disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea a), e no artigo 228.º, n.º 2, da CRP - no domínio em que se integra o presente pedido de inconstitucionalidade - estabelece uma preferência das normas regionais face a normas emanadas pelos órgãos de soberania que disciplinem a mesma matéria;
33 - Tal preferência da norma regional impõe uma reserva negativa de normação por parte dos órgãos de soberania, excluindo, de todo, a competência destes para revogar expressis verbis (como o fazem as alíneas c) e d) do artigo 13.º da Lei 90/2009, de 31 de Agosto) normas de direito regional com o mesmo objecto, âmbito e alcance;
34 - Esta reserva negativa de normação por parte dos órgãos de soberania assenta na verificação da existência de competência legislativa primária em matéria enunciada no EPARAA e na inexistência de reserva legislativa a favor dos órgãos de soberania;
35 - Diga-se, ainda, que o princípio da supletividade opera a favor das normas emitidas pelos órgãos de soberania apenas na ausência absoluta de norma regional e não quando esta exista ou seja insuficiente ou deficiente;
Para além disso, sem em nada prescindir, cumpre ainda referir o seguinte:
36 - De acordo com o disposto no artigo 229.º, n.º 2, da CRP, «os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às Regiões Autónomas, os órgãos de governo regional»;
37 - Isto significa, que sempre que estejamos perante matéria que diga respeito às Regiões Autónomas, da competência dos órgãos de soberania, dispõem as Regiões do direito de se pronunciar sobre elas;
38 - Correlativamente dispõe o artigo 227.º, n.º 1, alínea v), que constitui poder das Regiões Autónomas «pronunciar-se por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, sobre as questões da competência destes que lhes digam respeito»;
39 - Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 82/86, «estas questões são as que, saindo já fora da competência dos órgãos regionais, todavia respeitam a interesses predominantemente regionais, ou pelo menos merecem, no plano nacional, um tratamento específico no que toca à sua incidência nas Regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a relevância de que se revestem para estes territórios»;
40 - Acontece que, no caso vertente, estamos perante matéria de competência legislativa da Região Autónoma dos Açores [cf. o artigo 58.º, n.º 2, alínea f), do EPARAA] e, pese embora as normas das alíneas c) e d) do artigo 13.º da Lei 90/2009, de 31 de Agosto, pretendam operar a revogação de legislação regional, os órgãos de governo próprio da Região Autónoma dos Açores - Governo Regional e Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores - não foram ouvidos, em clara violação do disposto no artigo 229.º, n.º 2, da CRP;
41 - A aludida norma é a concretização do princípio do regionalismo cooperativo, pelo que o âmbito subjectivo da mesma (isto é, os órgãos de soberania vinculados) recai sobre o órgão emitente (órgãos de soberania);
42 - A audição implica uma relação bilateral, balizada pela competência do órgão que deve ouvir e pela do órgão que deve ser ouvido;
43 - Tal como só pode solicitar ou receber o parecer ou a pronúncia o órgão competente para a prática do acto, também deve emiti-lo, primacialmente, o órgão que, na região autónoma possui competência de idêntica ou análoga natureza;
44 - O dever de audição não só se encontra constitucionalmente previsto, como a sua regulamentação legal, ao nível do procedimento, se encontra no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (cf. artigos 114.º a 120.º) e também na Lei 40/96, de 31 de Agosto;
45 - Do que se trata é de se tornar patente o interesse regional, fazendo-o conjugar activamente com o interesse nacional, mas a síntese recai sobre os órgãos de soberania;
46 - O que é facto é que o dever de audição existe, tem de ser cumprido e no plano constitucional o que é decisivo saber é se se observou - ou não - um procedimento capaz de corresponder à exigência do artigo 229.º, n.º 2, da CRP - o que vimos não acontecer no caso concreto;
47 - Como não poderia deixar de ser, o pedido de audição tem de ser formulado antes da decisão, sob pena de o órgão regional competente ficar defrontado com um facto consumado. Mais do que ficar suspensa durante o prazo dado àquele para se fazer ouvir, em rigor a decisão só pode formar-se depois da pronúncia ou do decurso do prazo;
48 - Como decorre claramente do Parecer da Comissão Constitucional n.º 20/77, «são matérias da competência dos órgãos de soberania, mas respeitantes às Regiões Autónomas, aquelas que, excedendo a competência dos órgãos de governo regional:
Respeitem a interesses predominantemente regionais;
Ou pelo menos mereçam, no plano nacional, um tratamento específico no que toca à sua incidência nas Regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a relevância de que se revestem para esses territórios»;
49 - O Tribunal Constitucional tem afirmado, expressamente, que adere ao critério firmado pela Comissão Constitucional, considerando que o direito de audição constitucionalmente garantido às Regiões Autónomas se refere «a actos que, sendo da competência dos órgãos de soberania, incidam de forma particular - diferente daquela em que afectam o resto do País - sobre uma ou ambas as Regiões ou versem sobre interesses predominantemente regionais» (cf., por exemplo, entre a jurisprudência mais recente, os Acórdãos n.os 629/99, 684/99, 529/2001 e 551/2007);
50 - A doença de Machado-Joseph tem especial incidência nos Açores, - motivo pelo qual, aliás, levou a Região a legislar sobre a matéria - pelo que não restam dúvidas sobre a vinculatividade do dever de audição no caso concreto;
51 - Há, portanto, que concluir que se está perante uma questão respeitante às Regiões Autónomas e, consequentemente, que a norma em apreço se encontra abrangida pelo dever de audição dos órgãos regionais pelos órgãos de soberania a que se reporta o mencionado artigo 229.º, n.º 2, da Constituição da República.
Nestes termos e pelo exposto, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores requer ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nas alíneas a) do n.º 1 e g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa, que seja declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes das alíneas c) e d) do artigo 13.º da Lei 90/2009, de 31 de Agosto, por violação do disposto nos artigos 228.º, n.os 1 e 2, e 229.º, n.º 2, da Constituição da República.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Francisco Manuel Coelho Lopes Cabral.
(1) Concretamente, procedeu-se à supressão pura e simples do conceito de interesse específico como fundamento e limite para o exercício do poder legislativo regional, bem como da categoria de lei geral da república, passando ainda a admitir-se que as ALRA legislem em matérias de reserva relativa da AR, mediante autorização desta [cf.
227, n.º 1, alínea b), da CRP].
(2) Ou, na versão da RC de 1997, dos «princípios gerais das leis gerais da República».
(3) No ordenamento jurídico português, os Estatutos Político-Administrativos têm natureza de leis de valor reforçado e são aprovadas segundo um procedimento próprio, o que advém da concepção descentralizadora que a CRP perfilha [cf. artigos 161.º, alínea b), 226.º, 227.º, n.º 1, alínea e), 228.º, n.º 1, 231.º, n.º 6, 232.º, n.º 2, 280.º, n.º 2, alíneas b) e c), 281, n.º 1, alíneas c) e d), n.º 2 alínea g) da CRP]. As leis estatutárias gozam, assim, de uma hierarquia normativa superior a qualquer outra categoria de normas legais para além da lei fundamental, não podendo ser contrariadas, no seu objecto próprio, por nenhuma outra lei, competindo ao Tribunal Constitucional apreciar eventuais violações [cf. artigos 112.º, n.º 3, e 280.º, n.º 2, alíneas b) e c), 281.º, n.º 1, alíneas c) e d), e n.º 2, alínea g), da CRP]. Os Estatutos Políticos Administrativos das Regiões Autónomas são, portanto, leis de vinculação genérica, impondo-se assim a quaisquer outras leis. A violação das suas normas importa, assim, inconstitucionalidade indirecta, atento ao disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da CRP e à violação do artigo 49.º, n.º 3, alínea a), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
(4) Rui Medeiros, Tiago Fidalgo de Freitas e Rui Lanceiro, in: Enquadramento da Reforma do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, Lisboa, 2006, pp. 91 e 92.
(5) A menos que resulte do diploma em questão uma autolimitação do seu âmbito de aplicação ao continente.
(6) Vieira de Andrade, «Autonomia regulamentar e reserva de lei», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, 1989, p. 22, em nota.
(7) Jorge Miranda, Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, t.
ii, Coimbra Editora, 2006, p. 496.
(8) J. M. de Albuquerque Calheiros/Rui Medeiros, As Regiões Autónomas, pp. 881 e segs.
(9) Jorge Miranda, Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, t.
ii, Coimbra Editora, 2006, p. 370.
(10) Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, t. v, 3.ª ed., p. 386.
(11) Rui Medeiros, Tiago Fidalgo de Freitas e Rui Lanceiro, in Enquadramento da Reforma do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores, Lisboa, 2006, pp. 75 a 78.
(12) Rui Medeiros, Tiago Fidalgo de Freitas e Rui Lanceiro, in Enquadramento da Reforma do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores, Lisboa, 2006, pp. 75 a 78.
(13) Lima, M. M. de M. (1996), Doença de Machado-Joseph nos Açores. Estudo Epidemiológico, Biodemográfico e Genético, tese de doutoramento, Universidade dos Açores, Departamento de Biologia, Ponta Delgada.