Decreto-Lei 46327
O exercício conjunto da acção cível e da acção penal em processos criminais emergentes de acidentes de viação, nos termos em que é permitido pelo artigo 67.º do Código da Estrada, tem criado dificuldades de execução e suscitado também alguns reparos justificados.
Nas acções cíveis em geral, logo que o seu valor exceda a alçada do tribunal da relação, é obrigatória para o julgamento das questões de facto incluídas no questionário a intervenção do tribunal colectivo, o qual intervém ainda nas próprias acções sumárias que admitam recurso ordinário, quando as partes não declarem no momento oportuno que prescindem de semelhante intervenção.
Porém, na tal acção cível enxertada no processo penal para apreciar a indemnização devida ao lesado por acidente de viação, a competência exclusiva para o seu julgamento em 1.ª instância, seja qual for o respectivo valor, pertence ao juiz do tribunal de comarca nas comarcas da província e aos juízos correccionais nas comarcas de Lisboa e do Porto, visto ao julgamento dos crimes culposos não corresponder processo de querela e ser o uso desta forma de processo que condiciona a intervenção do tribunal colectivo em matéria penal.
Ora, não há razões sérias para no simples domínio dos princípios manter esta disparidade de soluções, visto que as considerações invocadas para manter e alargar até a intervenção do colectivo na jurisdição cível tanto colhem para as acções cíveis isoladamente instauradas como para a acção de indemnização admitida no processo penal pelo Código da Estrada e que não deixa de ter verdadeira natureza cível.
E se do terreno das reflexões teóricas nos deslocarmos para o domínio das realidades práticas, mais se impõe ainda a revisão do direito vigente.
Transformados os processos por acidentes de viação em mistos de processos de polícia ou correccionais e de acções (cíveis) especiais de valor quase sempre bastante superior à alçada do tribunal da Relação, as partes declaram num grande número de casos não prescindir de recurso, e daí advém que em muitos processos desta natureza os julgamentos se fazem com depoimentos escritos e se arrastam por várias sessões, com manifesto prejuízo e incómodo para as partes e seus patronos, testemunhas e serviços de justiça em geral.
Este facto obriga naturalmente a pensar no ilogismo do sistema em vigor, quer porque o aumento sensível dos acidentes de viação no País reclama uma repressão penal mais rápida, quer por ser justo que a integração do património dos lesados pelo acidente se faça com a maior brevidade possível.
Julga-se, no entanto, que deve ser mantido o princípio do exercício cumulativo da acção penal e da acção cível, tão manifestos e ponderosos são os inconvenientes do sistema da dualidade.
A solução das dificuldades presentes está em, mantendo o sistema da acumulação que tantas vantagens oferece a um perfeito e definitivo julgamento dos casos, corrigir as deficiências que a sua aplicação prática tem revelado.
Para esse efeito, supõe-se que bastará por enquanto entregar ao tribunal colectivo a competência para o julgamento das acções penais em que, nos termos expostos, se haja enxertado a acção cível e as partes não prescindam de recurso.
Nas comarcas de Lisboa e Porto várias soluções foram ponderadas relativamente à constituição do colectivo a que estas causas deveriam ser entregues.
Mas cedo se acabou por reconhecer que, entre todas elas, a que menores inconvenientes suscita é a da atribuição de tais acções aos juízos criminais. O aumento de serviço que para eles advém é relativamente pequeno e julga-se perfeitamente comportável, sobretudo para os vogais do colectivo, que beneficiam em larga medida da supressão dos depoimentos escritos que o novo regime traz consigo.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. Será efectuado segundo as normas estabelecidas para o processo de querela o julgamento das acções penais emergentes de acidentes de viação em que for admitido o exercício conjunto da acção cível, nos termos do artigo 67.º do Código da Estrada, sempre que o montante dos pedidos de indemnização exceda a alçada do tribunal de comarca em matéria cível e as partes não prescindam de recurso.
2. Entende-se que as partes prescindem de recurso quando, notificadas após a preparação do processo para julgamento a fim de declararem se querem reservar-se a faculdade de recorrer, deixarem de o fazer, por termo ou requerimento, no prazo de cinco dias.
3. Em Lisboa e Porto os processos serão, para o efeito do disposto no n.º 1, distribuídos pelos juízos criminais logo que estejam preparados para julgamento e depois de cumprido o preceituado no número anterior.
Art. 2.º O presente diploma só é aplicável aos processos penais em que o pedido cível de indemnização venha a ser deduzido posteriormente à sua entrada em vigor.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 10 de Maio de 1965. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - António Jorge Martins da Mota Veiga - Manuel Gomes de Araújo - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de Matos Antunes Varela - António Manuel Pinto Barbosa - Joaquim da Luz Cunha - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - Eduardo de Arantes e Oliveira - Joaquim Moreira da Silva Cunha - Inocêncio Galvão Teles - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Francisco Pereira Neto de Carvalho.