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Acórdão 554/2009, de 3 de Dezembro

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional a norma do n.º 7 do artigo 89.º-A da lei geral tributária [aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro, redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro] quando interpretada no sentido de que a forma processual urgente, aí prevista, constitui a única via de impugnação judicial da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto. (Processo n.º 868/08)

Texto do documento

Acórdão 554/2009

Processo 868/08

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são recorrentes Mário Jorge Torres Pereira de Araújo e Carla Maria Amaral Magalhães e recorrida a Fazenda Pública, foi interposto recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 24.09.2008, para apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 7 (anterior n.º 6, que passou a n.º 7 pela Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) do artigo 89.º-A da lei geral tributária (LGT).

2 - Convidados a aperfeiçoarem o requerimento de interposição do recurso, os recorrentes vieram dizer, em síntese, que a interpretação normativa do artigo 89.º-A, n.º 7 (anterior n.º 6), da LGT, reputada inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição), comporta dois

segmentos:

Aquele em que o Tribunal recorrido entende que, não havendo do ponto de vista constitucional um direito a um certo prazo (desde que o prazo não se apresente como ostensivamente exíguo, de molde a que de uma dimensão temporal desproporcionada possam resultar manifestas e efectivas limitações do direito tutelado), o prazo de 10 dias para o recurso judicial não é exíguo e, consequentemente, não afronta o princípio

da tutela jurisdicional efectiva.

Aquele em que se entende que a previsão do recurso a que se refere o artigo 89.º-A da LGT como único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir contra a decisão de avaliação indirecta nos termos desse preceito legal e, por antecipação, contra a liquidação que se baseie nessa avaliação satisfaz as exigências legais e constitucionais de tutela jurisdicional efectiva do contribuinte.

3 - As partes foram notificadas para alegar, com a advertência para a eventualidade de não conhecimento de parte do objecto do recurso, pelas razões assim indicadas:

a) Podem não estar verificados os pressupostos para apreciação da questão referente ao prazo de 10 dias para interposição do recurso contencioso, previsto no artigo 89.º-A, n.º 6, da LGT, na medida em que tal prazo se encontra estipulado em norma legal que não se inclui no objecto do presente recurso de constitucionalidade, tal como delimitado pelos recorrentes, e cuja inconstitucionalidade não foi suscitada durante o

processo;

b) A interpretação normativa do artigo 89.º-A, n.º 6, da LGT, adoptada no acórdão recorrido, pode não coincidir totalmente com a indicada pelos recorrentes, na parte respeitante à obrigatoriedade de impugnar, por antecipação, o acto de liquidação. A ser assim, o objecto do recurso pode ficar limitado à interpretação do artigo 89.º-A, n.º 6, efectivamente adoptada no acórdão recorrido.

4 - Os recorrentes concluíram as respectivas alegações da forma seguinte:

«A) Um interpretação da norma do n.º 7 (anterior n.º 6) do artigo 89.º-A da lei geral tributária (LGT) de conformidade com o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º, n.º 1, e no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, impõe que seja entendido o recurso aí previsto como um reforço das garantias dos contribuintes sem que vede ou afaste a impugnação judicial da liquidação do imposto subsequente à avaliação indirecta da matéria tributável prevista nesse

mesmo artigo 89.º-A

B) A interpretação feita no douto acórdão recorrido da norma contida no n.º 7 (anterior n.º 6) do artigo 89.º-A da LGT no sentido de que o recurso aí previsto constitui o único meio de acesso à justiça por parte do contribuinte para sindicar os pressupostos da avaliação e a quantificação feita na avaliação indirecta a que se refere esse mesmo artigo 89.º-A da LGT é materialmente inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP).» 5 - A recorrida Fazenda Pública contra-alegou, concluindo o seguinte:

«a) O facto de não ter sido aceite que a impugnação da liquidação efectuada ao abrigo das normas do artigo 89.º-A da LGT (manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados) pudesse abranger a decisão de avaliação da matéria tributável decorre de esta ser uma questão (prejudicial) com autonomia, constituindo um acto destacável, pelo que se volve em caso decidido ou caso resolvido, se não for atacada por meio de «recurso para o tribunal tributário», como no caso não foi;

b) Esta solução, expressamente prevista nos artigos 89.º-A, n.º 7 (anterior n.º 6), da LGT, e artigo 46.º B do CPPT, imposta e justificada pelo carácter urgente do

procedimento, não é inconstitucional;

c) O prazo de 10 dias, previsto no artigo 146.º-B, n.º 2, do CPPT, não é extraordinariamente exíguo, sendo antes o prazo regra em recursos urgentes em matéria

tributária (artigo 283.º CPPT);

d) De resto, é entendimento do Tribunal Constitucional que não há, constitucionalmente, direito a um "certo prazo, existindo em diversos ramos de direito, inclusive penal, casos de prazos curtos sem que isso signifique uma restrição intolerável

do direito de acesso à justiça;

e) Não foi feita uma interpretação errada do n.º 6 (na redacção vigente ao tempo dos factos) do artigo 89.º-A da LGT e ou incompatível com os artigo 20.º e 268.º, n.º 4, da

CRP.»

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

A) Questões prévias

6 - Importa começar por decidir as questões prévias suscitadas no despacho acima

transcrito.

Não obstante a notificação que lhes foi dirigida, os recorrentes não se pronunciaram sobre estas questões e, nas alegações, continuam a pugnar pela apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT, nas duas dimensões apontadas (cf. ponto 6 das alegações), muito embora nas respectivas conclusões tenham abandonado qualquer referência à dimensão normativa respeitante ao prazo.

6.1 - No requerimento de interposição do recurso, a primeira questão que os recorrentes apresentavam a julgamento era a da exiguidade do prazo de 10 dias para interposição, pelo contribuinte, do recurso contencioso da decisão de avaliação indirecta da matéria colectável, que reputavam inconstitucional por violação do

princípio da tutela jurisdicional efectiva.

Como já se disse, tal questão, embora mencionada nas alegações apresentadas junto deste Tribunal, foi abandonada nas respectivas conclusões. Nos termos do disposto no artigo 684.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da LTC, é lícito aos recorrentes restringir, nas conclusões da alegação, o objecto inicial do

recurso.

Deve, por isso, concluir-se que os recorrentes restringiram o objecto do recurso à

segunda questão inicialmente enunciada.

Sem prejuízo, cumpre referir que o recurso sempre seria inadmissível quanto àquela primeira questão. Pois a dimensão normativa que os recorrentes reputavam inconstitucional não podia ser retirada do único preceito legal que era indicado como objecto do recurso (e único preceito a que imputaram o vício de inconstitucionalidade, perante a instância recorrida), ou seja, o artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT.

Na verdade, o prazo para interposição daquele recurso contencioso não se encontra previsto na norma sub judicio, mas antes no artigo 146.º-B, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), cujo regime é aplicável ao recurso previsto no artigo 89.º-A da LGT, por força do n.º 8 deste mesmo preceito e do n.º 5

do referido artigo 146.º-B do CPPT.

Ora, o requerimento de interposição de recurso limita o seu objecto às normas nele indicadas, não cabendo ao Tribunal Constitucional suprir a falta de indicação das normas que o recorrente pretende submeter a julgamento (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 605/99 e 286/2000). Pelo que, não tendo os recorrentes pedido a apreciação da constitucionalidade das citadas normas legais que prevêem o referido prazo de 10 dias (cuja inconstitucionalidade, aliás, também não suscitaram no decurso do processo), sempre se verificaria não estarem preenchidos os pressupostos para o conhecimento do objecto do recurso na parte respeitante à inconstitucionalidade do prazo para a interposição do recurso contencioso atinente à decisão de avaliação da

matéria colectável pelo método indirecto.

6.2 - O recurso fica, assim, limitado à questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 87.º-A, n.º 7, da LGT, quando interpretado no sentido de aí se prever o "único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir contra a decisão de avaliação e, por antecipação, contra a liquidação que se baseie nessa avaliação."

A este respeito, escreve-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ora recorrido, o seguinte (cf. fls. 108 dos autos):

«Os impugnantes, ora recorrentes, concluem que não existe "qualquer impedimento ou obstáculo à impugnação judicial contra liquidação de IRS efectuada na sequência de avaliação indirecta nos termos do indicado artigo 89.º-A. E concluem bem.

Na verdade, a liquidação pode ser impugnada com fundamento em "qualquer ilegalidade". Acontece, porém, que a questão (prejudicial) do valor da matéria colectável tem autonomia na presente situação. Com efeito, e como decorre do regime legal e da doutrina acima apontados, a decisão de avaliação da matéria colectável, porque se trata de um acto destacável, volve-se em caso decidido ou caso resolvido, se não for atacada por meio de "recurso para o tribunal tributário", como no caso não

foi.»

E, mais à frente, conclui-se o seguinte (cf. fls. 108 v. dos autos):

«A decisão de avaliação constitui acto destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respectiva.» Verifica-se que a interpretação adoptada na decisão recorrida não corresponde, integralmente, à indicada pelos recorrentes. De facto, o Supremo Tribunal Administrativo não considerou que o recurso previsto no artigo 89.º-A, n.º 6, da LGT, era o único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir, por antecipação, contra a liquidação que se baseie nessa avaliação.

Pelo contrário, o acórdão recorrido salienta a possibilidade, oferecida pelo ordenamento jurídico, de o contribuinte impugnar judicialmente o acto final da liquidação, que tenha tido como pressuposto uma decisão de avaliação indirecta da matéria colectável. E entende que o que já não pode ser questionado, no âmbito da impugnação judicial da liquidação, é a decisão de avaliação, enquanto acto destacável, susceptível de impugnação judicial imediata e autónoma, nos termos do preceito em

apreço.

Impõe-se, por isso, precisar o objecto do recurso, devendo entender-se que o mesmo está limitado à dimensão enunciada na alínea B) das conclusões da alegação dos recorrentes, ou seja, à norma do artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT, quando interpretada no sentido de prever o único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir contra a decisão de avaliação indirecta da matéria colectável.

B) Mérito do recurso

7 - O n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT (redacção da Lei 55-B/2004, de 30 de

Dezembro), prevê o seguinte:

«Artigo 89.º-A

Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados

1 - ...

2 - ...

3 - ...

4 - ...

5 - ...

6 - ...

7 - Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º

e seguintes.

8 - ...

9 - ...»

De acordo com a delimitação do objecto do recurso, acima efectuada, está em causa a apreciação da constitucionalidade desta norma, quando interpretada no sentido de prever o único meio processual ao dispor do contribuinte para reagir contra a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto.

Os recorrentes sustentam que a norma, assim interpretada, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.

7.1 - Vejamos qual o enquadramento legal da norma.

A avaliação indirecta da matéria colectável é subsidiária da avaliação directa (artigo 81.º da LGT), só podendo aquele método ser utilizado pela administração tributária nos casos e condições expressamente previstos na lei, indicados no artigo 87.º da LGT.

No artigo 89.º-A da LGT concretizam-se as situações previstas na alínea d) do citado artigo 87.º, prevendo-se duas hipóteses em que é possível efectuar a avaliação indirecta (cf. n.º 1): (i) o contribuinte não apresentou declaração de rendimentos e evidencia manifestações de fortuna previstas no n.º 4 do artigo 89.º-A; (ii) o contribuinte apresentou declaração de rendimentos, mas existe uma desproporção superior a 50 %, para menos, entre o rendimento líquido declarado e o rendimento padrão indicado no

mesmo n.º 4.

A norma questionada prevê uma forma processual própria para o contribuinte impugnar judicialmente a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, previsto no artigo 89.º-A: um recurso com efeito suspensivo (o que significa que não pode ser praticado o acto de liquidação antes de estar decidido o recurso, sob pena de ilegalidade daquele acto susceptível de conduzir à sua anulação) e a tramitar como processo urgente (o que significa que o processo corre em férias e os prazos

processuais são mais curtos).

Ou seja, nos termos do disposto no artigo 89.º-A da LGT, a decisão de avaliação indirecta da matéria tributável apresenta-se como um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, o que significa que é passível de recurso directo e imediato, não lhe sendo aplicável (como expressamente decorre do seu n.º 7) o procedimento de revisão da matéria tributável previsto no artigos 91.º e s. da LGT (cf. neste sentido Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 3.ª ed., Viseu, 2003, 454).

7.2 - A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se a previsão legal de um recurso contencioso específico para impugnar a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto, na medida em que implica - como entendeu a decisão recorrida - que o contribuinte fica impedido de atacar aquela decisão em momento posterior, designadamente, no âmbito da impugnação judicial do acto de liquidação do imposto (que tenha por base a dita decisão de avaliação) viola o princípio da tutela

jurisdicional efectiva.

Ou seja, importa saber se é conforme ao princípio da tutela jurisdicional efectiva o entendimento de que a forma processual urgente, prevista no artigo 89.º-A, n.º 7, da LGT, é a única via de impugnação judicial da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto. O que significa que, caso o contribuinte não lance mão deste meio processual, já não poderá questionar aquela decisão em sede de impugnação judicial do acto de liquidação do imposto (que teve como pressuposto a

referida decisão).

No entender dos recorrentes esta interpretação é «desproporcionadamente limitadora da real e efectiva possibilidade de o contribuinte reagir judicialmente contra a actuação da administração fiscal», nomeadamente, quando confrontado o urgente e limitado meio processual previsto no artigo 89.º-A da LGT em conjugação com o artigo 146.º-B do CPPT com o prazo-regra de 90 dias de que o contribuinte dispõe para sindicar judicialmente a liquidação de um imposto (artigo 102.º, n.º 1, do CPPT), como em termos semelhantes se prevê um prazo-regra de 3 meses para impugnar actos administrativos em geral. Concluem os recorrentes que uma interpretação constitucionalmente conforme do n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT há-de implicar que esse meio processual seja tido como meramente facultativo para o contribuinte no sentido de reforçar aquilo que são os demais meios processuais ao seu dispor. (cf.

pontos 11 a 13 das respectivas alegações).

Note-se, no entanto, que não pode discutir-se, no âmbito do presente recurso, a constitucionalidade do prazo previsto para a utilização do meio contencioso urgente previsto no n.º 7 do artigo 89.ºA, da LGT, pelas razões acima indicadas, sendo certo, por outro lado, que os recorrentes não suscitaram qualquer outra questão de inconstitucionalidade respeitante à tramitação do referido recurso (regulada no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por remissão do n.º 8

do artigo 89.º-A da LGT).

Assim, a questão a decidir é, apenas, a de saber se é compatível com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva a previsão de um único meio contencioso, de natureza urgente, especificamente previsto para questionar a decisão de avaliação da

matéria colectável pelo método indirecto.

Diga-se, desde já, que não se vislumbra em que medida tal previsão legal pode contender com o princípio da tutela jurisdicional efectiva.

Pelo contrário, a norma em causa, na medida em que estabelece um meio processual urgente, específico para a impugnação judicial daquela decisão da administração tributária, não pode deixar de ser entendida como concretização do direito de acesso aos tribunais, (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) e, em especial, da garantia de impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados, enquanto modalidade da tutela jurisdicional efectiva desses administrados (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição).

Como se salientou no Acórdão 416/99 (embora a propósito de questão diversa, em que estava em causa a definição dos requisitos ou pressupostos da legitimidade para recorrer contenciosamente de um acto administrativo), «não sendo o direito de acesso à justiça e aos tribunais um direito absoluto, não existe qualquer contradição entre a garantia constitucional de acesso à justiça e a delimitação pelo direito ordinário dos pressupostos ou requisitos de natureza processual para efectivação dessa garantia».

Nessa medida, é de considerar que a previsão de um recurso contencioso urgente como forma de impugnar um determinado acto administrativo ainda se pode incluir na margem de conformação que a Constituição deixa ao legislador ordinário. Ponto é que a conformação legal dessa forma processual não dificulte "irrazoavelmente a acção judicial" (na expressão de Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 409).

A esse respeito cumpre salientar que a urgência do meio processual não é necessariamente desvantajosa para o contribuinte impugnante, pois embora lhe imponha prazos de actuação mais curtos, assegura-lhe, em contrapartida, maior celeridade na decisão. No caso em apreço, a forma processual questionada oferece, inclusivamente, uma outra garantia ao contribuinte: a do efeito suspensivo, que é concedido ope legis com a mera entrada da petição de recurso, ficando a administração tributária impedida de praticar o acto de liquidação antes da decisão deste recurso. Trata-se, aliás, de um efeito que não é comum nem à impugnação judicial do acto de liquidação do imposto (nesta, o efeito suspensivo só se obtém através da prestação de garantia adequada - cf.

artigo 103.º, n.º 4, do CPPT), nem à impugnação dos actos administrativos em geral (cuja suspensão, em regra, só pode ser obtida através de uma providência cautelar, intentada previamente ou na pendência da acção principal - cf. artigos 50.º e s. e 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Resta dizer que o princípio da tutela jurisdicional efectiva também não sai beliscado pelo entendimento de que a forma processual prevista no n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT é a única via de reacção judicial contra a decisão de avaliação indirecta.

É pertinente relembrar a jurisprudência deste Tribunal a respeito da duplicação ou alternatividade de meios processuais, discutida no âmbito da já revogada lei de Processos nos Tribunais Administrativos, a propósito da "acção para o reconhecimento de um direito" aí prevista, e que assim se resume no Acórdão 435/98 (depois secundado, nomeadamente, pelo Acórdão 104/99):

«O legislador constitucional pretendeu assim criar, no quadro da justiça administrativa, um modelo garantístico completo, de forma a facultar ao administrado uma tutela jurisdicional adequada sempre que esteja em causa um interesse ou direito legalmente

protegido.

Porém, não pode afirmar-se que o legislador constitucional tenha pretendido uma duplicação dos mecanismos contenciosos utilizáveis. Com efeito, o que decorre do n.º 5 do artigo 268.º da Constituição é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente. É nesta total abrangência da tutela jurisdicional que se traduz a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados.

Mas já não se enquadra necessariamente nesta ideia de total garantia jurisdicional uma duplicação ou alternatividade de meios processuais de reacção a uma dada actuação da administração. Na verdade, não decorre do n.º 5 [actual n.º 4] do artigo 268.º da Constituição a exigência da admissibilidade da acção para o reconhecimento de um direito quando o particular possa interpor recurso de anulação, precisamente porque este mecanismo processual se mostra adequado à tutela do seu direito, pretensamente lesado pela actuação da Administração (estará assim assegurada a plenitude da garantia jurisdicional dos administrados, por via do recurso de anulação).» Independentemente da posição que se tome sobre a referida questão da "acção para o reconhecimento de um direito", a qual é irrelevante para o caso em apreço, a ideia central vertida no aresto citado é aqui inteiramente aplicável. Ou seja, a ideia de que o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos administrados não exige que o legislador ordinário consagre diversas formas processuais - alternativas ou duplicadas - para reacção contra uma mesma actuação da Administração. A plenitude da garantia jurisdicional está suficientemente assegurada através da previsão de um único meio processual, desde que este se mostre adequado à tutela do direito ou interesse

legalmente protegido que lhe subjaz.

No caso vertente, o legislador optou por uma estruturação de meios processuais que tutela adequadamente o contribuinte impugnante e é até, pode acrescentar-se, adequada à natureza da actuação administrativa, cuja impugnabilidade está em causa.

Note-se que a decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto configura um acto intermédio, se perspectivado no âmbito do procedimento mais amplo que termina com o acto de liquidação. Mas é também um acto que encerra uma fase daquele procedimento (ou um seu incidente) em termos de se poder considerar que as questões aí decididas não devem ser retomadas em momento ulterior. Não se mostra, por isso, desadequada ou insuficiente, face ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, a previsão legal de um meio específico de impugnação judicial desta decisão - que permite a sua impugnação directa e imediatamente, que tem natureza urgente e efeito suspensivo relativamente à prática do acto de liquidação - com preclusão da possibilidade de questionar posteriormente tal decisão, aquando da impugnação do

acto de liquidação.

Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso.

III - Decisão

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Não conhecer do recurso na parte acima identificada no ponto 6.1.;

b) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 7 do artigo 89.º-A da lei geral tributária (redacção da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) quando interpretada no sentido de que a forma processual urgente, aí prevista, constitui a única via de impugnação judicial da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto; e,

consequentemente,

c) Negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de

conta.

Lisboa, 27 de Outubro de 2009. - Joaquim de Sousa Ribeiro - João Cura Mariano - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.

202631206

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/12/03/plain-266139.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/266139.dre.pdf .

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