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Acórdão 557/2009, de 3 de Dezembro

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Sumário

Decide julgar procedente a excepção de ilegitimidade do autor e, em consequência, absolve o réu Partido Socialista da instância.

Texto do documento

Acórdão 557/2009

Processo 361/09

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Fernando Francisco Lopes Barbosa, melhor identificado nos autos, vem, ao abrigo do artigo 103.º-D da lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), intentar contra o Partido Socialista, acção de impugnação de deliberação de órgão de partido político, pedindo a anulação da deliberação do secretariado da Secção PS-CTT do Porto, de 19.03.2009, confirmada tacitamente pelo secretariada da FDP e pela CPN, por omissão de pronúncia, que rejeitou 14 "fichas de adesão" de novos militantes.

Citado o réu, este nada disse.

Por despacho de fls. 98, foi o réu Partido Socialista notificado, sob cominação, para juntar aos autos os documentos identificados no citado despacho.

Por requerimento de fls. 106, o réu juntou os documentos que constam de fls. 107 a

125.

Notificado o autor, este veio dizer que os documentos juntos são irrelevantes para a decisão, uma vez que respeitam a outro litígio que opõe o autor e o réu.

2 - Na sequência de redistribuição dos presentes autos (cota de fls. 130), o ora relator proferiu despacho, a fls. 131, suscitando a eventual ilegitimidade do autor, pelas razões

que aí constam.

Em resposta, o autor veio dizer o seguinte:

«1 - Refere o artigo 7.º dos EPS que a inscrição como militante do partido Socialista é individual e pode ser apresentada em qualquer estrutura do Partido em impresso próprio, assinado pelo requerente e por dois proponentes do partido há mais de 6

meses.

2 - Por sua vez, refere o artigo 14.º desses mesmos Estatutos, "são direitos dos militantes do Partido Socialista arguir perante às instancias competentes a nulidade de qualquer acto, dos órgãos do Partido que viole o disposto nos presentes Estatutos."

3 - O artigo 10.º da CRP, no seu ponto 2 refere: "os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do estado e da democracia política".

4 - Por sua vez o artigo 114.º da CRP refere: "Os partidos políticos participam nos órgãos baseados no sufrágio universal e directo de acordo com a tua representatividade

eleitoral.".

5 - Antes de mais importará definir o que significa no artigo 7.º dos estatutos o direito

de propor a inscrição de militantes.

6 - No entendimento do impugnante o direito de propor a inscrição de militantes não se esgota com a simples apresentação da proposta, mas antes só se completa com a conclusão do processo de inscrição o qual apresentará duas soluções, ou aceita ou

rejeita.

7 - O entendimento do impugnante resulta do facto, por um lado de ser do seu interesse e do partido que este reforce as suas fileiras, com o aumento de militantes, porquanto, quanto mais representatividade tiver, melhor se posicionará para atingir o seu objectivo final que é o acesso democrático aos órgãos de poder politico.

8 - Sendo certo que do ponto de vista estritamente partidário, o proposto não tem legitimidade para discutir das razões da sua rejeição, e inexistindo mecanismo legal de protecção judicial e, neste contexto por ausência dessa sindicância judicial fica violado

o artigo 202.º n.º 2 da CRP.

9 - E se é um direito do militante arguir a nulidade de qualquer acto conclui-se que os próprios estatutos lhe reconhecem legitimidade para internamente despoletar os mecanismos de fiscalização e controlo das deliberações.

10 - Neste contexto, proposto e proponente têm ambos o mesmo interesse directo e pessoal de, o primeiro ver a sua inscrição admitida e o segundo ver o seu proposto admitido ou rejeitado, mas sempre de acordo com o previsto nos estatutos.

11 - Ora, no caso presente, o impugnante acusa o partido de não ter cumprido os Estatutos e os ter violado ao deliberar a rejeição.

12 - Logo, tal deliberação afecta directa e pessoalmente o seu direito de participação na actividade do partido, legitimando a presente impugnação.

13 - Por outro lado e sendo o nosso sistema politico representativo e proporcional, e exercendo o povo o poder politico através do sufrágio optando pela escolha de partidos políticos, importará referir que é fundamental que todos os partidos políticos cumpram os seus estatutos, admitindo militantes quando preenchem os requisitos necessários e excluindo-os quando não preenchem.

14 - O interesse de um militante de um partido em que estes princípios legais sejam cumpridos, é um interesse directo e pessoal, pois resulta expressamente da sua qualidade de militante e enquanto militante assiste-lhe o direito de exigir o funcionamento democrático do partido e o cumprimento da legalidade.

15 - Quando tal não acontece, as respectivas deliberações afectam-no directa e pessoalmente, não só perante o exterior mas perante o próprio partido.

16 - Neste contexto o direito de propor a inscrição como militante não se esgota na proposta em si, mas sim no despacho final de aceitação ou não da inscrição.

17 - Este direito é um direito de participação na actividade do partido, na circunstância no engrossar das suas fileiras e por isso na sua maior representatividade, a qual no

limite, lhe poderá mesmo dar o poder.

18 - Assim, o impugnante entende que, a recusa da inscrição dos militantes por si propostos em desrespeito dos estatutos e da lei, afecta-o directa e pessoalmente nos seus direitos de participação nas actividades do partido.

19 - Pois como supra se disse está expressamente previsto nos estatutos o direito a

propor militantes.

20 - A recusa da inscrição de militantes em violação dos estatutos ou da lei, afecta o funcionamento democrático do partido, uma vez que o cumprimento dos Estatutos, por eles próprios resultarem da vontade democrática do partido, afecta o seu próprio

funcionamento democrático.

21 - Absurdo será pensar num partido que só aceita os militantes que as estruturas entendem, segundo a cor dos olhos a altura ou o peso.

22 - Do exposto, julga o impugnante que a deliberação em causa também viola as regras essenciais ao funcionamento democrático do partido, por permitir o arbítrio nessa mesma escolha, inquinando desse modo, a legitimidade dos próprios militantes.»

Tudo visto, cumpre decidir.

II - Fundamentação

3 - Com relevância para a decisão, mostram-se provados, por documentos e pelo

acordo das partes, os seguintes factos:

a) O autor, Fernando Francisco Lopes Barbosa, é militante do Partido Socialista (cf.

doc. fls. 11).

b) Em Fevereiro de 2009 foram entregues na secção "PS-CTT Porto" pelo menos quinze pedidos de inscrição como militantes no PS, sendo as respectivas "fichas de adesão" subscritas e assinadas individualmente pelos respectivos requerentes a militantes, bem como por dois proponentes, militantes do PS (cf. docs. fls. 12, 16, 20, 24, 28, 32, 36, 40, 44, 48, 51, 53, 55, 57 e 60, juntos com a petição inicial).

c) O aqui autor figura como um dos dois proponentes em três das referidas quinze fichas de adesão (cf. docs. fls. 51, 53, 55, juntos com a petição inicial).

d) Em 19.03.2009, o Secretariado da Secção dos CTT - Porto do Partido Socialista comunicou ao "Departamento Nacional de Dados" que tinha decidido desfavoravelmente catorze das "dezasseis fichas de adesão entregues pelo militante Fernando Francisco Lopes Barbosa", com a seguinte fundamentação:

"Algumas fichas são aposentados dos CTT, um dos quais aposentado compulsivamente por furtos de correspondência, na opinião deste secretariado estes deveriam militar em secções de residência por não terem actualmente qualquer vínculo à empresa CTT.

Outros continuam com militância no PSD e PC, por último, há nomes que não constam no ficheiro dos CTT como sendo trabalhadores desta empresa.

Caso o Departamento Nacional de Dados necessite da informação de cada ficha, esta será enviada logo que solicitada." (cf. doc. fls. 63) e) O autor apresentou exposições, requerendo, em síntese, a revogação da decisão desfavorável, junto do Secretário-Coordenador da Secção Sectorial PS-CTT Porto, com conhecimento ao Departamento Nacional de Dados do PS e ao Secretário da FDP; apresentou recurso junto do Presidente da Federação do Porto; e apresentou mais uma exposição junto do Presidente do Secretariado Nacional (cf. docs. fls. 80,

82, 83, 86 e 90).

f) As referidas exposições e recurso não obtiveram qualquer resposta.

4 - A primeira questão que importa decidir é a da legitimidade do autor.

O autor pretende impugnar o acto do Secretariado da Secção dos CTT - Porto do Partido Socialista que rejeitou catorze pedidos de inscrição como militantes no Partido Socialista, na Secção dos CTT-Porto, com base nas razões aí enunciadas (cf. alínea d)

dos factos).

Os pedidos de inscrição como militantes, que foram rejeitados, haviam sido subscritos individualmente pelos respectivos requerentes, bem como por dois proponentes, militantes do PS, sendo proponente o aqui autor em três casos (cf. alíneas b) e c) dos

factos).

Nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 1, dos Estatutos do Partido Socialista (aprovados na Comissão Nacional de 29.11.2008), a "inscrição como militante no Partido Socialista é individual e pode ser apresentada em qualquer estrutura do Partido, em impresso próprio, assinado pelo requerente e por dois proponentes, membros do

Partido há mais de seis meses".

Se é certo que o pedido de inscrição como militante no PS não pode ser apresentado apenas pelo respectivo interessado, sendo obrigatório, nos termos desta disposição estatutária, que o pedido seja também subscrito por dois proponentes, membros do Partido há mais de seis meses, tal não significa, contudo, que ao proponente assista legitimidade para, por si, impugnar a decisão que rejeita o pedido de inscrição como

militante do qual foi proponente.

No caso em apreço, aliás, o autor apenas figura como proponente em três fichas de adesão, embora a deliberação impugnada refira que as "dezasseis fichas" terão sido

"entregues" pelo autor.

A legitimidade para impugnar contenciosamente deliberações tomadas por órgãos de partidos políticos, encontra-se regulada no artigo 103.º-D, n.os 1 e 2, da LTC, da

seguinte forma:

"1 - Qualquer militante de um partido político pode impugnar, com fundamento em ilegalidade ou violação de regra estatutária, as decisões punitivas dos respectivos órgãos partidários, tomadas em processo disciplinar em que seja arguido e, bem assim, as deliberações dos mesmos órgãos que afectem directa e pessoalmente os seus direitos de participação nas actividades do partido.

2 - Pode ainda qualquer militante impugnar as deliberações dos órgãos partidários com fundamento em grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao

funcionamento democrático do partido."

No caso em apreço, o autor, enquanto militante proponente de alguns dos pedidos de inscrição de novos militantes no partido não é "directa e pessoalmente" afectado pela decisão que rejeita tais pedidos de inscrição.

Não o é certamente naqueles casos em que nem mesmo figura como proponente dos pedidos de inscrição, e apenas se terá limitado a fazer a "entrega" dos pedidos.

Nos três casos em que foi proponente dos pedidos de inscrição, mesmo admitindo que possa ter um interesse "indirecto" na decisão dos mesmos, na medida em que se empenhou na inscrição de novos militantes a ponto de subscrever os pedidos como militante proponente, daí não se retira que possa, só por si, impugnar judicialmente a

decisão de rejeição de tais pedidos.

Admitir tal possibilidade significaria admitir que a decisão de rejeição podia ser impugnada contra a vontade do seu destinatário directo (o requerente do pedido de inscrição) nos casos em que este, por exemplo, se tenha conformado com a decisão de

rejeição ou nela tenha perdido interesse.

Tanto assim é que, nos termos do artigo 9.º dos Estatutos do Partido Socialista, a decisão negativa que recaia sobre um pedido de inscrição é transmitida ao requerente (e não aos dois proponentes) e este (e não os proponentes) pode dela recorrer no

prazo aí previsto.

Como se salientou no Acórdão 85/2004 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), a legitimidade para interpor a acção de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos, nos termos previstos na segunda parte do n.º 1 do artigo 103.º-D da LTC, exige a "afectação directa e pessoal dos direitos do autor de participar nas actividades do partido".

No caso, a decisão que rejeita os pedidos de inscrição não põe em causa os "direitos de participação" do autor, enquanto proponente de tais pedidos. Isso só aconteceria se a decisão respeitasse ao próprio proponente (v. g. não o admitindo como proponente), o que não é o caso, pois em momento algum a decisão questiona o autor, na sua qualidade de proponente. Aliás, quer na petição inicial quer na resposta apresentada, o autor não identifica qualquer direito (seu) de participação nas actividades do partido que lhe tenha sido vedado ou afectado de qualquer forma pela decisão impugnada. A simples rejeição de pedidos de inscrição de novos militantes, por si propostos, não afecta essa mesma participação, pois ao proponente dos pedidos de inscrição cabe apenas isso - propor - e não já decidir sobre a admissão ou rejeição dos pedidos.

A esta conclusão não obsta a circunstância de o n.º 1 do artigo 103.º-D da LTC conferir legitimidade activa aos "militantes de um partido político". Em casos como o dos autos, em que está em causa a rejeição de pedidos de inscrição como militante num partido político, é de admitir que a legitimidade conferida pelo n.º 1 do artigo 103.º-D possa ser considerada extensiva aos requerentes desses pedidos, uma vez que são eles os directa e pessoalmente afectados por tais decisões.

Por último, importa salientar que também não assiste legitimidade ao autor com base no n.º 2 do artigo 103.º-D da LTC. A deliberação em causa nos presentes autos, bem como os fundamentos invocados para a impugnar (falta de fundamentação da decisão de rejeição de novos militantes, impugnação de factos respeitantes aos requerentes, omissão de decisão de recursos apresentados), não são susceptíveis de enquadrar uma situação de "grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido", que o próprio autor invoca genericamente (cf.

artigo 56.º da petição inicial), mas não é capaz de concretizar.

Enquanto que o n.º 1 do artigo 103.º-D enquadra uma dimensão subjectiva do contencioso das deliberações partidárias, o n.º 2 deste preceito representa a sua dimensão objectiva - em que a legitimidade para impugnar é conferida a qualquer militante, mesmo que a deliberação em causa não o afecte directa e pessoalmente - que tem em vista, nomeadamente, a defesa a organização e gestão democrática no interior dos partidos e, como tal, opera apenas em situações em que esteja em causa uma violação grave de regras essenciais que, em suma, ponham em causa o funcionamento

democrático do partido.

Manifestamente, não é esse o caso dos autos.

Termos em que deve ser julgada procedente a excepção de ilegitimidade do autor.

III - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a excepção de ilegitimidade do autor e, em consequência, absolver o réu da instância.

Sem custas.

Lisboa, 27 de Outubro de 2009. - Joaquim de Sousa Ribeiro - João Cura Mariano - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.

202631247

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/12/03/plain-266134.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/266134.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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