Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional 1 - Nos presentes autos, em que é recorrente Ana Maria Charrama Farinho, mandatária da CDU (Coligação Democrática Unitária) nas eleições autárquicas no município de Moura, foi interposto recurso contencioso ao abrigo do artigo 156.º e ss.
da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL), através de requerimento que deu entrada neste Tribunal pelas 14 horas e 35 minutos do dia 16 de Outubro de
2009.
2 - A recorrente requer o seguinte:
a) Numa primeira apreciação, que sejam considerados válidos os dois votos nulos que foram objecto de protesto no apuramento dos resultados da eleição da Assembleia deFreguesia de Amareleja;
b) Face à ilegalidade verificada - inexistência de um critério uniforme quanto à incapacidade dos eleitores votarem sozinhos e quanto à exigência do respectivo atestado médico - que a eleição para a possa ser considerada nula por aquela ilegalidade poder influir no resultado geral da eleição do respectivo órgão autárquico, nos termos do n.º 1 do artigo 160.º da LEOAL, tendo em conta o desfecho que seveio a verificar no referido acto eleitoral.
Aduz os seguintes fundamentos:
«Primeiro
O resultado da votação para a Assembleia de Freguesia de Amareleja, resultou numa diferença de quatro votos entre a CDU - Coligação Democrática Unitária e o Movimento Independente 'UPAPM - Unidos Pela Amareleja, Pela Mudança", a favordeste último.
Segundo
Na Assembleia de Apuramento Geral foi validado um voto nulo a favor da CDU - Coligação Democrática Unitária, relativo à Assembleia de Freguesia de Amareleja, tendo ficado essa diferença cifrada em três votos - cf. se pode verificar pela cópia daacta da Assembleia de Apuramento Geral.
Terceiro
Ainda no âmbito da Assembleia de Apuramento Geral foi protestado pela mandatária da CDU a não validação de dois votos na mesma força política e referentes à Assembleia de Freguesia de Amareleja, por considerar que os mesmos, de forma inequívoca, seriam demonstrativos da vontade do eleitor - cf. se pode verificar pela cópia da acta da Assembleia de Apuramento Geral.
Quarto
Refere o n.º 2 do artigo 133.º da LEOAL que "Não é considerado Voto nulo o do boletim de voto no qual a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, assinale inequivocamente a vontade 'do eleitor".
Quinto
De facto, relativamente aos dois boletins de voto protestados, um deles continha a cruz dentro dos limites do quadrado (embora imperfeitamente desenhada), sendo que o outro continha a cruz imediatamente ao lado daquele - cf. se pode verificar pela cópiados boletins de voto em anexo.
Sexto
Quanto àquele último e, no boletim original, o quadrado encontra-se vincado com a ponta da caneta, evidenciando que o eleitor terá tentado riscar o quadrado correspondente mas que, em face da falha da tinta daquela, acabou por fazer a cruz (assinalada com vários traços nos dois sentidos da cruz) ao lado do quadradopretendido.
Sétimo
Por outro lado, foram verificadas na Secção n.º 1 da freguesia de Amareleja algumassituações anómalas.
Oitavo
Constata-se, efectivamente, da conjugação da reclamação de Francisca Maria Matias Gordilho, do protesto de Agostinho Guerreiro Caro (Delegado na secção n.º 1 da freguesia de Amareleja) e no exposto na respectiva Acta das Operações Eleitorais que, o critério da exigência do atestado médico não foi uniforme em todas as situações o que, em face do apurado na votação pode ter tido como consequência a alteração dos resultados eleitorais para a Assembleia de Freguesia de Amareleja.
Oitavo
Refere a Mesa na sua Decisão ao protesto de Agostinho Guerreiro Caro (Delegado) que sempre que algum eleitor suscitou dúvidas quanto ao seu grau de deficiência foi exigido atestado médico e caso não o apresentasse votaria sem acompanhanteNono
No entanto, de forma contraditória, das deliberações tomadas pela mesa durante as operações, ressalta o facto de um eleitor ter exercido o seu direito ao voto acompanhado - cf. registado na Acta das Operações Eleitorais - não obstante, num primeiro momento, ter-lhe sido solicitado uma declaração em como estava incapacitado dado que a sua deficiência não era visivelmente notória».2 - Em 13 de Outubro de 2009, a Assembleia de Apuramento Geral do Círculo Eleitoral do Município de Moura reuniu, extraindo-se da respectiva acta, com relevo para o que agora cumpre apreciar, o seguinte:
«Freguesia de Amareleja:
Na eleição para a Assembleia de Freguesia, secção de voto n.º 1, suscitaram-se dúvidas em 3 dos 17 boletins de voto considerados nulos, porquanto:Um boletim de voto apresenta um traço na diagonal dentro do quadrado;
Um boletim de voto apresenta uma cruz feita fora do quadrado e ao lado do símbolo
do PCP;
Um boletim de voto apresenta o símbolo XIX dentro do quadrado.Submetidos votação da AAG esta deliberou por maioria manter a nulidade dos votos.
A representante da CDU - Coligação Democrática Unitária, Dr.ª Ana Farinho, apresentou um voto de protesto ao abrigo do artigo 143.º LEOAL, por considerar que nas duas primeiras situações descritas, os votos são válidos.
[...]
Ainda no que respeita à secção de voto em causa, constatou-se que a acta de apuramento dos resultados finais indica 499 votos contados, ao invés, a soma das parcelas totaliza 500 votos. Para dissipar a dúvida a Exma. Senhora Presidente da AAG decidiu contar um por um os votos em seu poder, concluindo no termo que a redacção da acta enfermava de um erro de cálculo.Seguidamente a Exma. Senhora Presidente da AAG leu aos presentes as reclamações apresentadas à mesa da SECÇÃO de voto n.º 1. Sobre as mesmas disse que a AAG não estava incumbida de pronunciar-se porque não continham os necessários fundamentos, devendo apenas tornar conhecimento, opinião que foi corroborada pelos
restantes membros com direito a voto».
3 - Da Acta das Operações Eleitorais da secção de voto n.º 1 da freguesia deAmareleja extrai-se o seguinte:
«O eleitor n.º 1378 [...] veio exercer o direito ao voto acompanhado pela sua esposa, alegando esta que tinha de votar por ele, dado que este estava incapacitado, mas Vice-Presidente pediu-lhe uma declaração como este estava incapacitado, como vinha no manual dos membros das mesas eleitorais, dado que a deficiência dele não era visivelmente notória. Acabando assim o Senhor [...] ter exercido o direito ao voto.O eleitor n.º 779 [...] fez-se acompanhar de atestado médico, a justificar a sua
incapacidade».
4 - À Acta das Operações Eleitorais da secção de voto n.º 1 da freguesia de Amareleja está junto documento do seguinte teor:«Eu Francisca Maria Matias Gordilho, apresento e assino a presente reclamação.
Os elementos da Secção de voto Mesa n.º 1, não deixaram votar o eleitor n.º 421 Domingos Cascalhais Casado, por ter de ser a sua esposa a votar por ele como acontece há 16 anos por ele se encontrar incapacitado».
Sobre esta "reclamação" a Mesa decidiu o seguinte:
«Tendo sido apresentado por Francisca Maria Matias Gordilho à Mesa desta Assembleia de Voto/Secção de voto a seguinte reclamação protesto ou
contra-protesto:
Não deixar votar o eleitor n.º 421 Domingos Cascalhais Casado (em anexo).Deliberou esta mesa, por maioria absoluta dos membros presentes que:
Domingos Cascalhais Casado votaria sem ser acompanhado pela esposa, uma vez que não apresentava atestado comprovativo da incapacidade».
5 - À Acta das Operações Eleitorais da secção de voto n.º 1 da freguesia de Amareleja está junto um outro documento do seguinte teor:
«Eu Agostinho Guerreiro Caro portador do BI n.º [...] Cartão de eleitor n.º 4549, Delegado na mesa 1.
Reparei que pelas mesmas razões de deficiência umas pessoas votaram acompanhadas
e outras não.
Por isso apresento o meu protesto».
Sobre este "protesto" a Mesa decidiu o seguinte:«Tendo sido apresentado por Agostinho Guerreiro Caro à Mesa desta Assembleia de Voto/Secção de voto a seguinte reclamação protesto ou contra-protesto:
De que nem todos os eleitores portadores de deficiência votavam acompanhados. (em
anexo).
Deliberou esta mesa, por maioria absoluta dos membros presentes que:Sempre que algum eleitor suscitou dúvidas quanto ao seu grau de deficiência, foi exigido atestado médico e, caso não o apresentasse votaria sem acompanhante».
6 - O edital que publicou os resultados do apuramento geral da eleição dos órgãos das autarquias locais do município de Moura foi afixado na porta do edifício dos Paços do Município de Moura no dia 15 de Outubro de 2009.
De acordo com o edital, é o seguinte o resultado do apuramento efectuado em relação
à assembleia de freguesia de Amareleja:
«Eleitores inscritos: 2 347 Votantes: 1 357 Votos em Branco: 15 Votos Nulos: 29Lista: PCP-PEV ... 589
Lista: Unidos pela Amareleja - Pela Mudança ... 592Lista: PSD ... 21
Lista: PS ... 111»
7 - Feita a notificação prevista no n.º 3 do artigo 159.º da LEOAL, o grupo de cidadãos "UPAPM - Unidos Pela Amareleja. Pela Mudança" respondeu, pronunciando-se pela improcedência do recurso. Alega, entre o mais, o seguinte:«[...] é manifesto que nenhum dos boletins de voto nulos referidos pela recorrente podia ser declarado válido à luz daquele critério, ao contrário do que, com evidente má fé,
visa a Coligação em causa.
8 - É que, num deles, surge apenas inscrito dentro do quadrado um traço na diagonal e,no outro, uns gatafunhos fora do quadrado.
9 - A este respeito, resta apenas denunciar aqui o argumento esfarrapado, para não dizer ridículo ou mesmo suspeito, utilizado pela recorrente, segundo o qual os aludidos gatafunhos que aparecem ao lado do quadrado se deviam a falha de tinta da caneta - das duas uma: ou não havia mais canetas, ou alguém da recorrente estava a observar o acto do eleitor a tentar riscar o quadrado correspondente (no caso, com clara falta depontaria).
10 - Seja como for e sem nada conceder quanto ao que acaba de alegar-se, mesmo que, por absurdo, se colocasse a possibilidade - que aqui se conjectura como mera hipótese de raciocínio - de os votos em causa serem abusivamente validados, mesmo assim, nunca o número total de votos da coligação recorrente ultrapassaria os doMovimento aqui recorrido.
11 - Finalmente, a questão do(s) voto(s) de eleitor(es) pretensamente sem atestadomédico.
12 - A primeira e óbvia observação que se impõe é que as reclamações em que a recorrente se baseia não apresentam um único fundamento ou facto concreto, e, por isso mesmo, nem sequer foram apreciadas pela Assembleia de Apuramento Geral, tendo apenas merecido um cabal esclarecimento por parte da Mesa da AssembleiaEleitoral.
13 - Na verdade, não é possível ao recorrido, nem a ninguém, pronunciar-se sobre uma reclamação que, em termos abstractos, se limita a invocar que pelas mesmas razões de deficiência umas pessoas votaram acompanhados e outras não. Por isso apresento o meu protesto - Agostinho Guerreiro Caro.14 - Acresce que a recorrente sabe muito bem, mas esconde-o deliberadamente, que o aludido protesto só foi elaborado pelo Sr. Caro depois de terminado o apuramento da Mesa 1 aqui em causa e de o mesmo protestante já saber o resultado das outras
secções de voto.
15 - Por outro lado, também não tem qualquer consistência e não passa mesmo de mais uma atoarda utilizada pela recorrente para atirar o barro à parede, que se invoque a posteriori situações que não foram objecto de qualquer reclamação, só pelo facto de virem mencionadas, de forma aliás confusa, nas ocorrências durante as operações.16 - Isto quando, em contrapartida, a mesma recorrente omite a menção à reclamação subscrita por Francisca Maria Gordilho que veio a revelar-se sem o mínimo fundamento, visto que o eleitor em causa não votou acompanhado, mas tão somente auxiliado na operação de recolha e dobragem do boletim de voto».
8 - A recorrente começa por requerer que sejam considerados válidos os dois votos que foram objecto de protesto na Assembleia de Apuramento Geral.
Relativamente ao modo como vota cada eleitor, lê-se no n.º 4 do artigo 115.º da LEOAL que este assinala com uma cruz, em cada boletim de voto, no quadrado correspondente à candidatura em que vota. Esclarecendo o artigo 133.º, sob a epígrafe
"Voto nulo" o seguinte:
«1 - Considera-se «voto nulo» o correspondente ao boletim:a) No qual tenha sido assinalado mais de um quadrado;
b) No qual haja dúvidas quando ao quadrado assinalado;
c) No qual tenha sido assinalado o quadrado correspondente a uma candidatura que tenha sido rejeitada ou desistido das eleições;
d) No qual tenha sido feito qualquer corte, desenho ou rasura;
e) No qual tenha sido escrita qualquer palavra.
2 - Não é considerado voto nulo o do boletim de voto no qual a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, assinale
inequivocamente a vontade do eleitor.
3 - [...].»
Sobre os votos nulos, conclui-se no Acórdão 565/2005 (disponível emwww.tribunalconstitucional.pt) que:
«o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme e uniforme no sentido de que o boletim de voto, além da cruz marcada no quadrado correspondente à candidatura escolhida, não pode conter qualquer outro sinal (corte, desenho ou rasura), definindo-se a cruz como a intersecção de dois segmentos de recta, sendo considerado o voto válido se e quando a intersecção ocorrer dentro das linhas que delimitam o quadrado, não sendo considerado como voto nulo o do boletim de voto no qual a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, assinale inequivocamente a vontade do eleitor (veja-se a este respeito o Acórdão 614/89, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14.º vol., p. 635 e o Acórdão 864/93, in Diário da República, 2.ª série, de 31 de Março de 1994).Deste modo, o boletim para ser válido não pode ter, para além da cruz, qualquer outro sinal, corte, desenho ou rasura. Assim, um outro traço que assinale, de modo mais ou menos evidente, um outro quadrado que não o marcado pela cruz do boletim de voto ou quaisquer outras cruzes ou sinais noutro qualquer local do boletim, não pode deixar de ser havido como «desenho» tornando nulo tal boletim, segundo a jurisprudência do Tribunal (veja-se os Acórdãos atrás citados e ainda o Acórdão 862/93 e 728/97, in Diário da República, 2.ª série, de 10 de Maio de 1994 e de 4 de Fevereiro de 1998)».
No caso em apreço, estão em causa dois votos. Segundo a recorrente, um deles contém a cruz dentro dos limites do quadrado (embora imperfeitamente desenhada); o outro, contém a cruz imediatamente ao lado do quadrado, estando, no entanto, vincado
com a ponta da caneta.
Atendendo à Acta da Assembleia de Apuramento Geral e às fotocópias dos boletins de voto, juntas pela recorrente, é de concluir que os votos em causa são nulos, face aoscritérios já enunciados.
O primeiro não contém a cruz dentro dos limites do quadrado: apresenta um traço na diagonal dentro deste e não uma cruz, definindo-se esta como a intersecção de dois segmentos de recta. No segundo, a intersecção dos dois segmentos de recta - a cruz - está totalmente fora das linhas do quadrado. O vinco que a recorrente alega, se fosse relevante, ditaria também a nulidade do voto, uma vez que o boletim não pode conterqualquer outro sinal além da cruz.
9 - A recorrente requer também que a votação para a Assembleia de Freguesia de Amareleja seja julgada nula, face à "inexistência de um critério uniforme quanto à incapacidade dos eleitores votarem sozinhos e quanto à exigência do respectivo atestado médico", que extrai da conjugação de uma reclamação (cf. supra ponto 4.), de um protesto (cf. supra ponto 5.) e do exposto na Acta das Operações Eleitorais (cf.
supra ponto 3.).
Considerando estes elementos conjugadamente não se conclui pela inexistência daquelecritério.
Da decisão da Mesa sobre o protesto apresentado, decorre que o critério utilizado quanto "à incapacidade dos eleitores votarem sozinhos e quanto à exigência do respectivo atestado médico" foi o de exigir este atestado sempre que se suscitassem dúvidas quanto ao grau de deficiência do eleitor, sob pena de este votar sem acompanhante. De harmonia com este critério, a Mesa deliberou, face à reclamação apresentada, que o eleitor n.º 421 votaria sem ser acompanhado, "uma vez que não apresentava atestado comprovativo da incapacidade". Em sintonia com aquele critério, decorre da Acta das Operações Eleitorais que o eleitor n.º 779 "fez-se acompanhar de atestado médico, a justificar a sua incapacidade"; e que foi pedida ao eleitor n.º 1378 uma declaração em como estava incapacitado, quando foi alegada a incapacidade para votar sozinho. É certo que a parte da Acta correspondente ao desfecho deste caso não é particularmente esclarecedora - "Acabando assim o Senhor [...] ter exercido o direito ao voto" -, mas dela só se extrai uma de duas conclusões: o eleitor n.º 1378 acabou por votar acompanhado, porque apresentou declaração em como estava incapacitado;o eleitor n.º 1378 acabou por votar sozinho, porque não apresentou declaração em como estava incapacitado. Em qualquer caso, há observância do critério utilizado quanto "à incapacidade dos eleitores votarem sozinhos e quanto à exigência do respectivo atestado médico", uma vez que não se extrai daquela Acta a conclusão a que chega a recorrente, ou seja, a de que o eleitor "exerceu o seu direito ao voto acompanhado [...], não obstante, num primeiro momento, ter-lhe sido solicitado uma declaração em como estava incapacitado dado que a sua deficiência não era
visivelmente notória".
10 - Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 20 de Outubro de 2009. - Maria João Antunes - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Pamplona de Oliveira - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - João Cura Mariano - Vítor Gomes - Rui Manuel Moura Ramos.
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