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Acórdão 530/2009, de 29 de Outubro

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Sumário

Decide negar provimento ao recurso interposto pelo mandatário da candidatura e de representante do Partido Social Democrata - PPD/PSD, relativamente à deliberação da assembleia de apuramento geral do município da Póvoa de Lanhoso referente às eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2009.

Texto do documento

Acórdão 530/2009

Processo 860/09

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional 1 - Ricardo Manuel Ramusga Faria da Silva e José Miranda Gomes, na qualidade, respectivamente, de mandatário da candidatura e de representante do Partido Social Democrata - PPD/PSD, interpuseram recurso, ao abrigo do artigo 156.º da lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto (LEOAL), da deliberação da assembleia de apuramento geral do município da Póvoa de Lanhoso que considerou válido um voto a favor do Partido Socialista na eleição para a Assembleia de Freguesia de Ajude, nas eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2009.

Alegam, em síntese, que esse voto, de cuja qualificação como válido resulta que o Partido Social Democrata e o Partido Socialista passam a obter igual número de votos (71 votos) na eleição para o referido órgão autárquico, deve ser considerado nulo pois que o respectivo boletim, além de uma cruz a assinalar o quadrado correspondente ao Partido Socialista, contém um risco no canto inferior esquerdo. Apesar da reclamação apresentada pelo segundo recorrente, a assembleia de apuramento geral deliberou, por maioria, considerar esse voto como validamente expresso, com fundamento em que "se trata de algo que sem dúvida é constituído por tinta azul mas que, também, é sem dúvida algo feito de forma involuntária e além disso reveste total insignificância, não beliscando em nada a intenção de voto do respectivo eleitor", pelo que não preenche a previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 133.º da LEOAL.

Acrescentam os recorrentes que a assembleia não adoptou um critério uniforme, pois que considerou nulo um outro voto cujo boletim, assinalado com uma cruz no quadrado correspondente ao Partido Social Democrata, continha uma pequena circunferência no canto superior direito. De modo que a aplicação de um critério equilibrado e uniforme impõe que se considere consubstanciar uma marca, desenho, sinal ou rasura susceptível de implicar a anulação do voto o traço colocado no boletim agora em causa, apesar da cruz perfeitamente desenhada no quadrado correspondente à opção de voto no Partido

Socialista.

O Partido Socialista respondeu que os dois boletins de voto que os recorrentes comparam correspondem a situações completamente diversas. Um foi considerado nulo porque continha uma circunferência num canto, o que é uma forma de identificação. Naquele que está em disputa "apenas se nota, de uma forma quase imperceptível, um risco involuntário ou que foi devido ao factor idade do eleitor" e em nada afectando a determinação da intenção de voto, pelo que o recurso deve

improceder.

Requisitaram-se os originais dos dois boletins de voto que foram objecto de apreciação alegadamente não uniforme por parte da assembleia de apuramento geral.

2 - Nada obsta a que se conheça do presente recurso, pois que foi oportunamente deduzida reclamação (artigo 156.º da LEOAL), os recorrentes detêm a qualidade que invocam e, consequentemente, legitimidade para o recurso (artigo 157.º da LEOAL) e este foi apresentado dentro do prazo legal (artigo 158.º da LEOAL).

3 - Face ao que consta da acta e tendo o Tribunal examinado os boletins de voto requisitados, considera-se assente a matéria de facto seguinte:

a) Relativamente à eleição para a Assembleia de Freguesia de Ajude, a que só concorreram as listas do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, a assembleia de apuramento geral do município da Póvoa de Lanhoso analisou 3 boletins de voto e decidiu considerar dois deles validamente expressos no Partido Socialista e o outro nulo, do que resultou o apuramento de 71 votos para cada uma das listas concorrentes (o resultado do apuramento local era de 69 e 71 votos, respectivamente);

b) O boletim cujo voto foi considerado nulo contém uma cruz no quadrado correspondente ao Partido Social Democrata e uma circunferência no canto superior

direito;

c) Um dos boletins cujo voto foi considerado validamente expresso no Partido Socialista contém uma cruz no quadrado correspondente e um risco ou traço irregular, de cerca de um centímetro, localizado no lado esquerdo e após a parte impressa do boletim, efectuado a tinta azul como a da cruz, mas com menor intensidade;

d) O representante do Partido Social Democrata às operações de apuramento geral

apresentou a seguinte reclamação:

"Entendemos que, salvo melhor opinião, nos termos do artigo 133.º, n.º 1, alínea d) da Lei 1/2001, de 14 de Agosto, que o último voto que foi considerado válido pela Assembleia Geral de Apuramento, devia ter sido dado como nulo. Na verdade, refere o preceito que se considera voto nulo o correspondente ao boletim no qual tenha sido feito qualquer corte, desenho ou rasura. Ora, no boletim verifica-se uma rasura que aliás não é tão pequena quanto isso. Por isso julgamos que esse boletim é nulo uma vez que a Lei não refere intensidade ou profundidade do traço, sob pena de termos um critério que não está vertido na lei. Este nosso entendimento foi, aliás, que nos levou a não apresentar reclamação relativamente ao boletim de voto onde foi desenhada a circunferência. Pelo exposto, julgamos que tal voto deve ser considerado nulo sob pena de violação do artigo referido. Pede-se deferimento."

e) A reclamação foi indeferida "com o fundamento de que a alegada 'rasura' não se trata de uma 'rasura' tal como ela se encontra prevista no artigo 133.º, n.º 1, alínea d) da Lei Eleitoral. Na verdade, trata-se de algo que sem dúvida é constituído por tinta azul mas que, também, é sem dúvida algo feito de forma involuntária e além disso reveste total insignificância, não beliscando em nada a intenção de voto do respectivo

eleitor".

4 - A única questão a decidir consiste em saber se o traço aposto no boletim referido na antecedente alínea c) impõe a sua qualificação como "voto nulo" por dever ser considerado desenho ou rasura para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 133.º da

LEOAL.

Nos termos do n.º 4 do artigo 115.º da LEOAL, o eleitor expressa a sua vontade assinalando com uma cruz o quadrado correspondente à candidatura em que vota. É um modo estritamente vinculado de manifestação de vontade eleitoral e é só isso que deve acrescentar ao boletim que lhe é entregue.

Estabelece o artigo 133.º da mesma lei, sob a epígrafe "Voto nulo", o seguinte:

"1- Considera-se «voto nulo» o correspondente ao boletim:

a) No qual tenha sido assinalado mais de um quadrado;

b) No qual haja dúvidas quando ao quadrado assinalado;

c) No qual tenha sido assinalado o quadrado correspondente a uma candidatura que tenha sido rejeitada ou desistido das eleições;

d) No qual tenha sido feito qualquer corte, desenho ou rasura;

e) No qual tenha sido escrita qualquer palavra.

2 - Não é considerado voto nulo o do boletim de voto no qual a cruz, embora não sendo perfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado, assinale

inequivocamente a vontade do eleitor.

[...]."

Sobre a matéria da nulidade do voto, o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência uniforme no sentido de que o boletim de voto, além da cruz marcada no quadrado correspondente à candidatura escolhida, não pode conter qualquer outro sinal (corte, desenho ou rasura). Qualquer outro traço separado que figure noutro lugar do boletim, que não no quadrado marcado pela cruz, não pode deixar de ser havido como «desenho» tornando nulo tal boletim, segundo a jurisprudência do Tribunal (Cfr.

acórdãos n.º 614/89, n.º 6/98, n.º 438/00 e n.º 21/2002 disponíveis em

www.tribunalconstitucional.pt).

Com a exigência de que o boletim não contenha outros elementos introduzidos pelo eleitor (corte, desenho, rasura ou palavras escritas), além da cruz que assinala a opção de voto, o legislador teve em vista, não só garantir a certeza na interpretação da vontade do eleitor, mas também garantir o próprio segredo do voto. Isto é, a proibição de que o leitor faça no boletim outros sinais, além da cruz no local próprio, tem uma dupla finalidade: por um lado, eliminar qualquer elemento que perturbe a percepção da escolha do eleitor; por outro, assegurar que ninguém tenha possibilidade de certificar-se, a partir dos boletins de voto, de qual foi o sentido de voto de um

determinado eleitor.

Efectivamente, o princípio do sufrágio secreto é uma garantia da própria liberdade de voto. Esse princípio implica a proibição da sinalização do voto, como modo de impedir a reconstrução posterior do efectivo sentido do voto de cada eleitor. O cidadão não pode, no modo como expressa a sua opção no boletim, comprometer o segredo do voto. A lei assegura-o de modo radical ao proibir os elementos referidos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 133.º da LEOAL sob pena de nulidade. De outro modo, podendo o eleitor sentir-se condicionado a transmitir a quem posteriormente observasse os boletins (membros das mesas, delegados ou representantes das candidaturas, etc.) sinais que identificassem subjectivamente o voto, ficaria em risco a garantia de que, no momento da decisão, o eleitor faz uma opção tanto quanto possível livre de coação física ou psicológica de quaisquer entidades públicas ou privadas. O que, face à imprevisível multiplicidade de modos de sinalizar o voto, só se consegue mediante uma absoluta proibição de que no boletim sejam introduzidos quaisquer elementos além daquele que a lei prevê como modo vinculado de manifestar a opção

de voto.

Postas estas genéricas considerações, vejamos a situação concreta.

Na perspectiva da determinação da vontade do eleitor, tem de convir-se que o traço existente no boletim em análise não é de molde a lançar dúvida sobre a opção que a nítida e precisa marcação da cruz dentro do quadrado correspondente à votação na lista do Partido Socialista manifesta. É certo que neste domínio todas as presunções são falíveis, não sendo possível atribuir um sentido unívoco à aposição de um traço adicional num boletim de voto, podendo significar, entre outros sentidos possíveis, um reforço da opção, o repúdio de determinada alternativa, uma hesitação, a vontade de anular o voto, um acidente no manejo do instrumento de escrita. Mas, no caso, confrontando a nitidez da cruz desenhada no quadrado correspondente à votação na lista do Partido Socialista com as características e localização do traço suplementar sob apreciação não pode a sua presença gerar dúvidas de interpretação da vontade do eleitor. O traço não interfere com qualquer elemento da mancha gráfica, surgindo no quadrante inferior do boletim fora da zona impressa, materializando-se numa linha não rectilínea, de pequeno comprimento e muito pouca nitidez, denotando acidentalidade.

Foi esta a valoração efectuada pela deliberação recorrida para qualificar o voto como

válido.

É certo, como se disse, essa não é a única finalidade visada pelo legislador com as normas de qualificação dos votos como nulos e que a tutela do sigilo de voto justifica um critério rigorista no momento do apuramento dos resultados. Todo o sinal que sirva ou possa objectivamente servir para determinar a pessoa do eleitor deve conduzir à

nulidade do voto.

Todavia, nas peculiares circunstâncias do caso, não pode, num horizonte de razoabilidade, atribuir-se ao grafismo em causa uma suspeição dessa natureza. Trata-se de um leve risco que roça a imperceptibilidade, que é dificilmente repetível e cuja presença no boletim bem poderia escapar ao observador médio, designadamente ao eleitor, inviabilizando praticamente o meio que a lei lhe faculta - por essa via, se introduzindo um elemento de proporcionalidade no regime jurídico em causa - de solicitar novo boletim perante a hipotética pré-existência ou a introdução inadvertida de elementos susceptíveis de comprometer a sua expressão de vontade (artigo 115.º, n.os

7 e 8, da LEOAL).

Deve, por último, referir-se que a situação é claramente diversa daquela que respeita ao voto referido na alínea b) do n.º 3 do presente acórdão. Nesse outro boletim existe um desenho, nitidamente impresso e com uma forma de circunferência, cuja aptidão objectiva para funcionar como sinal não é contestável. Não pode, pois, censurar-se a assembleia de apuramento geral, a partir da comparação destes casos, de inobservância de um critério uniforme na reapreciação dos boletins de voto que lhe são

submetidos (artigo 149.º da LEOAL).

Por tudo o exposto, não merece censura a deliberação da assembleia de apuramento geral do Município da Póvoa de Lanhoso de qualificar o voto em causa como validamente expresso na lista do Partido Socialista na eleição da Assembleia de

Freguesia de Ajude.

5 - Decisão

Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao presente recurso.

Lisboa, 20 de Outubro de 2009. - Vítor Gomes - Maria João Antunes - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Carlos Pamplona de Oliveira - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - João Cura Mariano - Rui Manuel Moura Ramos.

202488007

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/10/29/plain-263479.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/263479.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2001-01-04 - Lei 1/2001 - Assembleia da República

    Altera a Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, que aprova a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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