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Acórdão DD32, de 19 de Dezembro

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Sumário

Proferido no processo n.º 59913, em que era recorrente Silva Pereira (Irmãos), Lda., e recorrido João de Matos Cortes.

Texto do documento

Acórdão doutrinário

Processo 59913. - Autos de recurso para tribunal pleno. Recorrente, Silva Pereira (Irmãos), Lda. Recorrido, João de Matos Cortes.

Acordam, em conferência, os do Supremo Tribunal de Justiça em tribunal pleno:

A firma Silva Pereira (Irmãos), Lda., recorre para o tribunal pleno do Acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Maio de 1963, que decidiu as seguintes questões de direito:

a) Embora o aval seja um acto de comércio objectivo, como resulta do artigo 2.º do Código Comercial, a letra não saiu do domínio das relações imediatas, podendo, por isso, discutir-se a causa jurídica que deu origem à letra;

b) Tratando-se de um acto de comércio unilateral ou misto, visto a venda de azeite ser um acto de comércio quanto à compradora, mas não perder por esse motivo a natureza civil quanto ao vendedor, não são aplicáveis a este, e consequentemente ao seu avalista, as disposições de lei comercial, como resulta do artigo 99.º do Código Comercial.

Alega a recorrente que este acórdão está em manifesta oposição com os de 22 de Abril de 1938 e 5 de Abril de 1918, transitados em julgado, proferidos em processos diferentes e no domínio da mesma legislação.

No Acórdão de 1938 decidiu-se que as dívidas provenientes de letras, sejam ou não comerciantes as pessoas que nelas intervenham, são essencialmente comerciais, que a obrigação nas letras incorporada é literal, resulta das assinaturas nelas contidas, não se devendo atender à causa debendi; que a obrigação cartular tem plena consistência jurídica, sendo inútil averiguar da obrigação causal; que as letras se caracterizam pelos princípios de literalidade e de autonomia (Colecção Oficial, ano 37, p. 165; Gaseta da Relação de Lisboa, ano 52, p. 331).

No Acórdão de 1910 julgou-se que, à face do artigo 99.º do Código Comercial, a venda é um contrato comercial, regulado pelas disposições de lei comercial em relação a todos os contraentes (Gazeta da Relação de Lisboa, ano 32, p. 381).

Estão juntas aos autos as cópias dos três acórdãos e da sua leitura verifica-se a nítida oposição sobre questões fundamentais de direito, justificando-se o presente recurso.

Tudo visto:

A primeira questão - se a dívida proveniente da prestação de aval em uma letra é necessàriamente comercial ou pode assumir natureza civil - tem sido largamente debatida na doutrina e na jurisprudência.

Sobre ela debruçaram-se notáveis jurisconsultos portugueses: Guilherme Moreira (Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, ano 5.º, p. 248), Barbosa de Magalhães (Revista da Ordem dos Advogados, ano 11.º, n.os 34, p. 367) Alberto dos Reis (Processo de Execuções, vol. I, p. 291), Fernando Olavo (Lições de Direito Comercial, p. 147), Mário de Figueiredo (Caracteres dos Títulos de Crédito, p. 119) e José Gabriel Pinto Coelho (Lições de Direito Comercial, vol. II, p. 45).

Examinado o problema nos seus múltiplos aspectos, entendemos que a solução mais legal é a perfilhada no acórdão recorrido.

Não é suficiente a comercialidade formal da dívida representada por letra; é preciso que seja também de natureza comercial a relação subjacente para que, no domínio das relações imediatas, a dívida possa ser considerada comercial, e, assim, ser-lhe aplicado o artigo 10.º do Código Comercial.

Nem sempre tem natureza comercial a obrigação subjacente à letra, pois na vida económica civil a letra é frequentemente utilizada em razão das vantagens que assegura.

E se a obrigação subjacente é de natureza civil, não pode considerar-se comercial a obrigação resultante da letra; não pode sujeitar-se à disciplina do direito comercial.

Nos termos do artigo 32.º da lei uniforme, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, como se fosse o avalizado. É um juízo de extensão e conteúdo de obrigação do avalista e avalizado; a responsabilidade do avalista não pode exceder a do avalizado.

As dívidas de letra resultantes do seu aceite, saque, endosso ou aval, estando a letra no âmbito das relações imediatas, devem considerar-se civis, quando sejam desta natureza as respectivas obrigações subjacentes.

O aval, embora constitua um acto comercial formal, pode garantir uma obrigação de natureza civil.

A tese do recorrente teria como consequência lamentável ficar a família desprotegida se o marido, casado em regime de comunhão geral de bens, avalizasse uma letra;

privaria a mulher e filhos dos bens do casal.

Examinemos a segunda questão.

A venda não é sempre, em relação a todos os contraentes, um contrato comercial;

pode ser um acto de comércio unilateral ou misto, comercial quanto ao comprador e civil quanto ao vendedor; neste caso, não são aplicáveis ao vendedor, e consequentemente ao seu avalista, as disposições da lei comercial, como resulta do artigo 99.º do Código Comercial.

O Prof. Mário de Figueiredo, com notável clareza, cita o seguinte exemplo: dois comerciantes compram a dois agricultores dois moios de trigo. A compra é comercial, mas a venda é civil, porque é feita pelos agricultores e o trigo é da sua lavra.

O artigo 10.º do Código Comercial só é aplicável àqueles em relação a quem o acto é mercantil: no exemplo referido, aos dois comerciantes compradores; não é extensivo aos não comerciantes quanto aos contratos que, em relação a estes, não constituem actos comerciais.

Pelo exposto, negam provimento ao recurso e formulam o seguinte assento:

1.º No domínio das relações imediatas, pode discutir-se se as obrigações cambiárias, como a resultante do aval, têm ou não natureza comercial.

2.º O artigo 10.º do Código Comercial não é aplicável ao outorgante em relação ao qual o contrato de compra e venda não é mercantil.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 1964. - Gonçalves Pereira - Alberto Toscano - Fragoso de Almeida - Albuquerque Rocha - João Caldeira - Torres Paulo - Eduardo Tovar de Lemos (sem prejuízo do mais emocionado respeito pela assinatura de seu saudoso pai no acórdão de fl. ...) - Albino Resende Gomes de Almeida - Lopes Cardoso - F.

Toscano Pessoa - António Teixeira Botelho - Barbosa Viana - Abrantes Tinoco - Ludovico da Costa - Simões de Carvalho [vencido porque a obrigação de restituir a quantia entregue pelo comprador comerciante de artigos do seu comércio ao vendedor produtor, que não cumpriu o contrato, é um acto misto - de natureza civil quanto a este e de natureza comercial relativamente àquele.

Os actos desta espécie são regulados quanto a ambos os contraentes pelas disposições da lei comercial (artigo 99.º do Código Comercial).

As excepções ali ressalvadas referem-se necessàriamente aos comerciantes; senão inutilizariam a regra formulada.

A tais actos é portanto aplicável o disposto no artigo 10.º do Código Comercial e o n.º 3.º do artigo 825.º do Código de Processo Civil.

Quanto à primeira parte estou de acordo.

Está conforme.

Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Dezembro de 1964. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1964/12/19/plain-257399.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/257399.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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