de 27 de Fevereiro
Considerando que, por força do disposto no Regulamento da Navegação Aérea - Decreto 20062, de 25 de Outubro de 1930 -, o comandante de uma aeronave tem, sobre a tripulação e demais pessoas a bordo, na parte aplicável, os poderes disciplinares conferidos aos comandantes dos navios mercantes;Considerando que a rapidez verificada na evolução da tecnologia do transporte aéreo, os sofisticados meios e a expansão da aviação comercial impõem rapidez na formulação e na execução de decisões que envolvem sempre bens de grande valia, sejam vidas humanas, sejam bens materiais, torna-se imperiosa a redefinição, em moldes adequados, das funções de quem comanda, com vista à sua autoridade e correcta responsabilização;
Considerando estes objectivos, foi elaborado o Estatuto do Comandante de Aeronave, definindo os seus poderes e responsabilizando-o pelo uso dos mesmos, obrigando-se à justificação de certos procedimentos perante as autoridades competentes, alcançando-se assim não só uma mais segura e eficiente exploração do transporte aéreo, como uma maior dignificação e prestígio da função de comando.
Nestes termos:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo único. É aprovado o Estatuto do Comandante de Aeronave anexo ao presente decreto-lei e que dele faz parte integrante.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 2 de Fevereiro de 1984. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - João Rosado Correia.
Promulgado em 13 de Fevereiro de 1984.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 16 de Fevereiro de 1984.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.
ESTATUTO DO COMANDANTE DE AERONAVE
CAPÍTULO I Parte geral
Artigo 1.º - 1 - O presente Estatuto é aplicável ao comandante de aeronave nacional de transporte aéreo.2 - As normas deste Estatuto aplicam-se ainda ao comandante de aeronave estrangeira que utilize aeroporto ou aeródromo portugueses, sem prejuízo da aplicação de tratado ou convenção internacional em contrário.
3 - As disposições contidas neste Estatuto não se aplicam aos comandantes de aeronaves quando utilizadas em serviços do Estado, militares, aduaneiros, de polícia e outros.
Art. 2.º - 1 - Para efeitos do disposto no presente diploma, entende-se que o comandante de aeronave é o piloto que, reunindo os requisitos legalmente exigíveis e designado pelo operador de transporte aéreo, exerce o comando da aeronave, incumbindo-lhe a direcção e responsabilidade da condução segura e regulamentar da mesma.
2 - Além das previstas no presente Estatuto, ao comandante compete ainda o exercício das funções preceituadas na demais legislação aplicável.
3 - Neste Estatuto, o uso do termo «comandante» reporta-se a comandante de aeronave de transporte aéreo.
Art. 3.º - 1 - Durante a realização do serviço de voo para que foi nomeado, compete ao comandante, designadamente:
a) Conduzir a aeronave executando ou mandando executar todas as medidas necessárias à segurança e à regularidade da operação e tendo em vista a eficácia e economia da mesma;
b) Zelar pela protecção das pessoas e bens confiados à sua guarda e utilização;
c) Exercer, nos limites do presente Estatuto, a autoridade sobre a tripulação da aeronave;
d) Manter a ordem e a disciplina a bordo;
e) Intervir, no âmbito da sua competência e pela forma prevista na lei, nos actos e factos que tenham lugar a bordo da aeronave e relatá-los às entidades competentes;
f) Exercer todos os outros poderes que lhe forem legalmente cometidos;
g) Representar o operador, de acordo com a delegação que lhe foi conferida.
2 - As autoridades públicas e os organismos oficiais darão ao comandante, nos termos da legislação, das normas e dos procedimentos nacionais e internacionais aplicáveis, todo o apoio necessário ao exercício das suas funções.
Art. 4.º - 1 - Com as limitações decorrentes do presente Estatuto, o comandante é a autoridade máxima a bordo, sendo responsável pela aeronave, tripulação, passageiros, carga e correio.
2 - Ao comandante não serão cometidas funções de custódia ou vigilância a bordo de quaisquer passageiros.
3 - Para efeito do disposto no presente diploma, entende-se por início e fim do exercício das funções de comandante:
a) Quanto à tripulação designada para o respectivo serviço de voo - no momento da apresentação daquela para a realização da mesma, cessando no fim desse serviço, após cumprimento das formalidades legais e funcionais ao mesmo inerentes;
b) Quanto aos passageiros - no momento em que estes sejam embarcados a bordo da aeronave, até serem colocados à disposição da entidade competente ou do representante do operador, conforme o caso;
c) Quanto às bagagens, carga e correio - no momento em que estes sejam embarcados a bordo da aeronave, terminando quando colocados à disposição da entidade competente ou do representante do operador, conforme o caso;
d) Quanto à aeronave - quando recebida pelo comandante ou pela pessoa na qual este delegue, para a realização do serviço, e termina quando, finalizado o serviço e ou o voo, faça a entrega da mesma ao representante do operador ou, quando tal não se mostre possível, uma vez observadas as precauções que tecnicamente garantam a segurança e cuidado da aeronave, de acordo com o estipulado no Manual de Operações de Voo.
Art. 5.º - 1 - Para efeitos do disposto no presente diploma, entende-se por «serviço» a actividade desenvolvida pelo comandante desde a sua apresentação no aeroporto para realizar um voo ou uma série de voos, até ao início do primeiro período completo de descanso regulamentar em terra.
2 - Entende-se por descanso regulamentar em terra aquele que interrompe o serviço, a fim de proporcionar à tripulação pelo menos o descanso mínimo regulamentar estabelecido para a sua recuperação antes de iniciar outro serviço.
3 - Os períodos de descanso parciais em terra não interrompem o serviço.
Art. 6.º Em caso de incapacidade total do comandante para o exercício das suas funções, estas serão desempenhadas pelo tripulante que ocupe o lugar de co-piloto ou por quem for expressamente designado no Manual de Operações de Voo.
CAPÍTULO II
Do exercício da função
Art. 7.º O comandante deverá assegurar que o planeamento e execução do voo se realizam de acordo com a lei, manuais e outros procedimentos em vigor.Art. 8.º O comandante poderá não iniciar o voo quando, em seu entender:
a) Qualquer membro da tripulação, incluindo ele próprio, se encontre em condições legais, mentais, físicas, fisiológicas ou outras que não garantam a adequada execução das funções específicas a bordo;
b) Não tenha recebido dos serviços competentes a assistência suficiente e as medidas necessárias que garantam a sua segura e correcta realização;
c) Algum passageiro embarcado possa constituir perigo para a segurança do voo, nomeadamente quanto à perturbação da ordem de bordo;
d) A carga da aeronave ultrapasse os limites permitidos ou, pela sua natureza ou falta das regulamentares precauções no seu transporte, possa implicar riscos para a segurança do voo;
e) A aeronave não satisfaça as condições mínimas tecnicamente exigíveis.
Art. 9.º - 1 - O comandante, em casos devidamente justificados, poderá fazer antecipar ou atrasar a saída de um voo ou desviar o percurso normal daquele, mesmo depois de já iniciado.
2 - Qualquer dos procedimentos referidos no número anterior poderá ter lugar, nomeadamente, em algum dos seguintes casos:
a) Existência ou previsão de fenómenos atmosféricos ou catastróficos que ponham em perigo a integridade da aeronave ou a segurança das pessoas e bens a bordo;
b) Existência ou justificada previsão de situações sociais ou políticas que assim o determinem.
Art. 10.º - 1 - O comandante pode exigir a execução de medidas específicas de segurança, antes do início do voo, quando, em seu contender, tal segurança não esteja devidamente garantida.
2 - O comandante deve previamente ser informado de qualquer medida especial ou excepcional de segurança que seja determinada pela autoridade competente ou pela empresa transportadora, assim como da causa que a motiva.
Art. 11.º - 1 - O comandante acatará as competentes instruções dos serviços oficiais de controle do tráfego aéreo, a não ser que da execução das mesmas possa resultar perigo para a segurança da operação.
2 - No caso previsto no número anterior, o comandante adoptará o procedimento que tenha por adequado, dando-o a conhecer aos referidos serviços logo que possível.
Art. 12.º Sempre que esteja em causa a segurança da operação, o comandante não deverá abandonar o exercício das suas funções sem ter adoptado ou promovido todas as medidas adequadas à salvaguarda das pessoas e bens sob a sua responsabilidade.
Art. 13.º O comandante, em casos de força maior devidamente justificados, poderá suspender um tripulante das suas funções a bordo ou encarregá-lo temporariamente de outras distintas daquelas para que foi nomeado e para as quais esteja devidamente habilitado.
Art. 14.º O comandante, por razões estritas de segurança, que justificará, poderá adoptar procedimentos contrários àqueles regularmente determinados.
CAPÍTULO III
Da responsabilidade
Art. 15.º - 1 - O comandante será responsável criminal, civil e disciplinarmente nos termos da lei e do presente Estatuto.2 - Sem prejuízo do disposto nos demais preceitos legais aplicáveis, o comandante não é responsável:
a) Pelo embarque, desembarque e presença a bordo de quaisquer indivíduos com inobservância das regras legais relativas à entrada, permanência ou saída de pessoas do País;
b) Pelo não acatamento da lei quanto ao embarque, desembarque, transporte, manuseamento e detenção a bordo de quaisquer bens ou mercadorias.
3 - Não é aplicável o disposto no número anterior quando os mencionados factos forem do conhecimento do comandante.
4 - O comandante não é responsável pelas consequências:
a) Do incumprimento das ordens por ele regularmente emitidas;
b) Das decisões que tome no exercício das suas funções sempre que aquelas sejam resultado da inexactidão dos dados ou informações fornecidos por terceiros regularmente obrigados a emiti-los.
Art. 16.º Aplicam-se ao comandante os limites de responsabilidade civil previstos na lei a favor do operador de transporte aéreo.
Art. 17.º - 1 - Sem prejuízo do preceituado no artigo 15.º, o comandante titular de uma licença emitida pela autoridade aeronáutica portuguesa poderá ser suspenso do exercício das respectivas funções até ao limite máximo de 6 meses, por infracção ao disposto no presente Estatuto, em conclusão de processo instaurado para esse fim e após audição sobre a matéria da acusação, sendo-lhe garantido o exercício do direito de defesa.
2 - O comandante titular de uma licença emitida por autoridade aeronáutica de outro Estado poderá ser suspenso do exercício de funções no espaço aéreo ou em território nacionais, até ao limite e nos termos previstos no número anterior.
3 - A entidade competente para a instrução do processo e subsequente aplicação da suspensão prevista nos números anteriores é a Direcção-Geral da Aviação Civil, sendo a sanção graduada de acordo com a infracção cometida.
4 - Das decisões proferidas ao abrigo das disposições constantes do número anterior caberá recurso hierárquico para o Ministro do Equipamento Social.
O Ministro do Equipamento Social, João Rosado Correia.