Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 7/2016/M
Proposta de lei à Assembleia da República - Alteração ao Código de Processo Civil e ao Código de Procedimento e de Processo Tributário
A crise económica que afeta a Europa, em especial os países do Sul da Europa e em particular Portugal, tem tido profundas consequências sociais, cujas dimensões e alcance, esperamos, tenham atingido o seu extremo.
O sobre-endividamento das pessoas singulares é uma realidade ou fenómeno recente das sociedades contemporâneas, com crescimento acentuado nas últimas décadas, também em Portugal. Este fenómeno começa por ter subjacente, por um lado, um aumento do consumo das famílias, em resultado de uma maior facilidade na concessão de crédito por parte dos bancos e das entidades financeiras, nomeadamente em virtude de uma forte promoção da concessão de crédito para aquisição de habitação própria e, por outro, uma diminuição da poupança das famílias.
A dimensão ou o nível de endividamento das famílias portuguesas é dos mais elevados na União Europeia (UE), como nos dá conta um documento de informação de 2010 para o Parlamento Europeu, embora a par de outros países como a Irlanda, a Espanha, o Reino Unido, o Chipre e a Dinamarca.
Mas não foram apenas estas realidades sociais, aumento do consumo e, em simultâneo, diminuição da poupança, a gerar o sobre-endividamento. Tais realidades sociais foram apanhadas como que em contraciclo por uma onda avassaladora, a profunda crise financeira e económica mundial, despoletada pela crise do subprime nos Estados Unidos da América (EUA) em 2007/2008, geradora de uma drástica contração do crédito, seguida de medidas de austeridade e consequente aumento do desemprego, o que tudo contribuiu para fazer emergir o fenómeno do sobre-endividamento. Em Portugal, por força das medidas de austeridade adotadas, do elevado nível de desemprego atingido, do encerramento de pequenas empresas e pequenos comércios familiares, das reduções (os vulgarmente denominados «cortes») nos salários e vencimentos das pessoas que exercem funções no setor público e do enorme aumento de impostos, tudo isto provocou uma acentuada perda de rendimentos por parte das famílias. Nestas circunstâncias, de mais consumo e menos poupança, a capacidade financeira de muitas famílias portuguesas estava demasiado debilitada para absorver o impacto das perdas de rendimento em consequência das crises financeira e económica e das medidas subsequentes, pelo que, naturalmente, não aguentaram esse impacto. Daí resultou o sobre-endividamento de muitas famílias, que se viram a braços com uma incapacidade estrutural de cumprir os compromissos resultantes dos créditos contraídos.
Associado aos fatores acima descritos, os números do desemprego em Portugal têm aumentado de uma forma dramática nos últimos anos. De uma taxa de desemprego média de 7,7 % em finais de 2006, com 427 800 desempregados, passámos para uma taxa de 16,9 % em finais de 2012 (um aumento de mais de 100 %), atingindo hoje um número superior a 770 000 desempregados.
A família é um elemento de reconhecida importância na sociedade e no nosso ordenamento jurídico, que dispõe de normas destinadas à sua proteção. A família é uma exigência do ser humano e as suas origens antecedem a organização política através do Estado. Ao longo dos tempos a família tem sofrido uma profunda transformação quanto à sua composição, sendo, atualmente, maioritariamente constituída pela família nuclear ou também designada por conjugal - cônjuges e filhos. Mas hoje é também cada vez mais frequente os filhos maiores viverem com os pais, ou porque nunca deixaram de viver com aqueles, fruto da instabilidade social que se vivencia e da dificuldade de obtenção de emprego, ou porque regressaram ao agregado familiar de origem em consequência de uma separação ou divórcio, por, as mais das vezes, não terem capacidade económica para suportar os custos inerentes a uma habitação. Também é cada vez mais comum a existência de famílias monoparentais, só constituídas por mãe e filho ou filhos ou o pai e estes. O artigo 67.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa dispõe que «[a] família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.». O espaço físico onde a família habita diariamente é indispensável à realização individual de cada um bem como da própria família. O lar da família é necessário à concretização e execução do direito desta à vivência e convivência dos seus membros. No reconhecimento deste direito fundamental prescreve o artigo 65.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que «[t]odos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.». Entre as normas que tutelam a família existem as que tutelam a casa onde aquela reside, o ambiente físico onde se desenvolve a vida familiar de um concreto agregado, hoje maioritariamente nuclear (constituído por pai, mãe e filho ou filhos). A casa é o espaço onde um agregado familiar reside de forma habitual e com caráter de permanência, devendo entender-se que da mesma fazem parte os móveis e utensílios domésticos que a compõem por estarem afetos à vida familiar daqueles que a habitam.
Os tribunais portugueses têm definido como casa de família: «qualquer casa (comum ou própria de um dos cônjuges) que só poderá ter essa qualificação quando for nela que habitualmente more ou habite a família [...], formando uma economia comum» - Ac. RP de 21/12/2006, in CJ, v, p. 197, e Ac. RC de 01/03/2005; «aquela que constitui a residência permanente dos cônjuges e dos filhos, a sua residência habitual ou principal, implicando que esta constitua ou tenha constituído a residência principal do agregado familiar e que um dos cônjuges seja titular do direito que lhe confira o direito à utilização dela» - Ac. RL de 12/02/1998, in CJ, i, p. 121.
Por outro lado, no direito interno, é da máxima relevância notar que a República Portuguesa é «baseada na dignidade da pessoa humana» - artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa. Prevê, ainda, o artigo 65.º, nos n.os 2 e 3 deste preceito, os deveres que incumbem ao Estado para assegurar tal direito, mormente o dever de adotar políticas tendentes a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar, como também «de acesso à habitação própria». Em anotação a este preceito, Gomes Canotilho e Vital Moreira qualificam-no não «apenas [como] um direito individual mas também um direito das famílias», como «uma garantia do direito à intimidade da vida privada».
A nível internacional, é de salientar que os Estados Partes do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, adotado pela Resolução N.2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas de 16 de dezembro de 1966, o preâmbulo deste pacto plasmar que «o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo». Consagraram, também, no artigo 11.º, § 1.º, o reconhecimento do «direito de toda a pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive [...] moradia adequada» e estabeleceram o dever, para os Estados subscritores do Pacto, de tomarem as «medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito».
No espaço europeu a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia veio estabelecer que, com vista a «lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União reconhece e respeita o direito [...] a uma ajuda à habitação destinada a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes [...]» (artigo 34.º, n.º 3).
É possível concluir que o direito à habitação é um direito fundamental, com consagração constitucional, com um conteúdo efetivo e prático, não apenas programático, ainda que não um direito absoluto, o que implica na sua concretização prática a ponderação de outros valores, incluindo a designada «reserva do possível» (Canotilho, 1991:478). O direito à habitação encontra também fundamento ou amparo à luz dos instrumentos internacionais que consagram os direitos humanos e os direitos sociais, máxime considerando o princípio da dignidade da pessoa humana.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 37.º, bem como do artigo 44.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de junho, com as alterações introduzidas pelas Leis 130/99, de 21 de agosto e 12/2000, de 21 de junho, apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º
Aditamento à Lei 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o Código de Processo Civil
É aditado o artigo 739.º-A à Lei 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o Código de Processo Civil, retificada pela Declaração de Retificação n.º 36/2013, de 12 de agosto, e alterada pela Lei 122/2015, de 1 de setembro, que terá a seguinte redação:
«Artigo 739.º-A
Impenhorabilidade da casa de morada de família
1 - É impenhorável o imóvel que constitua a casa de morada de família do executado e do cônjuge ou com quem viva em condições análogas à dos cônjuges, salvo as exceções previstas na lei.
2 - São impenhoráveis os bens que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado, salvo quando se tratem de bens de natureza voluptuária.
3 - A impenhorabilidade é oponível em qualquer execução movida contra um dos cônjuges ou a ambos, exceto quando:
a) A execução se destinar ao pagamento do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite do crédito contratado;
b) A execução se destinar ao pagamento de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo executado.
4 - Não beneficiará deste regime aquele que, sabendo-se insolvente, adquira, de má-fé, imóvel de valor mais elevado, que passe a figurar como habitação efetiva e permanente do executado e do agregado familiar, alienando ou não o imóvel que antes era destinado a esse fim.
5 - Na situação prevista no número anterior, pode o juiz, na respetiva ação de execução, transferir a impenhorabilidade para o imóvel que constituía a anterior habitação efetiva do executado e do agregado familiar, ou anular a venda, liberando o imóvel de maior valor, afetando-o, à execução.
6 - Para o efeito do previsto neste artigo, considera-se 'casa de morada de família' a habitação efetiva do agregado familiar, um único imóvel, utilizado com caráter permanente.
7 - Quando o executado possua mais do que um imóvel, a impenhorabilidade recai sobre o imóvel de menor valor, salvo se o executado indicar outro imóvel para esse fim.»
Artigo 2.º
Alteração ao Decreto-Lei 433/99, de 26 de outubro, que aprovou o Código de Procedimento e de Processo Tributário
Os artigos 219.º, 220.º e 231.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei 433/99, de 26 de outubro, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 219.º
[...]
1 - ...
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - É impenhorável o imóvel que constitua a casa de morada de família do executado.
6 - (Anterior n.º 5.)
Artigo 220.º
[...]
1 - (Anterior corpo do artigo.)
2 - Excetua-se o imóvel que constitua a casa de morada de família do executado e do cônjuge ou com quem viva em condições análogas à dos cônjuges.
Artigo 231.º
Formalidades de penhora de imóveis
1 - ...
a) ...
b) ...
c) ...
d) ...
e) ...
2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - ...
6 - Exclui-se o imóvel que constitua a casa de morada de família do executado.
7 - Quando o executado possua mais do que um imóvel, a impenhorabilidade recai sobre o imóvel de menor valor patrimonial, salvo se o executado indicar outro imóvel para esse fim.»
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor imediatamente após a publicação do Orçamento do Estado posterior à sua publicação.
Aprovada em sessão plenária da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 28 de janeiro de 2016.
O Presidente da Assembleia Legislativa, José Lino Tranquada Gomes.