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Parecer 2/2009, de 22 de Abril

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Sumário

Publica o Parecer sobre os «Projectos de lei relativos ao regime de aplicação da educação sexual nas escolas».

Texto do documento

Parecer 2/2009

Parecer sobre os projectos de lei relativos ao regime de aplicação da Educação Sexual

nas escolas

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projecto de parecer elaborado pelos conselheiros relatores José Augusto Pacheco e Maria Calado, o Conselho Nacional de Educação, em reunião plenária de 26 de Março de 2009, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo assim o seu primeiro parecer no decurso do ano de 2009.

Parecer

Introdução

Com este parecer, o Conselho Nacional de Educação (CNE) responde à solicitação da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência da Assembleia da República, tendo em vista a recolha de contributos sobre o projecto de lei 634/X-4.ª - Estabelece o regime de aplicação da Educação Sexual nas escolas, e o projecto de lei 660/X - Estabelece o regime de aplicação da Educação Sexual em meio escolar, apresentados, respectivamente, pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Partido Socialista

(PS).

O parecer está organizado em seis pontos: A) âmbito da Educação Sexual; B) natureza curricular da Educação Sexual; C) coordenação da Educação Sexual em meio escolar;

D) apreciação dos projectos de lei; E) análise crítica dos projectos de lei à luz do parecer 6/2005 do CNE, e F) considerações e recomendações.

Para a elaboração deste parecer, o CNE teve em conta o seu parecer 6/2005 - Educação sexual nas escolas, aprovado por unanimidade.

A) Âmbito da Educação Sexual

Quando utilizada em meio escolar, a designação «Educação Sexual» não é consensual.

Há os que defendem que a Educação Sexual se resume à educação para a saúde, devendo estar ligada à aquisição de conhecimentos na dimensão da sexualidade reprodutora e à prevenção de comportamentos de risco; há os que subscrevem que não existe Educação Sexual fora da educação para a sexualidade, ou educação da sexualidade, no contexto dos afectos, valores e atitudes. O parecer 6/2005 do CNE reconhece a existência destas duas abordagens.

Constata-se, no entanto, que a tendência para a discussão da Educação Sexual no âmbito da educação para a saúde tem sido a mais valorizada e implementada em escolas portuguesas, privilegiando a dimensão biológica, em detrimento de outras dimensões, igualmente importantes, como as de natureza afectiva, cultural, social, ética

e jurídica.

B) Natureza curricular da Educação Sexual

Na organização curricular portuguesa, tem persistido a ideia, presente quer em documentos do Ministério da Educação, quer em normativos promulgados no quadro da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), de que a Educação Sexual em meio escolar: i) é uma componente da área de formação pessoal e social (1); ii) segue uma abordagem interdisciplinar (2); e iii) inscreve-se no projecto educativo de escola (3).

Existindo em diversos espaços curriculares no interior das escolas dos ensinos básico e secundário (áreas curriculares disciplinares, áreas curriculares não disciplinares e áreas de complemento/enriquecimento curricular), e atendendo à sua natureza identitária, a Educação Sexual tem sido implementada de acordo com um modelo transdisciplinar, aliás, na base de expectativas socialmente construídas na realidade portuguesa.

É neste sentido que o CNE tem pautado a sua análise, na observação do registo normativo da LBSE, ao interpretar que o enquadramento curricular da Educação Sexual se faz numa lógica de desenvolvimento pessoal e social, na expressão mais ampla da educação para a cidadania (parecer 4/94) (4), e que as áreas curriculares não disciplinares são espaços privilegiados para a efectivação da Educação Sexual,

para além dos espaços disciplinares.

Em recentes normativos sobre esta temática, o Ministério da Educação refere que «de entre as múltiplas responsabilidades da escola estão a educação para a saúde, para a sexualidade e para os afectos» (5), reconhecendo «as dificuldades na sua aplicação nas escolas» (6) e reforçando não só a sua abrangência curricular [«o currículo nacional do ensino básico integra a educação para a cidadania, a formação cívica, o aprender a viver em conjunto, a educação para a sexualidade, para os afectos, numa dinâmica curricular que visa a promoção da saúde física, psicológica e social» (7)], como também a «transversalidade disciplinar combinada com a inclusão temática na área

curricular não disciplinar» (8).

Por outro lado, o Ministério da Educação estabelece, para o ensino básico, que na área de projecto e na formação cívica devem ser desenvolvidas competências da componente da formação pessoal e social, com a inclusão obrigatória da educação para a saúde e sexualidade, de entre mais 10 domínios (9).

C) Coordenação da Educação Sexual em meio escolar Quanto mais ampla é uma área curricular, pelo menos ao nível da enunciação de princípios organizacionais, mais difícil é a sua concretização em meio escolar. Dada a sua natureza transdisciplinar, a Educação Sexual é uma área de formação que diz respeito a muitos intervenientes, logo carece de um responsável directo pela sua

implementação na escola.

Não se podendo reduzir a Educação Sexual a uma figura específica, já que é largamente partilhado que a escola deve ser o centro polarizador de uma rede de acção que inclua professores, médicos, psicólogos e outros técnicos, foi sugerido, no parecer 6/2005 do CNE, ancorá-la no «projecto educativo das escolas, sendo estas obrigadas a integrá-la num projecto de intervenção, que deve ser elaborado, realizado e avaliado com a participação da comunidade educativa. Torna-se necessário atribuir competências a um coordenador no quadro das funções intermédias de gestão existente

nas escolas».

Num despacho sobre a Educação Sexual (10), ainda que o conteúdo do texto esteja direccionado para a educação para a saúde, o Ministério da Educação estabelece regras para a designação de um docente, nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, e nas escolas/agrupamentos com programas/projectos de trabalho, para «exercer as funções de coordenador da educação para a saúde», com um crédito de três horas de redução

da componente lectiva.

D) Apreciação global do projecto de lei 634/X-4.ª (PCP) e do projecto de lei n.º

660/X (PS)

De acordo com os títulos, os dois projectos de lei estabelecem o regime de aplicação da Educação Sexual em meio escolar/nas escolas.

Na exposição de motivos, os projectos são enquadrados nas políticas de promoção da saúde sexual e reprodutiva, considerando-se que «a realidade em matéria de Educação Sexual nas escolas portuguesas é conhecida e ainda insatisfatória» (11), admitindo-se que «o incumprimento reiterado da lei tem sido o mais objectivo impedimento para a verdadeira aplicação da Educação Sexual nas escolas» (12).

Os dois projectos são, ainda, concordantes em mais dois aspectos: a aplicação da Educação Sexual em meio escolar não carece de uma substantiva alteração de normativos, nem de uma significativa reestruturação dos planos curriculares e das respectivas cargas horárias; é imperativo mudar processos e práticas escolares, quer no que diz respeito à definição de uma matriz curricular transdisciplinar da Educação Sexual, através de uma revisão dos programas e dos seus conteúdos nos ensinos básico e secundário, quer na definição de orientações curriculares para as áreas

curriculares não disciplinares.

O corpus argumentativo dos projectos de lei diferencia-se no que diz respeito à

natureza curricular da Educação Sexual:

O projecto de lei 660/X (PS) articula a modalidade transversal da Educação Sexual com a modalidade curricular não disciplinar (artigo 3.º), tendo como finalidades as dimensões pessoal e social, traduzidas na aquisição e domínio de comportamentos e

atitudes (artigo 2.º).

O projecto de lei 634/X-4.ª (PCP) reforça a opção por um modelo transversal (artigo 4.º), pelo que argumenta ser necessária uma revisão dos programas das diferentes disciplinas que integram os planos curriculares (artigo 5.º), com base em objectivos predominantemente orientados para a aquisição e domínio de valores, comportamentos e competências na dimensão social (artigo 3.º). Porém e como é referido na exposição de motivos deste projecto de lei, «o carácter transversal da sexualidade na vida deve ser reflectido no processo educativo, abrangendo as diversas disciplinas curriculares e podendo ter uma vertente não curricular, sendo inserido nos trabalhos circum-escolares, associativos e extracurriculares livremente pelos

estabelecimentos de ensino».

A ligação da Educação Sexual à escola, sobretudo na sua articulação com os projectos de escola, é mais explícita no projecto de lei 660/X (PS), sendo referido que «a Educação Sexual é objecto de inclusão obrigatória nos projectos educativos dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, nos moldes definidos pelo respectivo conselho geral, ouvidas as associações de estudantes» (artigo 7.º).

Da leitura mais pormenorizada das modalidades de aplicação da Educação Sexual nas escolas, constata-se: no projecto de lei 660/X (PS), a Educação Sexual integra-se no âmbito da educação para a saúde, nas áreas curriculares não disciplinares, no ensino básico, e nas áreas curriculares disciplinares e não disciplinares, no ensino secundário (artigo 3.º); no projecto de lei 634/X-4.ª (PCP), a Educação Sexual insere-se no âmbito de todos os programas disciplinares adequados, com o objectivo de assegurar uma consciencialização plena para a saúde sexual e reprodutiva (artigo 2.º).

Além disso, os dois projectos diferenciam-se, ainda, de modo significativo, nos conteúdos curriculares da Educação Sexual para os ensinos básico e secundário.

Enquanto o projecto de lei 634/X- 4.ª (PCP) faz depender os conteúdos de um prazo, de uma adaptação dos programas das disciplinas, a realizar no período de um ano lectivo (artigo 5.º), o projecto de lei 660/X (PS) não só define conteúdos para os três ciclos do ensino básico (artigo 4.º) e para o ensino secundário (artigo 5.º), mas também determina a carga horária, não inferior a doze horas por ano lectivo (artigo 6.º).

Se bem que os dois projectos incluam a ideia de que a Educação Sexual não se reduz a uma decisão unicamente escolar - pois neles é sustentada a imperiosidade da participação das unidades de saúde, constantes do serviço nacional, na adopção de um conceito amplo de comunidade escolar, que se constrói através da participação de vários intervenientes e da realização de parcerias [artigos 9.º e 12.º do projecto de lei 660/X (PS); artigo 9.º do projecto de lei 634/X-4.ª (PCP)] -, o projecto de lei 660/X (PS) é mais pormenorizado ao estipular que «cada agrupamento de escolas e escola não agrupada deve designar um professor-coordenador da Educação para a Saúde e Educação Sexual», cuja actividade se inclui numa «equipa interdisciplinar», «com dimensão adequada ao número de turmas existentes» (artigo 8.º). A este respeito, o projecto de lei 634/X-4.ª (PCP), e numa possível leitura dos seus artigos 4.º e 5.º, poder-se-á entender que tal competência pertence ao professor da disciplina, no quadro de uma participação ampla de associações de pais e associações de

estudantes.

Ambos os projectos incidem na criação de gabinetes de informação e apoio ou gabinetes de atendimento a estudantes, com aspectos quase totalmente coincidentes: i) abrangência (2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ensino secundário); ii) participação (profissionais com formação nas áreas da Educação para a Saúde e Educação Sexual/recursos humanos com formação profissional e académica no âmbito das ciências da saúde ou da sexualidade); iii) articulação com unidades de saúde e outros organismos, nomeadamente o Instituto Português da Juventude; iv) regras de utilização (confidencialidade/privacidade); v) distribuição de contraceptivos [no ensino secundário - projecto n.º 660/X (PS) ou no 3.º ciclo do ensino básico e no ensino secundário -

projecto n.º 634/X- 4.ª (PCP)].

O projecto de lei 660/X (PS) define o tempo semanal (três horas) de funcionamento do gabinete, tal como a sua integração no projecto educativo, além de prever a criação de um dia a dedicar, em cada agrupamento/escola, à Educação Sexual (artigo 11.º).

Por último, o projecto de lei 634/X-4.ª (PCP) é mais específico na comparticipação de meios preventivos (artigo 7.º) e na contracepção de emergência (artigo 8.º).

E) Análise crítica dos projectos de lei face ao parecer 6/2005 do CNE Depois da apreciação global dos dois projectos de lei, analisam-se neste ponto questões chave da aplicação da Educação Sexual em meio escolar, concretamente o seu enquadramento curricular e a sua coordenação.

Se nos dois projectos de lei é reconhecido que, perante a legislação existente, a realidade é insatisfatória, há insuficiências identificadas, se observa o agravamento da realidade e se assiste ao incumprimento reiterado da lei, o problema a discutir centra-se nos obstáculos que ainda existem na realidade educacional portuguesa quando se pretende «escolarizar» a Educação Sexual.

Aceitando-se que há produção normativa suficiente para a sua aplicação, as dificuldades de integração em meio escolar não só advêm do âmbito das suas finalidades, que perspectivam uma integração de valores, atitudes, saberes e comportamentos, como também do facto de ser uma componente da formação pessoal e social. Mais difícil se torna quando se pretende aplicar um modelo nacional a todas as escolas e a todos os alunos, sem que a autonomia das escolas seja devidamente

valorizada e assumida.

Nenhum dos dois projectos coloca em causa que a Educação Sexual integra a formação pessoal e social, visando o «desenvolvimento físico e motor, cognitivo, afectivo, estético, social e moral dos alunos», de acordo com o preceituado na LBSE.

Aliás, a Educação Sexual é mencionada como sendo uma das suas componentes, a par da educação familiar e da educação para a saúde, entre outras. Nesta linha, a Educação Sexual não se pode reduzir à Educação para a Saúde, havendo outras dimensões que necessitam de ser abordadas, por exemplo, os afectos, os valores, as atitudes, os comportamentos e as relações interpessoais.

Esta aceitação condiciona, grosso modo, o estatuto curricular a conferir à Educação Sexual nos ensinos básico e secundário, sendo imperativo considerar, por um lado, a sua transdisciplinaridade, isto é, o que é comum e ultrapassa as disciplinas, e, por outro, a sua especificidade ao nível da identificação de conteúdos programáticos.

Poder-se-á argumentar, pelo menos atendendo ao modo como outras formações transdisciplinares têm sido implementadas na realidade escolar portuguesa, o seguinte:

quanto mais transdisciplinar é uma formação, mais vaga e fluida se torna a sua

aplicação.

Contrariar-se-ia esta constatação se a revisão curricular, ao nível da definição dos conteúdos programáticos das disciplinas e áreas, contemplasse uma matriz que servisse de guião para a reestruturação de todas as componentes de um programa, desde os objectivos e conteúdos até às metodologias e avaliação, o que, de facto, não tem acontecido no sistema educativo português, apesar das reformas e revisões curriculares

existentes.

Neste caso, a Educação Sexual tornar-se-ia numa orientação multidisciplinar que, obrigatoriamente, seria contemplada nos programas, em função de eixos temáticos centrais e sua adequação aos níveis de escolaridade, o que não se tem observado.

Como se constata quando se cruzam os planos curriculares com os conteúdos programáticos das disciplinas, não está em causa a premência de certos conteúdos da Educação Sexual em disciplinas dos ensinos básico e secundário, onde a Educação Sexual se centra na aquisição de saberes sobre aspectos biológicos e de intervenção

médico-sanitária.

A discussão focaliza-se no «não disciplinar». A área curricular não disciplinar é uma configuração que se pode aplicar à Educação Sexual, como aliás foi recomendado pelo CNE no parecer 6/2005. No entanto, analisando-se o percurso destas áreas (criadas em 2001), verifica-se que não foram ainda clarificadas e regulamentadas em termos de orientações curriculares, a não ser a área de projecto, no 8.º ano, que é dedicada às Tecnologias de Informação e Comunicação.

Quando se refere que a Educação Sexual é, também, uma área curricular não disciplinar, haverá que definir qual delas é e quais as respectivas orientações

curriculares.

O CNE foi de opinião, no citado parecer, que as áreas curriculares existentes (área de projecto, formação cívica e estudo acompanhado) deveriam ser avaliadas e que, em função dos resultados, poderia haver lugar à criação de uma área específica que englobasse a Educação Sexual, a Educação para a Saúde e a Formação Cívica, no âmbito do que a LBSE considera ser a Formação Pessoal e Social. Esta proposta fundamenta-se na interpretação flexível das áreas curriculares não disciplinares e no reconhecimento da autonomia das escolas, na construção, realização e aprovação de projectos de formação. Daí que a Educação Sexual seja uma dimensão que deve ser valorizada, tanto no projecto educativo, quanto nos projectos curriculares, ao nível do

agrupamento/escola e ao nível das turmas.

Ao determinar-se que a Educação Sexual deve ser implementada ao nível das áreas curriculares não disciplinares, a aplicação deste modelo ao ensino secundário torna-se difícil, na medida em que este nível de ensino está organizado na base de uma lógica disciplinar. As três áreas curriculares não disciplinares, referidas anteriormente, funcionam no ensino básico. No ensino secundário existe apenas a área de projecto/projecto tecnológico, mas só em alguns cursos e no 12.º ano, para além da componente de formação sócio-cultural (13) nos cursos do ensino profissional.

Ao ser reconhecida como área curricular não disciplinar, a Educação Sexual não dispensa a existência de eixos temáticos, sobretudo se não for entendida como mera transmissão de informação, mas também como aquisição de saberes, de forma integrada e intersectada por questões pessoais e sociais. Porém, a especificação dos seus conteúdos programáticos não deve ser objecto de orientações normativas ao nível de uma lei, mas constar de orientações curriculares a definir pelo Ministério da Educação, tal como acontece na maioria dos países europeus.

A natureza da Educação Sexual, como componente da formação pessoal e social, que vai muito para além da Educação para a Saúde, exige que a sua aplicação em meio escolar se processe a partir de estratégias definidas no âmbito nacional, mas contextualizadas ao nível dos agrupamentos/escolas. O projecto de intervenção de cada agrupamento/escola só faz sentido se for amplamente discutido e assumido por toda a comunidade escolar, com uma colaboração efectiva das famílias, dos pais e das

associações de estudantes.

Uma das questões que mais tem impedido a aplicação da Educação Sexual em meio escolar é a inexistência de atribuição de competências a estruturas organizacionais, nomeadamente a gabinetes de apoio e atendimento a alunos, e de recursos humanos

(por exemplo, psicólogos) e materiais.

O funcionamento de um gabinete junto dos alunos, com funções de prestação de informação, de orientação e aconselhamento e de despistagem de casos problemáticos, não pode estar desarticulado dos serviços de psicologia e orientação, já existentes em muitos agrupamentos/escolas e que ultrapassam as abordagens relativas ao abandono e

ao insucesso escolares.

Por outro lado, as experiências de articulação com centros de saúde e outros serviços congéneres permitem afirmar que a Educação Sexual é uma problemática que ultrapassa a escola, estando associada a contextos muito diversos. É o caso dos gabinetes de atendimento a jovens que, através de equipas multidisciplinares e de um atendimento personalizado, procuram responder a dúvidas e questões específicas,

incluindo as da Educação Sexual.

O funcionamento de um gabinete de atendimento, informação e apoio em meio escolar, no âmbito da Educação Sexual, não pode limitar-se a um horário semanal restrito, nem tão pouco a uma actividade circunscrita ou a um saber concreto, pois os problemas estão inter-relacionados e exigem respostas integradas ao nível do conhecer, do pensar,

do sentir e do viver.

No que diz respeito à formação de professores dos ensinos básico e secundário e uma vez que a dificuldade da aplicação da Educação Sexual em meio escolar não depende somente dos docentes, é necessário que os programas de formação, ao nível das instituições de ensino superior, contemplem a abordagem de componentes ligadas à formação pessoal e social, nas quais se integrem saberes ligados à sexualidade, às relações interpessoais, à partilha de responsabilidades, aos valores e à igualdade entre

géneros (14).

Para além de uma formação de base, o professor deve dispor de dispositivos de formação inseridos nos contextos das escolas e orientados para a resposta a problemas

concretos dos alunos.

F) Considerações e recomendações

Face às questões focadas nos pontos anteriores, e depois de ter analisado os dois projectos de lei, enviados pela Assembleia da República para emissão de parecer, o CNE sustenta a ideia de que se devem clarificar as finalidades da Educação Sexual, repensar a sua natureza curricular, definir eixos temáticos e consagrar estratégias participativas, que se enquadrem no trabalho de equipas interdisciplinares e nas dinâmicas de autonomia dos agrupamentos/escolas.

1 - Finalidades da Educação Sexual

O CNE partilha a ideia de que a Educação Sexual não se reduz à Educação para a Saúde, mas deve abranger as várias dimensões da sexualidade: biológicas, afectivas,

culturais, sociais, éticas, jurídicas.

Entendida no conjunto das suas múltiplas dimensões, a Educação Sexual só pode ser implementada em meio escolar através de actividades orientadas para o

desenvolvimento pessoal e social dos alunos.

Abordada na escola por professores, em cooperação com pais, técnicos especializados e outros elementos da comunidade, a Educação Sexual corresponde ao domínio de saberes integrados, potenciadores da construção de atitudes, sentimentos e valores, em que são relevantes a informação, a motivação e a discussão num quadro de desenvolvimento de comportamentos pessoais e sociais dos alunos. Mais do que uma obrigação, a Educação Sexual só faz sentido se os alunos forem sensibilizados para a sua aceitação como espaço de questionamento interpessoal. Neste contexto, as finalidades da Educação Sexual devem ser abrangentes e considerar as diversas

dimensões referidas.

2 - Natureza curricular e conteúdos

Tomando a LBSE como referência, o CNE sublinha a natureza transdisciplinar da Educação Sexual. Porém, esta abordagem curricular não é incompatível com a existência de espaços disciplinares, onde já são abordados alguns conteúdos nos ensinos básico e secundário (por exemplo, aprendizagens ligadas ao conhecimento do corpo humano) e com o funcionamento de áreas curriculares não disciplinares.

Afastado o formato da disciplina obrigatória, com conteúdos programáticos e avaliação específica, o que seria incongruente com as suas finalidades mais abrangentes, a Educação Sexual deverá concretizar-se através de actividades, amplamente discutidas

e partilhadas na comunidade educativa.

O CNE entende que é questionável a selecção e organização de conteúdos programáticos ao nível de um projecto de lei. Trata-se de uma tarefa que necessita de ser trabalhada noutro plano, na base de uma matriz de revisão curricular dos programas e no seguimento da adopção de princípios e escolha de estratégias. Ao nível de projecto de lei, podem, no entanto, ser definidos eixos temáticos, congruentes com as finalidades, que consagrem um quadro mais amplo para a Educação Sexual em meio

escolar.

A opção pela integração da Educação Sexual nas áreas curriculares não disciplinares coloca problemas, na medida em que o modelo curricular existente no ensino secundário não as contempla em todos os cursos e anos.

Apesar disso, o CNE considera que a implementação da Educação Sexual em meio escolar deverá beneficiar de um tempo e um espaço curriculares próprios, cuja concretização poderá vir a ser equacionada no contexto da reestruturação das actuais áreas curriculares não disciplinares, abrangendo quer o ensino básico, quer o ensino

secundário.

3 - Implementação e coordenação As estratégias de implementação e coordenação da Educação Sexual em meio escolar devem alicerçar-se na observação da autonomia dos agrupamentos/escolas, bem como na aceitação de que se trata de um conjunto de actividades, dependendo de uma coordenação efectiva e de recursos humanos e financeiros adequados. Assim, O CNE

considera que:

A coordenação da Educação Sexual, em estabelecimentos dos ensinos básico e secundário, não deverá ser matéria da exclusiva competência do director de turma, podendo também ser atribuída a outros professores ou outros profissionais (por exemplo, psicólogos), no âmbito do agrupamento/escola;

Os gabinetes promotores da Educação Sexual não podem ficar confinados a um horário semanal reduzido, a actividades exclusivamente informativas ou à mera distribuição de preservativos. Neste sentido, a acção dos gabinetes deve ser repensada na base da articulação e coordenação com serviços já existentes dentro da escola, designadamente os serviços de apoio e orientação educativa, ou fora dela;

A Educação Sexual passa, também, pela adopção de uma atitude coerente e continuada a implementar nas escolas portuguesas, podendo ser inadequada e pouco eficaz a existência de um dia que lhe seja atribuído. Relembra-se que muitas escolas já dedicam dias temáticos do calendário internacional a esta problemática, como, por exemplo, o Dia Internacional da SIDA (1 de Dezembro) ou o dia Internacional da

Saúde (7 de Abril).

4 - Acompanhamento e formação

O CNE subscreve a posição de que o desenvolvimento da Educação Sexual através da concepção, realização e avaliação de um programa de actividades, que abranja os alunos do 1.º ao 12.º ano de escolaridade, requer uma política congruente de formação

inicial e contínua de professores.

No entanto, como os professores não são os únicos com essa tarefa, não deverá excluir-se a necessidade de uma formação de carácter multidisciplinar e devidamente adaptada às funções que pertencem a uma equipa articulada, no âmbito da comunidade

educativa.

Com efeito, o CNE partilha o entendimento de que o sucesso da Educação Sexual depende de processos e práticas que favorecem quer a participação de todos os intervenientes, quer a busca de concordância relativamente à utilização de materiais que resultem da assunção de responsabilidades e pontos de vista diferentes.

(1) Lei 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 115/97, de 19 de Setembro, e pela Lei 49/2005, de 30 de Agosto, artigo

50.º, n.os 1 e 2.

(2) Lei 120/99, de 11 de Agosto, artigo 2.º, n.º 2.

(3) Decreto-Lei 259/2000, de 17 de Outubro, artigo 1.º, n.º 2.

(4) Cf. parecer 4/94 - Desenvolvimento pessoal e social.

(5) Cf. despacho 19 737/2005, de 16 de Junho (Diário da República, 2.ª série, n.º

176, de 13 de Setembro de 2005).

(6) Ibidem.

(7) Cf. despacho 25 995/2005, de 28 de Novembro (Diário da República, 2.ª série, n.º 240, de 16 de Dezembro de 2005).

(8) Ibidem.

(9) Cf. despacho 19 308/2008, de 8 de Julho (Diário da República, 2.ª série, n.º

139, de 21 de Julho de 2008).

(10) Cf. despacho 2506/2007, de 23 de Janeiro (Diário da República, 2.ª série, de

20 de Fevereiro de 2007).

(11) Cf. projecto de lei 660/X (PS).

(12) Cf. projecto de lei 634/X-4.ª(PCP).

(13) Cf. Decreto-Lei 74/2004, de 26 de Março, artigo 6.º, n.º 2, alínea b).

(14) Cf. Lei 120/99, de 11 de Agosto, artigo 2.º, n.º 1.

26 de Março de 2009. - O Presidente, Júlio Pedrosa de Jesus.

Declaração de voto

Embora se concorde com a generalidade do texto do parecer do Conselho Nacional de Educação sobre a Educação Sexual, a formulação dos dois primeiros parágrafos da p. 15 suscitou-nos dúvidas. Uma primeira dúvida prende-se com a afirmação de que a Educação Sexual em meio escolar deverá beneficiar de um tempo e de um espaço próprios, cuja concretização poderia vir a ser equacionada no contexto da reestruturação das áreas curriculares não disciplinares (ACND). Com efeito, consideramos que as ACND e em particular a formação cívica e a área de projecto são espaços curriculares onde é possível desenvolver de imediato a dimensão da Educação Sexual. Consideramos também que os objectivos definidos para aquelas áreas e o tempo a elas consagrado permitem o desenvolvimento de conteúdos e projectos de trabalho na área da educação para a saúde e da sexualidade (sem prejuízo de se considerar a necessidade de ser retomado o ciclo da reorganização curricular do ensino básico e de se repensar o currículo no seu conjunto). Por outro lado, o carácter transversal das ACND favorece o tratamento de temáticas interdisciplinares como é a Educação Sexual. Consideramos, assim, que os espaços existentes são adequados aos objectivos da Educação Sexual. Deveria, porém, ser acautelada a definição de eixos temáticos que permitissem organizar com consistência o tratamento destas temáticas ao

longo do ensino básico.

Por outro lado, discordamos da afirmação de que a não inexistência das ACND no ensino secundário em todos os cursos e anos seria um obstáculo à integração da Educação Sexual naquelas áreas. Consideramos que não terá de ser seguido o mesmo modelo para o ensino básico e para o ensino secundário e que os gabinetes promotores da educação sexual poderão constituir a principal via para a concretização da Educação Sexual ao nível do ensino secundário. - Maria Emília Brederode Santos e

Ana Maria Bettencourt.

Declaração de voto

Venho manifestar o meu voto favorável ao parecer em questão. Voto-o favoravelmente na generalidade. Todavia, considero insuficiente a expressão da liberdade educativa, em matéria tão sensível. Pelo que desejo declarar que:

A definição do programa de actividades a discutir na comunidade educativa deve salvaguardar em absoluto, pela participação dos pais e dos próprios alunos em idade adequada, a liberdade de escolha do quadro de valores que lhes é devida, uma vez que

não há Educação sem intencionalidade;

A autonomia das escolas ou agrupamentos, sejam de iniciativa estatal, sejam de iniciativa particular ou cooperativa, deve consagrar o preceito constitucional que veda ao Estado dirigir a Educação, respeitando o primordial e irrenunciável direito dos pais à

escolha do referido quadro de valores.

Ou seja: expressiva participação da família e dos alunos na definição do projecto educativo; ampla autonomia das escolas/agrupamentos na definição da matéria em tal

projecto. - Querubim Silva.

Declaração de voto

No que se refere ao âmbito da lei, considero que a redacção do artigo 1.º deve referir a sua aplicação a todos os estabelecimentos da rede pública, privada ou cooperativa, integrados no sistema de ensino. - José Luís Presa.

201688798

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/04/22/plain-250624.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/250624.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1986-10-14 - Lei 46/86 - Assembleia da República

    Aprova a lei de bases do sistema educativo.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-19 - Lei 115/97 - Assembleia da República

    Altera a Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-11 - Lei 120/99 - Assembleia da República

    Reforça as garantias do direito à saúde reprodutiva.

  • Tem documento Em vigor 2000-10-17 - Decreto-Lei 259/2000 - Ministério da Educação

    Regulamenta a Lei n.º 120/99, de 11 de Agosto, fixando condições de promoção da educação sexual e de acesso dos jovens a cuidados de saúde no âmbito da sexualidade e do planeamento familiar.

  • Tem documento Em vigor 2004-03-26 - Decreto-Lei 74/2004 - Ministério da Educação

    Estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão curricular, bem como da avaliação das aprendizagens, no nível secundário de educação.

  • Tem documento Em vigor 2005-08-30 - Lei 49/2005 - Assembleia da República

    Segunda alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo e primeira alteração à Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior. Republica a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro.

Ligações para este documento

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