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Assento , de 5 de Março

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Sumário

O contrato-promessa de compra e venda de imóveis que conste de documento particular assinado pelos promitentes é susceptível de execução específica, nos termos do artigo 830.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho

Texto do documento

Assento

Acordam no plenário do Supremo Tribunal de Justiça:

A Empresa Turística Vale do Lobo do Algarve, Lda., na acção que lhe move Wim Harry Gerard Moronier, identificados nos autos, interpôs recurso para tribunal pleno do acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Novembro de 1981, em recurso de agravo, por estar em oposição com o proferido também por este Supremo Tribunal de Justiça em 29 de Junho de 1976, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 258, pp. 239 e seguintes, quanto à interpretação e aplicação conjugada dos artigos 413.º e 830.º, n.º 1, do Código Civil, nas suas redacções anteriores às do Decreto-Lei 236/80, de 18 de Julho.

Nas suas alegações iniciais, a recorrente, além de evidenciar a existência dos demais pressupostos deste tipo de recurso, põe em realce a oposição dos julgados, pois no acórdão recorrido decidiu-se que o artigo 413.º não colide com o artigo 830.º, n.º 1, não se exigindo que o contrato-promessa de compra e venda de imóveis revista a forma de escritura pública para se executar especificamente; porém, o Acórdão de 29 de Junho de 1976 decidiu o contrário, ou seja, que essa execução específica esbarra contra o preceito expresso do artigo 413.º, que prevalece contra o n.º 1 do artigo 830.º, exigindo-se que o contrato-promessa revista a forma de escritura pública.

Houve contra-alegação, que pretendeu demonstrar o contrário, mas por acórdão da secção foi decidido verificarem-se esses pressupostos e a apontada oposição, mandando-se prosseguir o recurso, o que agora não foi contrariado por este plenário, em nova apreciação do assunto.

Apresentaram recorrente e recorrido extensas e doutas alegações e não menos doutos pareceres de ilustres professores de Direito, tendo também alegado doutamente o digno representante do Ministério Público, no sentido favorável ao acórdão recorrido, propondo a redacção do assento.

Há, agora, que conhecer do objecto do recurso.

Nesse conhecimento, seguiremos a sequência das conclusões da recorrente, para melhor as podermos apreciar e valorar.

E mais uma vez frisamos, embora neste ponto estejamos todos de acordo, que este acórdão incidirá apenas sobre a interpretação desses artigos nas redacções anteriores ao Decreto-Lei 236/80, de 18 de Julho, por à data do incumprimento do contrato-promessa em causa não estarem ainda em vigor as alterações introduzidas por este diploma legal.

Definidos estes pontos, entremos no assunto do recurso.

Como se dispõe no artigo 410.º, n.os 1 e 2, do Código Civil, a regra no contrato-promessa, no tocante à sua forma, é o não depender da observância de forma especial, de acordo com o artigo 219.º desse Código, excepto quando para o contrato prometido a lei exija documento, autêntico ou particular, sendo exigido, nesse caso, documento assinado pelos promitentes.

Assim, a validade do contrato-promessa, com todos os seus efeitos, não exceptuados por lei ou convenção, de compra e venda de imóveis, para o qual se exige escritura pública, apenas necessita de revestir a forma de documento assinado pelos promitentes.

O Código Civil afastou, portanto, as duas posições extremas - consensualismo ou escritura pública -, bem como a da equiparação formal do contrato-promessa ao contrato prometido, e ainda uma solução intermédia proposta pelos Profs. Doutores Vaz Serra e Antunes Varela, in Revista de Legislação Jurídica, n.º 117, p. 183, contentando-se, quando para o contrato prometido a lei exige documento, autêntico ou particular, com documento assinado pelos promitentes.

E se o contrato-promessa, nestes casos, é válido, ele produz todos os seus efeitos, tem plena eficácia, a menos que, como já dissemos, a lei exceptue alguns ou as partes os afastem por convenção.

Por conseguinte, ao contrário do afirmado pela recorrente, há uma interdependência entre o disposto no artigo 410.º, n.os 1 e 2, e o preceituado no artigo 830.º, n.º 1, pois este regula um dos efeitos, e o mais natural, do contrato-promessa válido, visto ser o principalmente visado por esse contrato preliminar.

E estando este artigo 830.º enquadrado na secção «Realização coactiva da prestação» -artigos 817.º e seguintes do Código Civil - e, mais concretamente, na subsecção «Execução específica» - artigos 827.º e seguintes do mesmo Código -, ele pressupõe, como nos parece patente, um negócio jurídico válido e eficaz, segundo as disposições legais que o regulem.

Ora, no nosso caso, é nos artigos 410.º e seguintes do Código Civil que se dispõe sobre a regulamentação do contrato-promessa e das condições da sua validade, quer no aspecto substancial, quer no formal, e só a essa regulamentação tem o julgador de atender.

Assim, e em conclusão, ao contrário do afirmado pela recorrente, o problema em equação tem de ser resolvido numa apreciação conjunta e interligada destas disposições legais, pois só se pode executar o negócio jurídico considerado válido e eficaz, isto é, que obedeça às exigências da lei que o regulamenta.

Portanto, desde que o Código Civil optou por esta regulamentação do contrato-promessa e sua efectivação coactiva, afastando a necessidade da sua celebração por escritura pública, mesmo nos casos em que esta é exigida para o contrato prometido, só a exigindo no caso incidental de os promitentes lhe quererem conferir eficácia real - artigo 413.º -, como largamente o demonstra o Prof. Doutor Antunes Varela, loc. cit., pp. 187 e seguintes, com base nos seus trabalhos preparatórios e revisões ministeriais, é porque, ponderado todos os prós e contras, entendeu que o documento escrito e assinado pelos promitentes já garante aqueles mínimos de ponderação e de esclarecimento que devem existir nas suas declarações de vontade. De facto, qualquer pessoa medianamente prudente e reflectida não vai assinar um tal documento sem estar razoavelmente esclarecida e antes de ponderar no seu acto, não sendo tal atitude esclarecedora privativa do notário, havendo fácil recurso a técnicos ou práticos do direito. E se a sua vontade se formou viciadamente, lá está o juiz para o averiguar e decidir de conformidade com o disposto nos artigos 240.º e seguintes do Código Civil.

E mais se justifica esta opção da lei se atentarmos bem no artigo 830.º, que permite que os promitentes convencionem o afastamento da execução específica, presumindo-se até esse afastamento se existir sinal passado ou se se tiver fixado uma pena para o caso do não cumprimento da promessa. Assim, tendo inteira liberdade de afastar essa executoriedade, não vemos que a escritura pública lhes dê mais garantias de ponderação e reflexão, pois quer com esta quer com documento particular eles são sempre livres de convencionar esse afastamento, o que não pode deixar de ser do seu conhecimento, pois vem expresso na lei.

É certo que celebrado o contrato-promessa sem essa exclusão os promitentes já não podem arrepender-se e são obrigados à celebração do contrato prometido, a menos que a isso se oponha a natureza da obrigação. Mas se esse arrependimento, por mera e oportuna conveniência futura, não pode dar-se, se o contrato-promessa for celebrado por escritura pública, mas apenas com base em vício da sua vontade, igualmente se não pode aceitar tal arrependimento no caso de documento particular, a não ser também por viciação da vontade do promitente. É que num e noutro caso quem se vincula a celebrar um contrato futuro normalmente não o faz já com a predisposição de o não cumprir, consoante as suas conveniências futuras, antes o faz com o propósito de o cumprir, pelo que deve ser obrigado se se recusar a fazê-lo sem justificação.

E isto porque, como já o evidenciámos, nenhuma pessoa normal vai assinar um contrato-promessa sem estar minimamente informada das suas obrigações e dos seus direitos.

E também não colhe a afirmação de estarmos perante uma lacuna da lei, por esta não regular a forma a revestir pelo contrato-promessa respeitante a imóveis para poder ser executado especificamente, pois, de facto, não existe qualquer lacuna, quer aparente, quer oculta, esta numa criação interpretativa.

Na verdade, como resulta dos trabalhos preparatórios e das revisões ministeriais do Código Civil, - Prof. Doutor Antunes Varela, loc. cit. -, os problemas da forma do contrato-promessa e da sua execução específica foram aí explicitamente encarados, discutidos e decididos, sendo regulamentados, em pormenor, no seu articulado final, optando-se, no caso em foco, como já vimos, pelo documento particular assinado pelos promitentes, suficiente à sua validade e plena eficácia, apenas com as excepções da lei ou de convenção das partes. Mas se nada se tivesse regulado quanto à sua forma, então cair-se-ia na regra geral do artigo 219.º do Código Civil, não havendo, por isso, lugar a qualquer lacuna.

E também não existe uma lacuna oculta, criada pelo intérprete, impondo uma interpretação restritiva do âmbito do artigo 830.º, n.º 1, pois o Código Civil, como já vimos, regulamentou de modo completo o contrato-promessa, na sua validade e eficácia, nomeadamente no que se refere à sua execução específica, não havendo, por isso, necessidade de recorrer à analogia do disposto no artigo 875.º do Código Civil quanto ao contrato de compra e venda, com vista a essa restrição. Além de que, como acima já frisámos, não é no artigo 830.º que se tem de dispor sobre a forma a revestir pelo contrato-promessa para poder ser executado, pois este artigo só regula a sua execução, pressupondo a existência de um contrato válido e eficaz, segundo a sua regulamentação própria - artigos 410.º e seguintes do Código Civil.

Depois, sendo excepcionais os preceitos que exigem certa espécie de forma, eles não podem aplicar-se por analogia, conforme se comanda imperativamente no artigo 11.º do Código Civil, pois não foi aceite, na sua redacção definitiva, a sugestão proposta pelo Prof. Doutor Manuel de Andrade de, em certos casos, se admitir a analogia de normas excepcionais, como se vê dos locais citados no parecer junto (fls. 199 a 202).

E até mesmo não haveria analogia, pois tratando o artigo 875.º apenas da validade formal do contrato de compra e venda de imóveis, o artigo 830.º, onde haveria a tal lacuna oculta, apenas cuida da execução específica do contrato-promessa, um dos seus efeitos, pressupondo a existência de contrato válido e eficaz, pelo que tem campos completamente díspares. Ora, a haver a referida analogia no tocante à forma, então o contrato-promessa de compra e venda de imóveis devia revestir sempre a forma de escritura pública, aliás como sucede em todas as legislações que adoptaram o critério da equiparação, não se dando nestas o paradoxo de um contrato-promessa válido e eficaz não poder ser executado especificamente, por falta de forma, como pretende a recorrente.

E como também já vimos atrás, a finalidade de ponderação e de esclarecimento atribuída à escritura pública transfere-se, sem gravame de maior, para o documento escrito, assinado pelos promitentes.

Vamos agora apreciar a tese em que se baseou o Acórdão de 29 de Junho de 1976, aí não fundamentada, que dá prevalência ao preceituado no artigo 413.º contra o n.º 1 do artigo 830.º

Hoje, salvo certo aspecto focado pela recorrente, parece estarem todos de acordo em que não existe qualquer dependência ou interligação entre esses artigos, pois se referem a efeitos distintos do contrato-promessa: eficácia real e execução específica. Aquela, respeitando à oponibilidade do contrato a terceiros que, após a celebração do contrato-promessa, tenham adquirido direitos sobre a coisa, objecto mediato do contrato; esta, respeitando à realização coactiva da prestação expressa nesse contrato, na hipótese de um dos promitentes se recusar a cumprir o prometido, o que tudo se passa apenas no âmbito do interesse dos promitentes, nada tendo a ver com terceiros.

São fenómenos jurídicos distintos, com regulamentação própria e independente, pois até o Prof. Doutor Vaz Serra, defensor da tese da recorrente, ao anotar o Acórdão de 29 de Junho de 1976, in Revista de Legislação Jurídica, n.º 110, P. 244, diz: «Quanto ao artigo 413.º do mesmo Código, não tem aplicação ao caso», desenvolvendo, depois, esta sua conclusão no sentido que deixámos expresso.

E ao contrário do afirmado pela recorrente (fl. 47 V.º), a execução específica não atribui eficácia real ao contrato-promessa, mesmo inter partes, pois a sentença a que se refere o artigo 830.º, n.º 1, apenas faz as vezes, produz os efeitos da declaração de vontade negocial do promitente faltoso. A efectivação do contrato prometido, pelo entrelaçamento das declarações negociais dos promitentes, a do faltoso suprida por essa sentença, é que dá eficácia real inter partes e perante terceiros, após o seu registo.

Finalmente, embora aqui não aplicável, o Decreto-Lei 236/80, de 18 de Julho, não podendo desconhecer o problema equacionado e as soluções propostas e tendo feito alterações profundas nos artigos 410.º e 830.º, não deixaria de aí formular a exigência formal pretendida pela recorrente, se fosse essa a ideia optada pelo legislador. Mas não o tendo feito e sabendo qual a orientação grandemente predominante na doutrina e na jurisprudência quanto às suas interpretações, neste pormenor, é de concluir que quis concordar com essas interpretações, julgando claro o disposto nesses artigos.

No sentido que vimos defendendo, tem julgado este Supremo Tribunal além de no acórdão recorrido mais nos seguintes: de 26 de Abril de 1974, Boletim, n.º 235, p. 275; de 29 de Abril de 1980, Boletim, n.º 296, p. 285; de 4 de Janeiro de 1983, Boletim, n.º 323, p. 347; de 7 de Julho de 1983, Boletim, n.º 329, p. 531, e de 24 de Janeiro de 1984, Boletim, n.º 333, p. 440.

Temos, pois, que o acórdão recorrido é de manter, pelo que o confirmamos, com as custas a cargo da recorrente, fixando-se o seguinte assento:

O contrato-promessa de compra e venda de imóveis que conste de documento particular assinado pelos promitentes é susceptível de execução específica, nos termos do artigo 830.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei 236/80, de 18 de Julho.

Lisboa, 30 de Janeiro de 1985. - Ruy Corte-Real - Moreira da Silva - Melo Franco - Solano Viana - Quesada Pastor - Joaquim Figueiredo - Vasconcelos de Carvalho - José Luís Pereira - Campos Costa - Amaral Aguiar - Santos Carvalho - Dias da Fonseca - Silvino Villa-Nova - Lopes Neves - Antero Pereira Leitão - Flamino Martins - Magalhães Baião - Leite de Campos - Licínio Caseiro - Almeida Ribeiro - Alves Cortez - Belarmino Costa Serqueira - Tinoco de Almeida - Góis Pinheiro - Serra Malgueiro - Miguel Caeiro - Costa Ferreira - Alves Peixoto (reportando-se o acórdão de 1976 a uma simples proposta de venda, só assinada pelo dono da coisa, isso envolve que os factos não são idênticos aos do acórdão recorrido, esse, sim, referente a um contrato-promessa. Votei, deste modo, não haver oposição de julgados, por falta de um dos pressupostos legais. Relativamente à doutrina do assento, concordo com ela) - Lima Cluny (com declaração idêntica à do Exmo. Conselheiro Alves Peixoto).

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2485096.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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