Resolução da Assembleia Regional n.º 11/84/A
Pronúncia da Assembleia Regional dos Açores, nos termos do artigo 231.º, n.º 2, da Constituição, sobre a proposta de lei 69/III.
I
1 - A Assembleia da República consultou a Assembleia Regional dos Açores sobre um pedido de autorização legislativa do Governo para dispor normativamente quanto a questões de jurisdição e fiscais relativas à utilização da Base das Lajes pelas forças americanas nos Açores.
Estas questões decorreram de um acordo técnico assinado em Lisboa em 16 de Maio de 1984 e, segundo se crê, do chamado acordo laboral, por ora não assinado.
Esta Assembleia Regional repetidas vezes tem entendido que a sua pronúncia sobre um simples pedido de autorização legislativa costuma ter um diminuto interesse prático, uma vez que o projecto de diploma submetido ao Parlamento nacional reveste um carácter meramente indicativo. Por isso se tem sustentado que o parecer da Assembleia Regional deverá ser transmitido ao Governo para se tomar em conta na elaboração do futuro decreto-lei.
2 - Na ocorrência, porém, os comentários que adiante seguem afiguram-se como tendo maior cabimento.
O Governo Regional dos Açores integrou, através de representantes seus e nos termos do artigo 62.º do Estatuto, as delegações portuguesas que negociaram estes acordos.
Os seus pontos de vista foram expostos e, de alguma maneira, tomados em consideração. Conviria, por isso, examinar os novos acordo técnicos, confrontando-os com a disciplina anterior, a qual data de 15 de Novembro de 1957, e tinha a natureza de secreta.
Todavia, o facto de os textos desses acordos não haverem ainda sido publicados - nem, entendemo-lo agora, o virem a ser tão cedo - não permite levar avante o estudo comprovativo das novas normas (repete-se: normas, porque esta é a base de uma das dúvidas adiante levantadas) e as que têm vindo a vigorar desde 15 de Novembro de 1957.
3 - Na exposição de motivos que antecede a proposta de lei 69/III diz-se que, no tocante à matéria militar incluída no acordo técnico, não se levanta obstáculo e que se efectue a sua aprovação pelo Governo, nos termos do artigo 200.º, n.º 1, alínea c), da Constituição.
E explica-se: o acordo técnico não é um tratado solene sujeito a ratificação, limitando-se a implementar os compromissos assumidos no acordo de defesa de 1951, e apenas os tratados solenes respeitantes a assuntos militares tem de ser aprovados pela Assembleia da República [Constituição, artigo 164.º, alínea i)].
4 - Porém, o Governo vem pedir uma autorização legislativa para integrar validamente na ordem jurídica portuguesa, através de decreto-lei:
a) A concessão, acordada, de imunidades jurisdicionais;
b) A concessão, acordada, de isenções aduaneiras e fiscais;
c) O disposto no artigo 95.º do acordo entre o Ministério da Defesa de Portugal e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, respeitante ao emprego de cidadãos portugueses pelas forças americanas nos Açores.
Sobre esta alínea c), deve tratar-se do projecto de acordo laboral, há anos reclamado, prometido e jamais assinado.
Quanto a isto, diz-se na exposição de motivos tratar-se de matérias que se situam no âmbito da reserva legislativa da Assembleia da República [Constituição, artigo 168.º, alíneas i) e q) (e cita-se)]:
Por isso os preceitos do acordo técnico respeitantes às imunidades juridicionais e aos benefícios aduaneiros e fiscais, assim como o artigo 95.º do acordo entre o Ministério da Defesa Nacional de Portugal e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América respeitantes ao emprego de cidadãos portugueses pelas forças americanas nos Açores, só poderão ser integrados validamente na ordem jurídica interna mediante intervenção da Assembleia da República. Esta condição será satisfeita se a integração for efectuada por meio de decreto-lei autorizado pela Assembleia da República.
Desta forma se respeitará o princípio constitucional relativo à distribuição de competências entre os vários órgãos de soberania.
É este quadro que suscita os problemas e as dificuldades adiante seriados.
II
5 - A distinção entre os tratados e os acordos internacionais não é inteiramente clara no direito constitucional português.
O artigo 8.º da Constituição faz-lhes uma referência indirecta, unificando-os sob a designação de «convenções» e aparentemente distinguindo-os quanto à ratificação ou à aprovação, mas explicitando que produzem efeitos pela sua publicação oficial (n.º 2). É a regra da recepção automática do direito internacional convencional.
Só das competências da Assembleia da República [artigo 164.º, alínea i)] e do Governo [artigo 200.º, alínea c)] resulta a separação nominal dos 2 conceitos.
Cabe à Assembleia da República ratificar certos tratados (nomeadamente os que versarem matéria da sua competência reservada e os que o Governo entender para o efeito submeter-lhe). Cabe ao Governo aprovar todos os outros tratados e - sem excepção - todos os acordos.
Uma coisa é certa, porém. A competência para aprovar ou ratificar convenções internacionais é uma competência política, não uma competência legislativa, e exerce-se sob a forma de resolução da Assembleia da República (artigo 169.º, n.º 4) ou de decreto do Governo (artigo 200.º, n.º 2).
A doutrina costuma entender que os tratados versam assuntos de maior gravidade e impacte político, e os acordos versam questões de mais simples natureza. O que não contribui para clarificar as coisas.
Perante isto, e relativamente às normas ajustadas entre os 2 Governos:
Ou estamos, nesta matéria, perante um mero acordo - eficaz na ordem interna após simples aprovação pelo Governo e subsequente publicação não tendo a Assembleia da República nada que ver com a ratificação, e o pedido de autorização legislativa não tem razão de ser;
Ou estamos perante matéria de tratado, e neste caso também não há lugar a autorização legislativa, mas sim a uma ratificação das suas cláusulas, a efectuar por resolução da Assembleia da República.
É uma situação dilemática, a que leva a aparente insuficiência do texto constitucional.
Como se referiu, o facto de o artigo 164.º, alínea i), da Constituição restringir apenas a certos tratados a ratificação parlamentar deixa ao Governo o poder de aprovar todos os acordos (artigo 200.º, n.º 2).
E, nesse caso, a autorização legislativa só é concebível, como adiante se diz, depois de aprovado e publicado o acordo técnico em causa, isto é, depois de recebido na ordem interna portuguesa, pois só assim se saberá quais os princípios aceites pelos 2 Governos, e se uma lei é necessária para os desenvolver.
6 - Na verdade, concebe-se como possível que o acordo preveja o mero compromisso de o Governo propor legislação que isente de impostos e estabeleça imunidades jurisdicionais. Mas tal só poderá saber-se com a publicação do acordo; e apenas verificada tal condição é logicamente concebível um pedido de autorização legislativa. Até para que se saiba, previamente, que compromissos foram assumidos e que princípios haverá que desenvolver em lei.
Mas se o acordo já declarou que as renúncias à jurisdição se hão-de fazer, caso a caso, a simples pedido das autoridades americanas, que, para certas categorias de actos, Portugal já renunciou à jurisdição dos seus tribunais e que estão ou são criadas determinadas isenções fiscais, a autorização legislativa não tem razão de ser, pois a lei material não é meio adequado para operar a recepção no direito interno de normas já estipuladas internacionalmente.
7 - Neste último caso - que é, para dar um exemplo, o da Convenção entre os Estados Partes no Tratado do Atlântico Norte Relativo ao Estatuto das Suas Forças, de 19 de Junho de 1951 - deverá então perguntar-se se não se está, ao menos no campo dos princípios, perante uma matéria de tratado versando assuntos da competência reservada da Assembleia da República, o que torna necessária a ratificação por parte deste órgão de soberania.
A referida Convenção, por alguns designada por «Convenção OTAN» ou «NATO-SOFA», revestiu a forma de autentico tratado - aprovado por resolução da Assembleia Nacional, promulgado pelo Presidente da República, referendado pelo Presidente do Conselho e publicado no Diário do Governo, 1.ª série, de 3 de Agosto de 1955.
Ao assinar esta Convenção, o representante de Portugal formulou por escrito uma reserva, segundo a qual a Convenção era aplicável somente ao território continental, com exclusão das ilhas adjacentes, que. como se sabe, na terminologia de então, eram os arquipélagos dos Açores e da Madeira.
8 - Em face destas razões, a Assembleia Regional dos Açores pronuncia-se sobre a proposta de lei 69/III no sentido de que a mesma não deve ser aprovada sem que se publique o acordo técnico, do qual alguns princípios versam matéria de competência reservada à Assembleia da República, no caso de tais princípios se exprimirem num compromisso do Governo a promover legislação sobre o assunto.
Mas se o referido acordo já estabelecer as faladas imunidades e as referidas isenções fiscais, então a autorização legislativa constitui um meio inadequado para as receber no direito interno, e deve por isso ser negada sem quaisquer dilações.
Aprovada pela Assembleia Regional dos Açores na Horta em 13 de Setembro de 1984.
O Presidente da Assembleia Regional dos Açores, Álvaro Monjardino.