(rectificado pelo Acórdão 59/2009)
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional Relatório. - O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, g), da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), deduziu pedido de fiscalização abstracta sucessiva, requerendo a declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade, com força obrigatória geral, de todos os artigos da Lei 28/92, de 1 de Setembro.Após convite do Presidente deste Tribunal para precisar quais as disposições da Constituição ou os princípios nela consignados e os preceitos do EPARAM que entendia terem sido violados, o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira apresentou novo requerimento em que invocou os seguintes
fundamentos para o pedido formulado:
A Lei 28/92, de 1 de Setembro, que foi aprovada pela Assembleia da República, viola os direitos e a autonomia legislativa e financeira da Região Autónoma da Madeira.O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é parte legítima para requerer a declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade da referida
lei.
A aprovação da Lei 28/92 constitui uma flagrante violação da autonomia legislativa regional tal como surge consagrada no artigo 225.º, n.º 2, da Constituição e no artigo 5.º, n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.Na matéria em apreço, a Região Autónoma da Madeira tem competência para legislar de um modo próprio e exclusivo, sendo ilegítimo ao Estado aprovar o diploma
legislativo impugnado.
Na verdade, nos termos do artigo 227.º, n.º 1, alínea p), da C.R.P., a disciplina legislativa do orçamento e da conta regionais só à Região Autónoma concerne. Ora não se compreenderia que a Constituição atribuísse essa competência e não atribuísse, também, o poder de proceder ao respectivo enquadramento normativo. Trata-se, pois, de uma "competência implícita" que não pode ser negada. Acresce, ainda, o facto de ser da exclusiva competência legislativa da Região a elaboração de legislação sobre a organização e o funcionamento dos respectivos órgãos de governo, a AssembleiaLegislativa e o Governo Regional.
A Lei 28/92 constitui também uma total desconsideração pela autonomia financeira regional, consagrada no artigo 225.º, n.º 2, da C.R.P. e no artigo 105.º, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.A revisão constitucional de 1997 acrescentou nas competências legislativas do Estado, a serem exercidas pela Assembleia da República, a competência para a elaboração do enquadramento dos orçamentos do Estado, das Regiões Autónomas e das Autarquias Locais. Mas nem mesmo esta alteração constitucional, já de si muito discutível, chegou ao exagero em que se traduziu a Lei 28/92. De facto, o preceito do artigo 164.º, alínea r), da C.R.P. refere-se apenas ao "regime geral" da elaboração e organização
dos orçamentos.
Ora a simples observação da Lei 28/92 revela uma total incompreensão do fenómeno da autonomia financeira regional, pois que até desprovida ficaria - caso a tese da sua constitucionalidade por absurdo vingasse - de poder acrescentar o que quer que fosse na edificação de um regime legislativo que diz respeito a uma instituição financeira puramente regional, como é o seu orçamento.A pretensão exclusivista de tudo regular no tocante ao enquadramento legislativo do orçamento da Região Autónoma da Madeira viola não só o artigo 105.º, n.º 2, do EPARAM, como, ainda, o seu artigo 40.º, alínea vv), que, conjugado com o artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da C.R.P., permite que a Região Autónoma legisle, através de um regime especial, no âmbito do enquadramento legislativo do respectivo orçamento.
Houve, finalmente, uma violação do direito de audição da Região consagrado no artigo 229.º, n.º 2, da C.R.P., nos artigos 90.º e seguintes, do EPARAM, e na Lei 40/96, de 31 de Agosto, pois, durante o processo legislativo que conduziu à aprovação da Lei 28/92, a Assembleia da República não solicitou a emissão de qualquer parecer por parte da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Presidente da Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos, enviando cópia da documentação relativa aos trabalhos preparatórios da Lei 28/92, de 1 de Setembro.
Acrescentou, porém, que do processo legislativo da Proposta de Lei 25/IV não consta qualquer consulta à Região Autónoma, o que se poderá explicar pelo facto de tal proposta ter sido, à época, apresentada pela própria Assembleia Legislativa Regional
da Madeira.
Elaborado pelo Presidente do Tribunal o memorando a que se refere o artigo 63.º, da Lei do Tribunal Constitucional, e tendo este sido submetido a debate, nos termos do n.º 2, do referido preceito, cumpre agora decidir de acordo com a orientação que otribunal fixou.
Fundamentação. - O requerente fundamenta o seu pedido de declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade de todas as normas contidas na Lei 28/92, de 1 de Setembro, por um lado, na falta de competência da Assembleia da República para legislar sobre o conteúdo das normas impugnadas, e, por outro lado, no incumprimento do dever de audição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.A existência dos vícios apontados deve ser verificada à luz das disposições vigentes à data da aprovação do diploma em causa, uma vez que ao dever de audição dos órgãos regionais e à competência para a prática de actos legislativos se aplica o princípio
tempus regit actum.
1 - Da falta de competência da Assembleia da República. - O requerente alega que a Assembleia da República não tinha competência para aprovar a lei impugnada, uma vez que a sua matéria integra a reserva legislativa regional.A C.R.P., na versão introduzida pela Lei Constitucional 1/89, de 8 de Julho (C.R.P./89), reconhecia como princípio da organização e do funcionamento do Estado o regime autonómico insular, conferindo aos arquipélagos da Madeira e dos Açores o estatuto de Regiões Autónomas (artigos 6.º e 227.º).
Uma das manifestações típicas deste regime autonómico político-administrativo residia nos poderes legislativos atribuídos às Assembleias Legislativas Regionais (artigos 229.º
e 234.º, da C.R.P./89).
Nesses poderes incluía-se a competência para aprovar o orçamento regional e as contas da região (artigos 229.º, n.º 1, o), e 234.º, n.º 1, da C.R.P./89, e artigo 29.º, n.º 1, o) e q), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho - E.P.A.R.A.M./91), como revelação de um determinado grau de autonomia financeira constitucionalmente assumido.Contudo, a Lei 28/92, de 1 de Setembro, não aprovou qualquer orçamento regional, nem quaisquer contas da região, limitando-se a definir as regras gerais referentes à elaboração, discussão, aprovação, execução, alteração, fiscalização, responsabilidade pela execução e elaboração das contas, respeitantes a todos os
Orçamentos da Região Autónoma da Madeira.
Podem as normas contidas neste diploma serem mais ou menos minuciosas, conferirem maior ou menor liberdade de manobra ao legislador orçamental, mas não deixaram de se limitar a definir as regras gerais de elaboração e organização dos orçamentos da Região Autónoma da Madeira, não retirando a esta região o poder de aprovar o seuorçamento e contas.
É, pois, uma lei de Enquadramento Orçamental Regional, a qual assume uma natureza paramétrica específica face às sucessivas leis orçamentais da região da Madeira.A autonomia das regiões, nomeadamente nos aspectos legislativo e financeiro, exerce-se no quadro da Constituição (artigo 227.º, n.º 3, in fine, da C.R.P./89), e esta reservou expressamente a competência para aprovação do regime geral de elaboração e organização dos orçamentos das regiões autónomas à Assembleia da República, permitindo apenas que este órgão concedesse autorização ao Governo da República para legislar em tal matéria (artigo 168.º, n.º 1, p), da C.R.P./89).
Assim, a Assembleia da República não só tinha competência para aprovar a Lei 28/92, de 1 de Setembro, como existia uma reserva relativa parlamentar da República,
relativamente à aprovação deste diploma.
E esta reserva foi perfeitamente entendida e respeitada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira quando exerceu o seu poder de iniciativa legislativa, nos termos dos artigos 170.º, 229.º, n.º 1, f), e 234.º, n.º 1, da C.R.P./89, ao enviar em 8 de Maio de 1992 para a Assembleia da República uma Proposta de Lei de Enquadramento do Orçamento da Região Autónoma da Madeira, por si aprovada em Plenário realizado em 28 de Abril de 1992 (Proposta de Lei 25/IV), a qual, após discussão e pequenas alterações de pormenor, deu origem ao diploma agoraimpugnado.
Nestes termos se conclui que a Lei 28/92, de 1 de Setembro, respeita a repartição constitucional e legal de competências entre os órgãos de soberania e os órgãos de governo próprios da região autónoma, pelo que as suas normas não sãoinconstitucionais, nem ilegais.
2 - Do incumprimento do dever de audição. - A C.R.P./89, dispunha no artigo 231.º, n.º 2, que "os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional".A consagração deste dever visa assegurar a participação dos órgãos de governo regional no processo de elaboração das leis que versem matérias respeitantes às regiões autónomas, através da atribuição de um poder de influenciar o conteúdo e sentido dessa legislação, concretizado numa faculdade de pronúncia sobre os
respectivos projectos legislativos.
Estamos perante uma lei aprovada pela Assembleia da República que estabelece as regras referentes à elaboração, discussão, aprovação, execução, alteração, fiscalização, responsabilidade pela execução e elaboração da conta respeitante ao Orçamento da Região Autónoma da Madeira, pelo que, em princípio, estariam reunidos os pressupostos para a existência de um dever de audição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, t), doE.P.A.R.A.M./91.
Todavia, há que ter presente que a Lei 28/92, de 1 de Setembro, teve origem em Proposta de Lei aprovada em Plenário da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira realizado em 28 de Abril de 1992 (Proposta de Lei 25/IV).Esta Proposta deu entrada na Assembleia da República no dia 11 de Maio de 1992 (*) e depois de um parecer favorável da Comissão de Economia, Finanças e Plano, em 22 de Junho de 1992, foi discutida e aprovada na generalidade, na especialidade e, finalmente, em votação final global na sessão plenária do dia 17 de Junho de 1992.
O texto da Lei 28/92, de 1 de Setembro, corresponde, à excepção de alguns ajustes de redacção e de ligeiras alterações de pormenor, ao texto da Proposta apresentada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, pelo que, neste caso, não se justificava a audição deste órgão.
Não faz qualquer sentido que se mantenha o dever de audição relativamente a quem é o próprio autor do objecto da pronúncia, uma vez que o conteúdo da proposta já exprime a opinião sobre essa matéria de quem a elabora.
Na verdade, tendo a iniciativa legislativa partido precisamente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, apenas era exigível a audição deste órgão, caso na Assembleia da República se tivessem introduzido alterações substanciais
à Proposta inicial.
Só nesta hipótese é que estaríamos perante uma pretensão legislativa, diferente da inicialmente proposta, que justificava a concessão da possibilidade de pronúncia do órgão de governo competente da Região Autónoma da Madeira.Sendo as alterações de mera redacção ou de pormenor, não se modificando relevantemente o diploma em formação, não havia lugar à audição da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
Nestes termos não existia na situação concreta um dever de audição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, pelo que não se verifica o apontado vício de incumprimento deste dever no processo formativo da Lei 28/92, de 1 deSetembro.
Decisão. - Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade nem a ilegalidade das normas contidas na totalidade dos artigos da (*) Rectificado pelo Acórdão 59/2009, de 3 de Fevereiro.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2009. - João Cura Mariano - Vítor Gomes - José Borges Soeiro - Ana Maria Guerra Martins - Joaquim de Sousa Ribeiro - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Carlos Fernandes Cadilha - Maria João Antunes - Carlos Pamplona de Oliveira - Gil Galvão - Rui Manuel Moura Ramos.