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Acórdão Doutrinário , de 21 de Fevereiro

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Sumário

Proferido no processo n.º 58248

Texto do documento

Acórdão doutrinário

Processo 58248. Autos de revista vindos da Relação de Coimbra. Recorrente para o tribunal pleno Dr. José Aires de Azevedo Novais Basto. Recorrido Jorge Torres Fortunato de Almeida.

Acordam em secções reunidas no Supremo Tribunal de Justiça:

Por falecimento de António Manuel de Lima, em 23 de Abril de 1945, os herdeiros repartiram entre si a herança, por escritura de 24 de Junho de 1945.

Em comum aos cinco filhos ficaram os bens que constituíam a casa agrícola sita em Mirandela.

Não se entenderam depois os interessados quanto à partilha destes bens, facto que deu origem a que na comarca de Coimbra se instaurasse inventário - findo por transacção -, através do que os requerentes desse processo se obrigaram a vender os respectivos quinhões a sua irmã D. Arminda de Catro Lima Novais Basto.

Faz parte dessa transacção a cláusula seguinte:

Até cinco dias antes do prazo fixado para a celebração da escritura de venda o marido da interessada e co-herdeira D. Arminda, Dr. José Aires de Azevedo Novais Basto, apresentará as contas de administração dos bens de Mirandela, desde as últimas prestadas até à data em que foram feitas as promessas de venda questionada.

A referida administração vinha sendo exercida pelo indicado Dr. José Aires, por incumbência do seu sogro, o autor da herança.

Mais tarde os interessados Jorge Torres Fortunato de Almeida e o Dr. Joaquim Jacinto Lopes e esposa deduziram no mesmo juízo de direito, contra o referido administrador, acção de prestação de contas, que foi julgada procedente em ambas as instâncias, e assim condenado o réu Dr. José Aires a pagar como saldo de contas da casa de Mirandela desde o fim de Julho de 1944 a 7 de Agosto de 1945, aos herdeiros de António Manuel de Lima, na proporção das suas quotas, ou seja uma quinta parte a cada um deles, a quantia de 547476$62. Condenado ainda na multa de 10000$00 como litigante de má fé, além da indemnização de 120000$00, nos termos da alínea a) do artigo 466.º do Código de Processo Civil.

Não conformado, recorreu de revista, a qual lhe foi negada pelo Acórdão de 25 de Outubro de 1960, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 100, a fl. 545, aresto que o recorrente arguiu de nulo, por entender que se verificava a hipótese do n.º 3.º do artigo 668.º do indicado diploma e a de omissão de pronúncia.

A primeira dessas nulidades traduzir-se-ia no facto de ter sido decidido que a viúva do Lima não tem quinhão no saldo de contas, o que, acentua, não se harmoniza com o teor da escritura de 24 de Julho de 1945, pela dual a dita viúva doou aos cinco filhos a sua meação, liberalidade que tão-sòmente abrangeu os imobiliários sitos no concelho de Mirandela.

A segunda nulidade teria como substrato o seguinte:

O acórdão para determinar a titularidade do crédito sobre o saldo não considerou estes períodos: antedecesso do Lima, o imediato até à escritura de partilhas e o lapso temporal após essa data até 7 de Agosto de 1945.

Pelo acórdão de fl. 1157 foi desatendida a reclamação.

Recorreu então para o tribunal pleno, alegando que o aresto recorrido estabeleceu fundamentalmente:

1) Que a decisão proferida no saneador sobre a legitimidade das partes, transitada em julgado, obsta a que o problema da legitimidade possa voltar a ser examinado.

2) Que o saldo apurado das contas da administração da casa de Mirandela tem de ser distribuído pelos seus cinco herdeiros na proporção de um quinto por cada um.

Estão estas decisões em manifesta oposição, respectivamente, com os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos no domínio da mesma legislação:

A) De 15 de Julho de 1954, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 44, fl. 229, sobre a mesma questão de direito enunciada em primeiro lugar.

B) De 19 de Janeiro de 1960, proferido no recurso n.º 57957, interposto nos autos que D. Arminda Aires de Azevedo moveu contra os recorridos.

No despacho liminar restringiu-se o âmbito deste recurso à proposição mencionada em primeiro lugar, decisão com a qual o recorrente se conformou, procurando em seguida na sua douta alegação demonstrar que se contradizem os dois acórdãos quanto ao valor da decisão contida no despacho saneador que pronuncie um juízo abstracto não relacionado com qualquer questão concretamente posta.

Por sua vez, os recorridos sustentam que entre os dois acórdãos não existe a pretendida oposição, faltando assim uma das condições essenciais para a admissão do recurso.

A secção decidiu, pelo seu acórdão de fl. 1205, que estão em conflito os dois indicados arestos, considerando para tanto: que no processo de prestação de contas o réu atacou a decisão da 2.ª instância alegando que os autores - ora recorridos - eram partes ilegítimas e que o tribunal devia conhecer oficiosamente, o que não fizera, de tal excepção.

O aresto donde emana este recurso decidiu a questão nestes precisos termos:

A ilegitimidade dos autores só agora suscitada, pois que em passo algum foi posta às instâncias, está ferida de extemporaneidade, pois que em despacho proferido, nos termos do artigo 514.º, a arrumou para estabilidade e utilidade da acção - expressis verbis.

O acórdão de 1954, indicado como oposto, depois de transcrever o saneador - que nessa acção em termos vagos se exarara -, estabeleceu: «A genérica referência naquele feita à legitimidade dos pleiteantes não pode constituir caso julgado formal a respeito de posteriormente alegado litisconsórcio, visto o despacho não se ter pronunciado em especial acerca deste ponto jurídico, que, por tal motivo, continua pendente de decisão».

Entendeu a secção que o simples enunciado destes resultados processuais era suficiente para demonstrar a oposição exigida pelo artigo 763.º

Seguidamente alegou o recorrente sobre o objecto do recurso, nos termos do artigo 767.º do Código de Processo de 1939, significando, em resumo, que o problema de litisconsórcio não foi, na verdade, posto nos articulados, o que não obstava a que fosse suscitado na fase de recurso.

Tal questão, discorre, está na base deste processo, já que sem a intervenção de todos os titulares do saldo de contas a sentença proferida nunca poderá produzir o seu efeito útil normal.

Ora um despacho saneador meramente formulário, como é o proferido neste processo de prestação de contas, não tem força de caso julgado.

Os recorridos insistem na afirmação de que falta a oposição de julgados, não devendo, por isso, conhecer-se do recurso.

Para o caso de outra vir a ser a decisão procuram demonstrar que constitui caso julgado formal a decisão no saneador que não tenha concretamente considerado a questão.

O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal iniciou o seu douto parecer notando: «Qualquer que seja a orientação do assento, nenhuma influência terá no caso dos autos, visto já estar decidido, com trânsito, que a viúva de António Manuel de Lima não tem qualquer direito ao saldo de contas».

Para demonstração do asserto transcreve, a fl. 1231, um inciso do acórdão recorrido, onde foi concretamente posta a questão, que, pelo ângulo do recorrente se traduzia na ilegitimidade dos autores.

Analisando em seguida e doutamente o problema em causa, opinou que deve proferir-se assento com esta formulação: «O caso julgado só se verifica em relação às questões concretas sobre excepções dilatórias que hajam sido decididas».

O que tudo visto:

Supomos indubitável que é flagrante a oposição alegada entre o acórdão recorrido e o invocado.

Por isso nos dispensamos de examinar novamente este pressuposto do recurso.

É supérfluo também reafirmar que a oposição se verificou no domínio da mesma legislação.

O despacho saneador tem a sua raiz no Decreto 3 de 29 de Maio de 1907.

Ramificou-se na plenitude que hoje apresenta com o Decreto 18552, que determinou para o juiz a obrigação de apreciar não só a legitimidade das partes, como outras questões prévias e ainda, de todas aquelas para cuja decisão o processo lhe ofereça os elementos necessários.

Tem assim como objectivo essencial emitir um julgamento de forma versando consequentemente sobre pressupostos processuais.

Destina-se, pois, a evitar a instrução do processo - que pràticamente se torne inútil -, como adverte o Prof. Manuel Andrade, nas Lições do Processo. Com esse trâmite depurador visou-se desentorpecer a acção de tudo aquilo que possa impedir o julgamento de mérito.

Sendo este, pois, o pensamento a que obedeceu a criação deste despacho (que o Prof. Paulo Cunha integra na fase da condensação do processo), não é lógico que o mesmo se subestime, afastando a sua característica fundamental: de preclusivo das questões que antecedem a instrução.

É obvio que esse escopo se frustrava uma vez aceite que fosse a nova apreciação das questões decididas no saneador.

Repetindo Liebman - conforme nota o douto parecer a fl. 1233 V.º -, Gabriel de Resende Filho, no seu Curso de Direito Processual Civil, afirma: «A preclusão impedirá que sejam depois discutidas aquelas questões, tanto se o juiz expressamente as decidiu, como se por falta de contestação deixou de prover sobre elas».

A nosso ver, a não impugnabilidade da decisão emitida nessas condições tem, em harmonia com o rigor dos princípios, de constituir caso julgado, inibido o julgador de decidir posteriormente sobre a mesma questão.

E se o juiz só pode deixar de conhecer no saneador das excepções conducentes à absolvição de instância no caso de o processo o impossibilitar de se pronunciar sobre elas, como determina o n.º 2.º do artigo 510.º do Código de Processo Civil actual, daí uma outra razão - e valiosa - a impor carácter definitivo à decisão ali proferida.

Diverso entendimento conduz em linha recta à inobservância do artigo 673.º do mesmo diploma, segundo o qual, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar. É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que dentro do processo versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.

Nem releva a circunstância de ao saneador, formulado em termos gerais, faltar motivação, pois que o caso julgado sòmente se forma sobre a decisão, e não sobre os fundamentos.

Cabe dizer, por mero incidente - o que não foi focado no desenvolvimento do processo -, que o saneador a fl. 386, ao contrário do que o recorrente pretende, não emitiu uma fórmula vaga e abstracta, pois que decidiu nestes precisos termos: «São autores e réu dotados de personalidade jurídica e, tendo em consideração a sua posição nestes autos quanto ao conflito que o tribunal é chamado a resolver, são ainda de considerar como partes legítimas».

Mas retomando as considerações sobre a temática do recurso:

Como razão decisiva invocamos o preceito especial do artigo 104.º do Código de Processo, que, relativamente à matéria da incompetência absoluta, determina que o despacho (o saneador) só constitui caso julgado em relação às questões concretas de competência que nele tenham sido resolvidas.

Não há disposição análoga, quanto às outras excepções, e daí a inexorável consequência: um veredicto formulado em termos genéricos sobre outras excepções dilatórias uma vez transitado constitui caso julgado formal ou preclusão como denomina Chiovenda.

E, muito embora se não excogite razão suficiente para justificar um tratamento especial para a excepção da incompetência absoluta do tribunal, divergimos, porém, como devido respeito, da afirmação contida no douto parecer quando vê nesse dispositivo a aplicação de um princípio geral.

A clareza do texto mencionado induz antes a crer que se trata de um preceito de natureza especial.

Isso mesmo transparece do Comentário ao Código, vol. I, p. 319, da autoria do eminente renovador da processualística portuguesa, comentário que supomos ter sido feito após ter revisto a posição que acerca deste problema defendera no seu livro Breve Estudo.

A concluir:

De harmonia com os princípios expostos, fica ressalvada, como é óbvio, a superveniência de factos capazes de influírem no regime jurídico da situação apreciada. A decisão só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (artigo 673.º do Código de Processo Civil) e não impede futuras alterações eventualmente atendíveis no processo.

Por estes fundamentos, confirmam o acórdão recorrido e estabelecem o seguinte assento:

É definitiva a declaração em termos genéricos no despacho saneador transitado relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercutam.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 1963. - Bravo Serra (relator) - José Osório - Eduardo Coimbra - Lopes Cardoso - Gonçalves Pereira - Amorim Girão - Abreu Lobo - (Tem voto de conformidade dos Exmos. Juízes Alberto Toscano, Cura Mariano, Toscano Pessoa, Arlindo Martins, Barbosa Viana, Cardoso Meneses, Ricardo Lopes e Fragoso de Almeida, que assinam por não estarem presentes - Bravo Serra).

Está conforme.

Secretaria do Suprema Tribunal de Justiça, 15 de Fevereiro de 1963. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2468446.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1930-07-03 - Decreto 18552 - Mínistério da Justiça e dos Cultos

    Estabelece a forma de processo sumário para as acções civis e comerciais cujo valor não exceda 10.000$ em Lisboa e Porto e 5.000$ nas restantes comarcas.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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