Decreto Legislativo Regional 32/2008/M
Cria a Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo e consagra o
respectivo regime jurídico
Considerando que na sequência da Conferência Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro em 1992 e da assinatura da Convenção sobre a Biodiversidade assistimos a um forte incremento da criação de reservas marinhas a nível mundial como reconhecimento da melhor forma de protecção do meio marinho à escala global;Considerando que os IV e V Congressos Mundiais dos Parques Naturais (1992 e 2003) reforçaram a necessidade de protecção da zona costeira altamente deficitária em relação ao meio terrestre e que a II Convenção das Partes sobre a Biodiversidade (Mandato de Jacarta) fez um veemente apelo à protecção do meio marinho através da criação de áreas protegidas marinhas;
Considerando que na sequência do Ano Internacional dos Oceanos (1998) e dos esforços da União Europeia para a protecção do meio marinho, nomeadamente no âmbito da Rede Natura 2000, a criação de reservas marinhas tem sido amplamente realçada como uma necessidade mundial;
Considerando que, desde sempre, a Região Autónoma da Madeira (RAM) tem assumido um papel pioneiro no contexto nacional, como atesta a criação da Reserva Natural Parcial do Garajau em 1986 - a primeira reserva exclusivamente marinha do País - , a protecção das ilhas Selvagens desde 1971, das Ilhas Desertas desde 1990 e a definição da Rede Natura 2000 regional, assumindo, desta forma, a sua quota-parte de responsabilidade na protecção de habitats e espécies no contexto europeu e mundial;
Considerando que a RAM está inserida numa entidade biogeográfica designada por Macaronésia, da qual fazem parte outros arquipélagos: Açores, Cabo Verde e Canárias, de inegável valor biológico no contexto da biodiversidade mundial;
Considerando que a ilha de Porto Santo no contexto da RAM e da sua economia local merece especial destaque pela sua singularidade natural e pelo potencial turístico apresentado, possuindo uma extensa costa sul arenosa e abrigada, enquanto que a costa norte é de característica rochosa e agreste;
Considerando que a área costeira da ilha de Porto Santo possui grande valor natural, científico, paisagístico, cultural e de lazer, pela sua singularidade ecológica complementada pela existência de ilhéus rochosos, com particular relevância do ponto de vista da biodiversidade, razões que impõem a criação de um quadro jurídico próprio destinado à protecção e conservação do ecossistema costeiro, marinho e terrestre, destacando-se também pela sua representatividade e pela inclusão do Sítio Rede Natura 2000 - «Ilhéus do Porto Santo», áreas terrestres inscritas nesta rede ecológica europeia;
Considerando o seu valioso património animal e botânico, onde figuram vários habitats prioritários, bem como espécies endémicas raras, e o facto de estas áreas constituírem locais privilegiados de nidificação de diversas espécies de aves marinhas;
Considerando ainda a riqueza marinha e o papel do mergulho amador para o turismo e, consequentemente, para a economia da ilha do Porto Santo, enquanto actividade de criação de emprego e de promoção de desenvolvimento sustentado:
Assim:
A Assembleia Legislativa da Madeira decreta, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e do n.º 1 do artigo 232.º da Constituição da República Portuguesa, bem como das alíneas jj), oo) e pp) do artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de Junho, revisto e alterado pela Lei 130/99, de 21 de Agosto, e alterado pela Lei 12/2000, de 21 de Junho, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma cria a Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo e consagra o respectivo regime jurídico.
Artigo 2.º
Delimitação territorial
1 - A Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo é constituída pela parte terrestre de todos os seus ilhéus e pelas zonas marinhas circundantes do Ilhéu da Cal ou de Baixo e do Ilhéu de Cima, incluindo a zona onde se encontra afundado o navio O Madeirense, de acordo com os limites constantes do anexo único ao presente diploma, do qual faz parte integrante.2 - A Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo fica definida e delimitada, para os devidos efeitos do presente diploma, da seguinte forma:
a) Área do Ilhéu de Fora, do Ilhéu das Cenouras, do Ilhéu da Fonte d'Areia e do Ilhéu do Ferro: constituída pelas respectivas áreas terrestres;
b) Área do Ilhéu da Cal ou de Baixo: constituída pela área terrestre do Ilhéu da Cal e pela área marinha limitada a oeste pela batimétrica dos 50 m e pelo azimute verdadeiro 315º a partir da extremidade oeste da Ponta do Focinho do Urso, a sul pela batimétrica dos 50 m, a norte pela linha de preia-mar máxima de marés-vivas equinociais da costa da ilha do Porto Santo e a este pela batimétrica dos 50 m e pelo azimute verdadeiro 135º a partir do enfiamento do Pico de Ana Ferreira;
c) Área do Ilhéu de Cima: constituída pela área terrestre do Ilhéu de Cima e pela área marinha limitada a oeste pelo azimute verdadeiro 160º a partir da extremidade este do Porto de Abrigo, a sul e este pela batimétrica dos 50 m e a norte pela linha de preia-mar máxima de marés-vivas equinociais da costa da ilha do Porto Santo e pelo azimute verdadeiro 90º a partir da Ponta das Ferreiras.
Artigo 3.º
Objectivos
São objectivos da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo:a) Proteger os recursos marinhos locais e respectivos refúgios associados;
b) Proteger a biodiversidade;
c) Promover a utilização sustentada do espaço compatibilizando os usos e a defesa dos recursos naturais;
d) Aprofundar, promover e divulgar os seus valores naturais, científicos e estéticos; e e) Criar e promover uma economia sustentável.
Artigo 4.º
Gestão
1 - A Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo é gerida pela Secretaria Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais (SRA), através do Serviço do Parque Natural da Madeira (SPNM), sem prejuízo das competências da Secretaria Regional do Equipamento Social (SRES), através da Direcção Regional de Informação Geográfica e Ordenamento do Território (DRIGOT).2 - Por despacho do Secretário Regional com a tutela do ambiente, poderá a gestão das áreas marinhas prevista no número anterior ser atribuída a outro serviço da SRA.
CAPÍTULO II
Condições de utilização e acesso
Artigo 5.º
Interdições
1 - Em toda a área da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo é interdito:a) O exercício da pesca para fins comerciais, excepto a captura de isco vivo destinado à pesca de tunídeos, bem como outras condições fixadas nos termos do disposto no n.º 2 do artigo7.º;
b) A apanha de lapa e caramujo de mergulho;
c) O despejo de quaisquer detritos sólidos ou líquidos, quer sejam provenientes de terra ou de embarcações;
d) A instalação de condutas de efluentes provenientes de instalações industriais e domésticas;
e) A extracção de areias ou de outros recursos geológicos;
f) As actividades náuticas, com excepção das necessárias ao exercício das actividades autorizadas nos termos do artigo seguinte;
g) A colheita, captura, abate ou detenção de exemplares de quaisquer espécies vegetais ou animais sujeitas ou não a medidas de protecção legal ou efectuar outras actividades intrusivas ou perturbadoras do seu desenvolvimento, com excepção do disposto no artigo seguinte e das acções levadas a cabo pela entidade gestora ou das acções de âmbito científico devidamente autorizadas pela mesma;
h) A introdução de espécies zoológicas e botânicas exóticas ou estranhas ao ambiente.
2 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas c) a e) do número anterior, o exercício de actividades de carácter industrial nas áreas adjacentes às áreas marinhas protegidas carece de parecer vinculativo da entidade gestora.
Artigo 6.º
Actos ou actividades sujeitos a autorização
1 - Na Rede de Áreas Marinhas Protegidas identificada no artigo 2.º do presente diploma são permitidos os seguintes actos ou actividades desde que devidamente autorizados pela entidade gestora.
a) A pesca marítima sem fins comerciais ou lúdica, com excepção da área do Ilhéu de Cima, onde é proibida toda e qualquer actividade de pesca, sem prejuízo do previsto no número seguinte;
b) A apanha de lapa e caramujo no calhau;
c) O mergulho de escafandro;
d) Caça submarina, com excepção da área do ilhéu de Cima, onde é proibida toda e qualquer actividade de pesca;
e) A investigação e as actividades científicas que impliquem trabalhos de campo, nomeadamente a recolha de espécies zoológicas, botânicas e geológicas;
f) As actividades marítimo-turísticas a definir por despacho conjunto dos Secretários Regionais do Ambiente e dos Recursos Naturais e do Turismo e Transportes, que não sejam susceptíveis de pôr em risco a protecção ambiental da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo.
2 - Fica dispensada da autorização prevista no número anterior a pesca à linha sem fins comerciais ou lúdica desde que efectuada nas áreas terrestres da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo.
3 - É permitida a travessia de embarcações pelos boqueirões do Ilhéu de Cima e do Ilhéu de Baixo ou da Cal, incluindo a passagem, com esse fim, das respectivas áreas da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo.
4 - Pela emissão da autorização referida no número anterior será devida uma taxa fixada através de portaria do Secretário Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais.
5 - A posse da autorização mencionada no n.º 1 não isenta o seu possuidor das restantes autorizações e licenças legalmente exigidas para a prática da actividade em causa, bem como o cumprimento das normas disciplinadoras da actividade.
Artigo 7.º
1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 5.º e 6.º, a prática de actividades ligadas à pesca na área da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo está sujeita a legislação específica.2 - Através de portaria do Secretário Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais, poderão ser estabelecidas condições específicas para o exercício da pesca lúdica e para a captura de isco vivo destinado à pesca de tunídeos, incluindo a fixação de um número máximo de embarcações a operar na área da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo.
3 - Sempre que se verifiquem situações de restrição de acesso às actividades previstas no número anterior, poderá ser dada prioridade às comunidades locais dependentes da pequena pesca.
4 - O licenciamento de actividades de apanha de organismos marinhos, bem como de instalação de estabelecimentos de culturas marinhas, está sujeito ao parecer vinculativo da entidade gestora.
CAPÍTULO III
Contra-ordenações e fiscalização
Artigo 8.º
Contra-ordenações
1 - As infracções ao disposto no presente diploma constituem contra-ordenações puníveis com as seguintes coimas:a) De (euro) 50 a (euro) 2500, no caso das infracções às alíneas b) a f) do artigo 6.º, por falta da posse das autorizações necessárias à prática das actividades permitidas;
b) De (euro) 50 a (euro) 3700, no caso das infracções às interdições previstas no artigo 5.º e das infracções à proibição prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º 2 - As coimas aplicáveis às pessoas colectivas poderão elevar-se aos montantes máximos de:
a) (euro) 22 000, para as infracções previstas na alínea a) do número anterior;
b) (euro) 44 000, para as infracções previstas na alínea b) do número anterior.
3 - A tentativa e a negligência são puníveis.
Artigo 9.º
Sanções acessórias
Cumulativamente com a coima prevista no artigo anterior, e nos termos da lei, podem ser aplicadas as seguintes sanções acessórias:a) Perda a favor da Região Autónoma da Madeira dos objectos pertencentes ao agente e que estejam na origem da infracção;
b) Interdição do exercício da profissão ou da actividade;
c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos;
d) Privação do direito de participação ou arrematação a concursos públicos promovido por entidades ou serviços públicos, de obras públicas, de fornecimento de bens e serviços, ou de concessão de serviços, licenças ou alvarás;
e) Suspensão de autorizações, licenças e alvarás.
Artigo 10.º
Reposição da situação anterior
1 - A infracção ao disposto nas alíneas c) a e), g) e h) do n.º 1 do artigo 5.º obriga ainda o infractor a proceder à recolha dos detritos que haja lançado ou das espécies que haja introduzido, a suas expensas e meios, no prazo fixado, de forma a repor o local no estado anterior à infracção, sem que, pelo facto, tenha direito a qualquer indemnização ou retribuição.2 - Se o infractor, notificado via postal, com registo e aviso de recepção, não proceder no prazo estipulado à recolha dos detritos, a entidade gestora, com o apoio das entidades com competência na matéria, assegurará a recolha, remetendo depois ao infractor a correspondente nota de cobrança.
3 - As despesas realizadas por força do número anterior, quando não forem pagas voluntariamente pelo infractor no prazo de 20 dias a contar da sua notificação, serão cobradas judicialmente, servindo de título executivo a certidão passada pela entidade gestora comprovativa das quantias despendidas.
Artigo 11.º
Fiscalização e instrução dos processos
1 - A fiscalização do presente diploma compete à entidade gestora, sem prejuízo das competências de outras entidades e autoridades policiais.
2 - A instrução dos ilícitos contra-ordenacionais e a aplicação das coimas e sanções acessórias previstas no presente diploma compete à entidade gestora.
Artigo 12.º
Produto das coimas
O produto das coimas previstas no presente diploma constitui receita própria da entidade gestora.
Artigo 13.º
Imobilização de pessoas e embarcações
1 - Os funcionários da entidade gestora, quando devidamente identificados, podem ordenar a imobilização de pessoas e embarcações com o objectivo de fiscalizarem o cumprimento do presente diploma.
2 - No caso da fiscalização ser recusada, a imobilização estender-se-á até à chegada da respectiva autoridade policial.
CAPÍTULO IV
Disposições finais
Artigo 14.º
Plano de ordenamento e gestão
Compete à entidade gestora, após audição das demais entidades locais e regionais, a elaboração dos respectivos planos de ordenamento e gestão específicos para as diferentes áreas marinhas protegidas na ilha de Porto Santo dentro do prazo máximo de dois anos após a publicação deste diploma.
Artigo 15.º
Regulamentação
Através de portaria do Secretário Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais, mediante proposta fundamentada da entidade gestora e de acordo com o plano referido no artigo anterior, nomeadamente por razões de afundamento de novos navios, poderá ser alterada a Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo, bem como podem ser estabelecidas condições especiais de utilização e acesso à Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo.
Artigo 16.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no 15.º dia posterior ao da sua publicação.Aprovado em sessão plenária da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 23 de Julho de 2008.
O Presidente da Assembleia Legislativa, José Miguel Jardim d'Olival Mendonça.
Assinado em 6 de Agosto de 2008.
Publique-se.O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, Antero Alves Monteiro Diniz.
ANEXO ÚNICO
Carta da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo
(ver documento original)