Acórdão 563/2005/T. Const. - Processo 792/2005. - Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I - 1 - Carlos Lima Guerreiro, na qualidade de mandatário do Partido Socialista (PS) para as eleições dos titulares dos órgãos das autarquias locais de 9 de Outubro de 2005 no concelho de Paredes de Coura, vem, invocando o disposto nos artigos 158.º e seguintes da lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais e nos artigos 102.º e 102.º-B da Lei do Tribunal Constitucional, interpor recurso contencioso para o Tribunal Constitucional:
"a) Da decisão da assembleia de apuramento geral de não validar dois votos claros e inequívocos, na freguesia de Parada, com evidente influência nos resultados eleitorais;
b) Da prepotente decisão da presidente da assembleia de apuramento geral de não admissão de uma reclamação do mandatário das listas apresentadas pelo PS - Partido Socialista."
Alega o seguinte:
"1.º A assembleia de apuramento local da freguesia de Parada classificou como nulos dois votos em que a vontade expressa dos eleitores é clara e inequívoca.
Com efeito,
2.º Os eleitores manifestaram claramente a sua vontade e escolha, colocando a indicação de voto, no boletim, à frente da designação e da sigla do Partido Socialista.
3.º A assembleia de apuramento geral não validou os dois votos, confirmando a qualificação de nulos da assembleia de apuramento local de Parada. Ora,
4.º Os resultados apurados pelas assembleias de apuramento local e geral, em Parada, colocam as listas do PS e do PSD com a diferença de um voto. Assim,
5.º A qualificação daqueles dois votos altera totalmente os resultados finais.
6.º O mandatário tentou entregar uma reclamação, que se junta em anexo, que foi recusada pela presidente da assembleia de apuramento geral, com os fundamentos que se referem na participação à Comissão Nacional de Eleições, de que também se junta cópia, em anexo."
O recorrente pede ao Tribunal Constitucional "que requisite todos os elementos de prova que considerar convenientes para o bom julgamento do caso" e conclui requerendo "a validação dos dois votos declarados nulos na freguesia de Parada e a sua atribuição à lista apresentada pelo PS - Partido Socialista, com as legais consequências".
O requerimento de interposição do recurso deu entrada no Tribunal Constitucional em 13 de Outubro, por telecópia, fazendo-se acompanhar de quatro documentos: fotocópia de reclamação dirigida ao presidente da assembleia de apuramento geral em 12 de Outubro, fotocópia de carta dirigida à Comissão Nacional de Eleições em 12 de Outubro, fotocópia parcial da acta da assembleia de apuramento geral de Paredes de Coura e procuração.
2 - No Tribunal Constitucional foi proferido despacho pela relatora, no próprio dia 13 de Outubro, solicitando ao Governo Civil do Distrito de Viana do Castelo os seguintes elementos: cópia das actas das operações eleitorais respeitantes às eleições realizadas em 9 de Outubro de 2005 da freguesia de Parada, incluindo todas as eventuais reclamações, protestos ou contraprotestos apresentados; cópia do edital (ou, eventualmente, dos editais) contendo os resultados do apuramento local da freguesia de Parada; cópia da acta do apuramento geral do município de Paredes de Coura, donde constam os resultados do apuramento geral respeitante à freguesia de Parada; cópia do edital (ou, eventualmente, dos editais) contendo os resultados do apuramento geral na parte respeitante à freguesia de Parada e respectiva data de afixação; originais dos dois boletins de voto protestados pelo mandatário do PS respeitantes à freguesia de Parada - alegadamente assinalados no PS e considerados nulos pela assembleia de apuramento local da freguesia de Parada e pela assembleia de apuramento geral do município de Paredes de Coura -, ou, não sendo possível identificar tais boletins, originais dos oito boletins de voto considerados nulos pela assembleia de apuramento geral do município de Paredes de Coura respeitantes à freguesia de Parada (fl. 24).
3 - Na mesma data, foi notificado o mandatário do Partido Social Democrata (PPD/PSD), como partido concorrente à eleição da Assembleia de Freguesia de Parada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 159.º, n.º 3, da lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto (a seguir designada, simplificadamente, LEOAL).
Respondeu assim o mandatário do Partido Social Democrata (PPD/PSD) (fls. 27 e seguintes):
"1.º Refere o PS no n.º 3.º do recurso que a assembleia de apuramento geral não validou dois votos nulos, considerados nulos na assembleia de voto e não revalidados na AAG.
2.º De facto é competência da AAG reapreciar os votos nulos segundo um critério uniforme nos termos do artigo 149.º, n.º 1, da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto.
3.º Não pode é utilizar um critério que contrarie a lei eleitoral e a doutrina defendida pela Comissão Nacional de Eleições e os acórdãos que sobre a matéria foram proferidos pelo Tribunal Constitucional. E de facto a AAG assim procedeu e bem.
4.º Nesse mesmo sentido, pronunciaram-se a Dr.ª Fátima Abrantes Mendes, da CNE, e o Dr. Jorge Miguéis, igualmente da CNE, no seu livro Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, 1.ª reed. de 2005, na anotação ao artigo 133.º da LO n.º 1/2001, de 14 de Agosto (p. 133).
5.º Ainda sobre esta matéria v. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 319/85, Diário da República, 2.ª série, de 15 de Abril de 1986, 320/85, Diário da República, 2.ª série, de 15 de Abril de 1986, e 326/85, Diário da República, 2.ª série, de 16 de Abril de 1986.
6.º Todos eles são bastante claros em afirmar que devem ser considerados nulos os votos assinalados fora do quadrado, admitindo-se apenas aqueles que extravasando os seus limites contenham a intercepção dos dois traços dentro do quadrado.
7.º Não poderia assim a AAG aplicar critérios que iriam contra a lei e a doutrina do Tribunal Constitucional sobre esta matéria.
8.º Os referidos votos nulos, que o PS esclarece que se encontram fora do quadrado, foram assinalados à frente da designação do Partido e sobre a sigla daquele Partido, podendo isso ser uma forma de o eleitor descontente rejeitar aquela força política, cortando-a, mas nunca a vontade inequívoca do eleitor, que os 31 anos de eleições democráticas ensinaram a assinalar correctamente."
Concluiu pedindo ao Tribunal Constitucional que "considere improcedente o recurso do Partido Socialista e considere correctos os resultados eleitorais apurados pela assembleia de apuramento geral".
4 - O Governo Civil do Distrito de Viana do Castelo remeteu a este Tribunal, por ofícios recebidos neste Tribunal em 19 e 24 de Outubro de 2005 (fls. 37 e seguintes e fls. 76 e seguintes, respectivamente), os seguintes elementos:
Cópia do edital de afixação da acta da assembleia de apuramento geral do município de Paredes de Coura donde consta que o mesmo foi afixado em 13 de Outubro de 2005;
Cópia integral da acta do apuramento geral do município de Paredes de Coura;
Cópia do edital contendo os resultados do apuramento geral do município de Paredes de Coura;
Cópia da acta das operações eleitorais referente à freguesia de Parada;
Dois boletins de voto considerados nulos.
Cumpre apreciar e decidir.
II - 5 - Nos termos do artigo 134.º, n.º 1, da LEOAL - inserido no capítulo da lei relativo ao apuramento local (capítulo I do título VII) -, os delegados das candidaturas concorrentes têm o direito de examinar os boletins, bem como os correspondentes registos, e, no caso de terem dúvidas ou objecções em relação à contagem ou à qualificação dada ao voto de qualquer boletim, têm o direito de suscitar esclarecimentos ou apresentar reclamações ou protestos perante o presidente da assembleia ou da secção de voto.
De harmonia com o artigo 143.º da mesma lei - inserido no capítulo relativo ao apuramento geral (capítulo II do referido título VII) -, os representantes das candidaturas concorrentes têm o direito de assistir, sem voto, aos trabalhos da assembleia de apuramento geral, bem como de apresentar reclamações, protestos ou contraprotestos.
Das decisões proferidas sobre as reclamações, protestos ou contraprotestos cabe recurso para o Tribunal Constitucional, a interpor - pelos respectivos apresentantes, candidatos, mandatários, partidos políticos, coligações e grupos de cidadãos e seus delegados ou representantes, intervenientes no acto eleitoral - no dia seguinte ao da afixação do edital contendo os resultados do apuramento geral (cf. os artigos 157.º e 158.º da LEOAL, e os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 585/2001, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 23, de 28 de Janeiro de 2002, pp. 1806 e seguintes, e 521/2005 e 522/2005, de 12 de Outubro, ainda inéditos).
As irregularidades ocorridas no decurso da votação e no apuramento local ou geral só podem ser apreciadas pelo Tribunal Constitucional desde que, relativamente a elas, tenha sido apresentada reclamação, protesto ou contraprotesto no acto em que se verificaram (cf. o artigo 156.º, n.º 1, da LEOAL).
Decorre assim da lei que constitui pressuposto do recurso contencioso para o Tribunal Constitucional a apresentação de reclamação, protesto ou contraprotesto, relativamente às irregularidades alegadamente cometidas, no acto em que se verificaram - como este Tribunal sublinhou, perante o direito eleitoral anterior, por exemplo, no Acórdão 321/85 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 88, de 16 de Abril de 1986, a p. 3581) e, mais recentemente, por exemplo, nos Acórdãos n.os 3/2002 e 5/2002 (publicados no Diário da República, 2.ª série, n.º 24, de 29 de Janeiro de 2002, a pp. 1875 e 1876, respectivamente).
6 - O presente recurso vem interposto de duas deliberações tomadas pela assembleia de apuramento geral do concelho de Paredes de Coura: a primeira, quanto a dois boletins de voto, para a Assembleia de Freguesia de Parada, considerados nulos pela assembleia de apuramento geral; a segunda, quanto à não admissão, pela assembleia de apuramento geral, de uma reclamação apresentada pelo mandatário do PS a propósito da deliberação anteriormente referida.
O recurso é tempestivo, já que foi interposto no dia 13 de Outubro de 2005, sendo certo que o edital contendo os resultados do apuramento geral no concelho de Paredes de Coura foi afixado em 13 de Outubro (cf. o artigo 158.º da LEOAL).
Tendo em conta os resultados apurados na eleição para a Assembleia de Freguesia de Parada (106 votos na lista do PPD/PSD e 105 votos na lista do PS, conforme o mapa anexo à acta do apuramento geral do concelho de Paredes de Coura, a fl. 17), admite-se que a apreciação da questão suscitada pelo partido recorrente é susceptível de influir no resultado geral da eleição do respectivo órgão autárquico (cf. o artigo 160.º da LEOAL).
7 - Importa agora averiguar se pode dar-se como verificado no caso dos autos o pressuposto do recurso contencioso para o Tribunal Constitucional - a apresentação de reclamação, protesto ou contraprotesto, relativamente às irregularidades alegadamente cometidas, no acto em que se verificaram (cf. o artigo 156.º, n.º 1, da LEOAL e supra n.º 5) - , tanto mais que a segunda questão colocada no recurso diz precisamente respeito à deliberação de não admissão, pela assembleia de apuramento geral, de uma reclamação apresentada pelo mandatário do PS a propósito da deliberação da mesma assembleia de anular dois votos relativos à eleição para a Assembleia de Freguesia de Parada.
Lê-se na acta da assembleia de apuramento geral do concelho de Paredes de Coura, na parte que agora interessa considerar (a fl. 2 da acta):
"A certa altura foi pela presidente da AAG ordenado que consignasse em acta o seguinte: que neste momento, cerca das 11 horas e 45 minutos [do dia 12 de Outubro de 2005] foi esta assembleia interrompida com o aparecimento de uma pessoa que se identificou como sendo mandatário do PS, o qual nunca esteve presente durante os trabalhos desta assembleia, com um requerimento na mão, dizendo querer com o mesmo apresentar reclamação sobre uma decisão tomada por esta assembleia no decurso dos trabalhos que aconteceram no dia de ontem relativa à consideração como votos nulos, votos assim considerados pela mesa da assembleia de voto da freguesia de Parada.
Ora, não sabemos como pôde o mesmo ter conhecimento de tais factos, estranhando-se que tendo decorrido os trabalhos desta assembleia, até ao momento, à porta fechada, o mesmo pretenda reclamar de factos que só quem esteve cá teve conhecimento. Razão pela qual, ela, a presidente da AAG não admitiu o requerimento que aquele pretendia apresentar, não tendo o mesmo se oposto a tal decisão, e tendo de seguida abandonado o local mal lhe foi dito que não podia apresentar tal reclamação por não ter conhecimento daquilo que reclamava."
Ora, é certo que sobre a questão da nulidade dos votos constantes dos dois boletins de voto em causa não chegou a ser apresentada reclamação pelo partido recorrente perante a assembleia de apuramento geral do concelho de Paredes de Coura. Na verdade, como consta da respectiva acta, a presidente dessa assembleia "não admitiu o requerimento que aquele pretendia apresentar", invocando não saber "como pôde o mesmo ter conhecimento de tais factos, estranhando-se que tendo decorrido os trabalhos desta assembleia, até ao momento, à porta fechada, o mesmo pretenda reclamar de factos que só quem esteve cá teve conhecimento".
Tendo em conta os direitos reconhecidos aos representantes das candidaturas concorrentes pelo artigo 143.º da LEOAL e atendendo à circunstância de a reunião da assembleia de apuramento geral ser uma só, apesar de se prolongar por dois dias, admite-se, no caso agora em apreço, que o documento que o recorrente pretendeu apresentar no dia 12 de Outubro, pelas 11 horas e 45 minutos, perante a assembleia de apuramento geral do município de Paredes de Coura, reclamando da deliberação dessa assembleia "que manteve a qualificação de nulos a dois boletins de voto da assembleia de apuramento local de Parada", configura a reclamação a que alude o artigo 156.º, n.º 1, da LEOAL.
Conclui-se, assim, que pode dar-se como verificado no caso dos autos o pressuposto de recorribilidade para o Tribunal Constitucional estabelecido no artigo 156.º, n.º 1, da LEOAL: a existência de reclamação, protesto ou contraprotesto apresentado no acto em que tenha ocorrido a pretensa irregularidade.
8 - Passemos então à apreciação dos dois boletins considerados nulos pela assembleia de apuramento local da freguesia de Parada e pela assembleia de apuramento geral do município de Paredes de Coura, que, segundo a opinião do recorrente, expressam "dois votos claros e inequívocos" no PS (boletins constantes a fls. 77 e 78 destes autos).
Do exame de tais boletins apura-se que nos mesmos não se encontra aposta, na quadrícula correspondente ao PS, qualquer cruz, sendo esta assinalada no espaço que se situa à frente da designação e da sigla do PS e antes do respectivo símbolo.
Encontra-se fixada a jurisprudência deste Tribunal sobre a validade de tais expressões de voto, podendo consultar-se, entre outros, os Acórdãos n.os 320/85, 326/85, 864/93, 725/97 e 734/97 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6.º vol., pp. 1101 e 1045, 26.º vol., p. 637, e 38.º vol., p. 453 e 467, respectivamente), 8/94 (in Diário da República, 2.ª série, n.º 76, de 31 de Março de 1994, a pp. 2952-(54) e seguintes), 602/2001 e 8/2002 (in Diário da República, 2.ª série, n.º 44, de 21 de Fevereiro de 2002, a pp. 3447 e seguintes, e 3450, respectivamente).
Dela se extrai, desde logo, que se devem considerar nulos os votos que contêm uma cruz fora do quadrado assinalado no boletim de voto na linha correspondente a cada partido, coligação ou grupo de cidadãos; só se admite a validade dos votos quando a intersecção dos traços que formam a cruz se inscreva dentro do referido quadrado, desde que assinale inequivocamente a vontade do eleitor.
Este entendimento, que aqui se mantém, fundamenta-se no artigo 115.º, n.º 4, da LEOAL, enquanto impõe que o eleitor assinale com uma cruz, em cada boletim de voto, "no quadrado correspondente à candidatura em que vota".
E, por outro lado, em nada é afectado pelo disposto no artigo 113.º, n.os 1 e 2, da mesma lei, no ponto em que admite como válido o voto em que a cruz não seja perfeitamente desenhada ou exceda os limites do quadrado, desde que "assinale inequivocamente a vontade do eleitor".
Na verdade, como o Tribunal afirmou no citado Acórdão 602/2001, este último segmento do artigo 133.º, n.º 2, "não estabelece o critério para determinar, em qualquer circunstância, a validade do voto. Ele apenas consagra uma exigência adicional para a validade dos votos expressos nos termos ali referidos - cruz imperfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado - em nada contrariando a exigência estabelecida no citado artigo 115.º, n.º 4".
Julgam-se, assim, nulos os votos constantes a fls. 77 e 78, não havendo razões para alterar a impugnada deliberação da assembleia de apuramento geral do município de Paredes de Coura que considerou nulos os mesmos votos.
III - 9 - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 24 de Outubro de 2005. - Maria Helena Brito - Paulo Mota Pinto - Pamplona de Oliveira - Maria João Antunes - Maria Fernanda Palma - Mário Torres - Vítor Gomes - Benjamim Rodrigues - Rui Moura Ramos - Gil Galvão - Bravo Serra - Artur Maurício.