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Acórdão 270/2005/T, de 6 de Julho

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Texto do documento

Acórdão 270/2005/T. Const. - Processo 172/2005. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Evaristo José Chora Tim Tim (ora recorrido), patrocinado pelo Ministério Público, intentou no Tribunal do Trabalho de Beja acção emergente de acidente de trabalho com processo especial contra Luís Miguel Marques Pôla (ora recorrente), peticionando o direito à reparação por acidente de trabalho que sofreu quando prestava a sua actividade profissional ao serviço do réu.

2 - Por decisão do Tribunal do Trabalho de Beja de 16 de Outubro de 2003, foi dado como assente que o acidente se deu quando o autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, auferindo o salário global anual de Euro 15 612,44, facto este provado por aplicação do disposto no artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, por o réu ter faltado por duas vezes, injustificadamente, à tentativa de conciliação para o qual havia sido regularmente notificado. Em consequência, foi a acção julgada procedente e o réu condenado a pagar ao autor a quantia de Euro 28 752,91, a título de ITA, bem como uma pensão anual e vitalícia de Euro 5277.

3 - Inconformado com esta decisão o réu recorreu dela para o Tribunal da Relação de Évora, que, por Acórdão de 18 de Maio de 2004, decidiu negar provimento ao recurso.

4 - Novamente inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, a concluir a sua alegação, formulado as seguintes conclusões:

"1.ª Na presente acção foi considerado assente que o acidente dos autos se deu quando o autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização do réu, auferindo um salário anual global de Euro 15 612,44 por o recorrente ter faltado sem justificação a duas tentativas de conciliação e ser esse o teor das declarações prestadas pelo recorrido, por aplicação do artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho.

2.ª A norma em causa, ao estabelecer uma presunção de verdade das declarações prestadas pelo trabalhador no caso de duas faltas injustificadas a tentativas de conciliação apenas será justa, equitativa e conforme com o artigo 20.º da Constituição se a entidade patronal tiver sido avisada na convocatória, de forma clara, expressa e compreensível para quem não for profissional do foro, das consequências da sua falta injustificada.

3.ª O artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho é, pois, inconstitucional por violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República se interpretado de forma que o seu comando se mantenha efectivo sem que a entidade patronal tenha sido avisada na convocatória, de forma clara, expressa e compreensível para quem não for profissional do foro, das consequências da sua falta injustificada.

4.ª Por outro lado, a referida norma, ao estabelecer uma vantagem para uma das partes em relação à outra, viola o princípio da igualdade, acolhido no artigo 13.º da Constituição da República, sendo essa desigualdade relevante e com possível influência da definição dos direitos das partes, sendo certo que os objectivos que pretende alcançar poderão ser atingidos pela adopção de outras medidas aplicáveis de forma igual a ambas as partes.

5.ª Trata-se, pois, de uma norma inconstitucional, por contrariar a Constituição e os seus princípios.

6.ª Não podendo, por isso, ser aplicada pelo Tribunal, por força do disposto no artigo 204.º da Constituição da República.

7.ª Não se aplicando essa norma, não serão considerados provados os factos transcritos na conclusão 1.ª destas alegações.

8.ª O que fará com que o acidente dos autos deixe de poder ser considerado um acidente de trabalho, improcedendo, em consequência, a acção, sendo o recorrente absolvido do pedido.

9.ª A douta sentença recorrida violou os artigos 13.º e 20.º, n.º 4, da Constituição da República, pelo que deverá ser revogada."

5 - O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 27 de Janeiro de 2005, negou provimento ao recurso, decisão que fundamentou nos seguintes termos:

"A única questão a decidir é a de saber se se verifica a invocada inconstitucionalidade do artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, com base no qual o tribunal deu como provados os factos que constam da alínea e) da matéria de facto.

Regulando os termos em que se realiza a tentativa de conciliação na fase administrativa do processo emergente de acidente de trabalho, o artigo 108.º do Código de Processo do Trabalho dispõe, nos seus n.os 4 e 5, o seguinte:

'4 - Não comparecendo a entidade responsável, tomam-se declarações ao sinistrado ou beneficiário sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente e mais elementos necessários à determinação do seu direito, designando-se logo data para nova tentativa de conciliação.

5 - Faltando de novo a entidade responsável ou não sendo conhecido o seu paradeiro, é dispensada a tentativa de conciliação, presumindo-se verdadeiros, até prova em contrário, os factos declarados nos termos do número anterior se a ausência for devida a falta injustificada e a entidade responsável residir ou tiver sede no continente ou na ilha onde se realiza a diligência.'

No caso vertente, o réu faltou à tentativa de conciliação designada a fl. 57 dos autos (sendo irrelevante que tenha sido devolvida a carta de notificação, visto que tem aplicação no caso o disposto quanto às notificações dos mandatários judiciais, presumindo-se a notificação feita no 3.º dia posterior ao do registo - artigos 24.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho e 254.º, n.os 3 e 4, do Código de Processo Civil), implicando que, por efeito do disposto no n.º 4 do artigo 108.º do Código de Processo do Trabalho, se tomassem declarações ao sinistrado 'sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente e mais elementos necessários à determinação do seu direito'. Por outro lado, o réu faltou igualmente, sem qualquer justificação, à segunda tentativa de conciliação, designada a fl. 66 do processo, com a consequência de se ter como dispensada a realização da formalidade, com o necessário prosseguimento do processo através da fase contenciosa (artigo 113.º).

O n.º 5 do artigo 108.º do Código de Processo do Trabalho estabelece uma presunção juris tantum, implicando que, na acção, caiba ao réu a prova de que os factos declarados pelo autor não correspondem à verdade. É este indubitavelmente o sentido da expressão 'presumindo-se verdadeiros, até prova em contrário, os factos declarados nos termos do número anterior'.

A referida norma opera, pois, uma inversão do ónus da prova, nos precisos termos do artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil. Em princípio, é àquele que invoca um direito que cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, pertencendo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (artigo 342.º, n.os 1 e 2, do Código Civil). As regras gerais relativas ao ónus da prova invertem-se, porém, quando exista uma presunção legal, isto é, quando a lei considere como certo um dado facto. Tal significa que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, admitindo-se - a menos que a lei o proíba - que a presunção seja ilidida mediante prova em contrário (artigo 350.º do Código Civil).

No caso em apreço, o recorrente começa por invocar que o artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho viola o direito a um processo equitativo e é, como tal, inconstitucional, quando interpretado no sentido de que o seu comando se mantém efectivo sem que a entidade patronal tenha sido avisada na convocatória, de forma clara, expressa e compreensível para quem não for profissional do foro, das consequências da sua falta injustificada à tentativa de conciliação.

O que resulta, porém, das cotas lavradas a fls. 58 e 66 pelo competente funcionário judicial, é que a convocatória para as tentativas de conciliação foram efectuadas com as advertências legais, o que significa que foram feitas com a indicação das consequências processuais que a falta à diligência, sem justificação, poderia acarretar. E não tendo sido suscitada a falsidade desses termos do processo, nada permite concluir que o efeito jurídico imposto pela norma tenha sido aplicado sem que o interessado estivesse ciente das consequências que poderiam advir do seu comportamento processual.

Em qualquer caso, o recorrente também alega que a referida norma, ao estabelecer uma vantagem para uma das partes em relação à outra, viola o princípio da igualdade, acolhido no artigo 13.º da Constituição da República, sendo, também por esse motivo, passível de declaração de inconstitucionalidade.

O acórdão recorrido já discorreu com suficiente desenvolvimento sobre a dimensão jurídico-constitucional do princípio da igualdade, não se justificando quaisquer novas considerações sob esse prisma. O que importa por agora reter é que, como vimos, a disposição em causa limita-se a estabelecer, em função de um certo comportamento processual de parte, a inversão do ónus da prova relativamente a factos constitutivos do direito que o autor se arroga.

As regras do ónus da prova, como muitos outros ónus jurídicos estabelecidos na lei de processo, destinam-se a distribuir entre as partes um conjunto de obrigações instrumentais em ordem à realização do direito no âmbito do processo. Considerar como inconstitucional a norma do artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho corresponderia a fazer incidir essa inconstitucionalidade sobre a própria regra de direito civil que estabelece a inversão do ónus da prova, visto que a disposição do Código de Processo do Trabalho não faz mais do que dar guarida a um princípio jurídico fundamental em matéria de prova que tem o seu assento no Código Civil.

Por outro lado, a consideração de que a regra que impõe ao réu, em determinado condicionalismo, a prova contrária de certos factos é inconstitucional, por violar o princípio da igualdade da partes, levar-nos-ia igualmente a admitir que a atribuição do ónus da prova ao autor relativamente aos factos constitutivos do seu direito é, também ela, inconstitucional, visto que, também nesse caso, a norma impõe um gravame a uma das partes em benefício da outra. Parece, portanto, que não é o simples facto de a lei estabelecer uma repartição do ónus da prova entre as partes que poderá viciar a norma de inconstitucionalidade.

O princípio da igualdade das partes, como paradigmaticamente resulta do disposto no artigo 3.º-A do Código de Processo Civil, exige essencialmente que os sujeitos processuais se encontrem numa situação de plena igualdade no processo, com os mesmos poderes, direitos e deveres, e destina-se sobretudo a impedir que o juiz crie, pela sua própria actividade ou omissão, situações de desigualdade substancial entre os intervenientes no processo (Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1996, p. 43). Por outro lado, a consecução da igualdade substancial entre as partes não pode postergar os vários regimes imperativos definidos na lei, que eventualmente originem desigualdades ou se bastem com igualdades meramente formais (ibidem).

Ora, a constatação de que um desses regimes imperativos, como é o estabelecido pelo artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, corresponde, em si, a uma violação do princípio da igualdade entre as partes implica o reconhecimento prévio de que essa norma não tem um fundamento material legítimo, representando um agravamento arbitrário de posição processual do réu (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., revista, Coimbra, pp. 127-129). O que sucede, porém, é que a norma em questão se limita a agravar a posição do réu, mediante a inversão do ónus da prova, em resultado de uma evidente e reiterada violação do princípio da cooperação processual, revelada através da falta injustificada e sucessiva às diversas tentativas de conciliação que foram designadas, justamente, para obter um acordo dos interessados sobre a existência do direito de reparação do acidente e o esclarecimento dos elementos de facto pertinentes.

Não se vê, por isso, qualquer motivo para considerar a norma em causa como portadora de uma discriminação ilegítima entre as partes.

Acresce que o réu, não só teve oportunidade de comparecer às tentativas de conciliação e aí expor os seus pontos de vista, como também, na fase contenciosa do processo, pôde deduzir a sua oposição quanto aos factos alegados na petição [o que fez no tocante à matéria da alínea e) da decisão de facto, mediante o articulado no n.º 4 da contestação] e a realizar a prova de que esses factos não eram verdadeiros.

A regra da inversão do ónus, acolhida no citado artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, não determinou, portanto, na prática, uma efectiva violação do princípio da igualdade das partes, tal como o concebe o artigo 3.º-A do Código de Processo Civil, visto que o réu, ora recorrente, teve todas as oportunidades para demonstrar que os factos declarados pelo autor na tentativa de conciliação não eram verdadeiros. E não é a circunstância de o réu não ter logrado fazer essa prova, apesar de ter estado ao seu alcance fazê-la, que poderá inquinar a norma de inconstitucionalidade.

Resta dizer que o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 89.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho de 1981, que, em situação de algum modo similar, impunha a condenação, no pedido, do réu que, não tendo feita a prova da inexistência da obrigação, falta à audiência, não justifica a falta e não se faz representar por mandatário judicial [cf. Acórdãos n.os 264/94, de 23 de Março de 1994, processo 206/92 (1.ª), 223/95, de 26 de Abril de 1995, processo 712/93 (2.ª), e 1193/96, de 20 de Novembro de 1996, processo 496/97 (2.ª)."

6 - É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, através de um requerimento que tem o seguinte teor:

"[...], não se conformando com o douto acórdão proferido nos presentes autos que aplicou a norma do artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho cuja inconstitucionalidade foi suscitada nos presentes autos, pretende dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, recurso esse restrito à questão da inconstitucionalidade da aludida norma.

O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, considerando o recorrente que a aplicação da norma do artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho viola o princípio constitucional da igualdade, que consta do artigo 13.º da Constituição da República, bem como o princípio do direito dos cidadãos a um processo equitativo, estabelecido no artigo 20.º, n.º 4, do mesmo diploma.

A questão da inconstitucionalidade da norma em causa foi suscitada nas alegações do recurso interposto da decisão da 1.ª instância, proferida após a anulação do primeiro julgamento efectuado, em cumprimento de douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora.

O recurso processa-se nos termos do disposto nos artigos 75.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional, sobre imediatamente, nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo."

7 - Proferiu, então, o relator do processo o seguinte despacho: "1 - O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, designadamente, que o recorrente tenha suscitado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a inconstitucionalidade da norma - ou interpretação normativa - que pretende ver apreciada e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado - a norma ou interpretação normativa arguida de inconstitucional -, como ratio decidendi, no julgamento do caso.

2 - No requerimento de interposição do recurso, refere o recorrente pretender ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, por alegada violação do 'princípio constitucional da igualdade, que consta do artigo 13.º da Constituição da República, bem como do princípio do direito dos cidadãos a um processo equitativo, estabelecido no artigo 20.º, n.º 4, do mesmo diploma'.

Compulsados os autos, verifica-se, porém, que, durante o processo, designadamente na alegação de recurso que apresentou perante o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente, ao menos quando imputa ao artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo de Trabalho, a violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, circunscreve essa acusação apenas a uma determinada interpretação normativa daquele artigo 108.º, n.º 5, que identifica. Nas suas próprias palavras:

'[...]

2 - A norma em causa, ao estabelecer uma presunção de verdade das declarações prestadas pelo trabalhador no caso de duas faltas injustificadas a tentativas de conciliação apenas será justa, equitativa e conforme com o artigo 20.º da Constituição se a entidade patronal tiver sido avisada na convocatória, de forma clara, expressa e compreensível para quem não for profissional do foro, das consequências da sua falta injustificada.

3 - O artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho é, pois, inconstitucional por violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República, se interpretado de forma que o seu comando se mantenha efectivo sem que a entidade patronal tiver sido avisada na convocatória, de forma clara, expressa e compreensível para quem não for profissional do foro, das consequências da sua falta injustificada [...]'

Em suma: na perspectiva do recorrente, o preceito em causa só é inconstitucional, ao menos por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, se interpretado em termos de manter o efeito cominatório que nele se prevê - inversão do ónus da prova - nas hipóteses em que a entidade patronal não tenha sido avisada na convocatória, de forma clara, expressa e compreensível para quem não for profissional do foro, das consequências da sua falta injustificada.

3 - Ora, a verdade é que, como se verá sumariamente já de seguida, não foi nesta interpretação normativa que o preceito foi efectivamente aplicado pela decisão recorrida. Com efeito, nesta não se considerou que o recorrente não fora, clara, expressa e de forma compreensível para quem não for profissional do foro, avisado das consequências da sua falta injustificada. Pelo contrário, a decisão recorrida parte do pressuposto, que este Tribunal não pode sindicar, de que a entidade patronal foi efectivamente avisada, nos termos legais, das consequências da sua falta, em termos que lhe permitia ficar ciente das mesmas. Para o demonstrar basta recordar aqui a parte daquela decisão em que a mesma se pronuncia sobre esta questão:

'[...]

No caso em apreço, o recorrente começa por invocar que o artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho viola o direito a um processo equitativo e é, como tal, inconstitucional, quando interpretado no sentido de que o seu comando se mantém efectivo sem que a entidade patronal tenha sido avisada na convocatória, de forma clara, expressa e compreensível para quem não for profissional do foro, das consequências da sua falta injustificada à tentativa de conciliação.

O que resulta, porém, das cotas lavradas a fls. 58 e 66 pelo competente funcionário judicial, é que a convocatória para as tentativas de conciliação foram efectuadas com as advertências legais, o que significa que foram feitas com a indicação das consequências processuais que a falta à diligência, sem justificação, poderia acarretar. E não tendo sido suscitada a falsidade desses termos do processo, nada permite concluir que o efeito jurídico imposto pela norma tenha sido aplicado sem que o interessado estivesse ciente das consequências que poderiam advir do seu comportamento processual [...]'

Em face do exposto, evidente se torna que o artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho não foi efectivamente aplicado pela decisão recorrida na exacta interpretação normativa que foi desenhada pelo recorrente nos termos antes descritos, pelo que não pode, nessa interpretação, conhecer-se do objecto do recurso.

4 - Na alegação que apresentou perante o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente coloca ainda a questão da alegada violação do artigo 13.º da Constituição. Fá-lo, na conclusão 4.ª, nos seguintes termos: 'Por outro lado, a referida norma, ao estabelecer uma vantagem para uma das partes em relação à outra, viola o princípio da igualdade, acolhido no artigo 13.º da Constituição da República, sendo essa desigualdade relevante e com possível influência da definição dos direitos das partes, sendo certo que os objectivos que pretende alcançar poderão ser atingidos pela adopção de outras medidas aplicáveis de forma igual a ambas as partes.' Ora, embora se possa suscitar a dúvida de saber se, quando alude à 'referida norma', o recorrente se pretende reportar ao artigo 108.º, n.º 5, na interpretação anteriormente identificada - caso em que, pelas razões já invocadas, estaríamos perante uma impossibilidade de conhecimento do recurso -, admite-se, contudo, a benefício do recorrente, que, nesta parte, o mesmo pretende imputar a violação do artigo 13.º da Constituição, não apenas àquela interpretação normativa do artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, mas ao preceito no seu todo - tanto mais que, quando se refere à alegada violação do princípio da igualdade, o recorrente não faz, ao menos expressamente, a limitação que faz quando se referiu à violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.

Só nesta hipótese é possível conhecer do recurso, que tem assim o seguinte objecto: 'é a norma contida no artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho inconstitucional, designadamente por violação do artigo 13.º da Constituição, na parte em que estatui que, em caso de dupla falta injustificada da entidade patronal à tentativa de conciliação que nela se prevê, se presumem verdadeiros, até prova em contrário, os factos declarados pelo acidentado?'.

5 - Com esta delimitação, notifique-se para alegações."

9 - Concluiu, então, o recorrente as suas alegações do seguinte modo:

"1 - O artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho faz presumir como verdadeiras as declarações do A. feitas na fase conciliatória do processo emergente de acidente de trabalho no caso de a entidade patronal faltar injustificadamente a duas tentativas de conciliação para que tenha sido notificada, não sendo o mesmo regime aplicável ao A.

2 - O preceito em causa estabelece, pois, uma vantagem para uma das partes em relação à outra, vantagem essa que não tem qualquer justificação do ponto de vista substantivo ou processual.

3 - A norma em causa viola, pois, o princípio da igualdade, acolhido no artigo 13.º da Constituição da República, pois estabelece uma vantagem processual para uma das partes que não se verifica em relação à outra.

4 - Trata-se, pois, de uma norma inconstitucional, por contrariar a Constituição da República e os seus princípios.

5 - Impõe-se, pois, que a mesma seja declarada inconstitucional e que, como tal, a mesma não possa ser aplicada nos presentes autos.

6 - O que levará necessariamente à improcedência da acção, já que, sem a aplicação da mesma norma, não poderão ser considerados provados factos constitutivos do direito que o autor pretende fazer valer."

10 - Por sua vez, o recorrido veio contra-alegar, concluindo deste modo:

"1 - Não viola o direito de acesso à justiça o regime cominatório estabelecido para o réu que - em processo de acidente de trabalho - falta reiterada e injustificadamente à tentativa prévia de conciliação, traduzido no estabelecimento de uma presunção de veracidade da versão fáctica do autor, susceptível de ser afastada em audiência pelo réu e tendo como fundamento, desde logo, o direito constitucional do trabalhador/sinistrado à justa e célere reparação dos danos emergentes de acidente laboral.

2 - Termos em que deverá improceder o presente recurso."

II - Fundamentação. - 11 - Delimitação do objecto do recurso. Por decisão transitada em julgado, está o recurso limitado à apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 108.º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho, designadamente por violação do artigo 13.º da Constituição, na parte em que estatui que, em caso de dupla falta injustificada da entidade patronal à tentativa de conciliação que nela se prevê, se presumem verdadeiros, até prova em contrário, os factos declarados pelo acidentado.

12 - Julgamento do objecto do recurso.

12.1 - O Código de Processo do Trabalho prevê, nos artigos 99.º a 150.º, um processo especial destinado à efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho. Esse processo encontra-se estruturado em duas fases claramente distintas: uma primeira, a que o Código chama "fase conciliatória", regulada nos artigos 99.º a 116.º, e uma segunda, designada por "fase contenciosa", regulada nos artigos 117.º a 150.º. A "fase conciliatória" do processo é dirigida pelo Ministério Público e visa, como a própria designação sugere, conseguir um entendimento entre as partes que dispense a necessidade de resolução contenciosa do litígio, de modo a assegurar uma mais célere efectivação do direito do trabalhador acidentado. O momento central dessa "fase conciliatória" é constituído pela chamada "tentativa de conciliação", a que se refere precisamente o preceito - artigo 108.º - em que se insere a norma cuja constitucionalidade vem questionada. Nos termos do seu n.º 1, são chamadas à "tentativa de conciliação" todas as pessoas e entidades necessárias à possibilidade de estabelecimento de um acordo (o sinistrado ou os seus beneficiários legais, as entidades patronais ou seguradoras, conforme o caso). Para o que agora importa, preceitua o n.º 4 que, não comparecendo a entidade responsável, se tomam "as declarações do sinistrado ou beneficiário sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente e mais elementos necessários à determinação do seu direito, designando-se logo data para nova tentativa de conciliação". Finalmente, estatui o n.º 5, na parte ora relevante - preceito cuja constitucionalidade vem questionada pelo recorrente nos presentes autos -, que "faltando de novo a entidade patronal [...] é dispensada a tentativa de conciliação, presumindo-se verdadeiros, até prova em contrário, os factos declarados no número anterior se a ausência for devida a falta injustificada e a entidade responsável residir [...] no continente [...]".

Em suma: em casos de dupla falta, injustificada, da entidade responsável, que haja sido regularmente chamada à tentativa de conciliação, presume-se, até prova em contrário, que são verdadeiros os factos declarados pelo sinistrado na primeira tentativa de conciliação, procedendo-se desta forma a uma inversão do ónus da prova dos factos em que assenta o direito do autor. É este efeito cominatório que o recorrente entende que é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. Quer porque semelhante efeito não se aplica em caso de falta do sinistrado ou do seu beneficiário legal, quer porque conduz a uma distribuição desigual do ónus da prova.

Vejamos se tem razão.

12.2 - O Tribunal Constitucional tem tido frequentemente ocasião de se pronunciar sobre o sentido e o alcance do princípio constitucional da igualdade. Ainda recentemente, no Acórdão 232/2003 (Diário da República, 1.ª série-A, de 17 de Junho de 2003), tirado em plenário, em autos de fiscalização preventiva, se procedeu a uma síntese da abundante jurisprudência constitucional nesta matéria. Dessa jurisprudência resulta que o princípio da igualdade obriga que se trate como igual o que for essencialmente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

Assim, como se escreveu no Acórdão 187/2001 (Diário da República, 2.ª série, de 26 de Junho de 2001), "como princípio de proibição do arbítrio no estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio da igualdade a previsão de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser considerado relevante".

Para decidir da alegada violação do princípio da igualdade é, então, necessário saber se a distinção, operada pela norma que agora vem questionada, entre as consequências de uma dupla falta injustificada à tentativa de conciliação por parte do sinistrado, por um lado, e por parte da entidade responsável, pelo outro, e a forma como dessa norma resulta repartido o ónus da prova são arbitrárias ou se, pelo contrário, têm fundamento material bastante.

Antes de responder a esta questão, importa, contudo, sublinhar que, como tem sido reiteradamente afirmado, na sequência do parecer da Comissão Constitucional n.º 458, de 25 de Novembro de 1982 (apêndice ao Diário da República, de 23 de Agosto de 1983), "o Tribunal Constitucional, ao aferir a compatibilidade de uma norma legislativa com o princípio da igualdade, não deve pôr em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa. Deve abster-se de [se substituir] ao legislador, ponderando a situação como se estivesse no lugar deste e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução "razoável", "justa" e "oportuna". O seu controlo deve ser tão-só de carácter negativo, consistindo este em saber se a opção do legislador se apresenta intolerável ou inadmissível de uma perspectiva jurídico-constitucional, por não se encontrar para ela qualquer fundamento material".

Com esta advertência, prossigamos.

12.3 - Desde logo parece evidente que existem fundadas razões, ligadas à situação de fragilidade em que fica o trabalhador acidentado, para dotar o processo destinado à efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho de regras específicas destinadas a imprimir ao mesmo um grau de celeridade acrescida. Com esse objectivo procura de celeridade na efectivação dos direitos do trabalhador acidentado - está consagrada pelo legislador a "fase conciliatória" do processo, a qual, a ter sucesso, garante a rápida efectivação dos direitos do trabalhador, necessariamente prejudicada pela evolução do processo para a fase contenciosa.

A prossecução de um tal objectivo - fundado, como se disse depende, obviamente, de um mínimo de colaboração de todas as partes envolvidas no litígio, traduzido, pelo menos, na sua presença na "tentativa de conciliação". E é precisamente esse mínimo de colaboração, por parte da entidade responsável, para a prossecução de um objectivo tido como valioso, que a referida cominação visa conseguir. Na verdade, como é evidente, a falta sistemática e injustificada da entidade responsável a essa tentativa de conciliação, para a qual foi regularmente notificada, inviabiliza, necessariamente, a resolução do litígio numa fase pré-contenciosa e, dessa forma, prejudica irremediavelmente aquele legítimo objectivo, que a lei visa garantir, de celeridade na efectivação do direito do acidentado. O efeito cominatório funda-se, assim, na necessidade de procurar garantir, através da sua ameaça, um mínimo de colaboração por parte da entidade responsável, traduzido na sua simples presença na tentativa de conciliação, num objectivo, tido como válido, de procura de celeridade na efectivação dos direitos do sinistrado. Acresce que o efeito cominatório resulta, única e exclusivamente, de um injustificado comportamento omissivo da entidade responsável, à qual foram concedidas suficientes garantias processuais para o poder evitar. Bastaria cumprir aquele mínimo de colaboração traduzido na sua presença à tentativa de conciliação. Acresce ainda que, mesmo funcionando a cominação, nem por isso fica a entidade responsável impossibilitada de fazer valer os seus direitos, para tal lhe restando a possibilidade de apresentar, posteriormente, prova em contrário.

Em face do exposto, é de concluir que a distribuição do ónus da prova que resulta daquele efeito cominatório não é arbitrária ou sem fundamento material bastante, não procedendo, por isso, a acusação de que é violadora do princípio da igualdade.

12.4 - E também não há violação do princípio da igualdade no facto de se distinguir entre a situação da entidade responsável, por um lado, e do sinistrado, por outro, e, consequentemente, em se penalizar mais fortemente a situação em que é aquela entidade que falta, sem justificação, por duas vezes, à tentativa de conciliação. É que, como já se demonstrou, a necessidade de uma acrescida celeridade visa tutelar a situação de tendencial maior fragilidade do sinistrado e não da entidade responsável, o que se afigura perfeitamente consonante com as disposições constitucionais em matéria de assistência a vítimas de acidente de trabalho. Sublinhe-se, aliás, que, à partida, cabe ao acidentado o ónus de fazer prova dos factos geradores do seu direito contra a entidade responsável, ónus que sempre se mantém, desde que esta última cumpra os seus deveres mínimos de colaboração.

12.5 - A tudo isto acresce, por último, que, como bem se pondera na decisão recorrida - e já havia sido sublinhado pelo Tribunal da Relação de Évora - a fundamentação utilizada pelo Tribunal Constitucional para concluir pela não inconstitucionalidade do artigo 89.º, n.º 3, do Código do Processo de Trabalho de 1981 - na parte em que estabelece que o réu contestante que, tendo sido devidamente notificado para comparecer, falta à audiência de julgamento em processo sumário laboral e não justifica logo a falta, nem se faz representar por mandatário judicial, será condenado no pedido, salvo se tiver provado, por documento suficiente, que a obrigação não existe (cf., Acórdãos n.os 264/94, 223/95 e 1193/96, disponíveis na página Internet do Tribunal em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) -, contribui igualmente para o juízo de não inconstitucionalidade da norma agora questionada. É que, como então se ponderou:

"[...] a existência de cominações no processo civil [...] não faz com que o julgamento (a sentença de condenação que o juiz então profere) deixe de ser independente e imparcial, nem conduz a que o conflito que opõe as partes fique por solucionar, nem tão-pouco que a decisão proferida seja desconforme com a lei.

O funcionamento da cominação que se contém na norma aqui em análise [...] é susceptível de conduzir a que a sentença, no caso, não faça justiça, assente como é numa verdade formal, que não na verdade material, como é sempre desejável que aconteça, a verdade é que 'é preciso recordar que tal só sucede, porque o réu, apesar de devidamente notificado para comparecer pessoalmente na audiência de discussão e julgamento, a ela não comparece, nem justifica a falta, nem se faz representar por mandatário judicial. Ora, neste quadro de factos, não é irrazoável que o legislador presuma que o réu confessa, com o seu desinteresse, o pedido que o autor formula contra si'.

A cominação não funciona (e, portanto, o réu não é, necessariamente, condenado no pedido), se tiver juntado aos autos documento formalmente bastante para prova da inexistência da obrigação. Depois, não é esta a única situação em que a sentença assenta numa verdade formal: para além do caso de confissão ficta, por falta de contestação, a que já se aludiu, há ainda as acções julgadas com base em provas com força probatória legal (presunções legais, documentos, confissão, designadamente por falta de impugnação especificada pelo réu dos factos articulados pelo autor na petição). Além disso, a referida cominação não é produto de uma decisão legislativa arbitrária ou caprichosa."

Ora, também à luz destas considerações, que são transponíveis para os presentes autos, se constata que a cominação estatuída no artigo 108.º, n.º 5, do Código do Processo do Trabalho não viola o princípio da igualdade.

13 - Assim sendo, há que concluir que a norma questionada não viola os princípios ou preceitos constitucionais, nomeadamente o seu artigo 13.º

III - Decisão. - Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.

Lisboa, 24 de Maio de 2005. - Gil Galvão - Bravo Serra - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Vítor Gomes - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2322094.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2003-06-17 - Acórdão 232/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do segmento normativo que contém o critério respeitante aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, constante da parte final da alínea a) do n.º 7 do artigo 25.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário.(Pocesso nº 306/2003)

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