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Parecer 11/2004, de 24 de Novembro

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Texto do documento

Parecer 11/2004. - Parecer sobre a proposta apresentada pelo Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior - sistema científico, tecnológico e de inovação - modelo de financiamento:

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projecto de parecer elaborado pelos conselheiros relatores Prof. Doutor José Manuel Neves Adelino e Prof. Doutor António Francisco Cachapuz, o Conselho Nacional de Educação (CNE), em sua reunião plenária de 4 de Novembro de 2004, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo assim o seu quinto parecer no decurso do ano de 2004.

Parecer

1 - Enquadramento. - O Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior (MCIES) apresentou recentemente ao público a nova proposta de financiamento do sistema científico, tecnológico e de inovação (http://www.mces.gov.pt).

A iniciativa justifica-se por se "tornar imperativo redireccionar e adequar o sistema científico, tecnológico e de inovação em função desta nova realidade competitiva e da necessidade de promover o conhecimento científico, pelas consequências positivas na vida cultural, social e económica do País" ("Resumo executivo", Gabinete da Ministra, p. 1, de 12 de Abril de 2004). Trata-se de um documento que consagra a mudança de um regime de financiamento extensivo da investigação científica para regime intensivo a partir de 2006.

De acordo com o MCIES, a proposta de financiamento (no que se segue, simplesmente designada por proposta) enquadra-se num plano de acção que o Ministério se encontra a preparar intitulado "Investir em I&D - Um plano de acção para Portugal até 2010", articulado sobre quatro grandes eixos de intervenção prioritária, a saber: aumentar o investimento público em I&D; promover o ambiente, facilitador para o investimento privado em I&D; aumentar os recursos humanos qualificados nas ciências e tecnologias; promover o emprego científico.

Sem prejuízo de se reconhecerem contributos claramente positivos de tal proposta de financiamento (aspectos que serão identificados mais adiante), e da importância que se atribui a um raro e saudável debate, na comunidade científica em Portugal (melhor dizendo entre esta e o MCIES), proporcionado pela referida proposta, há aspectos do documento que, a concretizar-se, poderiam implicar um retrocesso na qualidade da investigação científica em Portugal e, muito previsivelmente, na qualidade do próprio sistema de ensino superior.

Na verdade, se é certo que o papel da investigação científica nas sociedades modernas é inquestionável, não podemos ignorar que dela depende também, em grande parte, a qualidade do próprio ensino, qualquer que seja o seu nível, e do ensino superior de forma muito particular.

O ensino de uma ciência, qualquer que ela seja, é sempre algo de incompleto, na medida em que a identidade profissional do professor se construiu, ao longo da história, sobretudo pela sua relação com o conhecimento. Ora o papel da investigação é precisamente permitir que o ensino não estiole, substantivando propostas pedagógicas oferecidas à docência, promovendo a investigação das próprias problemáticas educacionais e a formação avançada de recursos humanos para a docência. Tem pois todo o sentido a defesa intransigente da fertilização mútua entre o ensino e a investigação, na esteira do pensamento de (entre outros) Von Humbolt ou Ortega y Gasset. A aceleração do conhecimento, nas sociedades modernas, torna o argumento ainda mais válido.

O Conselho Nacional de Educação não se poderia alhear deste debate, competindo-lhe apresentar uma posição que contribua para a melhoria da proposta.

2 - Modelo de financiamento. - É pertinente analisar o que os princípios orientadores do modelo de financiamento proposto prevêem para a sua execução. Esta apreciação da proposta do MCIES está estruturada em três grandes capítulos: a filosofia do processo de financiamento, as questões relacionadas com o âmbito de aplicação da proposta de financiamento e as soluções propostas que caracterizam o mecanismo de financiamento.

a) A filosofia do processo de financiamento:

i) Falta à proposta uma adequada articulação entre estratégias a desenvolver a nível nacional e elementos programáticos de vários dos documentos entretanto produzidos na esteira da Reunião de Lisboa de 2000 tendo em vista a construção do Espaço Europeu do Conhecimento, ou seja, entre a dimensão nacional e a perspectiva europeia. Ignora-se, assim, que a construção do espaço europeu de ensino superior se encontra indissoluvelmente ligada à do espaço europeu de investigação.

Registe-se, por exemplo, que o objectivo dos 3% do PIB para investimento em I&D até 2010 (louvável, tanto mais quanto retém o espírito da Convenção de Salamanca) parece irrealista (em Portugal, o valor actual nem sequer iguala 1%; na Europa é de 1,9%). De igual modo parece irrealista considerar que o financiamento privado deveria atingir dois terços do total do investimento em I&D, conhecida que é a fragilidade do tecido empresarial, em particular em regiões do interior, a desvalorização relativa que nele se dá ao investimento nas designadas novas tecnologias e a quase ausência de mecenato científico.

Parece ainda necessário garantir, a nível interno, uma melhor coordenação entre política de financiamento à investigação e ao ensino superior, por um lado, e política orçamental, por outro.

ii) O sistema de financiamento é uma das componentes principais do sistema de governação das unidades de ensino superior, pelo papel estruturante que desempenha ao permitir definir incentivos de longo prazo para todo o sistema.

Assim sendo, é conveniente que lhe seja dada estabilidade, pela consciência que existe de que alterações frequentes não são conciliáveis, em termos de eficácia, com a capacidade de adaptação das universidades.

O modelo actual funciona há pouco tempo e não existe informação suficiente sobre os seus resultados. Em boa verdade não é conhecida nenhuma avaliação do mesmo. Em especial, a diversidade de qualidade hoje reconhecida nas (muitas) unidades de investigação avaliadas ainda não foi suficientemente explorada, enquanto instrumento de gestão de uma política de investigação, para que nos sintamos confortáveis com alterações profundas a uma realidade que ainda não estabilizou.

iii) Em particular, parece fundamental continuar a fundamentar a construção de qualquer mecanismo de financiamento à investigação na avaliação das unidades de investigação e dos projectos por comissões independentes de pares, constituídas por investigadores internacionais especialistas nas várias áreas. Comissões com estas características têm melhores condições para assegurar a transparência e qualidade do processo.

iv) A Europa do conhecimento que se pretende construir não se concilia com uma perspectiva mutilada do conhecimento e exige que o MCIES balanceie a importância que atribui à ligação entre a investigação científica das ciências exactas e o tecido tecnológico e industrial com o reconhecimento dos contributos científicos provenientes das ciências sociais, das artes e das humanidades.

b) O âmbito de aplicação da proposta de financiamento:

i) O princípio meritocrata (que não se questiona) que informa a proposta em apreciação não tem em devida conta a realidade do funcionamento e financiamento das universidades portuguesas - onde se concentra a esmagadora maioria dos recursos de investigação.

A focagem da proposta nas condições de financiamento às unidades de investigação pode provocar desequilíbrios significativos numa realidade institucional também ela muito diversa - tanto mais quanto é notória a secundarização das Universidades, onde se faz, hoje, 50% da investigação nacional. Em muitos casos, as universidades continuam a não dispor de instrumentos autónomos, suficientemente flexíveis, para contratação e promoção dos seus docentes/investigadores (sem prejuízo da adopção dos mecanismos de fiscalização posteriores que sejam considerados necessários).

Ainda neste âmbito, é de saudar a criação do princípio do doutorado elegível (uma novidade) pelo que revela de exigência de qualidade.

ii) Ao sobrevalorizar a ligação entre a investigação científica e o tecido tecnológico e industrial, o MCIES quase ignora o papel das ciências sociais, artes e humanidades nas sociedades modernas. É caso para questionar o papel que o MCIES atribui a essa vasta área do saber no que respeita ao objectivo expresso na proposta de contribuir para o desenvolvimento de Portugal e da sua posição na Europa e no mundo, ou ainda na intenção de promover um equilíbrio entre as grandes áreas de investigação científica: fundamental, aplicada e estratégias de interesse público.

De registar que o próprio VI Programa Quadro, no seu capítulo "Cidadãos e governação na sociedade do conhecimento", expressa a necessidade de "mobilizar, num esforço coerente, na sua riqueza e diversidade, as capacidades de investigação europeias em ciências económicas, políticas e sociais e humanidades necessárias para desenvolver a compreensão da emergência da sociedade do conhecimento e de novas formas de relacionamento entre os cidadãos, por um lado, e entre cidadãos e instituições, por outro, e para tratar as questões que lhes estão associadas".

A manter-se a proposta na sua forma actual, a discriminação das ciências sociais, artes e humanidades levaria a curto prazo à extinção das unidades de investigação correspondentes e à perda da sua capacidade instalada, ignorando o seu contributo para o progresso das sociedades modernas.

Quer pelo seu objecto de estudo quer pelo estado de maturação em que se encontram, não podem ser cegamente aplicados às ciências sociais, às artes e às humanidades critérios talhados para as designadas "ciências exactas".

c) As soluções de financiamento propostas:

i) O desaparecimento proposto dos painéis de avaliação internacional seria, em termos de gestão da avaliação da investigação, um retorno ao início dos anos 90. Apesar das críticas, sempre possíveis, ao método de avaliação por pares, tais painéis são um garante da qualidade do sistema, da transparência e fiabilidade da avaliação.

A tentativa de sobrepor ao sistema de avaliação qualitativa existente um sistema em que se quantifica a intervenção central do Ministério no sistema de incentivos pela via indirecta dos índices é preocupante.

Estando em causa um investimento na qualidade global do sistema e não uma intervenção em iniciativas avulsas, qualquer solução de quantificação de objectivos pela aplicação de fórmulas cegas conduz, mais tarde ou mais cedo e por mais bem pensada que seja, a problemas graves.

Neste caso, para além de não estarem avaliados os impactes de um sistema destes nas várias áreas científicas (o que é apresentado parece ser, sobretudo, um exemplo isolado do que poderia corresponder à aplicação da metodologia proposta a um conjunto de áreas restrito), há evidência de uma escolha de índices que, não sendo independentes nos objectivos que pretendem atingir, dificultam a quantificação do impacte (em cadeia) da sua aplicação a casos concretos.

Os desequilíbrios que podem resultar da sua aplicação, por mais bem intencionada que seja, correm o risco de destruir o efeito (que devia ser determinante) da avaliação qualitativa da investigação.

A questão não reside na existência de alguma quantificação (em boa verdade, ela já existe). O que se questiona é a pretensão de assentar a avaliação num sistema com as características do que é proposto. Nenhuma fórmula pode ter a ambição de dar cobertura a todas as áreas do saber. A complicação pela acumulação de índices de correcção pode conduzir quer à diluição do seu efeito sobre a panóplia de objectivos pretendidos quer ao desequilíbrio do sistema pelo efeito multiplicativo de índices não independentes.

ii) Como foi afirmado, a proposta do MCIES contém, apenas, um exemplo de aplicação da metodologia e não permite antecipar, com rigor, o efeito da sua aplicação às várias áreas científicas.

A título de exemplo, há várias áreas das ciências sociais e humanas onde não é possível ir ao encontro do previsto sobre publicações em revistas internacionais mencionadas no ISI (ver nota 1) - e nas quais há responsabilidades assumidas em matéria de publicação de investigação em língua portuguesa. Isto não significa, de modo algum, que a investigação originada nessas áreas não possa ser de qualidade, facto que tem sido amplamente reconhecido nos resultados das avaliações internacionais levadas a cabo pelo MCIES quer a unidades de investigação quer a projectos.

iii) Um sistema de financiamento à investigação não pode ter, apenas, preocupações de eficácia. Deve garantir, também, que as soluções adoptadas são eficientes. Se não houver uma preocupação de eficiência, os investigadores e as unidades de investigação podem vir a ser sujeitos a processos burocráticos tão complexos que as energias são consumidas, em boa parte, no cumprimento das formalidades do sistema.

iv) O princípio de majoração diferencial no financiamento em função da dimensão da unidade de investigação (grupo, centro, instituto) é louvável ainda que subsistam dúvidas sobre o que aconteceria a determinadas áreas (por exemplo, filosofia).

v) As medidas previstas para atrair investigadores seniores radicados no estrangeiro ou fixar investigadores são controversas e podem revelar-se desadequadas.

Só é possível atrair investigadores seniores se existirem razões pessoais que justifiquem a mudança. Para indivíduos que dispõem de boas condições de trabalho e apoio logístico, o efeito da medida será, sempre, episódico e deverá ser combinado com medidas destinadas a atrair investigadores jovens.

A fixação de investigadores passa por medidas já referidas em pontos anteriores deste documento (v. alínea b), parágrafo i), e por incentivos ao sector privado e público para contratação de doutorados e mestrados (em 2003 apenas 14 doutorados foram colocados em empresas).

Particularmente relevante é a situação de jovens bolseiros de doutoramento que terminam os seus estudos e não encontram facilmente saídas profissionais adequadas. O MCIES tem a responsabilidade de dinamizar iniciativas e apoiar dispositivos de apoio à inserção desses jovens investigadores - sem esquecer a importância de que se reveste a promoção da renovação dos quadros docentes de muitas instituições de ensino superior.

3 - Conclusão. - A proposta do MCIES tem por objectivo melhorar a qualidade da I&D em Portugal. Este propósito deve ser realçado e louvado.

A análise feita revela que a proposta deverá ser sujeita a profundas reformulações.

a) No nosso entender, a passagem de um regime de financiamento extensivo da investigação para um regime intensivo, como agora é proposto, deve ser feita com cautelas, em particular nas áreas de investigação menos desenvolvidas ou de reconhecida dificuldade de acesso a financiamento concorrencial.

É necessário ter em conta especificidades próprias do sistema e procurar um equilíbrio razoável entre fórmulas de financiamento público de base e financiamento concorrencial.

b) O sucesso da investigação científica depende de um esforço continuado, ao longo de um horizonte temporal alargado. Depende, por isso, de consensos fortes na definição das grandes linhas estratégicas.

Recai sobre a política de investigação a dupla responsabilidade de proporcionar um adequado financiamento de base e de criar dispositivos de avaliação de desempenho correctos.

A longo prazo o êxito das políticas de investigação não é compatível com a discriminação entre áreas de conhecimento.

Exige, ainda, o fomento das políticas de emprego científico para os investigadores mais jovens. É impensável pretender o desenvolvimento científico do País com o desemprego que os atinge. Beneficiar-se-ia, a este nível, da coordenação de políticas entre diferentes ministérios e entre estes e o sector privado.

(nota 1) Reconhece-se que isto também é verdade em várias áreas das referidas ciências exactas como tem sido abundantemente referido em comentários de investigadores à proposta do MCIES.

4 de Novembro de 2004. - O Presidente, Manuel Carlos Lopes Porto.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2262180.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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