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Parecer 10/2004, de 26 de Outubro

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Texto do documento

Parecer 10/2004. - Perfis profissionais e referências de formação. - As tipologias profissionais ou funcionais foram tradicionalmente organizadas ou a partir do exame do comportamento, solo da identificação de uma perspectiva básica de resposta às exigências sociais, ou seriando as imagens organizadas pela comunidade, ou tendo em vista a intervenção esperada para realizar objectivos definidos por entidades públicas ou privadas, com predomínio crescente das exigências do Estado e das suas diversas funções.

Pode indicar-se, por exemplo, a tipologia de Spranger: o homem "teórico", o homem "económico", o homem "estético", o homem "social", o homem "religioso", o homem "imperioso".

A observação corrente fala de deformação profissional, quando pretende exprimir a predominância de certo critério no modo de entender os problemas e a predominância de certo estilo no comportamento das pessoas.

A verdade é que, naquilo que interessa à organização do Estado, a tipologia funcional está intimamente ligada ao problema da divisão das funções que começámos por referir, pressupondo-se e exigindo-se uma concorrência de caracteres bastante bem definidos, conforme a actividade estadual de que se trata.

Exclusivamente a título de exemplo, e sem que isso signifique a adopção da tipologia que vai ser referida, lembraremos as conclusões de Wilhelm Sauer, que se debruçou atentamente sobre o problema.

Diz o seguinte a propósito do juiz:

"É muito corrente equiparar o juiz com o jurista: e não sem fundamento, visto que o juiz exerce a actividade jurídica mais ampla de todas, da qual todas as outras não são senão aspectos particulares.

Esta actividade exige ao mesmo tempo uma preparação especializada profunda, pelo que pode afirmar-se que toda a preparação jurídica tende, antes de mais, à preparação para a função judicial [...] A tendência (talvez inconsciente em muitos casos) poderia ser esta: deve garantir-se uma ampla formação jurídica e sociológica, junto com aquela 'ética profissional' que pode adquirir-se do modo mais seguro preparando-se para a função judicial: juízo objectivo e imparcial sem consideração de pessoas, clara visão dos factos, conhecimento seguro dos homens, inteireza em relação ao superior, benevolência para com o inferior, inibição da personalidade, relegando-a para segundo plano em benefício da própria função e, em definitivo, da colectividade ou ainda da própria humanidade, eliminando toda a influência partidária."

Acrescenta ainda:

"O juiz é, portanto - para voltar aos nossos tipos fundamentais -, não só um homem intelectual e, em tal conceito, uma mera 'máquina de julgar', mas também, e antes de mais, um homem moral e social, mesmo um homem religioso. É um sacerdote de seu ofício, desse ofício que, aos profanos, lhe parece quase sempre uma acumulação de formalidades sem sentido. Também é um homem estético, intuitivo-genial, pois não deve resolver rotineiramente, mas sim segundo a lei jurídica fundamental, e deve compreender e realizar aquela harmonia entre os homens que nenhum código lhe pode ensinar."

Por sua vez, em relação ao administrador, diz o seguinte:

"Como costuma dizer-se, resolve os casos com critérios de 'oportunidade', segundo as suas 'faculdades discricionárias'; claro que isto não deve entender-se como 'arbítrio', mas sim como verdadeiro 'direito'; tão-pouco aqui falta uma preparação jurídica suprema, pois que, sem ela, a sua actividade não seria jurídica nem normativa. Esta norma suprema não pode ser outra senão a lei jurídica fundamental, à qual estão subordinadas todas as tarefas e soluções no campo jurídico. Mas em virtude deste amplo espaço que fica aqui entre o caso e a lei, a actividade do funcionário administrativo aparece revestida de uma amplitude de pontos de vista e de um carácter criador que faltam no trabalho do juiz [...]" E acrescenta adiante:

"Como o centro de gravidade recai aqui do lado dos factos, tem de mostrar que possui as virtudes sociológico-históricas: exame sóbrio da realidade, do que é exequível, do que é conveniente num caso concreto; e, em especial, as virtudes políticas e ainda económicas: conhecimento seguro dos homens, adaptação aos factos invariáveis, cálculo dos meios aplicáveis, divisão e distribuição do trabalho, escolha das pessoas adequadas que precisa seleccionar e interessar na função, criar a melhor organização para conseguir o máximo rendimento do trabalho, espírito criador e de empresa, ânimo e confiança em si mesmo, habilidade e dinamismo em face das pessoas e circunstâncias, benevolência para com o inferior, verdadeiro sentido social e, ao mesmo tempo, certa presença, sugestão e autoridade para que as suas ordens se cumpram por convicção, e não só pelo seu carácter imperativo."

A relação frequente das tipologias ensaiadas com as actividades do Estado, tem reflexos duradoiros na valoração cultural, pelas comunidades, das formações académicas lidas por aristocratizantes. Não apenas, certamente, porque o poder político ou o poder religioso, longamente associados, eram os instituidores das universidades, também porque as actividades ligadas à soberania ganharam o prestígio decorrente dessa associação: os legistas que legitimaram a sede, forma e exercício do poder, apoiados pelos teólogos que firmaram a origem divina desse poder, e que depois foram os sustentadores dos direitos, liberdades, e garantias; os arquitectos destinados a conseguirem, pela grandiosidade das obras, firmar a lembrança terrena dos governantes e elites abastadas; os engenheiros que apoiaram o desenvolvimento das capacidades do braço militar, na defesa e na guerra ofensiva.

A manutenção dos perfis e da consideração social, que sobrevive, dessas formações ligadas ao poder político, tem certamente relação com a vida habitual das sociedades civis, que não apenas honravam a formação, como respeitavam os seus objectivos, e esperavam pelo desempenho.

Alguma da evolução menos útil do actual sistema de ensino foi determinada pela persistência dessa memória da vida habitual, porque mais em função dos prestígios históricos, do que das exigências averiguadas e prospectivas da sociedade em mudança, é que os investimentos, sobretudo privados, se determinaram.

A questão mais relevante nesta matéria, esquematicamente definida, é que à circunstância de não haver classificação das especialidades que não seja datada, também a velocidade da mudança da sociedade desactualiza as formações, inova as exigências que reclamam especialistas, requer uma formação horizontal que permita articular cada interveniente com a crescente multiplicação de agentes diferenciados, harmonizando os saberes, as perspectivas, e os objectivos finais.

Ao mesmo tempo, a pluralidade de concepções a respeito do Estado e da sua função, a acelerada mudança das sociedades civis para transnacionais e cosmopolitas, retiram ao Estado a proeminência no que se refere a qualificar a dignidade das formações, e eliminam progressivamente, nas sociedades que seguem a via da democratização, a validade das escolas de quadros, uma realidade que ainda inspirava as tipologias, que se tornaram clássicas, de Wilhelm Sauer.

Esta evolução para modelos democráticos foi transferindo para a sociedade civil a valoração das capacidades profissionais, com agências intermediadoras como são as ordens e as associações profissionais, em todo o caso herdando atitudes aristocratizantes, a que a evolução do mercado vai tirando espaço em favor de algum corporativismo.

Assim como a mudança obriga a considerar simplesmente datadas as identificações dos saberes e especialidades, assim também como a evolução da sociedade civil envelhece e vai dispensando formações, o que mergulha os dispensados no drama da empregabilidade, também a instabilidade atinge os critérios das instâncias que organizam o reconhecimento profissional, que vêm multiplicar o desfibramento das competências catalogadas, a inovação pelas competências emergentes, o apagamento da utilidade das formações desactualizadas.

Como se referiu, a evolução das sociedades pela via democrática, acrescendo a proeminência da economia de mercado globalizado, intervém para alterar os critérios de exigência, quer no que respeita à formação a adquirir, quer no que toca ao leque das formações oferecidas, quer no que informa a valoração social, e até no que concerne à dignidade do profissional.

Este papel do mercado, embora também datado como tudo o que respeita à sociedade, não oferece e não repõe o modelo da vida habitual das sociedades conservadoras, e por isso também não pode ser referenciado como variável cimeira, determinante do ensino, da acreditação profissional, da variável da empregabilidade, bastando ter em conta o carácter volátil das localizações das empresas, e a precariedade das actividades puramente especulativas que se multiplicam. O único corolário aceitável da conjuntura é que o ensino tem de ser orientado para a incerteza, o modelo contrário da sociedade habitual, sem que seja visível outra sede de responsabilidade originária que não sejam as instituições de ensino.

Tendo isto em conta, a definição dos perfis profissionais e referências de formação, para uma sociedade em mudança, não deverá limitar as identificações usando conceitos fechados, contrários à flexibilidade exigida para acompanhar o movimento. Algumas profissões estão hoje embaraçadas com identificações que exigem clarificação da semântica utilizada, algumas vezes para ultrapassar os limites rígidos dos conceitos, outras com motivações menos explicadas.

Nesta linha, parecem insuficientes as tipologias que se apoiam na descrição das actividades desempenhadas, designadamente enumerando os actos de intervenção de maneira não indicativa, e supondo que é sólida a definição formal da actividade.

De facto, sem dispensar a enumeração indicativa que ficou referida, o elemento essencial dos perfis deve apoiar-se na enumeração, também indicativa, das capacidades básicas e fundamentais a fornecer pela aprendizagem.

A banda larga, no ciclo inicial da formação superior, é uma referência que se vai tornando progressivamente exigente, mas talvez mereça uma atenção especial a necessidade de incluir a formação transversal na área das ciências sociais, que habilite a compreender e acompanhar a complexidade crescente das formações que concorrem para efectivar qualquer projecto, não apenas no sentido de apreender e harmonizar a diversidade de perspectivas convergentes, mas também para acompanhar a dialéctica dos valores desafiados pela evolução. De modo que a sociedade da informação e do saber também seja a sociedade da sabedoria, que faz do profissional um vigilante e corrector de abusos da ciência e da técnica. Para tal, a tipologia não poderá evitar a meditação sobre uma ética da profissão, incluindo a definição possível das regras da arte de que os profissionais são os responsáveis, e que não podem ser submetidas a exigências de mercado, de estratégias governamentais ou de compromissos ideológicos.

É pressuposto que a independência e a autonomia dos campos de responsabilidade e das funções da universidade lato sensu e do mundo laboral, são articuladas mas respeitadas, o que viabiliza o aprofundamento das relações sistémicas entre essas áreas e a regulação social e administrativa. Estes processos, aliás, têm mais a ver com a definição e adequação a curto prazo, e de acordo com os calendários de gestão do mercado de trabalho, dos perfis profissionais e académicos, que podem ser obtidos, através das actividades de formação solicitada pelas ordens, associações profissionais, serviços públicos e empresas.

O desenvolvimento dos princípios do Processo de Bolonha não esgota toda a política do ensino superior nem eles são imperativos em termos de ferir a salvaguarda das especificidades e criatividade dos países.

(Aprovado na 69.ª reunião plenária.)

9 de Setembro de 2004. - O Presidente, Adriano Moreira.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2253717.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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