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Acórdão 524/2004/T, de 19 de Agosto

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Texto do documento

Acórdão 524/2004/T. Const. - Processo 631/2002. - Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Cristóvão Guerreiro Norte, não se conformando com o acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD n.º 2/2002, de 19 de Setembro, que, anulando o acórdão do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD de Faro, de 20 de Maio de 2002, o qual, por sua vez, anulara o acto eleitoral para os órgãos desta secção concelhia, realizado em 20 de Abril de 2002, manteve, todavia, embora com outro fundamento, a anulação destas eleições, veio requerer ao Tribunal Constitucional que este "considere procedente o presente recurso e anule a decisão do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD no concernente à repetição das eleições para a Concelhia de Faro realizadas no dia 20 de Abril de 2002".

2 - Autuado o processo como "acção de impugnação de deliberação tomada por órgãos de partidos políticos", este Tribunal, pelo Acórdão 85/2004, proferido por maioria, decidiu "julgar improcedente a presente acção".

3 - Notificado deste acórdão, o impugnante, inconformado, veio aos autos interpor recurso para o plenário do Tribunal, através de um requerimento do seguinte teor:

"[...] não se conformando com o douto Acórdão 8[5]/[2]004, da 2.ª secção, vem nos termos do artigo 103.º-C, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucional recorrer do mesmo para a plenário e alegar em matéria de direito, aduzindo os fundamentos seguintes:

I - A ratio do artigo 103.º-C da Lei do Tribunal Constitucional e mesmo o seu texto agrega claramente toda a matéria eleitoral, não fazendo qualquer sentido excluir do conceito de impugnação da deliberação definitiva de um órgão partidário sobre a validade das eleições da qual decorra a anulação das mesmas e inversamente considerar abrangida por esse conceito a acção de impugnação de eleições que se refira a uma decisão final que tenha validado essas eleições.

II - É que ao distinguirem-se as duas situações, admite-se uma determinação dos pressupostos da acção de impugnação em função das consequências do acto recorrido e não da natureza do mesmo ou da matéria a que respeita.

Só existirá, nestes termos, recurso da deliberação final sobre a impugnação de eleições se as eleições forem declaradas válidas, e não o contrário. E tal diferenciação não parece justificável.

III - Acontece que, em geral, a configuração pela lei das decisões passíveis de recurso não depende do sentido das mesmas, mas da sua natureza ou da matéria sobre que versam, salvo casos especiais em que procedem razões associadas à estabilidade de decisões e protecção de direitos (dupla conforme o direito processual penal), mas em que esta distinção está expressamente prevista.

Uma tal distinção não existe em matéria eleitoral relativa às eleições gerais (cf. lei eleitoral da Assembleia da República, artigos 117.º e 55.º).

IV - Aliás, as próprias consequências de um acto de invalidação de eleições são assinaláveis no que se refere à afectação das condições de democraticidade internas de um partido político. Através de uma invalidação de eleições que implica a renovação do acto eleitoral poder-se-ão alterar as condições existentes anteriormente da expressão da vontade partidária.

E é este efeito que o legislador pretendeu evitar, atenta a função constitucional dos partidos políticos (artigo 51.º da Constituição).

V - Não se vê assim razões para distinguir quais as decisões recorríveis em função das suas consequências (onde o legislador não distinga expressamente) em situações em que está em causa o controlo - 'definitivo' quanto a um acto eleitoral - da validade de umas eleições partidárias, pelo que ao abrigo do artigo 103.º-C da Lei do Tribunal Constitucional a acção proposta deve ser considerada procedente e admitida.

VI - De igual modo, será de admitir e proceder a presente acção nos termos do artigo 103.º-D, n.º 1, já que com a anulação da eleição do impugnante para presidente da Comissão Política da Secção do PSD de Faro, esse facto cerceou e afectou directa e pessoalmente os seus direitos de participação, e se, por lapso, não os invocou foi porque eles resultam dos termos dos Estatutos do Partido.

Ou seja, a anulação do acto eleitoral que elegeu o impugnante presidente da Secção do PSD de Faro determinou ipso facto que ele deixasse de integrar os dois mais importantes órgãos distritais do PSD, e por consequência não participasse nas suas reuniões.

São nomeadamente o caso da Assembleia Distrital, em que os presidentes das secções são membros por inerência do cargo [artigo 38.º, alínea a) dos Estatutos] e da Comissão Política Distrital, em que os presidentes das secções também são membros por inerência - artigo 43.º, alínea a), dos Estatutos.

VII - Do mesmo modo, deve ser admitida e considerada procedente a presente acção ao abrigo do artigo 103.º-D, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, porque é evidente que a anulação de um acto eleitoral interno por parte do órgão de jurisdição máximo do Partido à margem da lei e dos regulamentos constitui, à luz dos mais elementares princípios da moral e do direito, um fundamento em grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do Partido.

Que mais será necessário para constituir fundamento em grave violação das regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do Partido quando o seu órgão jurisdicional máximo, que tem por missão velar pela legalidade, atraiçoa os seus desígnios a seu bel-prazer?

VIII - Permitam-me venerandos juízes conselheiros pôr à consideração de VV. Exmas. o seguinte:

O Conselho de Jurisdição Nacional do PSD, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, dos Estatutos é o órgão encarregado de velar, ao nível nacional, pelo cumprimento das disposições constitucionais, legais, estatutárias e regulamentares por que se rege o Partido.

Se isto é assim, como é possível que essa instituição violando os princípios e as normas que o regem e disciplinam, como acontece no caso presente, sobejamente evidenciado nos autos, e essa atitude não ser considerada um fundamento em grave violação das regras essenciais relativas ao funcionamento democrático?

Só raciocinando em termos políticos é que não podemos deixar de atribuir tal gravidade, e o acórdão do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD, para além de ser uma contradição nos seus fundamentos, escorrega para argumentos claramente políticos, manifestamente incompatíveis com os Estatutos do Partido, artigo 27.º, n.º 4), como impróprio de um Estado de direito democrático.

E que sendo os partidos suportes fundamentais da democracia e do Estado de direito, não podem eles próprios consentir no seu funcionamento interno atropelos que impeçam esse desideratum, sob pena de o sistema estar viciado à partida e de se contradizer a si próprio.

Por todas as razões atrás expostas a presente acção impugnadora deve ser admitida e considerada procedente, dando-se cumprimento aos artigos 103.º-C e 103.º-D, n.os 1 e 2, da Lei do Tribunal Constitucional."

4 - Notificado, veio o impugnado, ora recorrido, contra-alegar, concluindo da seguinte forma:

"Em conclusão:

a) As disposições legais invocadas não correspondem à matéria dos autos, que, legalmente, só se pode limitar à matéria de direito;

b) O ilustre recorrente não invoca as disposições violadas ou mal interpretadas na decisão recorrida;

c) Verifica-se existir completa sintonização entre as disposições legais aplicadas à matéria factual que consta dos autos;

d) Assim, espera o recorrido que se decida não haver erro ou oposição entre a matéria apurada e as disposições legais aplicadas.

Deve manter-se, in totum, o acórdão recorrido, n.º 85/2004, negando-se provimento ao recurso intentado, seguindo-se os demais termos até final."

5 - Porque se considerou poder ter relevância para a determinação da utilidade do conhecimento do presente recurso, foi, pelo relator, solicitada ao Partido recorrido informação sobre se, após os actos eleitorais de 20 de Abril de 2002, "se realizaram novas eleições na Secção de Faro, em que data, quem encabeçava as listas concorrentes, quais os resultados, se as mesmas foram impugnadas e, em caso afirmativo, quem foi(foram) o(s) impugnante(s)". A resposta foi no sentido de que se haviam realizado eleições em 22 de Novembro de 2002, de que fora derrotada uma lista encabeçada pelo ora recorrente e de que tais eleições não foram impugnadas.

Notificado o recorrente, para se pronunciar sobre a resposta "e, nomeadamente, sobre uma eventual inutilidade de conhecimento do presente recurso, dada a factualidade naquele documento descrita - realização de novas eleições após 20 de Abril de 2002 e não impugnação das mesmas", veio este aos autos confirmar a realização das eleições em 22 de Novembro de 2002 e os seus resultados, alegando, todavia, que tais eleições teriam sido impugnadas e juntando fotocópias de documentos. Além disso, em relação à questão da inutilidade do conhecimento do recurso, afirmou, nomeadamente, o seguinte: "Pensamos que a inutilidade do conhecimento do presente recurso se não coloca quando estão em causa o rigoroso da lei cumprimento escrupuloso das regras estatuárias e do Regulamento Eleitoral do PSD condições que devem ser preservadas a todo o custo para salvaguarda da própria democracia e do Estado de Direito e porque os Partidos são pilares fundamentais da democracia a democraticidade do seu funcionamento e o cumprimento dos normativos que se regem e disciplinam constituem um garante do Estado de Direito Democrático." (sic).

Notificado o recorrido para se pronunciar, querendo, sobre o teor dos documentos juntos, nada disse.

6 - Considerando relevante para decidir sobre a utilidade de conhecimento do recurso tentar apurar a verdade quanto à existência ou não da impugnação de tais eleições, ordenou o relator que fosse notificado o Partido recorrido, na pessoa do seu secretário-geral, para que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 266.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 519.º do Código de Processo Civil, esclarecesse:

"1) Se foi entregue no Conselho Distrital de Faro do Partido Social-Democrata o documento subscrito pelo recorrente, cuja fotocópia consta de fls. 396 a 400, e em que este impugna a validade das eleições realizadas em 22 de Novembro de 2002;

2) Se esse documento foi recebido, em 25 de Novembro de 2002, pelo presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro, conforme parece resultar da fotocópia junta aos autos;

3) No caso de ter sido entregue no Partido recorrido o referido documento, qual a decisão que foi tomada sobre a impugnação dele constante, em que data e em que momento foi tal decisão notificada ao ora recorrente;

4) No caso de ter sido tomada uma decisão, se de tal decisão foi interposto recurso para o Conselho de Jurisdição Nacional do Partido Social-Democrata, se este tomou sobre tal eventual recurso qualquer decisão, em que data e em que momento terá esta última decisão sido notificada ao ora recorrente."

A esta notificação respondeu o secretário-geral-adjunto do Partido recorrido informando que "os dados disponíveis sobre o assunto tinham sido enviados ao Tribunal Constitucional" na resposta à diligência supra-referida no n.º 5 e que os dados em causa foram transmitidos pelas estruturas locais e pelo presidente do Conselho de Jurisdição de Faro, sendo-lhe desconhecido o documento entregue pelo remetente.

7 - Em face desta situação, proferiu o relator os seguintes despachos:

"Nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, dê-se conhecimento ao recorrente da diligência determinada por despacho de fls. 409 e 410 e dos resultados dessa diligência - fls. 473 e 474.

Notifique-se o recorrente para, no prazo de 10 dias, apresentar o original do documento (cuja fotocópia o recorrente juntou aos autos a fls. 396 a 400) em que consta a frase 'Recebido 25/11/2002' e onde terá sido materialmente aposta a assinatura do presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro, documento esse que terá sido recebido, em 25 de Novembro de 2002, por aquele presidente.

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 266.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 519.º do Código de Processo Civil, notifique-se o presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro para que informe:

1) Se lhe foi entregue o documento subscrito pelo recorrente, cuja fotocópia consta de fls. 396 a 400, em que este impugna a validade das eleições realizadas em 22 de Novembro de 2002 no PSD-Faro;

2) Se esse documento foi por ele recebido, em 25 de Novembro de 2002, tendo nele aposto a sua assinatura e a frase 'Recebido/11/2002', conforme parece resultar da fotocópia junta aos autos;

3) Em caso afirmativo, qual a decisão que foi tomada sobre a impugnação das eleições dele constante, em que data e em que momento foi tal decisão notificada ao ora recorrente;

4) No caso de ter sido tomada uma decisão, se dela foi interposto recurso para o Conselho de Jurisdição Nacional do Partido Social-Democrata.

Junte-se cópia do documento de fls. 3 [96] a 400."

Em resposta a estas questões, veio o presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro dizer o seguinte:

"[...] notificado do despacho de V. Ex.ª no processo à margem e supra-identificado, informa o seguinte:

1 - Afirma que tal documento cuja fotocópia consta de fls. 396 a 400 não lhe foi entregue;

2 - A frase 'Recebido 25/11/2002' não foi por si escrita. A assinatura, sendo a sua, não foi por si efectuada naquele documento. Tendo a certeza de não ter sido aposta pelo seu punho;

3 - No contexto anteriormente afirmado, crê não ter existido qualquer decisão por ausência da peça que a motivasse."

Por seu turno, o recorrente, em resposta ao pedido de apresentação do original onde teria sido materialmente aposta a assinatura do presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro veio dizer que:

"I - O original do documento (cuja fotocópia se juntou aos autos) foi entregue ao presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro, Dr. Estevens, em 25 de Novembro de 2002, o qual consubstancia e materializa o recurso apresentado. Como prova da sua entrega foi fornecida, a nosso pedido, fotocópia do mesmo, que enviámos a V. Ex.ª. Em suma, o original encontra-se nas mãos do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro, ou do seu presidente, que o recebeu e assinou e que agora diz não ter recebido.

II - Foi este mesmo presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD que, acompanhado do secretário, fiscalizou as eleições de 20 de Abril de 2002 e que assinou a acta não pondo qualquer objecção ao normal desenrolar do acto eleitoral e, dando o dito pelo não dito, veio apenas acompanhado de mais um elemento anular as eleições que ele fiscalizou e que considerou regulares.

Tudo isto está inequivocamente dito e demonstrado documentalmente nos autos principais.

III - Foi este mesmo Dr. Estevens, anterior e actual presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro, que afirmava a pés juntos que tinha notificado o recorrente do acórdão do Conselho de Jurisdição Distrital que anulou as eleições de 20 de Abril de 2002 e se veio a provar que era falso (tudo evidenciado nos autos principais).

IV - É na esteira deste comportamento, a que nos vem habituando, que as suas afirmações não merecem crédito.

Aliás, está sobejamente evidenciado na fotocópia do recurso que o mesmo foi recebido na data de 25 de Novembro de 2002."

Cumpre decidir.

II - Fundamentação. - 8 - A presente acção foi interposta em 10 de Outubro de 2002. Proferido o Acórdão 85/2004 deste Tribunal, veio o impugnante recorrer para o plenário, ao abrigo do disposto no n.º 8 do artigo 103.º-C da Lei do Tribunal Constitucional.

Efectuadas as diligências supra-referidas nos n.os 5, 6 e 7, verifica-se que há que dar como assente o seguinte:

a) Após os actos eleitorais que tiveram lugar na Secção de Faro do PSD em 20 de Abril de 2002, e que, entretanto, foram anulados por decisão do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD de Faro, anulação mantida pelo Acórdão 2/2002 do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD, impugnado neste processo, realizaram-se novas eleições naquela secção, em 22 de Novembro de 2002;

b) A essas eleições, realizadas já após a interposição da presente acção, concorreram duas listas, uma das quais encabeçada pelo impugnante, ora recorrente;

c) Nessas eleições, a lista encabeçada pelo ora recorrente ficou vencida.

Por outro lado, confrontado com "uma eventual inutilidade de conhecimento do presente recurso, dada a [...] realização de novas eleições após 20 de Abril de 2002 e não impugnação das mesmas", alegou o recorrente que impugnara tais eleições através de um documento - cuja cópia está junta aos autos a fls. 396-400 -, o qual teria sido entregue ao Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro. Nesse documento está aposta a menção "Recebido 25/11/2002" e a assinatura do presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro. Solicitado para apresentar o original do documento onde se encontra a assinatura referida, veio o recorrente aos autos dizer, como já se referiu, que "o original do documento (cuja fotocópia se juntou aos autos) foi entregue ao presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro, Dr. Estevens, em 25 de Novembro de 2002 [...], que o recebeu e assinou e que agora diz não ter recebido", acrescentando que "as suas [do referido presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD] afirmações não merecem crédito. Aliás, está sobejamente evidenciado na fotocópia do recurso que o mesmo foi recebido na data de 25 de Novembro de 2002."

O presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro, por seu turno, veio dizer não só que tal documento lhe não foi entregue mas também que "a frase 'Recebido 25/11/2002' não foi por si escrita" e que "a assinatura, sendo a sua, não foi por si efectuada naquele documento. Tendo a certeza de não ter sido aposta pelo seu punho.".

Ora, estamos perante uma fotocópia de um documento particular, apresentada pelo recorrente, que contém a menção "Recebido 25/11/2002" e a assinatura do presidente do Conselho de Jurisdição Distrital do PSD-Faro, sendo certo que este negou ter escrito tal frase e ter aposto a sua assinatura em tal documento. O recorrente, por seu turno, não foi capaz de apresentar neste Tribunal o original onde teria sido aposta aquela menção e a referida assinatura.

A apresentação pelo recorrente da referida fotocópia, visava, por outro lado, na lógica das diligências efectuadas, fazer prova de um facto que obstaria à extinção da instância por inutilidade superveniente, decorrente da realização de novas eleições e do decurso do prazo para a respectiva impugnação sem que esta tivesse ocorrido. Assim, sendo um facto que aproveitaria ao recorrente, contra este se deve resolver qualquer dúvida que porventura exista sobre a realidade do facto e sobre a repartição do ónus da prova. Há, assim, que considerar não provado que tais eleições tenham sido impugnadas pelo ora recorrente.

9 - Em face do exposto, independentemente da decisão que o Tribunal pudesse vir a tomar quanto à norma ao abrigo da qual a acção interposta deveria ser julgada e independentemente também de quaisquer considerações que pudesse efectuar sobre a repercussão de uma eventual ilegalidade de actos anteriores sobre actos posteriores, forçoso se torna concluir que, tendo sido realizadas novas eleições após a propositura da acção e a elas tendo concorrido uma lista encabeçada pelo ora recorrente, que ficou vencida, e tendo ficado não provado que tais eleições foram impugnadas, o recorrente se terá conformado com a situação daí decorrente. Ora, assim sendo, o conhecimento do presente recurso é inútil. Estamos, assim, perante um caso de inutilidade superveniente, devendo ser julgada extinta a instância.

III - Decisão. - Nestes termos, decide-se não conhecer do recurso, julgando extinta a instância por inutilidade superveniente.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Lisboa, 14 de Julho de 2004. - Gil Galvão - Maria Fernanda Palma - Carlos Pamplona de Oliveira - Bravo Serra - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Artur Maurício - Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Paulo Mota Pinto (vencido, quanto à inutilidade superveniente da lide, pelas razões constantes da declaração de voto do Exmo. Sr. Conselheiro Vítor Gomes, confirmaria o acórdão recorrido) - Maria Helena Brito (vencida, nos termos da declaração de voto junta) - Benjamim Rodrigues (vencido, quanto à questão da inutilidade superveniente da lide em virtude de tal problema nem sequer ter cabimento dentro da fundamentação do acórdão recorrido, que confirmaria negando provimento ao recurso) - Vítor Gomes (vencido, conforme declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos (vencido; negaria provimento ao recurso nos termos da decisão recorrida) - Luís Nunes de Almeida.

Declaração de voto. - 1 - Mantenho o entendimento expresso no voto de vencido que apus ao Acórdão 85/2004, da 2.ª Secção, no sentido do "improvimento da acção", ou, mais rigorosamente, no sentido da sua "rejeição", por considerar insusceptível de impugnação directa e imediata a deliberação do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD de 19 de Setembro de 2002.

Esse entendimento fundou-se na seguinte argumentação:

"Da leitura conjugada dos artigos 103.º-C e 103.º-D da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), aditados pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro, resulta, a meu ver, que o legislador - em coerência com o propósito de evitar uma excessiva judicialização da vida partidária - apenas consentiu, para a generalidade das deliberações dos órgãos partidários, o seu controlo pelo Tribunal Constitucional (TC) quando a respectiva impugnação se fundasse em 'grave violação de regras essenciais relativas à competência ou ao funcionamento democrático do partido' (artigo 103.º-D, n.º 2). A este regime geral excepcionou dois grupos de situações, relativamente às quais entendeu que, face aos valores e interesses em jogo, se justificava uma intervenção mais alargada, ao nível dos fundamentos da impugnação, do TC: a matéria disciplinar (a que equiparou situações que, sem assumirem expressamente a veste de sanções disciplinares, têm efeitos equivalentes: privação ou restrição dos direitos de participação nas actividades do partido) e a matéria eleitoral. Nestas duas situações, a intervenção do TC alarga-se ao controlo das meras 'ilegalidade ou violação de regra estatutária' (artigo 103.º-D, n.º 1) e da violação 'da Constituição, da lei ou dos estatutos' (artigo 103.º-C, n.º 2).

Porém, no que à matéria eleitoral concerne, este alargamento dos fundamentos admissíveis da impugnação é conjugado - por óbvias preocupações de evitar a proliferação de impugnações judiciais e o consequente arrastamento da decisão definitiva do processo de eleição dos titulares de órgãos de partidos políticos, de interesse vital para o normal desenvolvimento da actividade partidária - com a imposição das regras da impugnação unitária e do prévio esgotamento dos meios internos: só é impugnável o acto eleitoral final (n.º 7 do artigo 103.º-D), embora possam constituir fundamento dessa impugnação irregularidades de todo o processo eleitoral (incluindo omissões nos cadernos eleitorais - artigo 103.º-C, n.º 1), e a impugnação só é admissível depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral (artigo 103.º-C, n.º 4). Daqui resulta que se o impugnante do acto eleitoral obtém satisfação da sua pretensão a nível interno, designadamente, como no presente caso ocorreu, com a anulação desse acto e a determinação da sua repetição, já não se justifica a intervenção do TC: não se justifica quanto ao impugnante vencedor, porque ele viu os seus direitos ou interesses legítimos reconhecidos; nem se justifica quanto aos vencidos nessa impugnação interna - como é o caso do autor da presente acção -, porque desapareceu o acto eleitoral final e será face ao novo resultado, na sequência de novas eleições, que eles poderão reagir contra eventuais ilegalidades ou irregularidades, designadamente as imputáveis ao acto do órgão interno que determinou a anulação e repetição das eleições.

Na lógica do sistema instituído nos artigos 103.º-C e 103.º-D da LTC, os três tipos de acções neles previstos não são sobreponíves: só cabe a acção residual do n.º 2 do artigo 103.º-D quando tenha por objecto impugnações insusceptíveis de integrarem o objecto das acções dos artigos 103.º-C (eleições de titulares de órgãos de partidos políticos) e 103.º-D, n.º 1 (decisões punitivas e equiparadas)."

2 - Não tendo essa posição obtido acolhimento no plenário, que considerou admissível a acção, embora sem esclarecer ao abrigo de que norma (artigo 103.º-C, artigo 103.º-D, n.º 1, ou artigo 103.º-D, n.º 2, da LTC) a mesma devia ser julgada, e colocando-me agora no ponto de vista da maioria assim formada, não posso acompanhar o juízo de inutilidade superveniente da lide, justificador da extinção da instância, fundado em o autor, ora recorrente, não ter provado a impugnação das novas eleições entretanto realizadas.

Desde logo, mesmo para quem perfilhe esse entendimento, não se afigura que "a realização de novas eleições não impugnadas" possa integrar motivo de inutilidade superveniente da lide, pois, nessa perspectiva - que, repito, não é a que sustentei -, a eventual procedência da presente acção, com invalidação do acto que anulou as eleições de 20 de Abril de 2002, não poderia deixar de se repercutir nas eleições de 22 de Novembro de 2002, invalidando-as como acto consequente do acto impugnado.

Depois - e decisivamente -, a situação de dúvida quanto à efectiva impugnação, ou não, das segundas eleições devia resolver-se em desfavor do recorrido, que não do recorrente, por ser sobre aquele, e não sobre ele, que recaía o ónus da prova desse facto impeditivo da satisfação da pretensão do autor. Esse facto impeditivo não consiste apenas na realização de novas eleições, surgindo a sua impugnação como "contra-excepção" cuja prova oneraria o autor. A não impugnação das novas eleições é que é, no entendimento da maioria, o facto que torna inútil o prosseguimento da lide. A prova desse facto, como impeditivo da satisfação da pretensão do autor, incumbia ao réu. Persistindo dúvida sobre a verificação desse facto, devia ser decidida em desfavor do réu, e não do autor, como se decidiu. - Mário José de Araújo Torres.

Declaração de voto. - Não acompanhamos o entendimento de que ocorre inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância, em síntese, pelo seguinte:

O novo acto eleitoral, cuja não impugnação conduz, no entendimento da maioria, à inutilidade superveniente da lide, foi realizado em execução da deliberação que é objecto da presente acção. Trata-se de eleições realizadas com a exclusiva finalidade de pôr em prática a definição contida no acto judicialmente impugnado, que ordenou essa repetição, com o qual estão numa relação de dependência necessária e exclusiva. Na hipótese de procedência da presente acção, na qual o pedido formulado é, precisamente, o de anulação da decisão do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD "no concernente à repetição das eleições para a Concelhia de Faro realizadas no dia 20 de Abril de 2002", ficarão a subsistir as eleições que o acto impugnado anulara e de que saíra vitoriosa a lista integrada pelo recorrente, arrastando a queda automática do resultado do acto eleitoral subsequente, que tem na subsistência do acto (eventualmente) anulado um pressuposto essencial. Trata-se de uma invalidade consequencial (ou caducante) que opera ipso jure, sem necessidade de impugnação autónoma do acto conexo.

Em casos deste tipo, a exigência de impugnação autónoma do acto eleitoral consequente esvazia de conteúdo prático a impugnação judicial do acto anterior. Com efeito, na lógica do acórdão, só a impugnação judicial do acto que, na ordem interna, apreciasse definitivamente a impugnação do novo acto eleitoral manteria a utilidade da lide na presente acção. Ora, pode muito bem dar-se que o interessado não pretenda impugnar o novo acto eleitoral por vícios próprios, isto é, que não lhe impute outra razão de invalidade senão aquela que imputa ao acto-causa, contra a qual oportunamente reagiu e que discute na presente acção.

Só razões de segurança jurídica e de protecção da confiança de terceiros podem materialmente justificar a subsistência de actos da vida partidária, apesar da anulação dos actos ou deliberações que lhes tenham dado causa e, portanto, a exigência de impugnação autónoma desses actos. Sucede que não se vislumbram razões de segurança jurídica que, relativamente a actos do tipo daquele que está em apreciação, militem contra a ineficácia automática, ao menos ex nunc, do acto consequente que se limite a dar-lhe execução. E, no caso, não há interesse de terceiros de boa fé cuja protecção imponha a subsistência dos resultados do novo acto eleitoral (cf. artigo 179.º do Código Civil), desde logo porque este teve os mesmos protagonistas que estiveram envolvidos nas eleições anuladas pelo acto judicialmente impugnado. - Vítor Gomes - Maria Helena Brito.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2237665.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga ao seguinte documento (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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