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Acórdão 296/2003/T, de 15 de Abril

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Texto do documento

Acórdão 296/2003/T. Const. - Processo 309/2003. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Carlos Pereira da Cruz, identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LOFPTC), do Acórdão da Relação de Lisboa, de 10 de Abril de 2003, a fls. 140 e seguintes, pedindo no respectivo requerimento, apresentado em 22 de Abril de 2003, a apreciação da constitucionalidade da norma ínsita no artigo 141.º, n.º 4, do Código de Processo Penal (CPP) "por si só ou, de forma implícita, conjugadamente, entre outros, com os artigos 61.º, n.º 1, alínea b), 86.º, n.º 4, e 89.º, n.º 2, do CPP", interpretada "no sentido de que factos e elementos de prova posteriores ao despacho que ordena a prisão preventiva - os quais não foram, mesmo que de forma muito sumária, previamente expostos ao arguido - podem ser considerados em sede de recurso para justificar a prisão preventiva", o que violaria o disposto nos artigos 20.º e 28.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.os 1 e 3, alínea b), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

Admitido o recurso no tribunal a quo, os autos foram remetidos a este Tribunal, onde o relator determinou, por despacho de 29 de Abril de 2003, que se produzissem alegações.

Apresentadas alegações pelo recorrente e pelo Ministério Público, nestas últimas foi suscitada questão prévia, nos termos que a seguir se transcrevem:

"Por força do estatuído no artigo 213 .º, n.º 1, do Código de Processo Penal, é obrigatório o reexame dos pressupostos da prisão preventiva de três em três meses, com vista a decidir se a mesma deverá ser mantida, substituída ou revogada - sendo manifesto que tal prazo já decorreu no momento em que este Tribunal irá pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade suscitada quanto ao despacho de 1 de Fevereiro de 2003 e subsequente acórdão confirmativo.

Implica isto que - no momento da decisão do presente recurso de fiscalização concreta -, a subsistir a medida de coacção de prisão preventiva imposta ao arguido, ela assentará exclusivamente na nova decisão, e não nas decisões das instâncias impugnadas no presente recurso.

Tal poderá conduzir à inutilidade - por falta de interesse processual - da dirimição das questões que constituem objecto do presente recurso, já que a decisão que o Tribunal Constitucional proferisse nenhum reflexo poderia ter na concreta situação processual do arguido, em sede de medidas de coacção, não se perspectivando qualquer 'interesse residual' na sua solução: sendo, na verdade, de natureza estritamente processual e adjectiva o vício imputado às decisões das instâncias que decretaram a prisão preventiva, a única consequência prática da procedência do recurso seria a necessidade de ser reapreciada - exclusivamente com base nos factos que já constavam dos autos em 1 de Fevereiro de 2003 - a dita medida de coacção: ora, tal actividade processual careceria manifestamente de interesse e utilidade face à prolação de uma nova e autónoma decisão que, ao reapreciar tal medida, decorridos que foram três meses sobre a referida data - naturalmente não poderia deixar de tomar em consideração a situação factual existente à data da reapreciação e, portanto, os 'factos novos' entretanto revelados pelo decurso do inquérito.

Note-se, aliás, que tem sido este o entendimento que o Tribunal Constitucional vem fazendo acerca dos reflexos do carácter instrumental da fiscalização em situações análogas ou equiparáveis à dos autos: veja-se, por exemplo, o Acórdão 722/97, em que se entendeu que a consumpção de certo despacho judicial - incidente sobre a imposição ao arguido da prisão preventiva e questionado por vícios estritamente procedimentais (no caso, a deficiente fundamentação) - por outra, ulterior e autónoma decisão que, reapreciando os pressupostos da medida de coacção, entende dever mantê-la, consumindo a precedente decisão, conduz à inutilidade do recurso em que se questionava a decisão inicialmente proferida.

Deste modo - e antes de apreciar o mérito do recurso - importará apurar, nos autos principais, da eventual prolação de uma nova decisão que, mantendo a prisão preventiva do arguido, tenha, porventura, precludido o interesse processual subjacente ao presente recurso, ao proceder a urna valoração 'actual' da matéria fáctica e probatória relevante em sede de pressupostos da prisão preventiva."

Por despacho do relator de 26 de Maio de 2003, a fl. 248, foi solicitada ao 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa informação sobre se fora já proferido o despacho previsto no artigo 213.º do CPP e, em caso afirmativo, cópia do referido despacho, com informação sobre se dele fora interposto recurso.

No mesmo dia, o 1.º Juízo do TIC de Lisboa remeteu a este Tribunal cópia do despacho proferido em 29 de Abril de 2003, nos termos do artigo 213.º do CPP - que aqui se dá por inteiramente reproduzido - e em que é mantida a prisão preventiva do ora recorrente; o despacho transitou em julgado em 20 de Maio de 2003 por dele não ter sido interposto recurso.

O recorrente foi, então, notificado para se pronunciar, querendo, sobre a questão suscitada pelo Ministério Público.

Na sua resposta, o recorrente sustenta que o recurso mantém utilidade, dizendo, em síntese, que:

A decisão de 29 de Abril de 2003 não tem autonomia relativamente ao despacho de 1 de Fevereiro de 2003, uma vez que não substitui este despacho, mantendo-o e actualizando-o com novos dados;

A própria decisão de 29 de Abril anuncia que terá em consideração o acórdão da Relação agora impugnado logo que houver conhecimento desse acórdão.

Cumpre decidir.

2 - Como se deixou relatado, a questão de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciada por este Tribunal é a de saber se a norma que se extrai dos artigos 141.º, n.º 4, 61.º, n.º 1, alínea b), 86.º, n.º 4, e 89.º, n.º 2, do CPP, interpretada no sentido de que, a decisão que, em recurso, confirma o despacho que aplicou a medida de prisão preventiva, pode fundar-se em factos novos, ou seja, factos que ocorrem em momento posterior à prolação daquele despacho, ofende os artigos 20.º e 28.º, n.º 1, da Constituição e 5.º, n.º 2, 6.º, n.os 1 e 3, alínea b), da CEDH.

A questão prévia que o Ministério Público suscita nas suas alegações assenta em dois pilares essenciais: a instrumentalidade do recurso de constitucionalidade em fiscalização concreta e a revisibilidade periódica (de três em três meses) daquela medida coactiva, tendo em conta que, no caso, o despacho previsto no artigo 213.º do CPP foi já proferido, mantendo a prisão preventiva do recorrente.

A instrumentalidade do recurso de constitucionalidade, em fiscalização concreta, é característica deste tipo de recurso repetidamente afirmada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional.

No recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LOFPTC, ela significa, em breves palavras, que o pretendido juízo de inconstitucionalidade há-de, necessariamente, reflectir-se na decisão recorrida, vinculada, como está, a reformulação de acordo com aquele juízo; com o julgamento de inconstitucionalidade o tribunal recorrido não poderá voltar a decidir com fundamento na norma (ou uma sua interpretação) julgada inconstitucional. E se isto não significa, imperativamente, a consequente prolação de um julgado com um sentido decisório diverso do anterior agora favorável ao recorrente há-de, porém, exigir-se que o juízo de inconstitucionalidade possa conduzir a esse sentido.

O recurso de constitucionalidade tem, assim, que produzir um efeito útil e é isso que permite considerar relevante o interesse em agir do recorrente.

No que respeita à revisibilidade ou reexame dos pressupostos da prisão preventiva, dispõe o artigo 213.º, n.º 1, do CPP que "o juiz procede oficiosamente, de três em três meses, ao reexame da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, decidindo se ela é de manter ou deve ser substituída ou revogada".

O despacho que o juiz então profere resulta de um exame actual, ou actualizado, dos pressupostos da prisão preventiva e se mantiver esta medida coactiva a situação posterior do arguido fica definida, autonomamente, por aquele despacho.

Por outras palavras, o despacho inicial que decreta a prisão preventiva esgota os seus efeitos (como que "caduca") à data da prolação do despacho previsto no artigo 213.º, n.º 1, do CPP, quer esta mantenha a prisão, a substitua ou a revogue.

Nestas circunstâncias, a questão prévia suscitada pelo Ministério Público reveste-se de inteira pertinência, pois é de perguntar que efeito útil tem o recurso (ou, noutra perspectiva, qual o interesse juridicamente relevante do recorrente) no caso de, entretanto, ter sido proferido novo despacho que mantém a prisão preventiva do recorrente, onde, aliás e como é patente, são reapreciados os pressupostos da prisão preventiva, sem sequer se ter em conta (por na altura se desconhecer) os fundamentos do acórdão da Relação de Lisboa ora em recurso.

Sobre esta questão já o Tribunal Constitucional se pronunciou no Acórdão 722/97, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37.º vol., p. 279, votado por unanimidade e de que se respiga o seguinte trecho:

"5 - Desde o Acórdão 90/84 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4.º vol., pp. 267 e segs.) está firmado o entendimento jurisprudencial de que, em casos de detenção ou prisão preventiva, mantém interesse o recurso de constitucionalidade interposto da decisão ordenatória de privação da liberdade, ainda que no subsequente desenrolar do processo de extradição ou criminal se venha a confirmar ou modificar essa medida de privação de liberdade. Como se escreveu nesse Acórdão, existindo o direito fundamental a pedir uma indemnização contra o Estado em caso de prisão ilegal (artigo 27.º, n.º 5, da Constituição), se o Tribunal Constitucional viesse a abster-se de conhecer do recurso, por considerar este inútil, 'estaria afinal a precludir o exercício pelo recorrente [...] do direito que lhe é reconhecido por aquele preceito constitucional'.

Importa, por isso, analisar se existe algum 'interesse residual' no conhecimento do presente recurso, utilizando a formulação constante das alegações do Ministério Público.

Ora, encarada a situação dos autos, não são claramente aplicáveis os fundamentos daquela jurisprudência ao presente recurso.

Com efeito, o Código de Processo Penal impõe o reexame oficioso da subsistência dos pressupostos da medida de coacção prisão preventiva em prazos curtos, podendo o juiz determinar a manutenção, substituição ou revogação da própria medida (artigo 213.º, n.º 1). Por outro lado, de todas as decisões que aplicarem ou mantiverem medidas de coacção cabe recurso, a julgar no prazo máximo de 30 dias a partir do momento em que os autos foram recebidos (artigo 219.º). Com estas soluções, 'o legislador pretendeu acentuar que as medidas aplicadas não devem manter-se para além do necessário e, por isso, disciplinar a reapreciação da situação dos arguidos sujeitos a medida de coacção, impondo-a periodicamente nos casos mais graves e permitindo-a sempre, quer oficiosamente, quer a requerimento' (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, p. 252).

No caso sub judicio, a recorrente impugnou o despacho ordenatório da prisão preventiva em 20 de Maio de 1997, foi condenada a pena de prisão por acórdão de 27 do mesmo mês e ano, mas não impugnou o despacho que manteve essa medida de coacção em 12 de Junho de 1997.

Resulta daqui que a recorrente renunciou ao seu direito de impugnação do novo despacho, abstendo-se de interpor recurso em tempo, embora não tivesse desistido do presente recurso, alegando mesmo após a última data indicada.

Na presente situação não pode, por isso, deixar de considerar-se que a ora recorrente se acabou por conformar com a medida de coacção que foi mantida após a condenação em primeira instância, não se vendo que interesse prático atendível poderá justificar a prossecução do presente recurso quanto a uma decisão que já foi 'consumida' por decisão judicial subsequente não impugnada de forma autónoma, não podendo de forma plausível supor-se que a arguida pretende ainda exercer qualquer direito de indemnização contra o Estado por força da prisão preventiva que lhe foi aplicada após a remessa dos autos ao tribunal criminal competente, dada a aceitação da ulterior manutenção da mesma medida de coacção, isto é, quando mostrou que não o pretende fazer a partir do momento em que foi condenada em primeira instância, não obstante não se ter conformado com a decisão condenatória. A falta de resposta à questão prévia suscitada é igualmente coerente com o referido comportamento processual.

6 - Procede, assim, a questão prévia suscitada."

Como se vê, no acórdão de que se acaba de transcrever o passo mais relevante, o Tribunal começa por evocar a sua jurisprudência nos casos de recurso de despacho que decreta a prisão preventiva quando no momento de o decidir foi já proferido novo despacho que mantém aquela medida coactiva.

Entendeu, a propósito, o Tribunal Constitucional que se mantinha um interesse residual do recorrente, considerando a eventualidade de o arguido poder vir a intentar a acção de indemnização contra o Estado por prisão preventiva ilegal.

O Acórdão 722/97, não discutindo esta jurisprudência, entendeu, porém, que os seus fundamentos não eram aplicáveis ao caso. E não eram, porque então se verificava uma circunstância especial - a não impugnação da decisão que mantivera a prisão preventiva.

Ora, no caso agora em apreço, essa mesma circunstância se verifica, uma vez que o recorrente também não impugnou o despacho de 29 de Abril de 2003 que manteve a prisão preventiva. E tal faz situar a questão a resolver nos mesmos termos em que ela foi apreciada no Acórdão 722/97, sendo significativo o silêncio do recorrente, quanto à invocação deste aresto na fundamentação da questão prévia suscitada pelo Ministério Público.

Assim, sem necessidade de discutir a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre os casos em que não se verifica a referida circunstância, entende o Tribunal que é de acolher a fundamentação que conduziu à procedência de idêntica questão prévia no citado Acórdão 722/97 e ao julgamento da inutilidade superveniente do recurso.

Dessa fundamentação resulta, em contrário do que entende o recorrente, o efeito consumptivo do despacho que mantém a prisão preventiva relativamente ao que a decreta - assente em novos factos (actuais) o despacho de manutenção da prisão preventiva cobra, assim, inteira autonomia.

É certo que o despacho de 29 de Abril que mantém a prisão preventiva, dando por verificada a existência, agora reforçada, de fortes indícios da prática de crimes, se funda exclusivamente no disposto na alínea c) do artigo 204.º do CPP - perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas e de continuação da actividade criminosa - e que o acórdão recorrido, relativamente ao primeiro despacho, decidiu verificar-se, também, perigo de perturbação do inquérito.

Entende o Tribunal que a incidência deste último julgado se restringe ao primeiro despacho, sendo inquestionável que a revisão dos pressupostos da prisão preventiva, numa perspectiva de reavaliação da situação em causa, de acordo com dados actuais, substitui necessariamente aquele despacho, cobrindo a legalidade da prisão preventiva, a partir de então.

Por outras palavras, o decretamento da prisão preventiva pode fundar-se em uma ou mais das alíneas do citado artigo 204.º do CPP, podendo ela ser mantida em despacho ulterior com fundamentos diversos, sem, obviamente, incorrer em qualquer ofensa de caso julgado.

O despacho de 29 de Abril substitui, assim, o despacho de 1 de Fevereiro (este com as alterações resultantes do acórdão recorrido) e não está vinculado ao que no acórdão em causa se decidiu.

Reconhece-se que o despacho de 29 de Abril, dando conta do desconhecimento do teor desse acórdão, afirma que "o Tribunal acatará o decidido".

Trata-se de uma afirmação feita no contexto da argumentação daquele despacho para não atender às razões invocadas pelo Ministério Público quanto à verificação do pressuposto constante da alínea b) do artigo 204.º do CPP. De interpretação não inteiramente líquida, tal afirmação não pode entender-se no sentido da revogação ou alteração de um despacho que não fora (como acabou por não ser) objecto do recurso para a Relação e que, como se disse, transitou em julgado. E tanto basta para não abalar a ilação extraída do facto de o despacho de manutenção da prisão preventiva não ter sido recorrido - de que o presente recurso se tornou supervenientemente inútil.

Acresce que, tendo a questão de constitucionalidade a ver com a valoração de certos e determinados factos posteriores ao decretamento da prisão preventiva, pelo juiz de instrução, deixa de ter qualquer relevância, relativamente aos posteriores despachos de manutenção daquela medida coactiva, um eventual juízo de inconstitucionalidade, uma vez que a esses factos, então ponderados, se não pode já opor a sua superveniência.

3 - Decisão. - Pelo exposto e em conclusão, decide-se julgar extinto o recurso por inutilidade superveniente.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Junho de 2003. - Artur Maurício - Maria Helena Brito - Pamplona de Oliveira - Rui Moura Ramos - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2205342.dre.pdf .

Ligações deste documento

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