Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Parecer 2/2004, de 18 de Fevereiro

Partilhar:

Texto do documento

Parecer 2/2004. - A proposta e os projectos de lei de bases da educação/do sistema educativo.

Preâmbulo

No uso das competências que por lei lhe são conferidas, e nos termos regimentais, após apreciação do projecto de parecer elaborado pelos conselheiros relatores/coordenadores das Comissões Especializadas Permanentes (CEP) Ana Teresa Penim, Domingos Xavier Viegas, Joaquim Azevedo, Leandro da Silva Almeida e Maria Odete Valente, o Conselho Nacional de Educação (CNE), em sua reunião plenária de 15 de Janeiro de 2004, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo, assim, o seu primeiro parecer no decurso do ano 2004.

Introdução

Estão em análise uma proposta e quatro projectos de lei de bases da educação. Numa leitura destes documentos, constata-se que todos eles tiveram a actual Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) como referência e, em alguns casos, em consideração mais directa o seu articulado. A perspectiva do CNE foi a de considerar todos estes documentos na sua reflexão, muito embora, por uma questão de organização do seu contributo, se tenha considerado a proposta do Governo como guião de percurso.

Esta análise centrou-se sobre aspectos em que a complexidade das situações e a eventual diversidade de perspectivas mais justificam uma reflexão e a própria emissão de um parecer. Assim, centramos o presente parecer na abordagem dos seguintes temas:

1) Designação e oportunidade da iniciativa legislativa;

2) Papel do Estado na educação;

3) Natureza multidimensional da educação;

4) Universalização dos ensinos básico e secundário;

5) Qualificação inicial de jovens;

6) Ensino superior;

7) Qualificação da população adulta;

8) Formação de educadores, professores e formadores;

9) Administração e gestão das escolas;

10) Avaliação e inspecção.

O CNE entende que a oportunidade de rever a Lei de Bases deveria constituir um momento privilegiado para colocar a educação no centro dos debates públicos, retirando-a de uma certa prisão técnica e tecnocrática em que se encontra envolvida e devolvendo-lhe a sua imprescindível faceta política, assunto que a todos diz respeito, como um direito e um dever inalienáveis.

1) Designação e oportunidade da iniciativa legislativa

1 - A designação actual de "lei de bases do sistema educativo" aparece agora substituída, na quase totalidade das propostas em apreço, por "lei de bases da educação". Esta designação, podendo pecar por ser demasiado ambiciosa, pois nunca conseguirá contemplar todos os domínios e contextos educativos formais e informais de uma sociedade, é, porém, reducionista ao não integrar satisfatoriamente a riqueza de todos os processos de formação e aprendizagem ao longo da vida. Neste sentido, acaba por se perder a oportunidade de concepção de uma lei mais abrangente da educação e da formação ao longo da vida. Em anteriores reflexões sobre esta matéria, nomeadamente no parecer sobre a aprendizagem ao longo da vida (Junho de 2001), o Conselho Nacional de Educação considerou que, "no âmbito da expressão 'aprendizagem ao longo da vida', a designação 'aprendizagem' tem de ser entendida como integrando os tradicionais conceitos de educação (inicial) e de formação profissional referindo-se à apreensão e desenvolvimento de conhecimentos, competências e aptidões qualquer que seja o seu contexto e dimensão". Na actual sociedade do conhecimento, a "lei de bases da educação" alargaria os seus horizontes ao adoptar, em toda a sua extensão, não um discurso a partir da escola (pré-escolar, escolar e extra-escolar) mas, antes, uma perspectiva de "aprendizagem ao longo da vida". Esta perspectiva, internacionalmente instituída como abrangendo todo o processo educativo e formativo desde a educação de infância à educação contínua de adultos, faz emergir uma efectiva articulação entre políticas e estruturas de educação e de formação, assumidas ambas as dimensões como pilares indispensáveis ao desenvolvimento da pessoa e ao exercício pleno da cidadania. Importa a este propósito lembrar os desafios prospectivos contemplados na "estratégia de Lisboa" e assumir políticas que coloquem em prática as orientações aí contempladas. O CNE entende, por isso, que, embora a lei possa vir a designar-se por lei de bases da educação, esta deve subordinar-se à referida articulação entre as políticas de educação e de formação ao longo da vida.

2 - Reportando-nos à oportunidade desta iniciativa legislativa, refere a proposta do Governo que, apesar do "acentuado crescimento da despesa pública em educação", o sistema educativo português apresenta algumas dificuldades na utilização de tais recursos para um crescimento da qualidade dos seus resultados. Alguns disfuncionamentos são apontados, por exemplo as graves lacunas nos saberes estruturantes, a insuficiência na aprendizagem de competências práticas efectivas e na preparação adequada para o ensino superior, a ausência de um verdadeiro ensino profissionalizante, dinâmico e actual, o facto de mais de dois terços dos portugueses entre os 25 e os 34 anos não ultrapassarem as aprendizagens básicas ou o facto de mais de dois terços dos estudantes do ensino secundário optarem por vias gerais de estudos, em detrimento das vias profissionalizantes. Estes problemas, contudo, não nos parece derivarem, pelo menos exclusivamente, de constrangimentos legais, ao ponto de, só por si, justificarem esta iniciativa legislativa.

3 - O Governo pretende justificar, ainda, a sua proposta pela necessidade de introduzir inovações no sistema educativo, fazendo uma referência explícita à sociedade de conhecimento e aos desafios que coloca aos indivíduos e às instituições: competências de acesso e utilização da informação; capacidade de adaptação em face da flexibilidade e mudança social; capacidade autónoma de juízo, sentido criador e capacidade de organização; competências e aptidões cada vez mais amplas e profundas; assimilação autónoma, consciente e orientada de conhecimentos, e desenvolvimento pessoal para o exercício de uma liberdade autónoma, consciente, responsável e criativa. Entronca nestes objectivos e desafios a necessidade de uma educação que atenda à multiplicidade de saberes (conhecer, fazer, estar com outros e aprender a pensar e a ser). Contudo, como veremos noutros momentos deste parecer, estas preocupações, ainda que fundamentais para um sistema educativo, não se corporizam suficientemente no articulado da proposta.

4 - De acrescentar, por fim, que o actual Governo aprovou, nos últimos meses, documentos legais sectoriais e parcelares, só agora aparecendo a lei de bases da educação que enquadra algumas dessas medidas legislativas. Esta situação gera constrangimentos diversos à discussão aberta e construtiva de um documento tão importante como a "lei de bases da educação".

5 - No entender do CNE, a justificação da alteração da LBSE sairia reforçada pela necessidade de se atender e valorizar algumas áreas, por exemplo a aprendizagem ao longo da vida, decorrente de profundas transformações ocorridas nos últimos anos, a articulação entre o ensino e a formação profissional, a oferta universal da educação infantil, o alargamento da escolaridade universal para 12 anos, tendo em vista uma maior e melhor qualificação da população portuguesa, a criação de um nível de especialização técnico-profissional pós-secundário, a criação de um espaço europeu de ensino superior e o desenvolvimento de competências para uma participação activa de cada cidadão na sociedade do conhecimento.

2) Papel do Estado na educação

6 - A proposta de lei do Governo substitui o conceito anterior de "escola pública" por "serviço público". Esta substituição justifica-se, nessa proposta, por uma melhor optimização dos recursos nacionais existentes (públicos, privados e cooperativos) e uma ampliação das possibilidades de escolha por parte das famílias. Importa, contudo, assegurar que esta ideia da "rede de ofertas educativas" não venha a traduzir-se, na prática, numa demissão do Estado no que diz respeito à criação e manutenção de uma rede de estabelecimentos públicos de ensino. Torna-se igualmente necessário introduzir o princípio da igualdade de oportunidades para todos no acesso à educação, sem discriminação sócio-cultural ou de sexo, de modo a ser salvaguardada a equidade social. Na contratualização pelo Governo de escolas privadas para efeitos de constituição da rede escolar de serviço público, deve ser salvaguardada a equidade social e a vivência democrática da pluralidade sócio-cultural. Por outro lado, interessa acautelar que o Estado não venha a descomprometer-se com a "escola pública", fazendo opções de financiamento que possam estrangular a capacidade de resposta por parte das escolas públicas.

7 - A prossecução destes objectivos exige alterações significativas ao nível da administração educacional no nosso país. Somos herdeiros de um sistema educativo muito centralizado e de um processo de mudança nas políticas educativas excessivamente centrado nas virtualidades da lei e da norma. O Estado tem sido hábil e ágil a proclamar as liberdades e as autonomias, mas tem sido também, na prática, um obstáculo e castrador das diferentes iniciativas autónomas das escolas e dos diferentes grupos no campo da educação. Por um lado, as escolas, proclamadas unidades centrais do sistema educativo, continuam na sua periferia e muito condicionadas no exercício de uma real autonomia. Por outro, grande parte da inteligência e do esforço que é localmente realizado em prol da melhoria da qualidade da educação e da formação acabam por se perder ou, até, por ser ignorados. O processo de desconcentração que se traduziu na criação das direcções regionais de educação, apesar das suas vertentes positivas de aproximação da administração dos administrados, introduziu poucos elementos inovadores na administração educacional do País.

8 - Importaria percorrer agora um novo ciclo na administração educacional. Ao Estado deveria caber um papel de regulação global do sistema educativo, promovendo verdadeiramente um sistema, com integração e interpenetração entre escolas e dinâmicas de apoio às escolas, centrais e descentralizadas. Nesta regulação deve passar a ter mais importância a avaliação a posteriori do que a intervenção de pré-determinação de todas as pequenas normas a priori, deve ganhar relevo a correcção de assimetrias sociais e geográficas no acesso à educação, deve haver uma clara determinação em assegurar a igualdade de oportunidades de acesso à educação e formação - e de sucesso - por parte de todos os portugueses, qualquer que seja a sua idade, género, etnia e condição social, no quadro de uma ampla diversidade e liberdade de oferta de educação e de formação, de modo a ser garantida a equidade social. Em consonância, as competências dos diversos níveis da administração educacional devem ser profundamente revistas, atribuindo à rede local de escolas o papel nuclear da promoção da educação, num processo de ampla e efectiva descentralização e autonomia. A garantia constitucional da liberdade de ensinar e de aprender deve ser plenamente assumida por todos os actores sociais.

3) Natureza multidimensional da Educação

9 - Os princípios da lei de bases, na proposta do Governo, referenciam a sociedade do conhecimento e as suas implicações na formação das camadas mais jovens. Deste modo, destaca-se a educação como elemento-chave do desenvolvimento e do devir de um país, mormente numa sociedade actual pautada por marcada complexidade e incerteza, com uma crise de valores e de instituições, com tensões e exclusões sociais, com taxas elevadas de desemprego, com pressão dos meios de comunicação social ou com uma integração europeia em curso por parte de um país periférico e com marcadas assimetrias regionais no seu interior.

10 - Nos nossos dias, a escola tem vindo a assumir um papel decisivo de coesão social. A sociedade necessita de uma escola que responda por esta exigência e pela constatação de que a desigualdades sociais de início se associam vivências de insucesso na escola e na vida sócio-profissional posterior. Falamos, então, de uma educação moderna apostada na formação de cidadãos autónomos, responsáveis e solidários. A educação é, pois, um processo de elevação individual e colectiva, aproveitando a modificabilidade da condição humana. A educação, como processo de nos tornarmos pessoas ou de nos fazermos a nós próprios, exige contextos ou espaços favoráveis, desde logo espaços pautados pelo exercício da autonomia, da liberdade e da responsabilidade.

11 - A proposta do Governo explicita a sociedade do conhecimento e os desafios inerentes como justificativos da mudança legislativa em curso. Exemplifica tais desafios referindo: as competências de acesso e utilização da informação; a capacidade de adaptação em face da flexibilidade e da mudança social; a capacidade autónoma de juízo, sentido criador e capacidade de organização; as competências e aptidões cada vez mais amplas e profundas; a assimilação autónoma, consciente e orientada de conhecimentos, e a disponibilização dos meios para que cada indivíduo desenvolva todo o seu potencial para o exercício de uma liberdade autónoma, consciente, responsável e criativa. Contudo, ao longo do texto, na fixação dos objectivos dos diversos ciclos de escolaridade, fica bastante diluído esse objectivo de educação e formação mais geral, dando-se pouco destaque à universalidade (para todos os alunos) de aprendizagens tecnológicas, motoras, estéticas e artísticas, à educação ambiental, cívica e social ou, inclusive, à educação da sexualidade. Por outro lado, mesmo nas áreas curriculares assumidas, ocorre em Portugal e em muitos outros países um fraco grau de envolvimento dos alunos nas Ciências, sendo importante desenvolver-se nas escolas uma cultura científico-experimental desde o 1.º ciclo. Interessaria também não só desenvolver o conhecimento da língua materna mas igualmente o sentido temporal e espacial do País (História e Geografia), favorecendo o conhecimento da posição de Portugal na Europa e no Mundo e o reforço da identidade nacional.

12 - A este propósito, torna-se obrigatória, ainda, uma referência às tecnologias disponíveis de informação e comunicação. Como referem os especialistas, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) não são apenas mais uma ferramenta didáctica ao serviço dos professores/formadores, pois elas fazem parte do mundo onde crescem as crianças e os jovens, abrindo inúmeras portas de acesso à informação, à sua apresentação e ao seu tratamento, à resolução de problemas e à construção permanente de conhecimento. Seria interessante, então, que a proposta de lei de bases mencionasse a introdução mais generalizada das TIC em todos os estabelecimentos de ensino e formação, fomentando-se a utilização das TIC como uma importante ferramenta ao serviço da aprendizagem de todos os membros das comunidades educativas/formativas, do seu projecto educativo e da organização e eficiência das instituições. Seria igualmente importante realçar a importância da utilização das TIC como fontes de valorização pessoal e profissional, em contextos não formais e informais de aprendizagem ao longo da vida.

4) Universalização dos ensinos básico e secundário

13 - Uma das dificuldades apontadas ao sistema educativo português passa pelo não cumprimento universal de uma educação básica. Assim, continuamos a ter taxas elevadas de adolescentes e jovens que abandonam precocemente e sem sucesso o sistema educativo. Nestes casos, a escola marca em definitivo os projectos pessoais e profissionais destes sujeitos, pouco ou nada fazendo para que o sentido compulsivo da educação nasça mais de um direito do que de um dever.

14 - Ultrapassadas satisfatoriamente as desigualdades no acesso (antecipação, prolongamento e generalização da escolaridade aos diferentes grupos sociais), importa deslocar a análise para a desigualdade nas condições de sucesso, ou seja, uma análise dos mecanismos intra e extra-escola produtores das desigualdades. Infelizmente, em Portugal, as deficiências com a universalidade da educação básica não podem assumir-se como um facto do passado, pois que as mesmas têm subsistido e, até, agudizado com o aumento da escolaridade (parecer do CNE n.º 3/93). No fundo, temos de ser mais claros e defender que, "do ponto de vista da democratização do ensino, trata-se hoje de assegurar aprendizagens reais e não apenas tempo de escolaridade; a democracia exige qualidade" (parecer do CNE n.º 3/93).

15 - Os problemas do acesso e, mais ainda, os do sucesso escolar estão fortemente associados aos fenómenos de multiculturalidade, de diversidade e de exclusão social. Reconhecemos que a sociedade portuguesa passa por grandes transformações sociais, marcadas pela sua adesão à Comunidade Europeia e pelo fenómeno de globalização actual. As práticas educativas devem tomar esta mesma realidade como desafio à democratização do acesso e sucesso aos bens da educação e da formação, sendo necessárias medidas de discriminação positiva de alguns sectores da população quando apresentem expectativas ou metas escolares mais baixas. Infelizmente, faltam sobretudo os apoios psico e sócio-educativos em escolas dos meios mais desfavorecidos.

16 - O insucesso e o abandono escolares questionam-nos sobre a educação na primeira infância. Considerando o conhecimento actual sobre a influência dos ambientes educativos na estimulação afectiva e cognitiva das crianças desde os primeiros dias de vida, importa reconhecer a responsabilidade da sociedade e do Estado em garantir que todas as crianças tenham a possibilidade de um ambiente favorável ao seu desenvolvimento, muito especialmente quando as condições de vida familiar não garantam essa oportunidade. Aliás, mesmo que se considere que as famílias poderão ocupar-se da educação pré-escolar e infantil, isso não impede que aquela se considere obrigatória. A obrigação de educar as crianças até aos 6 anos de idade deve ser assumida pelos pais e pela sociedade. Deve o Estado incentivar a sua universalidade, proporcionando os meios para que todos dela possam beneficiar, ainda que se reconheça que os pais possam reivindicar o exercício desse dever sempre que tenham melhores condições para o fazer do que a instituição de serviço público alternativa ao seu dispor. Entende-se, assim, que é necessário garantir que todas as crianças dos 3 aos 6 anos tenham a oportunidade de uma educação em grupo em ambientes estimulantes e que, só excepcionalmente, e por razões extraordinárias, as famílias das crianças deste grupo etário possam ser dispensadas da utilização dessa oportunidade educativa e desenvolvimental. Convém assegurar o que a Lei Quadro da Educação Pré-Escolar, aprovada por unanimidade na Assembleia da República em 11 de Dezembro de 1997, já contemplava, isto é, o dever do Estado de criar uma rede pública de educação pré-escolar e a gratuitidade da componente educativa em todas as unidades públicas, privadas ou de solidariedade social. O CNE já emitiu vários pareceres sobre a educação pré-escolar em 1994, 1995 e 1996 e, mais recentemente, em Julho de 2003, editou o estudo "Educação de infância em Portugal. Situação e contextos numa perspectiva de promoção de equidade e combate à exclusão".

17 - Passando da infância à adolescência, a escolaridade deverá incluir medidas de diferenciação pedagógica e de diversificação de percursos escolares, sob pena de mantermos uma prática de exclusão social associada ao abandono precoce de uma escola que, pretensamente igual para todos, cedo se torna numa escola de sucesso apenas para alguns. Com efeito, é cada vez maior o fosso entre os habilitados a retirar proveito da cultura, da ciência e da tecnologia e aqueles que se auto-excluem ou são excluídos de tais bens por realidades escolares que, de forma preventiva e remediativa, não os promoveram suficientemente. Esta diversificação das oportunidades de aprendizagem dos alunos é fundamental à implementação progressiva da "escola inclusiva", susceptível de receber e atender com sucesso desde alunos com maiores dificuldades e algum tipo de deficiência até alunos mais talentosos ou com características de sobredotação.

18 - Reportando-nos à extensão da escolaridade obrigatória para 12 anos, importa destacar que os dados estatísticos disponíveis mostram que, no presente, o sistema educativo português tem sido incapaz de tornar efectivo o sucesso da actual escolaridade obrigatória de 9 anos. Por este facto, a sua extensão a 12 anos deve ser acompanhada, forçosamente, de medidas tendentes a prevenir abandonos precoces e fenómenos de marginalização daí decorrentes. Uma extensão a todo o território nacional dos serviços de psicologia e orientação mostra-se necessário ao sucesso do percurso educativo e à ajuda aos alunos na construção dos seus projectos de formação e de vida.

19 - Acreditamos que o alargamento da escolaridade universal obrigatória e a sua cobertura universal vão exigir políticas comuns, interministeriais, de articulação entre educação e formação, assim como uma conveniente articulação entre estratégias alternativas de formação (mais ou menos profissionalizantes). Parece-nos que à medida que se avança na escolaridade deverão coexistir percursos diversos de formação, garantidamente permeáveis, para a aquisição de conhecimentos e aptidões tendo em vista tornar cada jovem capaz de gerir com sucesso um percurso pessoal e profissional ao longo da vida.

20 - A possibilidade de expressões curriculares adaptadas às características e necessidades de cada aluno não deve implicar, no entanto, escolhas vocacionais precoces, associadas à origem sócio-cultural dos alunos. Assim, a inclusão escolar deverá ser encarada como um princípio e as alternativas oferecidas aos alunos não poderão, nesta perspectiva, ser fonte de discriminação. Importa que a redução de nove para seis anos do período da educação básica - tal como consta na proposta do Governo - não traduza um desinvestimento na educação básica comum, e que o sistema assegure a permeabilidade e equivalência entre processos de formação. De novo, torna-se necessário que as escolas usufruam dos recursos e dos meios que reforcem a integração, a permanência e o sucesso de subgrupos de alunos, social e culturalmente mais desfavorecidos, sabendo-se quão importante é a escola e a sua escolarização para os seus percursos de vida. Ao mesmo tempo, importa reconhecer que o País investiu numa rede de escolas que asseguram a sequência dos ciclos de escolaridade que constituem o actual ensino básico (EB). Por este facto, a opção da proposta do Governo de transpor o actual 3.º ciclo do EB para 1.º ciclo do ensino secundário (ES) implicará uma readequação da rede, cujos custos devem ser ponderados. Acresce nesta decisão o facto de termos uma revisão curricular em curso nos ensinos básico e secundário sem a devida avaliação, até porque se encontra em fase de implementação.

21 - Pelo exposto se depreende estarmos face a matérias de bastante complexidade e controvérsia, justificando opiniões díspares por parte dos conselheiros do CNE. Antes de se assumir uma opção quanto ao enquadramento do ciclo escolar referente aos 7.º-9.º anos, importa considerar os objectivos deste nível de ensino, nomeadamente o tipo de currículo que mais se ajustará a esta faixa etária e a um ciclo de estudos não terminal (os alunos terão ainda um ciclo posterior de três anos para completarem a sua escolaridade obrigatória). Tendencialmente, é neste último ciclo de formação que a diferenciação de percursos se justifica, quer no sentido de uma inserção na vida activa após o secundário quer no sentido do prosseguimento de estudos no ensino superior. Os defensores desta tese propõem que os alunos percorrerão esse ciclo de estudos, entre os 12 e os 15 anos, em torno da aquisição de competências gerais e de aprendizagens integradas, assumidas como fundamentais para todo o cidadão, independentemente do seu futuro profissional, integrando-se então este ciclo escolar melhor no ensino básico. Esta seria, ainda, uma etapa com um currículo comum para todos os alunos, assegurando competências e uma formação cultural comuns, mas permitindo já a expressão individual em áreas alternativas, como nas artes, nas línguas, no saber fazer oficinais e técnicos, sob a forma de opções rotativas ou em níveis de aprofundamento crescente. Este grupo de opções alargado permitiria também uma escolha mais consciente ao nível do 10.º ano quanto a percursos de educação e formação profissional. Não devendo propor-se modalidades alternativas de formação para esta faixa escolar, é preciso criar incentivos e gosto pela permanência na escola, o que só será possível com uma escolaridade significativa para todos e em que o que se aprende é reconhecido por cada um como uma mais-valia. Trata-se, então, de um dos ciclos escolares que exigirá mais intencionalidade, persistência e sabedoria relacional por parte dos professores e das escolas, flexibilizando processos e conteúdos das aprendizagens, mantendo o rigor e a exigência necessários a níveis de sucesso sustentado.

5) Qualificação inicial de jovens

22 - A qualificação inicial de jovens representa uma dimensão da maior relevância num quadro de elevação global das competências, numa sociedade e numa economia baseada no conhecimento, que se quer dinâmica e competitiva. Como anteriormente referido pelo CNE, no parecer sobre a revisão do ensino secundário, importa enfatizar a "consolidação da diversidade da oferta no secundário", fazendo desta diversidade uma trave mestra de adaptação "às aspirações dos alunos e famílias", "às necessidades do mercado de trabalho e do modelo de desenvolvimento do País". Definiam-se, então, cinco modalidades para este patamar de ensino e de formação: i) o ensino científico humanístico (o novo nome dos cursos gerais); ii) o ensino tecnológico; iii) o ensino profissional; iv) o ensino artístico; e v) a aprendizagem. A sua definição assentava, quer na organização curricular quer no tipo de saída que cada modalidade é suposta proporcionar, importando que a lei de bases introduzisse uma maior clarificação de conceitos, nomeadamente suprimindo termos equívocos como "formação vocacional" e desenvolvendo uma melhor articulação entre o campo escolar e o extra-escolar.

23 - De facto, o CNE entende que esta diversidade é um bem social que importará garantir, desde que se salvaguarde que à diversidade não se associam fenómenos de discriminação social e cultural. O facto de se haver referido, na revisão do ensino secundário, que os cursos de formação em alternância, chamada também de "formação vocacional" e de "aprendizagem", numa profusão semântica pouco rigorosa, se destinam "exclusivamente para a inserção no mercado de trabalho" consagra uma diversidade que contraria o princípio da equivalência educativa de qualquer percurso de nível secundário e conduz facilmente a uma discriminação indesejável, injustificada, contraditória com os princípios que se advogam e prejudicial para o fomento das vias técnicas e profissionais. Importa, então, precisar conceptualmente estas várias modalidades de formação e assegurar os mecanismos que salvaguardem a sua não discriminação social.

24 - Torna-se premente caminhar em direcção a uma plena integração das políticas de educação e formação vocacional, de forma a eliminar a sobreposição das ofertas e a concretizar os princípios da educação e da formação ao longo da vida. Para este efeito, o articulado da lei de bases deveria salientar a necessidade de um aumento da oferta de percursos profissionalizantes de formação e assegurar a valorização social de tais percursos, defender a necessária articulação e permeabilidade entre níveis académicos e de aptidão profissional, assegurar a autonomia pedagógica, administrativa e financeira das instituições, estimular a parceria de diferentes entidades na promoção da qualificação inicial de jovens, favorecendo a ligação dos projectos educativos ao meio sócio-económico, e propor uma política de financiamento plural e estável dos percursos do ensino profissional que salvaguarde a estabilidade das instituições, a melhoria contínua dos seus projectos educativos e a igualdade de oportunidades de acesso e de frequência, em condições semelhantes às dos restantes percursos do ensino não superior.

6) Ensino superior

25 - A principal diferença estrutural entre o sistema do ensino superior contido quer na proposta do Governo quer nos restantes projectos em análise e o que se encontra presentemente em vigor consiste na eliminação do grau de bacharel. Estabelece-se em consequência, como primeiro grau do ensino superior, a licenciatura. A tradição nacional consagra, em nossa opinião, a designação de licenciado para este grau.

26 - Quer a proposta do Governo quer os restantes projectos (exceptuando o do Partido Comunista Português) estabelecem uma estrutura binária para o sistema do ensino superior, com os dois subsistemas universitário e politécnico. Respeitando a tradição do nosso país e em reconhecimento da necessidade de existirem formações diferenciadas de nível superior para satisfazer necessidades específicas da sociedade moderna, considera-se que deve manter-se o sistema binário proposto. Em nosso entender, deve realçar-se e valorizar o papel, a dignidade e a complementaridade de cada um dos subsistemas, dentro do respeito pelas respectivas funções e especificidades.

Para benefício de todos os utentes do sistema do ensino superior, incluindo os potenciais empregadores e a população em geral, considera-se que a distinção entre os dois subsistemas de ensino deveria ser feita de um modo mais facilmente legível.

27 - O diploma relativo à autonomia do ensino superior, recentemente apreciado pelo CNE, confere às duas modalidades do ensino superior igual autonomia e responsabilidade. Importa, no entanto, clarificar a respectiva diferenciação como forma da sociedade poder beneficiar da respectiva complementaridade. Esta clarificação deve nascer de uma reflexão aprofundada sobre os modelos organizativos, os objectivos formativos, os conteúdos curriculares e as modalidades de ensino e aprendizagem, de entre outros, dos dois subsistemas do ensino superior.

28 - Reconhecendo que a diversidade de objectivos formativos entre os dois subsistemas deverá corresponder a uma diferente opção vocacional por parte dos estudantes candidatos, propõe-se que os respectivos estabelecimentos de ensino assumam maior protagonismo na definição de parâmetros e do processo de avaliação da capacidade de frequência, de selecção e de seriação dos candidatos.

29 - Rompendo com a prática actual, a proposta de lei do Governo, bem como os restantes projectos em análise, preconizam que, além da licenciatura, os institutos politécnicos possam conferir também o grau de mestre, correspondente ao 2.º ciclo da formação ministrada no sistema do ensino superior. Tal possibilidade constitui um reconhecimento da capacidade já existente ou em vias de existir em alguns estabelecimentos do ensino superior politécnico para conferir este grau, dado o nível de preparação alcançado pelo respectivo corpo docente e a qualidade dos recursos de que dispõem para este efeito. O CNE reconhece que esta perspectiva é adequada e sublinha que devem ser critérios de qualidade a presidir ao estabelecimento dos requisitos, em termos de recursos próprios, quanto à qualificação das instituições para os efeitos da atribuição dos graus de mestre e de doutor.

30 - Na referência ao numerus clausus, a proposta do Governo indica a sua imposição como sendo uma possibilidade que os estabelecimentos do ensino superior têm seja para salvaguardar o interesse público e a qualidade do ensino seja para cumprir directivas ou compromissos de ordem superior. Esta formulação não exclui a proposta de uma eliminação tendencial do numerus clausus, contida noutros projectos, se bem que não a acolha explicitamente. A proposta de eliminação tem por base o respeito pela liberdade de escolha dos cursos pelos potenciais candidatos. Numa situação ideal, em que a procura dos cursos pelos candidatos estivesse em harmonia com as necessidades do sistema económico e social, bem como com a capacidade de oferta por parte do sistema de ensino, o estabelecimento do numerus clausus seria desnecessário. A prática passada mostra, no entanto, que tal nem sempre acontece e que existe a necessidade de introduzir algum mecanismo correctivo no processo, tal como o numerus clausus. No entanto, em sede da LBE não se torna necessário proceder a qualquer disposição relativa ao numerus clausus, matéria mais apropriada às tarefas da governação.

31 - Um dos desafios actuais do ensino superior em Portugal prende-se com as orientações europeias, também assumidas pelo Governo Português, consagradas na Declaração de Bolonha. Da necessidade de clarificar ao nível europeu as qualificações correspondentes aos diversos graus decorre a exigência de adopção de alguns critérios comuns no espaço europeu. A generalidade das propostas indicam que os cursos serão organizados pelo regime de unidades de crédito, o que nos parece dever configurar-se na linha do ECTS (European Credit Transfer System), proposto por aquela declaração. Este sistema, mais assente na aprendizagem (carga de trabalho do aluno) do que nas cargas lectivas, sugere profundas alterações nos processos de ensino-aprendizagem-avaliação por parte das instituições portuguesas do ensino superior.

32 - Sobre a duração do 1.º ciclo de estudos superiores, as propostas em análise apresentam alguma divergência. Sendo compreensível o estabelecimento de alguma flexibilidade na duração dos cursos, parece-nos que a duração dos cursos deve oscilar entre seis semestres e oito semestres, podendo, em certas áreas específicas, atingir uma duração superior.

33 - A investigação científica constitui uma dimensão importante do sistema do ensino superior e mereceria por isso um desenvolvimento e uma concretização maiores nas propostas em apreço. Também outras valências do ensino superior, como a criação e a difusão cultural, a formação para a cidadania, a valorização da cultura e da língua, a promoção do espírito crítico e a liberdade de expressão, mereceriam uma referência mais concreta na futura lei de bases.

34 - Do mesmo modo deveria a lei dar destaque aos novos públicos do ensino superior e às novas missões destas instituições ao nível da transferência e da divulgação de conhecimentos e de saberes. O cerne da questão enquadra-se no conceito de formação ao longo da vida, que passou, e sem retorno, de princípio orientador desejável a condição de sobrevivência individual e colectiva. A mundialização exige, com os seus renovados desafios, complementar e actualizar as aprendizagens formais e não formais. O desenvolvimento pessoal e a flexibilidade profissional passam, também, pela frequência de formação a um nível avançado, para o que o ensino superior dispõe de recursos humanos e materiais, devendo aparecer consignado na lei de bases.

7) Qualificação da população adulta

35 - Hoje em dia é preocupação das sociedades o aumento das qualificações de todos os seus cidadãos, contribuindo para o desenvolvimento económico e a coesão social. Reconhece-se, assim, que as preocupações de crescimento e de justiça social estão intimamente ligadas ao investimento no crescimento e à diversificação dessas qualificações. Acresce, no caso da União Europeia, a busca de um conjunto homogéneo de qualificações que favoreça a plena mobilidade de todos os cidadãos europeus no seu seio. Incluímos nestas "qualificações" um conjunto de saberes que se referem à capacidade de comunicar, de raciocinar, de resolver problemas, de ser criativo, de trabalhar em equipa, de utilizar de forma eficiente e eficaz as tecnologias, de aprender a aprender. Incluímos, ainda, o domínio de técnicas específicas que permitam a melhor resposta às diferentes exigências de práticas profissionais e organizacionais de alta qualidade.

36 - Por sua vez, as novas e cada vez mais complexas condições em que operam os cidadãos (globalização, novas tecnologias, avanços científicos, mudanças nas formas de vida e participação social) tornam premente uma postura individual e colectiva de aprendizagem ao longo da vida, independentemente dos níveis de qualificação académica e profissional possuídos.

37 - A identificação e o reconhecimento das competências estratégicas, bem como a sua mobilização e o seu desenvolvimento em todos os adultos, constituem, no nosso tempo, a base das novas estratégias competitivas. Neste sentido, e numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida, a lei de bases deve, em resposta à fraca subsidiariedade do Estado à formação contínua de activos e desempregados, apontar claramente para uma aposta na educação de adultos, propondo políticas promotoras das qualificações de toda a população. Importa reconhecer que, cada vez mais, a experiência profissional não se limita à repetição mais ou menos inconsciente de procedimentos adquiridos em contexto escolar, antes reconstrói esses saberes escolares, aumentando-os e adaptando-os às circunstâncias, enriquecendo-os. A este tempo de vida dual "escola e trabalho", a aprendizagem ao longo da vida traz a riqueza da necessidade de reconhecimento dos conhecimentos, das competências, das atitudes e dos valores adquiridos no quotidiano, no lazer, no voluntariado, no associativismo e em tantos outros contextos de vida que escapam às institucionais e tradicionais da educação e da formação profissional.

38 - É neste contexto que hoje se tem como um dado adquirido que a atitude de qualquer pessoa tem de ser de disponibilidade e de receptividade ao conhecimento do que é novo, à sua incorporação nos saberes e no saber fazer do dia-a-dia e a uma atitude crítica em relação a essa novidade, permitindo que cada um se assuma também como autor de novidade e inovação. A formação contínua converte-se num direito e num dever de todo o cidadão. Nesta perspectiva, e considerando que no actual contexto nacional e europeu urge promover a elevação das qualificações da população adulta, é fundamental que a lei de bases contemple no seu articulado a promoção de oportunidades formativas suficientemente motivadoras e flexíveis, potenciadas pelas tecnologias actualmente disponíveis e em constante evolução, capazes de desenvolver conhecimentos e competências académicas e profissionais junto de um leque alargado da população.

39 - Por outro lado, falar em qualificação da população adulta obriga-nos a reflectir sobre os procedimentos que permitam o reconhecimento da evolução de cada um em termos das qualificações obtidas. Este reconhecimento constituirá um instrumento de motivação para a participação na formação contínua e para o aumento da consciência individual do crescimento que as actividades nos mais diversos níveis não formais promovem. Uma cultura de reconhecimento, validação e certificação de competências é essencial para que cada indivíduo tome consciência dos seus conhecimentos e competências e valorize a aprendizagem contínua no decurso e em todos os domínios da sua vida. Ao mesmo tempo, esta cultura induz que cada contexto sócio-profissional mobilize os instrumentos que lhe permitam melhor identificar e gerir os talentos nela existentes.

40 - Em consequência, deve a lei de bases prever a existência de sistemas de reconhecimento, validação e certificação de competências, de níveis básico, secundário e superior, sugerindo a necessária articulação entre os sistemas de certificação de aprendizagens existentes e alargando tais certificações à diversidade de formações profissionalizantes disponíveis, inclusive a realizada junto de pessoas portadoras de alguma deficiência.

8) Formação de educadores, professores e formadores

41 - Observa-se uma relativa consonância dos documentos em análise a propósito da formação dos educadores e dos professores. Desde logo, e na linha da legislação actual, propõe-se a licenciatura como grau da formação inicial para educadores e professores dos ensinos básico e secundário, o mestrado para o ensino politécnico e o doutoramento para o ensino superior.

42 - Pouca informação decorre dos mesmos documentos a propósito do formato dessa formação. Importa assegurar a necessária articulação entre a formação dos professores e os níveis de ensino de docência em termos dos respectivos perfis. Portugal tem avançado e recuado nesta matéria; veja-se a extinção recente e o consequente recuo das reflexões e orientações produzidas no seio do INAFOP, subsistindo várias imprecisões e incoerência nas habilitações para a docência. A proposta do Governo remete para legislação posterior aspectos essenciais dessa formação, como sejam os requisitos dos cursos de formação inicial de professores, os perfis de competência e de formação. Menciona, ainda, um período de indução para o ingresso na carreira docente, sem o clarificar suficientemente nem compatibilizar este período com o estágio pedagógico que hoje faz parte da formação de docentes e que tem sido considerado como uma das mais-valias do nosso sistema. Por outro lado, nada diz sobre os padrões de qualidade e o processo de acreditação e de certificação externa da formação e das qualificações profissionais. Todas estas matérias são demasiado importantes, o que justificaria maior desenvolvimento e sentido das orientações políticas numa proposta de lei de bases.

43 - Ao considerar-se que o perfil dos docentes para os 7.º-9.º anos corresponde ao ensino de um grupo de disciplinas, deve ter-se presente que a maioria dos cursos de formação que actualmente têm lugar nas universidades são orientados para o ensino de uma ou duas disciplinas afins. Nestas circunstâncias, estes cursos precisam de profundas alterações de modo a corresponderem a um perfil de docente com uma formação mais multidisciplinar e com competências alargadas de formação para a diversidade e diferenciação dos alunos, de modo a realizarem os objectivos deste ciclo de escolaridade. Por isso, não sendo adequado referir que estes docentes só serão formados na universidade, é todavia importante assegurar que possuam a formação harmoniosa para o desempenho equilibrado das diversas tarefas de ensino e de acompanhamento pessoal e social dos alunos.

44 - A introdução de áreas vocacionais diversificadas justifica especial atenção aos perfis e modelos de formação dos professores/formadores de tais áreas, os quais devem determinar a instituição mais apropriada para a sua formação. Ao mesmo tempo, reconhecendo-se, cada vez mais, que o sucesso educativo para um volume crescente de alunos - à medida que avançamos nos níveis de escolaridade - exige organizações curriculares mais flexíveis em resposta às aptidões e motivações diferenciadas dos alunos, importa cuidar da formação dos professores e demais técnicos para esta realidade. Estamos face a novas tarefas e competências por parte dos professores, na generalidade dos casos sem a devida incidência na sua formação inicial, justificando por isso formação mais especializada para o efeito.

45 - A actual legislação salvaguarda a necessidade de formação contínua por parte dos educadores e professores. Esta formação assume-se como um direito e um dever, devendo por isso ter repercussões claras na carreira destes profissionais. Seria interessante ver este princípio também estendido, de forma mais explícita, aos professores do ensino superior. Deve também dar-se particular ênfase à utilização da formação a distância na formação contínua de todos os docentes, tendo em vista a melhoria do seu desempenho pedagógico.

46 - Por último, deve a lei de bases referenciar não apenas os profissionais da educação mas também os da formação. No caso dos formadores da formação profissional inserida no mercado de emprego, só durante os anos 90 se legislou sobre o exercício da actividade de formador e sobre as normas específicas da certificação da aptidão de formador e as condições de renovação dessa certificação. Importa, pois, salientar a relevância da formação contínua destes profissionais, a sua repercussão na progressão na carreira e na revalidação do certificado de aptidão profissional, assim como a transferibilidade de conhecimentos e competências quando o agente educativo actua em ambos os sistemas (educação e formação). A interoperabilidade entre os sistemas de formação contínua destes agentes da aprendizagem é uma exigência de bom senso e de racionalização de recursos individuais e colectivos, contribuindo também para valorizar socialmente as vias técnicas e profissionalizantes.

9) Administração e gestão das escolas

47 - Enfatiza-se, no presente, a autonomia de cada escola na definição e na prossecução do seu projecto educativo. Defende-se, na proposta do Governo, essa autonomia com o objectivo de "assegurar um modelo de organização e funcionamento das escolas, públicas, particulares e cooperativas, que promova o desenvolvimento de projectos educativos próprios, no respeito pelas orientações curriculares de âmbito nacional, e padrões crescentes de autonomia de funcionamento", acrescentando-se que a "contrapartida da autonomia das escolas reside numa maior responsabilização pela prossecução de objectivos pedagógicos e administrativos, mediante um financiamento público assente em critérios objectivos, transparentes e justos, que incentivem as boas práticas de funcionamento e permitam o apoio a situações objectivas de dificuldade, e com sujeição à avaliação pública dos resultados".

48 - Considerando o princípio básico da autonomia, é importante salvaguardar a existência de balizas, com vista a acautelar o cumprimento dos objectivos estruturantes do próprio sistema educativo. Mesmo que se afirme na proposta do Governo o primado dos critérios pedagógicos e científicos na gestão dos estabelecimentos, importa assegurar que este princípio não venha a ser subalternizado por critérios financeiros mais estreitos. A proposta do Governo dá particular atenção aos órgãos executivos das escolas cujos "titulares são escolhidos mediante um processo público que releve o mérito curricular e do projecto educativo apresentado e detenham formação adequada ao desempenho do cargo". A proposta concreta de uma direcção executiva, individual ou colectiva, assumida mediante processo público divide os conselheiros. A par daqueles que defendem a manutenção do actual modelo de gestão, outros aceitam que a mesma seja feita por profissionais, sujeitos a concurso público, de entre os professores.

49 - Acrescente-se, ainda, e inclusive para dar cumprimento ao proposto no artigo 44.º, n.º 2, da proposta do Governo, que o projecto educativo deverá ser fruto da participação de todos os intervenientes no processo educativo, e nunca da autoria daquela figura directiva. Por outro lado, no seguimento do previsto no referido artigo "dos princípios de participação democrática de quem integra o processo educativo, de responsabilidade, de transparência e de avaliação do desempenho individual e colectivo", haveria que assegurar a existência de órgãos representativos do estabelecimento de ensino e a sua participação directa na escolha do candidato ao órgão de gestão, na orientação e monitorização da gestão e na substituição do órgão executivo nas situações em que tal se justifique.

50 - A proposta do Governo defende a descentralização da gestão das escolas. Em parecer anterior, o CNE assume esta descentralização como forma de tornar as escolas "mais flexíveis e com condições de responder mais rápida e eficazmente às alterações verificadas quer no seu interior quer no exterior, bem como às necessidades da sociedade, e torna-as ainda mais inovadoras e mais empenhadas" (parecer 3/97 do CNE). O reforço da autonomia das escolas não constitui um fim em si mesmo, mas um meio para as escolas prestarem em melhores condições o serviço público de educação.

51 - No seu parecer 3/97, o CNE refere que a gestão deve obedecer a cinco grandes princípios: legitimidade, participação, liderança, qualificação e flexibilidade. A Constituição da República estipula, no seu artigo 77.º - preceito introduzido na revisão constitucional de 1982 -, a participação democrática no ensino, conferindo aos professores e alunos, nos termos regulados por lei ordinária, o direito de participarem na gestão democrática das escolas. Pela lei de bases anterior, consagrava-se a democraticidade e a participação, assim como a interligação entre comunidades e estruturas administrativas da educação aos seus diversos níveis. Importa ver estes princípios salvaguardados na actual proposta de lei de bases da educação.

52 - Apontando-se a fraca organização do sistema educativo e que a "administração educativa é ineficiente e ineficaz, por carência de organização", a proposta de lei elege a administração das escolas como uma das áreas prioritárias de intervenção legislativa. Numa lógica de modernização da administração educativa, importa que a cadeia de mecanismos propostos e as respectivas interacções contribuam para assegurar a autonomia, a participação democrática e a responsabilização das escolas pela condução do seu projecto educativo. Como afirmámos em momento anterior deste parecer, as escolas portuguesas precisam de ser mais livres e de poder respirar maior autonomia, num quadro de crescente responsabilização dos seus vários intervenientes. A inteligência que existe sedimentada e activa em muitas escolas, capaz de construir soluções locais e à medida dos problemas concretos, deve ser incentivada e valorizada na nova lei de bases, pois este ignorar permanente da inteligência dos professores e dos órgãos de gestão das escolas tem contribuído para o estado de degradação da qualidade que aqui e ali se verificam.

10) Avaliação e inspecção

53 - A avaliação, como suporte à inovação e à qualidade da educação, deve ser permanente, assente numa auto-avaliação, articulada com processos de auditoria externa, visando a melhoria do desempenho, a superação de dificuldades e a correcção de procedimentos.

54 - A experiência acumulada com a avaliação do ensino superior merece uma referência. Considerando o papel do ensino superior na formação inicial e contínua dos recursos humanos, na produção de novos conhecimentos, de novas tecnologias, de inovação e de outros condicionantes do desenvolvimento do País, a sua avaliação deverá reflectir um processo mediador e de concertação educativa entre as instituições responsáveis e os parceiros sócio-políticos e económicos do País. A existência do CNAVES, enquanto órgão específico para a avaliação do ensino superior, tem sido um factor determinante da progressiva institucionalização desta avaliação e dos avanços ocorridos nas suas metodologias e nos seus procedimentos.

55 - Na proposta do Governo aponta-se para uma avaliação permanente, continuada e pública da eficiência, eficácia e qualidade do sistema educativo (n.º 1 do artigo 40.º). Isto inclui aprendizagens dos alunos, o desempenho dos professores, do pessoal não docente e dos estabelecimentos de educação e de ensino, o próprio sistema na sua globalidade e a política educativa, tomando em consideração "os aspectos educativos e pedagógicos, psicológicos e sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros, e ainda os de natureza político-administrativa e cultural". Esta avaliação estrutura-se com base na avaliação externa e na auto-avaliação, devidamente certificada, permitindo uma "interpretação integrada, contextualizada e comparada de todos os parâmetros em que se baseia". A consagração destes aspectos na lei de bases é tanto mais importante quanto reconhecemos que Portugal, e o seu sistema educativo têm de dar passos mais significativos nesta matéria da avaliação.

56 - O sistema educativo português carece, para a sua avaliação e o seu desenvolvimento estratégico, de uma instância central de recolha, análise e divulgação de dados sobre o seu próprio funcionamento e os seus resultados (indicadores estatísticos, resultados das aprendizagens e desempenho de escolas e de pessoal docente). Ao mesmo tempo, defendendo-se o carácter público da avaliação na lógica de transparência do serviço prestado, importa que esta mesma avaliação não se reduza à mera aplicação de grelhas universais e padronizadas, antes decorra de um processo participativo de todos os intervenientes e que explicite, necessariamente, os contextos em que decorre. A gestão e a avaliação não podem reduzir-se à obtenção e análise de produtos (resultados) finais, esquecendo os processos e a própria complexidade educativa (relacionais, pedagógicos, afectivos, éticos e sociais) inerentes à diversidade de alunos, professores e escolas. Por outro lado, este esforço de transparência e o assegurar o carácter público da avaliação pressupõem que as estatísticas da educação sejam objecto de "realização em tempo oportuno e de forma universal" (artigo 41.º), o que, pela nossa experiência anterior, nos levanta sérias dúvidas quanto à sua efectiva prossecução.

57 - Falando-se da inspecção, explicita-se que a sua autonomia e independência se revelam fundamentais à qualidade da educação, passando por esta instância a salvaguarda da conformidade administrativa e pedagógica do funcionamento do sistema educativo. Por outro lado, refere-se que a inspecção abrange o ensino público, bem como o particular e o cooperativo, neste caso apenas com funções de auditoria e controlo de legalidade, excepto se integram a rede de ofertas educativas de serviço público.

Considerações finais

58 - Na sequência da LBSE que criou o CNE, a proposta do Governo reafirma que o CNE desempenha, nos termos da lei, funções consultivas em matéria da política educativa e, em face da diversidade da sua composição, contribui para a "existência de consensos alargados relativamente à mesma política" (artigo 7.º). Foi no espírito da procura de consensos, quando possíveis, ou na elucidação das razões que se oferecem para os diversos pontos de vista que se enquadrou o esforço despendido na elaboração do presente parecer.

59 - Importa que o poder político em Portugal, nos seus diferentes níveis e graus de responsabilidade, veja a educação como um factor estrutural do desenvolvimento do País e da valorização dos Portugueses. Para isso, torna-se fundamental haver uma maior moderação na produção de legislação e de mudanças nas práticas instituídas, por maiores adjectivações de reforma ou de inovação que se juntem. O sistema educativo português necessita de maior estabilidade nas suas reformas, e, sobretudo, que estas possam chegar ao seu termo e ser devidamente avaliadas. É possível que vários dos disfuncionamentos e a fraca "produtividade" do próprio sistema sejam atribuídos à instabilidade criada por uma excessiva e permanente atitude legisladora em matéria de educação por parte do poder político em Portugal.

60 - A presente oportunidade de revisão da Lei de Bases constitui, também, para todos os partidos políticos com assento parlamentar, um desafio para se criar uma lei mais simples, orientadora e aberta às exigências que um mundo em profunda mutação coloca ao ensino e à educação.

15 de Janeiro de 2004. - O Presidente, Manuel Carlos Lopes Porto.

Declaração de voto. - Na minha qualidade de relator do projecto de parecer da lei de bases, que foi submetido a aprovação pelo plenário do CNE, reconheço que, face à opinião manifestada pela maioria dos intervenientes na reunião, alguns dos pontos do parecer, referentes ao ensino superior, foram objecto de uma alteração, a fim de vir ao encontro da opinião expressa pela assembleia. Por solidariedade com os restantes membros do grupo de relatores, votei a favor do projecto de parecer, com as modificações introduzidas na reunião. Considero, no entanto, que as posições adoptadas nos seus n.os 29, 30 e 32 não correspondem ao meu sentir sobre estas matérias, pelo que deixo manifesto o meu desacordo a seu respeito, reiterando que:

Face à experiência passada e ao presente estado de desenvolvimento do ensino superior politécnico, tendo em conta que a futura lei de bases da educação deverá ter um horizonte temporal naturalmente limitado, entendo que a faculdade de atribuir o grau de doutor deveria ser restrito às universidades, nas áreas em que se verifique disporem estas de condições para o fazer com salvaguarda da qualidade do ensino.

Considero que o n.º 30, na sua redacção original, era já conclusivo, no sentido de se manifestar o acordo face à manutenção do numerus clausus. A frase acrescentada entra em contradição com aquela conclusão e torna o parecer confuso, pelo que não pode merecer o meu acordo.

Considero que a duração de seis semestres, admitida no n.º 32 como sendo suficiente para um curso de licenciatura, é inadequada para este efeito. Sendo que era essa a duração dos cursos de bacharelato existentes actualmente, os quais foram eliminados sem qualquer objecção por parte do ensino superior politécnico, não entendo como se pretende dar agora a designação de licenciaturas a cursos com essa mesma duração. Reafirmo a minha convicção de que as licenciaturas com a mesma designação deverão ter a mesma duração qualquer que seja o sistema de ensino, uma vez que só assim se assegura a permeabilidade dos estudantes no sistema de ensino, que parece ser um dos objectivos da criação de um espaço europeu de ensino superior. - Domingos Xavier Viegas.

Declaração de voto. - No que concerne ao parecer do CNE sobre a proposta e os projectos de "lei de bases da educação/do sistema educativo" aprovado na sessão de 15 de Janeiro de 2004, reconheço o difícil, honesto e importante trabalho que a comissão coordenadora desenvolveu na construção da proposta a votar.

Considero que:

Foi positiva e construtiva a discussão produzida;

Foi positiva a preocupação da comissão coordenadora ao incorporar na proposta final contributos diversificados e por vezes antagónicos;

É positivo que o parecer assuma um posicionamento crítico face a políticas educativas governamentais (publicação de legislação específica antes da aprovação de uma nova lei de bases, excessiva produção legal e mudanças sucessivas sem se proceder a uma avaliação, a extinção do INAFOP e o consequente recuo nas reflexões e orientações já aí produzidas) que têm acentuado o disfuncionamento no sistema educativo.

No entanto, uma apreciação global do conteúdo do parecer leva-me a uma posição de abstenção, com base nos seguintes motivos:

O parecer não assume, no capítulo referente à relação público/privado, uma posição suficientemente crítica e explícita face ao desvirtuamento do preceito constitucional que determina que "o Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população" (artigo 75.º da Constituição da República Portuguesa);

O parecer abre caminho a uma potencial aplicação negativa, por parte do Governo, em áreas tão fundamentais como a relação público/privado (através do desinvestimento no ensino público), a reorganização dos ciclos de escolaridade (pela redução de nove para seis anos do ensino básico) e a gestão das escolas ("feita por profissionais, sujeitos a concurso público, de entre os professores"). A serem implementadas, estas perspectivas traduzir-se-ão necessariamente no crescente subfinanciamento do ensino público, na desvalorização da educação básica e ainda num recuo do funcionamento democrático das escolas.

Refiro, ainda, que o parecer do CNE, apesar de sublinhar a necessidade de salvaguardar princípios que sustentam uma escola democrática (a igualdade de acesso e de sucesso educativo para todos, uma escolaridade básica valorizada, como um mínimo cultural comum a que todos têm direito, a autonomia e a democraticidade na organização escolar), não se distancia suficientemente de algumas das principais propostas do Governo, que, numa opinião pessoal, não só não favorecem a consolidação destes princípios como a comprometem de forma decisiva. - Davide Oliveira Castro Dias.

Declaração de voto. - No que concerne ao parecer do CNE sobre a proposta e os projectos de "lei de bases da educação/do sistema educativo" aprovado na sessão de 15 de Janeiro de 2004, reconheço o complexo, sério e importante trabalho que os Exmos. Relatores desenvolveram na construção da proposta a votar.

A minha opção de voto teve em conta o entendimento (e as preocupações) que muitos docentes me fizeram chegar, assim como a reflexão conjunta realizada com o conselheiro Davide Dias, que conduziu ao nosso acordo quanto à posição a tomar, já que partilhamos a condição de representantes dos estabelecimentos públicos do ensino não superior.

Entre outros aspectos muito positivos deste parecer, é importante salientar, de entre eles:

A qualidade da discussão produzida;

A preocupação da comissão coordenadora que preparou este parecer ao incorporar, na versão final, contributos diversificados, dando conta também de posições antagónicas, sempre que o consenso não foi possível;

O posicionamento crítico face a políticas educativas governamentais (publicação de legislação específica antes da aprovação de uma nova lei de bases, excessiva produção legal e mudanças sucessivas sem se proceder a uma avaliação dos mesmos, a extinção do INAFOP, o consequente recuo nas reflexões e orientações já aí produzidas [...]) que têm acentuado o disfuncionamento no sistema educativo;

As recomendações quanto à defesa de uma escola pública de qualidade (dotada de meios que viabilizem a sua acção educativa) e quanto à sua autonomia;

As recomendações quanto à importância da educação ao longo da vida.

A apreciação global do conteúdo do parecer, leva-me, no entanto, a uma posição de abstenção, com base nos seguintes motivos:

O parecer não assume, no capítulo referente à relação ensino público/privado, uma posição suficientemente crítica e explícita face ao desvirtuamento do preceito constitucional que determina que "o Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população" (artigo 75.º da Constituição da República Portuguesa);

O parecer abre caminho a uma potencial intervenção negativa por parte do Governo em áreas tão fundamentais como a relação público/privado (através do desinvestimento no ensino público), a reorganização dos ciclos de escolaridade (pela redução de nove para seis anos do ensino básico) e a gestão das escolas ("feita por profissionais, sujeitos a concurso público, de entre os professores"). A serem implementadas, estas perspectivas traduzir-se-ão necessariamente no crescente subfinanciamento, ou mesmo a um desinvestimento, do Estado no ensino público, na desvalorização da educação básica e ainda num recuo do funcionamento democrático das escolas.

Refiro, ainda, que o parecer do CNE, apesar de sublinhar a necessidade de salvaguardar princípios que sustentam uma escola democrática (a igualdade de acesso e de sucesso educativo para todos, uma escolaridade básica valorizada, como um património cultural comum a que todos têm direito, a autonomia e a democraticidade na organização escolar), não se distancia suficientemente de algumas das principais propostas do Governo, que, na nossa opinião, não só não favorecem a consolidação destes princípios como a comprometem de forma decisiva. - Maria da Conceição Martins Campos Dinis.

Declaração de voto. - O parecer do CNE sobre a lei de bases da educação (LBE) mereceu a concordância, na generalidade, dos representantes das associações de professores, que enaltecem o esforço dos redactores, reflectido na versão final, em que foi possível ter em conta as sugestões e o parecer das associações profissionais e científicas de professores, bem como o trabalho desenvolvido nas comissões em que participámos, a 1.ª, a 2.ª e a 5.ª, e que se reflectiu também no esforço de melhoria da versão final, nomeadamente em relação ao tema do ensino superior, que nos parecia ter ficado aquém do desejável.

Apesar de lamentarmos que, para a atribuição de graus académicos, o texto da LBE considere as associações de professores como menos relevantes que outras entidades, como os sindicatos ou os próprios estudantes, facto que consideramos uma aparente recusa de parte da sociedade civil como parceiro educativo e que parece contradizer a redacção dos artigos 6.º e 7.º, compreendemos que o CNE, no seu parecer, centre a sua reflexão nos aspectos mais complexos e conducentes a uma maior diversidade de perspectivas.

Desse ponto de vista, congratulamo-nos que o parecer do CNE acabe por defender, no todo ou em parte, os seguintes aspectos, que consideramos fundamentais numa LBE e que nos levaram a votar favoravelmente esse parecer:

Acesso de todas as crianças com 3 e 4 anos ao pré-escolar, complementando dessa forma a acção educativa das famílias que o desejem;

Inclusão nos objectivos fundamentais do sistema educativo da formação estética e motora;

Entrada no 1.º ciclo do ensino secundário sem implicar opções que orientem os alunos prematuramente para uma determinada formação vocacional;

Mostrar que não existe uma clara vantagem de o actual 3.º ciclo do ensino básico passar a integrar o futuro ensino secundário, alertando para as inúmeras desvantagens, como por exemplo mudar um currículo que ainda não foi generalizado a todos os anos de escolaridade, e fazê-lo sem uma avaliação credível e independente dos resultados dessa reorganização curricular, ou mostrar o risco de a "formação geral de base comum a todos os portugueses" poder ser restringida com a redução do número de anos da escolaridade básica;

Inclusão, que consideramos feliz, de um capítulo sobre a formação de educadores, professores e formadores, chamando a atenção para alguns problemas que consideramos sérios e fundamentais, como a articulação entre a formação de professores e os perfis exigidos para a docência, nomeadamente para o futuro 1.º ciclo do ensino secundário, em que será necessário assegurar a docência de "um grupo de disciplinas", mas sem conhecermos de que grupos se trata e quais os critérios para a sua formação, a importância de definir os requisitos dos cursos de formação inicial que permitam a necessária equivalência das diferentes formações, qualquer que seja a instituição que as dê, e a articulação entre a formação contínua e a avaliação de desempenho dos professores;

A relevância dada à perspectiva da educação ao longo da vida e da utilização da educação a distância, apesar de surgirem de forma demasiado genérica no texto da LBE;

A selecção dos estudantes do ensino superior da responsabilidade desse nível de ensino, apesar de não estar claro como tal se concretizará;

A defesa do papel da escola, que apenas com uma verdadeira autonomia e responsabilização, associada a uma cultura de avaliação, poderá dar uma efectiva resposta (sempre adiada) aos problemas de todos os alunos. Estranhamos, por isso, que no texto da LBE não haja qualquer referência a "contratos de autonomia". Como modernizar o sistema educativo através da descentralização se não há autonomia?

A defesa da rede de estabelecimentos de serviço público de educação e de ensino baseada prioritariamente na rede pública das escolas do Estado. Deste modo, o apoio financeiro do Estado, mediante contrato, ao ensino particular e cooperativo deve ter lugar apenas quando a rede pública é manifestamente insuficiente para dar uma resposta satisfatória às necessidades locais de educação e formação.

A referência, no texto da proposta de LBE, à "escolha das famílias", cuja liberdade não deve nem pode ser questionada, é ambíguo e pode permitir a interpretação (infeliz, no nosso entender) de que se aceita o financiamento do Estado ao ensino particular e cooperativo em situação de duplicação da oferta e de concorrência aberta entre escolas públicas e privadas, o que não pode confundir-se com a efectiva autonomia e responsabilização das escolas pelos seus projectos educativos, dando uma efectiva resposta aos problemas dos alunos e garantindo uma avaliação transparente e justa do seu funcionamento. - Joana Terlica - João Pedro Aido.

Declaração de voto. - Subscrevo a declaração de voto do conselheiro Domingos Xavier Viegas. - Fernando Ramos.

Declaração de voto. - Não é possível realizar, no quadro da lei de bases vigente, as mudanças que são imperativas para a regeneração do sistema educativo. Subscrevemos, pois, a decisão do Governo de promover a aprovação de uma nova lei de bases e concordamos com os princípios e os objectivos expressos no projecto de lei de bases da educação que apresentou para parecer no CNE, sugerindo que, perante os desafios da sociedade do nosso tempo, seja acentuada a visão estratégica da educação e formação ao longo da vida.

Entendemos ainda, compreendendo embora que o Governo não tenha querido romper com a "tradição", que deveria libertar-se a lei de bases das soluções e dos aspectos referentes ao quadro organizativo do sistema. Uma lei de bases que, ao contrário da lei actualmente vigente, não seja impeditiva ou condicionadora de que também na educação se manifeste a grande vantagem do sistema democrático: a correcção das soluções, a flexibilidade de mudança e inovação do que deve ser responsabilidade, iniciativa e opção dos diversos governos e estar, portanto, ao seu alcance realizar sem necessidade da alteração recorrente das leis quadro fundamentais.

Relativamente ao parecer elaborado pelo CNE, voto contra. Por razões de conteúdo: do parecer não estão ausentes soluções, ideologia, compromissos e equívocos, que contribuíram para a realidade deplorável do nosso sistema educativo. Por razões de método: a) o modo como no CNE se chegou à produção do parecer; b) o documento em causa não é, na minha opinião, um parecer, sendo, antes, um conjunto de considerações mais ou menos afastadas do conteúdo substantivo do projecto do Governo que deveria seguir e sobre o qual deveria, concretamente, pronunciar-se, resultado da justaposição de posições e de interesses, não se revestindo, assim, do carácter de utilidade que, de acordo com o "estatuto" do CNE, deveria ter para orientação do Governo. Por razões formais: entendo que o documento não se apresenta com a qualidade que deveria ser timbre do CNE.

O presente parecer parece-me, assim, não realizar o alto objectivo consagrado na lei para o CNE. - Guilherme de Carvalho Negrão Valente.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2191032.dre.pdf .

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda