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Assento 3/78, de 23 de Março

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Sumário

Processo n.º 66246. - Recurso para tribunal pleno, em que são recorrente Maria Madalena Ribeiro Champalimaud e recorrido o Dr. Eduardo da Silveira Machado de Sousa Monteiro.

Texto do documento

Assento 3/78

Processo 66246. - Recurso para tribunal pleno, em que são recorrente Maria Madalena Ribeiro Champalimaud e recorrido o Dr. Eduardo da Silveira Machado de Sousa Monteiro.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Maria Madalena Ribeiro Champalimaud interpôs, para o tribunal pleno, recurso do acórdão deste Supremo Tribunal tirado em reunião conjunta das duas secções cíveis em 11 de Novembro de 1975, proferido no processo 65462, certificado a fls. 4 e seguintes, e publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 25, a fls. 93 e seguintes.

Funda-se em que esse acórdão se encontra em contradição sobre a mesma questão fundamental de direito com o Acórdão também deste Supremo Tribunal de 23 de Outubro de 1970, igualmente tirado pelas duas secções cíveis em reunião conjunta, e publicado naquele Boletim, n.º 200, a pp. 202 e seguintes.

Após cumprimento do disposto nos artigos 765.º e 766.º do Código de Processo Civil, se lavrou o acórdão de fl. 17, em que preliminarmente se reconheceu existir a invocada oposição. Considerou-se, para o efeito, que no acórdão recorrido se julgou que os juízes dos tribunais arbitrais, nas acções contra eles propostas por perdas e danos emergentes de irregularidades cometidas no exercício das suas funções, deverão ser demandados no mesmo foro especial a que estão adstritos os magistrados judiciais de 1.ª instância, ou seja, o Tribunal da Relação; contrariamente, no anterior Acórdão de 23 de Ouutbro de 1970 entendeu-se que é aos tribunais comuns, e de acordo com as regras do processo comum, que compete conhecer da referida espécie de acções.

As partes alegaram doutamente sobre o objecto do recurso, juntando a recorrente um parecer de um professor de Direito.

O Exmo. Representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que o conflito de jurisprudência deve ser solucionado com a doutrina do acórdão apresentado em oposição com o acórdão recorrido.

Após os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

1 - Em face do disposto no artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, o acórdão que reconheça a existência da oposição não impede que o tribunal pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrário.

Pronunciando-se, pois, sobre esta questão preliminar, afirma este Supremo Tribunal a manifesta existência de oposição de julgados, que dispensa quaisquer considerações demonstrativas, notando que os dois acórdãos em contradição foram proferidos no domínio da mesma legislação.

Por isso, passa a apreciar-se seguidamente a questão de direito suscitada.

2 - Os tribunais são órgãos de soberania, contando-se entre eles os tribunais judiciais de 1.ª instância (artigos 113.º, n.º 1, e 212.º, n.º 1, da Constituição da República).

O tribunal arbitral não está incluído nessa espécie de tribunais, nem em nenhuma das admitidas pelos n.os 2 e 3 daquele último preceito, assim como não pode ser havido como tribunal com competência específica ou como tribunal especializado.

Quando, portanto, o Código de Processo Civil admite e regula nos artigos 1508.º e seguintes o «tribunal arbitral», coloca-se numa perspectiva estranha à solução de litígios por órgãos estaduais. E estranha também à participação popular e à assessoria técnica previstas no artigo 217.º do texto constitucional, ambas igualmente de iniciativa oficial e com carácter de administração de justiça estadual, embora com participação popular em graus diferentes.

Reservando para o «tribunal arbitral» o livro IV, depois de no livro II ter definido a competência e as garantias de imparcialidade e no livro III o processo, o Código de Processo Civil mostra que se pretendeu considerar à parte, pelo seu carácter próprio, esta forma de solução de litígios. Procurou-se apenas assegurar-lhe, sobre a base do seu verdadeiro fundamento privatístico, um mínimo de disciplina, seriedade e eficácia pela observância de algumas regras do processo comum e pela exequibilidade da própria decisão arbitral sem prévia homologação judicial.

O tribunal arbitral voluntário representa o afastamento da jurisdição de direito comum - que, em princípio, se radicaria no tribunal de comarca, por força dos artigos 66.º e 67.º do Código de Processo Civil -, para que o litígio seja, por vontade das partes, julgado por um ou mais árbitros escolhidos por elas.

Trata-se assim da instituição de uma justiça privada, embora com um contrôle legal considerado necessário por virtude da exequibilidade da decisão arbitral.

Por isso, a natureza do tribunal arbitral, da arbitragem, e o carácter do árbitro, são questões sobre que não pode deixar de influir a situação desse tribunal fora da organização judiciária oficial, bem como o impulso para a sua formação e funcionamento.

3 - Assume, antes de mais, particular relevo o facto de a arbitragem ter origem convencional, expressa no compromisso arbitral, e de as partes poderem em qualquer momento revogar esse compromisso, como permite o artigo 1512.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.

Em certos aspectos é-lhe imposta por lei uma disciplina jurisdicional - designadamente na fase executiva e na de recurso -, como se vê pelos artigos 1522.º e 1523.º Mas o direito que as partes quiseram ver definido não se lhes impõe como jus imperii, e sim em virtude do seu acordo prévio.

É certo que o princípio de autonomia da vontade sofre fortes limitações, por exemplo quanto à escolha dos árbitros. Mas o conteúdo do compromisso arbitral pode ser de tal modo vasto (artigo 1516.º, n.º 1), que a origem convencional da arbitragem fica claramente afirmada, distinguindo-a da administração da justiça estadual, sujeita a uma disciplina rígida e própria. Pode, quando muito, reconhecer-se que na fase inicial do processo arbitral predomina o acordo das partes - sem prejuízo da liberdade de decisão dos árbitros - e na posterior à decisão de um fim jurisdicional. Isto permite caracterizar a arbitragem como instituição autónoma, de raiz contratual, embora sujeita ao contrôle jurisdicional do Estado na fase de execução e na de recurso.

Mantém aquela sua natureza ainda no caso de julgamento de equidade, em que do mesmo modo a decisão dos árbitros vincula as partes, mas sem possibilidade de recurso (artigo 1524.º).

Rigorosamente, não pode falar-se só de contrôle, e menos ainda só de jurisdição.

4 - Dentro da referida instituição, a decisão arbitral reveste especial importância, já que é o fim visado pelo compromisso arbitral, ou seja, a decisão do litígio.

A esta decisão confere o artigo 1522.º a mesma força que a uma sentença proferida pelo tribunal de comarca. Daí que o artigo 48.º, n.º 2, do mesmo Código de Processo a considere exequível nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns.

Neste aspecto se desligou aquele Código da solução da novíssima Reforma Judiciária e da adoptada na legislação de países como a França, a Itália e o Brasil, de só reconhecer força executória à decisão dos árbitros após o exequatur.

A razão deste desvio funda-a com especial autoridade José Alberto dos Reis em se ter reconhecido, por um lado, que a exigência de homologação seria um excesso de formalismo, e, por outro, que só havia vantagem em transferir para o processo de execução a espécie de inspecção ou censura exercida pelo tribunal comum através da homologação (cf. Processo de Execução, vol. 1.º, p. 138).

Pode mesmo ver-se nesta dispensa de homologação prévia o propósito de dar dignidade à decisão arbitral, vinculando-a à origem convencional da actuação dos árbitros, ao compromisso arbitral, sem intervenção de órgãos jurisdicionais do Estado.

A confiança nos árbitros, traduzida naquele compromisso e reafirmada no acatamento da decisão arbitral, situa esta no âmbito de um acordo das partes susceptível de, por si só, lhe dar força executiva.

Daí também a inutilidade da homologação prévia.

O próprio texto dos artigos 48.º e 1522.º permite distinguir claramente das decisões ou actos da autoridade judicial as decisões do tribunal arbitral, e ao equipará-las apenas para efeito de exequibilidade imediata não envolve, e antes impede a qualificação do árbitro como autoridade judicial.

Aliás, como crítica à imposição legal da homologação prévia outra razão se tem apontado: a elevada percentagem de execuções voluntárias da decisão arbitral.

Diferentemente, pois, do que à primeira vista se seria tentado a reconhecer, a exequibilidade imediata da decisão arbitral não se funda no reconhecimento da identidade de natureza entre ela e a decisão do tribunal, entre o árbitro e o juiz de direito, mas antes em considerações de ordem prática, e até na lógica de desenvolvimento do compromisso arbitral.

Estas razões - note-se - não eliminam a censura exercida sobre a decisão arbitral através do acto de homologação; apenas transferem essa censura para a fase posterior de execução, em que até interesses estranhos aos compromitentes podem ser reflexamente atingidos.

É obviamente dentro da mesma perspectiva que se atribuiu a tal decisão a força de uma sentença proferida pelo tribunal de comarca.

5 - Não podem extrair-se dos citados preceitos legais e de outros do mesmo Código, designadamente dos artigos 1516.º, n.º 2, 1517.º, n.º 2, e 1523.º, conclusões que se coloquem fora dos princípios atrás enunciados.

Afastada liminarmente a ideia de que o tribunal arbitral tenha sido assimilado, embora com limitações, a órgão jurisdicional do Estado, ou o árbitro a juiz de direito, pretende-se que haja equivalência do tribunal arbitral ao tribunal de comarca, e de árbitro ao juiz de direito. Mas desde logo se impõe observar que é subsidiária a observância das regras do Código de Processo Civil sobre os termos aplicáveis ao processo arbitral na importante fase de preparação (artigos 1516.º, n.º 1, e 1517.º, n.º 2).

Por outro lado, é dentro da linha geral de orientação informadora da exequibilidade imediata da decisão arbitral que se integram os artigos 1514.º 1515.º, 1516.º, n.º 2, e 1518.º Com efeito, a remissão para os casos de impedimento do juiz previstos no artigo 122.º, n.º 1, alíneas a), b) e g), não exprime qualquer equiparação do árbitro ao juiz, mas apenas a preocupação legal de que aquele actue em condições de independência. Aliás, se o árbitro for nomeado pelo juiz, o regime de impedimentos e escusas passa a ser o aplicável aos peritos. Ora, do facto de o artigo 584.º estabelecer que os peritos podem ser recusados com os mesmos fundamentos por que podem ser recusados os juízes não deve, como é óbvio, extrair-se que o perito é equiparado ao juiz.

Trata-se de fórmulas práticas de remissão, destinadas a evitar a repetição de fundamentos, e visando todas elas alcançar decisões ou laudos dignos de confiança.

A liberdade de aceitação do encargo do árbitro e a possibilidade de escusa, tal como esta é prevista naquele artigo 1515.º, n.º 2, são aspectos específicos da jurisdição arbitral.

Também o julgamento é compreensível, por se tratar de função acidental como a de perito, o qual também está obrigado a juramento de bem cumprir o encargo que lhe é confiado (artigo 593.º, n.º 1).

A circunstância de o árbitro designado pelos compromitentes para preparar o processo exercer, para esse fim, jurisdição igual à do juiz de direito, traduz apenas a necessidade de lhe dar poderes para dirigir eficazmente a fase de preparação do processo.

Mas essa atribuição específica de poderes, assim como a previsão dos restantes aspectos parcelares em que se remeteu para o regime comum, significam antes o reconhecimento de que se está perante instituição carecida do apoio de certas regras de jurisdição ordinária para poder funcionar em termos de que a lei não devia alhear-se, já que se trata de uma força de solução de litígios com reconhecimento legal.

6 - A equiparação do árbitro a juiz de direito, no aspecto em causa, revela-se particularmente precária quando, para além da natureza da jurisdição arbitral, se atenta ao aspecto estatutário dos magistrados judiciais.

Os tribunais judiciais de 1.ª instância são, em regra, os tribunais de comarca, e os juízes desses tribunais - como, aliás, os da 2.ª Instância e os do Supremo Tribunal de Justiça - constituem um corpo único e regem-se por um só estatuto (Constituição, artigos 212.º, n.º 1, 214.º, n.º 1, e 220.º).

Em desenvolvimento desse princípio, estabelece o Estatuto Judiciário que em cada comarca exerce jurisdição um tribunal de 1.ª instância denominado «tribunal de comarca», onde funciona, pelo menos, um juiz de direito (artigos 6.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1).

O juiz de direito encontra-se integrado na magistratura judicial, hierarquicamente organizada e com a missão de julgar em harmonia com as fontes a que, segundo a lei, deve recorrer, e fazer executar as suas decisões (artigos 109.º, n.º 1, e 110.º, n.º 1).

Esta magistratura é irresponsável, no sentido de que os juízes não respondem pelos seus julgamentos, sem prejuízo, além do mais, das sanções legais por abusos ou irregularidades no exercício da função [artigo 11.º, alínea b)].

É precisamente aos «juízes de direito», neste sentido específico e orgânico, que se refere o artigo 24.º, n.º 1, alínea a), quando atribui competência às relações, funcionando em pleno, para conhecerem das acções de perdas e danos contra eles propostas por causa do exercício das suas funções.

A mesma orientação foi acolhida no artigo 1.º, n.os 1, 2, 3 e 5, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei 85/77, de 13 de Dezembro), onde se fala também no corpo único formado pelos juízes dos tribunais judiciais, entre eles os juízes de direito.

Ora os árbitros, como juízes privados com a função de julgar apenas o litígio ou litígios para que foram escolhidos pelas partes, não se compreendem naquelas normas legais, respeitantes à orgânica da magistratura judicial.

Nem podem beneficiar da aplicação analógica dessas normas. Na verdade, o princípio geral de responsabilidade por factos ilícitos, contido no artigo 483.º do Código Civil, sujeita o responsável a julgamento, feito pelo tribunal de comarca, já que a este pertence, em 1.ª instância, a plenitude da jurisdição civil (Código de Processo Civil, artigos 66.º e 67.º).

Perante esta regra fundamental de competência em razão da matéria, reafirmada em parte no artigo 1086.º, n.º 2, daquele Código de Processo mesmo quanto aos magistrados judiciais, constituem preceitos excepcionais o já citado artigo 24.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto Judiciário, e o artigo 71.º, alínea b), do Código de Processo Civil, segundo os quais é às relações que compete conhecer das acções de indemnizações propostas, por causa do exercício das suas funções, contra os juízes de direito.

Estas normas limitam-se a fazer aplicação do disposto no artigo 113.º, n.º 1, do Estatuto Judiciário, reproduzido no artigo 18.º do já citado Estatuto dos Magistrados Judiciais, que reconhece aos magistrados judiciais direito a foro e processo especial nas acções de responsabilidade civil, por causa do exercício das suas funções judiciais.

Trata-se de um regime excepcional de competência, e duplamente excepcional. É que, além de não abranger senão o corpo único formado pelos juízes dos tribunais judiciais, não respeita à totalidade das acções de indemnização contra eles, mas apenas às fundadas na sua actuação profissional.

As normas excepcionais que consagraram este regime não poderiam, sem ofensa do disposto no artigo 11.º do Código Civil, ser aplicadas por analogia aos árbitros, que, como é óbvio, não pertencem àquele corpo único.

Nem por interpretação extensiva elas poderiam abranger os árbitros, porque o pensamento da lei é claramente o de prosseguir um fim de ordem pública em atenção ao facto de os juízes de direito ou os magistrados judiciais estarem munidos do jus imperii e se encontrarem integrados numa carreira hierarquicamente organizada.

Tanto assim é que, ao disciplinar o tribunal arbitral, o Código de Processo Civil não contém qualquer norma de remissão para o regime judiciário quanto à responsabilidade civil dos árbitros. Diferentemente, o n.º 2 do artigo 1512.º, ao tratar da caducidade do compromisso, preceitua que os árbitros culpados de a decisão não ser proferida dentro do prazo estabelecido pelas partes ou, subsidiariamente, pela lei respondem pelos danos a que derem causa. É um preceito especial ligado aos termos do compromisso e que só faz sentido na jurisdição arbitral, onde não é sequer configurável a responsabilidade disciplinar.

Para além dele nenhum outro se encontra a prever a responsabilidade dos árbitros, o que só pode significar a aplicação do regime geral quanto à existência dessa responsabilidade e aos termos em que ela é exigível.

Compreende-se que assim seja, uma vez que os árbitros só desempenham funções de julgadores - que, aliás, podem consistir em simples julgamento de equidade - por forma ocasional e por mera comissão dos compromitentes. Nem pertencem à orgânica judiciária do Estado nem, para além dela, exercem qualquer função pública.

Diferente é o caso dos magistrados substitutos - Estatuto Judiciário, artigo 113.º, n.º 2 - por quanto a eles se justificar o foro especial dos magistrados a quem substituem por imperativo legal, e que por isso mesmo administram justiça em tribunais judiciais órgãos de soberania, e nos precisos termos em que estes a têm de administrar. Mas, ainda assim, esse direito teve de ser-lhes reconhecido por disposição expressa de lei.

Mesmo em relação aos magistrados estaduais que exerçam funções em tribunais especiais, como os administrativos e fiscais, precisamente porque não pertencem, só por essas funções, à magistratura judicial, e não podem por tal motivo considerar-se juízes de direito, foi necessário equipará-los a estes ou reconhecer-lhes foro especial para certas acções, como se mostra no acórdão em oposição.

Assim, equiparar os árbitros a juízes de direito, para o efeito de lhes ser reconhecido o direito a foro especial para a aludida espécie de acções, não seria reconstituir o pensamento da lei, mas ir além dele e contrariá-lo.

Não fornece o artigo 1523.º do Código de Processo Civil argumento em contrário. A circunstância de das decisões dos árbitros caberem para a relação os mesmos recursos que caberiam de despachos e sentenças proferidos pelo tribunal de comarca é, por um lado, simples corolário dos referidos artigos 48.º, n.º 2, e 1522.º do mesmo Código, ao atribuírem a decisão arbitral a mesma força e exequibilidade das decisões dos tribunais comuns, o que, como já se mostrou, não apoia a doutrina oposta. É, por outro lado, aspecto posterior à actuação dos árbitros, ao funcionamento do tribunal arbitral, representando, salvo o caso de renúncia ao recurso, o funcionamento normal da justiça ordinária após se ter esgotado o conteúdo imediato do compromisso arbitral.

7 - O entendimento contrário socorre-se de doutrina elaborada com base em sistemas legislativos estrangeiros que porventura terão inspirado a lei portuguesa.

Impressiona-se para tanto com a afirmação de que o árbitro actua como juiz.

Mas a raiz do problema não está em o árbitro agir como juiz ao decidir o litígio.

O que importa fundamentalmente é procurar em cada lei estatutária e processual se ele foi directamente abrangido pela concessão de foro especial dos magistrados ou se, por via analógica ou interpretativa, lhes pode ser equiparado para esse especial efeito.

À luz desta distinção básica, e perante o direito belga, omisso como o português quanto à responsabilidade civil do árbitro por inexecução ou má execução do seu encargo, sustenta Alfred Bernard que o recurso das partes contra os árbitros, pelas faltas por estes cometidas no desempenho da sua função, está submetido ao direito comum, através da acção de perdas e danos. E acrescenta que, por inaplicabilidade dos preceitos do Código de Processo Civil relativos ao foro especial dos juízes, a jurisdição competente para conhecer dessa acção é o tribunal de 1.ª instância, nos termos gerais (cf. L'Arbitrage volontaire en droit privé, pp. 150, 217 e 220).

Pelo que respeita ao direito francês, tem-se invocado a autoridade de Jean Robert para se afirmar que o árbitro actua na qualidade de juiz, e daí se concluir que goza de foro especial reconhecido a estes.

Porém, a invocação desse autor só desabona tal entendimento. É certo que ele reconhece, ao analisar o carácter do árbitro, que este actua como juiz. Mas faz essa análise e esse reconhecimento a propósito do problema de saber se o árbitro pode considerar-se mandatário das partes. E conclui, a propósito, que, como ele decide com independência, segundo as regras do direito e a sua consciência, não age como mandatário, e menos ainda em nome das partes.

Esta conclusão enquadra-se na sua concepção de que o contrôle judiciário sobre a decisão arbitral é apenas a expressão de que a origem «livre» da arbitragem não é anárquica e de que, por consequência, tal contrôle não é mais do que um visto de entrada no quadro judiciário.

Coerente com esta concepção, o mesmo autor, ao encarar qual a jurisdição competente para conhecer da responsabilidade dos árbitros, afirma que não pode deixar de ser a de direito comum, isto é, o tribunal de 1.ª instância.

Isto porque o artigo 509.º do Código de Processo Civil francês, a conjugar com o artigo 36.º do Decreto 67-1210, de 22 de Dezembro - que estabelece foro especial para os juízes de direito nas acções de responsabilidade civil pelo exercício das suas funções -, não pode aplicar-se aos árbitros, dada a natureza especial dessas acções (cf. a obra de Jean Robert, Arbitrage civil et commercial, 4.ª ed., 1967, pp. 259, 261 e, especialmente, 118).

Destas referências decorre que o apoio procurado nos citados autores pela tese oposta, quanto ao ponto concreto em discussão, confirma, de modo expresso e frontal, que não é possível aos árbitros e foro especial em causa.

8 - Pelos fundamentos expostos, concedendo provimento ao recurso, revogam o acórdão recorrido e, em consequência, tiram o seguinte assento:

Compete ao tribunal comum, segundo as regras do processo comum, conhecer das acções propostas contra árbitros por causa do exercício das suas funções.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 1978. - Miguel Caeiro - Avelino Ferreira Júnior - Oliveira Carvalho - Abel de Campos - Santos Victor - Rodrigues Bastos - Costa Soares - Alberto Alves Pinto - Octávio Dias Garcia - Aníbal Aquilino Ribeiro - Daniel Ferreira [vencido como relator. Mantenho-me fiel à doutrina do acórdão recorrido, que subscrevi. Sustentei, por razões que, no fundo, são as mesmas que constam da fundamentação desse acórdão e da extensa e muito douta declaração de voto exarada no final do acórdão de 23 de Outubro de 1970 (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 200, pp. 117 e seguintes), que devia ser tirado assento no sentido de que as acções por perdas e danos propostas contra os juízes dos tribunais arbitrais, por irregularidades cometidas no exercício das suas funções, deverão ser propostas no mesmo foro especial a que estão sujeitos os magistrados judiciais e deverão seguir os termos de processo especial estabelecido nos artigos 1083.º e seguintes do Código de Processo Civil] - José Garcia da Fonseca (vencido pelos fundamentos acima expostos pelo colega Dr. Daniel Ferreira) - José Montenegro (vencido pelos fundamentos do primeiro voto de vencido) - Eduardo Botelho de Sousa (vencido pelas mesmas razões de voto de vencido do Exmo. Colega Daniel Ferreira) - Francisco Bruto da Costa (vencido pelos mesmos fundamentos) - Hernâni de Lencastre (vencido pelos mesmos fundamentos do voto do Exmo. Conselheiro Dr. Daniel Ferreira) - Artur Moreira da Fonseca (vencido pelos mesmos fundamentos que constam do voto de vencido do Exmo. Conselheiro Daniel Ferreira).

Está conforme.

Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Março de 1978. - O Escrivão de Direito, Hernâni Cardita.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1978/03/23/plain-214623.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/214623.dre.pdf .

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