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Parecer 5/2003, de 5 de Agosto

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Texto do documento

Parecer 5/2003. - Proposta de Lei 65/IX, "Estabelece as bases de financiamento do ensino superior" - Parecer do Conselho Nacional de Educação:

Preâmbulo

No uso da competência que lhe é conferida pela sua Lei Orgânica, republicada em anexo ao Decreto-Lei 241/96, de 17 de Dezembro, nos termos regimentais, e a pedido da Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura (Assembleia da República), após apreciação do projecto de parecer elaborado pelo conselheiro relator José Manuel Trindade Neves Adelino, o Conselho Nacional de Educação, em sua reunião plenária de 10 de Julho de 2003, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo assim o seu quarto parecer no decurso do ano de 2003.

Parecer

Nota prévia

A Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República solicitou ao Conselho Nacional de Educação um parecer sobre a versão datada de 20 de Maio de 2003 da proposta de lei 65/IX que "Estabelece as bases do financiamento do ensino superior". No âmbito da 3.ª comissão especializada permanente foi pedida, por sua vez, uma contribuição para a elaboração desse mesmo parecer num prazo muito curto (pouco mais de uma semana) em período sobrecarregado pela ocorrência de vários feriados. O prazo disponível é manifestamente insuficiente para corresponder à solicitação.

Havendo, apesar disso, intenção de atender ao pedido da Assembleia da República, preparou-se um comentário à proposta de lei, que só pode ser entendido como uma tentativa de satisfazer a solicitação da 3.ª comissão especializada, com a total consciência de que as limitações de tempo impediram a preparação de uma resposta que correspondesse, de facto, ao texto que seria desejável apresentar.

Tendo consciência destas limitações, restringiram-se os comentários a uma apreciação da proposta de lei na generalidade. Uma apreciação na especialidade obrigaria a uma dilatação de prazos incompatível com as datas impostas pela Comissão Parlamentar. Tendo em vista a apreciação, em Plenário, deste parecer, e para além da elaboração do respectivo documento de base, foram ainda produzidos alguns comentários de detalhe e bem assim alguns contributos escritos, apresentados por diversos conselheiros, membros da 3.ª comissão especializada permanente. Dados os prazos com que todos se debateram, importa reconhecer e valorizar a preocupação que houve em contribuir, em tempo útil, para a elaboração deste texto.

Finalmente, justifica-se plenamente uma referência à importância de que se continua a revestir o parecer 2/97, do Conselho Nacional de Educação, sobre a "Proposta de lei sobre financiamento do ensino superior", datado de 19 de Março de 1997, mesmo para a apreciação desta nova proposta de lei. As apreciações de natureza geral que dele constam mantêm, em boa parte, toda a sua actualidade. O mesmo se aplica ao parecer 4/99, sobre "Autonomia do ensino superior", de 4 de Novembro de 1999, cujo conteúdo, por intimamente relacionado com o tema do financiamento do sistema, é claramente complementar dos comentários que se seguem.

Considerações iniciais

O Governo considera que a actual Lei de Bases do Ensino Superior Público (Lei 113/97, de 16 de Setembro) "definiu um modelo de gestão das instituições que se revelou desajustado à situação actual, comprometendo o investimento necessário e pondo em risco padrões aceitáveis de funcionamento" (ver nota 1). Entende, por isso, ser necessário redefinir as bases do financiamento do ensino superior, tomando em consideração a experiência adquirida com a aplicação da lei que se encontra em vigor.

A nova proposta de lei, nos termos da sua "Exposição de motivos", foi elaborada no entendimento de que cabe ao Estado promover a constituição do sistema de ensino superior, directamente, através do subsistema de ensino superior público, e, indirectamente, através do subsistema de ensino superior não público, tomando em consideração exigências fundamentais de justiça e solidariedade social (ver nota 2), numa arquitectura global do sistema que inclua incentivos claros à promoção da qualidade do ensino e da excelência da oferta.

Adopta, no seu princípio fundamental de aplicação, a mesma lógica de financiamento da Lei 113/97, ao escolher financiar, directamente, as instituições de ensino superior, por oposição à possível opção pelo financiamento directo ao estudante.

Distingue-se da lei actual pelo ênfase que foi atribuído, na sua concepção, a duas componentes fundamentais da perspectiva do Governo sobre a reforma do ensino superior:

1 - Esta proposta de lei revela a preocupação de reforçar o papel de mecanismos automáticos de ajustamento que facilitam a articulação entre o financiamento e o desenvolvimento do próprio sistema de ensino superior.

De forma clara, o financiamento é reconhecido como um instrumento que deverá influenciar o sistema de governo das instituições de ensino superior. Através dele, o Governo impõe mecanismos mais exigentes de reporte de desempenho e de maior responsabilização dos agentes que nele intervêm. O financiamento será utilizado, de forma assumida, como elemento fundamental da construção de um sistema de incentivos coerente com os objectivos que forem definidos para o ensino.

Esta atitude está reflectida, ao longo de toda a proposta, nas múltiplas referências à responsabilização dos alunos, das instituições de ensino e dos seus corpos directivos, na imposição da obrigatoriedade de divulgação pública de informação sobre o desempenho das instituições e na incorporação de medidas de desempenho, associadas ou não aos sistemas formais de avaliação científica e pedagógica das instituições, nos mecanismos de financiamento estatal. Consta quer das disposições relativas ao financiamento às instituições de ensino quer das que se aplicam à atribuição de apoios sociais directos no financiamento aos alunos.

2 - Esta proposta de lei reforça a noção de co-responsabilidade entre o Estado e os restantes agentes económicos no financiamento do sistema de ensino superior, incluindo o subsistema do ensino superior público.

A par do compromisso, explicitamente reconhecido, da responsabilização financeira do Estado pelo subsistema de ensino superior público, a perspectiva da co-responsabilidade permeia todo o documento, envolvendo alunos e pais (pagamento de propinas, por exemplo), a sociedade em geral (princípios do equilíbrio, da subsidiariedade e da justiça) e as próprias instituições de ensino (quer na fixação das propinas quer no princípio da complementaridade).

Para além destas diferenças de fundo, o Governo opta por alterar formalmente o âmbito da Lei de Bases do Financiamento ao incluir, na proposta, um capítulo III, relativo ao financiamento do ensino superior não público, em substituição da referência do anterior diploma legal ao ensino superior particular e cooperativo, constante do artigo 34.º A nova lei assume-se como Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior.

A importância do financiamento estatal, enquanto instrumento de ordenação do sistema de ensino e de promoção da sua qualidade, justifica a importância do debate que se vai gerar, inevitavelmente, à volta das questões fundamentais que constam deste documento.

São vários os princípios e as propostas de solução advogados no projecto de diploma legal que poderão ter um impacte significativo no desenvolvimento do ensino superior. Algumas das propostas em discussão são polémicas e alteram, significativamente, as opções de anteriores legisladores.

As alterações propostas pretendem dar resposta a problemas nucleares do ensino superior e a aplicação de uma nova lei que inclua estas soluções afecta o equilíbrio da arquitectura jurídica global que o enquadra. Estando este diploma em apreciação sem se conhecerem as restantes componentes da reforma anunciada pelo Governo, nomeadamente as que dizem respeito à autonomia universitária e ao Estatuto da Carreira Docente, qualquer avaliação desta proposta peca pelo desconhecimento do todo legal que se pretende constituir.

Tendo isto presente, considera-se que a apreciação da proposta de lei está a ser feita num prazo demasiado curto, para a importância do assunto em causa, e que se desenrola de acordo com uma sequência temporal ditada mais pela urgência dos problemas de financiamento do ensino superior do que pela lógica que se pretende impor na construção do futuro do sistema.

Algum realismo obriga a reconhecer que o tema do financiamento do ensino superior é, em si mesmo, tão complexo, que nunca seria possível coligir informação que fosse unanimemente considerada suficiente para fundamentar as escolhas possíveis. Também nunca seria possível disponibilizar toda a informação necessária para clarificar, a contento dos vários intervenientes, as propostas avançadas pelo Governo.

Mesmo assim, a natureza do problema exigiria uma clarificação de objectivos e metas e uma quantificação de necessidades e recursos que não foram apresentadas juntamente com a proposta de lei e que seriam essenciais para a formação de opinião de quem tem de se pronunciar sobre o projecto. Não estando disponíveis, a avaliação é feita sem um conhecimento fundamentado da realidade do sistema e das ambições da reforma proposta. Torna-se ainda mais difícil ajuizar se as soluções apresentadas poderão induzir, nos vários intervenientes, os comportamentos desejáveis para atingir os objectivos últimos da política de ensino.

Apreciação na generalidade

A proposta de lei em apreciação define as bases do financiamento do ensino superior. Já o parecer 2/97 do Conselho Nacional de Educação (ver nota 3) reconhecia que estas deveriam incluir, em princípio, uma identificação de âmbito e objectivos do financiamento, das componentes de custos cujo financiamento permitirá, na perspectiva do legislador, satisfazer os objectivos estabelecidos, das fontes de financiamento, de eventuais utilizações do financiamento e dos respectivos mecanismos de avaliação.

Tratando-se de uma proposta de diploma que pretende definir as bases de financiamento do ensino superior, seria de esperar que o âmbito do articulado, cuja técnica legislativa se afigura, a muitos, questionável, mormente pelo abuso de definições, abarcasse o financiamento das múltiplas funções que lhe são atribuídas.

Não é assim, na medida em que o articulado proposto diz respeito, fundamentalmente, ao financiamento do ensino da graduação, estendendo-se a elementos do financiamento da pós-graduação. É manifestamente omisso em matéria de financiamento da investigação científica e insuficiente em questões tão importantes para o futuro do ensino superior como a definição da sua missão enquanto agentes da cultura, o seu papel na aprendizagem ao longo da vida e no ensino à distância, ou a importância das instituições do sistema na prestação de serviços à sociedade.

No que diz respeito à investigação científica, a proposta, para além de se revelar incompleta no âmbito, cria perplexidade adicional, ao mencionar explicitamente, entre os objectivos da lei, o de "assegurar o cumprimento das prioridades nacionais em matéria de política educativa e científica". Aliás, mais adiante, nos "Objectivos e meios" da relação entre o Estado e o estudante (artigo 16.º) inclui-se a garantia do direito à "educação, ao ensino e à investigação". Seria desejável que se procedesse ao esclarecimento do texto, sobretudo numa fase em que o ministério que tutela as instituições de ensino superior abrange, também, o pelouro da ciência.

A aprendizagem ao longo da vida e o ensino à distância justificariam certamente, pelo papel que poderão desempenhar durante a próxima década, um tratamento mais completo. Esperar-se-ia, num texto que define as bases do financiamento do ensino superior, uma visão estratégica e uma ambição mais claras do que as breves referências que constam do artigo 7.º, dedicado aos contratos-programa. Em particular, nada parece justificar que a Universidade Aberta continue, no momento actual, a ser tratada à parte do sistema de ensino superior, retomando a solução constante da Lei 113/97.

No que diz respeito aos objectivos do financiamento, seria desejável, mesmo necessária, uma clarificação da proposta e, se possível, uma definição de metas que permitissem avaliar, mais tarde, a eficácia das soluções adoptadas face às expectativas existentes no momento da aprovação da lei.

A definição de objectivos que consta do texto apresentado a discussão, na sua redacção actual, cria alguma confusão nesta matéria, tanto mais quanto afirma no ponto VI da "Exposição de motivos", que "a expansão do ensino superior atingiu o seu limite". As questões legitimamente suscitadas por esta afirmação são muitas. É provável que, para dar resposta a algumas das necessidades do sistema, o ensino superior tenha, de facto, atingido os seus limites de expansão. Para outras, no entanto, parece evidente que o estádio actual é tão embrionário que muito continua por fazer, subsistindo enormes desafios ao seu desenvolvimento futuro. Seja como for, seria fundamental esclarecer o significado daquele comentário se tomarmos em consideração, por exemplo, as metas que o Governo já definiu para o crescimento do ensino secundário, ao longo da próxima década, e as naturais consequências que daí advirão para o ensino superior. Como interpretar, por exemplo, aquela afirmação à luz de compromissos tão importantes como o da criação do espaço europeu de investigação? Será possível conceber que a adopção dos princípios constantes da Declaração de Bolonha não seja explicitamente reconhecida, nas suas consequências para o financiamento do ensino superior, numa futura lei de bases que lhe seja aplicável?

A indefinição do texto proposto não se limita aos objectivos e às metas da política de ensino. É igualmente impossível saber quais são as componentes dos custos que a futura lei de bases se propõe financiar.

No caso do financiamento estatal às instituições públicas é mencionado um "orçamento de referência", cujo conceito não é definido (ver nota 4) e que constituirá a base de indexação da componente do financiamento atribuída por fórmula, componente essa que constituiu, na última década, a parcela fundamental do financiamento das instituições públicas.

Já que o restante financiamento é concedido contratualmente, nada há, na proposta de lei, que permita estimar a componente do custo das instituições públicas pela qual o Estado se responsabiliza.

A proposta identifica as modalidades de financiamento do Estado às instituições públicas e o modelo apresentado tem virtualidades de princípio que importa reconhecer. O financiamento estatal às instituições assentará no financiamento de um "Orçamento de funcionamento de base" (artigo 4.º) e no financiamento de "Programas orçamentais plurianuais" ("Contratos-programa" e "Contratos de desenvolvimento").

Através de uma fórmula, no caso do orçamento de base, e através da avaliação casuística nos restantes (que poderão, no caso dos contratos-programa, ser atribuídos em base concorrencial) incorpora-se, na atribuição do financiamento, um elemento de avaliação do mérito das instituições e das propostas. Esta ponderação do financiamento pelo mérito poderá, se for adequadamente gerida, constituir um incentivo importante à qualificação do ensino superior.

A proposta exclui o tradicional "Orçamento de investimento" das modalidades de financiamento estatal às instituições públicas, sem esclarecer qual será, no caso desta componente do financiamento, o regime de transição, enquanto não forem celebrados contratos de desenvolvimento que abranjam a generalidade das instituições (pela leitura da proposta, parecem ser o instrumento que substitui o financiamento até aqui obtido através do orçamento de investimento).

Desaparece, ainda, o "Estímulo às medidas de qualidade", constante da Lei 113/97, mas é criado um regime contratual de excepção, no artigo 9.º, aparentemente residual, sem definição clara dos seus objectivos que não seja a de "permitir o funcionamento das instituições".

A proposta de lei exige que todas as instituições de ensino superior público adoptem um regime de prescrições que afectará o seu financiamento, e para o qual se estabelece um regime supletivo. Por princípio, a imposição de um regime de prescrições dificilmente será questionável. O que parece controverso é o regime constante da tabela anexa ao projecto de diploma.

As virtualidades de princípio das modalidades de financiamento estatal das instituições públicas podem conduzir, na prática, a um sistema de financiamento deficiente se a aplicação for incorrecta. Acontece que esta proposta de lei contém muitos elementos de incerteza que dificultam a formação de um juízo fundamentado sobre a aplicação prática do sistema proposto.

No que respeita ao financiamento do "Orçamento de funcionamento base", a fórmula é desconhecida, o que ainda vem agravar a incerteza que rodeia o significado do referido orçamento de referência, já anteriormente mencionada. Dela constarão, nos termos do n.º 4 do artigo 4.º, critérios objectivos de qualidade e excelência, valores padrão e indicadores de desempenho, em parte obtidos como resultado das avaliações de mérito das unidades de investigação, elementos que nem são definidos nem são quantificados nos seus efeitos (ver nota 5).

Qualquer fórmula desta natureza exige um equilíbrio difícil entre abrangência de ponderadores desejáveis e pragmatismo ou parcimónia de concepção. Se esse equilíbrio não for conseguido, arriscamo-nos a perder eficácia e diluir os efeitos, unanimemente considerados muito positivos, da fórmula que tem vindo a ser usada.

Sem conhecer a formulação proposta é impossível emitir um juízo, seja ele qual for. Chama-se apenas a atenção para o facto de oito categorias de critérios, valores padrão e indicadores de desempenho poderem gerar o efeito perverso da diluição dos incentivos que se pretendem criar com o alargamento do número e da natureza dos componentes da fórmula. Podemos estar a tentar atingir demasiados objectivos com um único instrumento.

Quanto ao financiamento contratualizado, sem questionar os seus méritos potenciais inequívocos, deverá ser utilizado com o cuidado de não tornar arbitrário o financiamento. A contratualização deverá ser usada para reforçar comportamentos virtuosos no seio do sistema e não deverá ser vista como um instrumento de arbitrariedade no financiamento das instituições.

Ainda no capítulo das relações entre o Estado e as instituições de ensino superior público mantém-se a referência à necessidade de auditoria sistemática à utilização dos financiamentos do Estado e exige-se a divulgação pública de informação alargada sobre o desempenho das instituições públicas (artigos 10.º e 11.º). Se forem conjugados com o papel reforçado dos sistemas de avaliação científica e pedagógica das instituições, constituem ingredientes essenciais da boa governação cuja imposição é indispensável ao desenvolvimento do sistema de ensino superior.

Finalmente, e embora não constitua um elemento dos mecanismos de financiamento do Estado às instituições públicas, considera-se positiva a referência, no âmbito do "Princípio da complementaridade" às formas adicionais de financiamento encontradas pelas instituições no âmbito da sua autonomia financeira, que "serão consideradas pelo Estado como receitas próprias das instituições, como tal não afectando o financiamento público" [artigo 3.º, n.º 2, alínea i)].

Um dos pontos essenciais e mais controversos da proposta prende-se com as modalidades de financiamento do ensino superior público que implicam uma relação directa entre o estudante e as instituições de ensino superior.

No "Conteúdo da relação" (artigo 12.º) é dado um sinal da filosofia subjacente à proposta ao acrescentar à responsabilidade das instituições em matéria de serviço de ensino (que já constava da Lei 113/97) as responsabilidades dos estudantes que devem, por sua vez, "demonstrar mérito na sua frequência e comparticipar nos respectivos custos".

Pena é que o texto proposto seja tão pouco claro quando estabelece os princípios da utilização das verbas resultantes do pagamento das propinas. Limitar-se-iam, nos termos da proposta, a "reverter para o acréscimo de qualidade no sistema, medido através dos indicadores de desempenho e valores padrão" referidos no diploma mas omissos no que respeita à definição do seu significado.

Esta proposta revela três diferenças significativas quando é comparada com a situação actual:

1) A propina é fixada em função da natureza e da qualidade dos cursos;

2) A fixação das propinas passa a competir aos estabelecimentos de ensino superior, sendo remetida para o nível da unidade orgânica que detém autonomia administrativa e financeira;

3) O valor mínimo das propinas é fixado 30% acima do valor actual das propinas (o n.º 2 do artigo 13.º fixa-o em 1,3 vezes o salário mínimo nacional). O valor máximo mantém-se no limite superior imposto pela anterior legislação.

As duas primeiras propostas são muito polémicas e foram objecto, ao longo dos anos, de discussões acesas. A controvérsia está longe de ter sido resolvida e não há qualquer possibilidade de se gerar consenso, neste momento, em redor deste assunto. A opção política aponta, claramente, para a diferenciação entre instituições e cursos (sinalizando essa diferenciação através do preço do ensino) e para a responsabilização das instituições com autonomia pela fixação de uma parcela muito relevante do seu financiamento.

Em princípio, a diferenciação e a responsabilização das instituições corresponde à assunção de uma verdadeira autonomia, consistente com os anseios frequentemente manifestados pelas instituições de ensino superior.

Contudo, a imposição das propinas na graduação tem um cunho político evidente que se reflecte, com toda a clareza, na diferença de soluções preconizadas para determinação de propinas na graduação e na pós-graduação. Aliás, a sociedade aceitou sempre, de forma pacífica, a diferença de tratamento entre os dois níveis de ensino, revelando o reconhecimento do significado especial da fixação das propinas da graduação.

A adopção desta Lei de Bases, na sua formulação actual, não se limita a transferir competências em matéria de fixação de propinas do Ministério da Ciência e do Ensino Superior para as respectivas instituições. Envolve, de facto, uma desresponsabilização do poder central numa matéria que tem natureza iminentemente política.

Tendo presentes estas considerações entende-se que, se as instituições de ensino souberem assumir as suas responsabilidades, poderão vir a adoptar, no futuro, esta componente acrescida de flexibilidade na gestão e que o sistema de ensino superior poderá, então, sair muito beneficiado de uma alteração da lei desta natureza.

Quanto à terceira proposta, é impossível comentá-la. Sem conhecer as estimativas do financiamento estatal às instituições públicas é impossível avaliar a efectiva responsabilização do Estado pela cobertura de custos do ensino superior. Sem conhecer cenários de referência para a evolução futura do sistema, os limites máximo e mínimo impostos às propinas são arbitrários (mesmo que assentes em valores eventualmente tornados razoáveis quer pela lei quer pelo hábito) e nada garante que sejam adequados aos objectivos e metas a que o sistema deve dar resposta.

A secção III define a relação entre o Estado e o estudante e está estruturada de forma muito semelhante à da Lei 113/97, pelo que não justificará grandes comentários de natureza geral (ver nota 6).

As grandes subsecções, com pequenas alterações de forma ou de conteúdo, continuam as mesmas: apoios sociais directos, apoios sociais indirectos e empréstimos.

Limitar-nos-emos, apenas, a quatro comentários:

1) As bolsas de estudo, elemento essencial da acção social, ficam restringidas aos "estudantes economicamente carenciados que demonstrem mérito, dedicação e aproveitamento escolar". Através desta disposição, a lei condiciona a atribuição das bolsas de estudo, formalmente, ao desempenho do aluno;

2) Os empréstimos para autonomização do estudante continuam a ser objecto de considerações vagas, insuficientes para que se transformem numa medida eficaz, capaz de produzir efeitos práticos significativos.

É provável que o aumento de propinas que se possa vir a verificar nas instituições de ensino superior público, em consequência da eventual adopção das disposições desta lei, não justifique, por si só, a montagem de um sistema de empréstimos que envolve encargos adicionais para o Estado e obriga a uma logística complexa.

Nada invalida, no entanto, que o sistema, a existir, pudesse ser um elemento importante de autonomização do aluno e promoção do acesso ao ensino superior. A insuficiência das disposições que poderão vir a reger a atribuição de empréstimos a estudantes do ensino superior torna-se, ainda, mais evidente se tivermos consciência que o diploma pretende abranger, formalmente, o ensino não público. Quando uma lei de bases inclui, formalmente, esse subsistema do ensino superior, ainda mais difícil é entender a relativa irrelevância a que o mecanismo é votado;

3) São eliminados os "Auxílios de emergência", o "Acesso a outros apoios educativos" e o "Fundo de apoio ao estudante" (artigos 21.º, 25.º e 27.º da Lei 113/97). Considera-se positiva a concentração de esforços financeiros nos instrumentos da acção social;

4) Recomenda-se, por último, a alteração do disposto no artigo 20.º Nele se estabelece a obrigatoriedade de preenchimento de uma "Declaração de honra", por parte do estudante, da qual constam elementos pelos quais ele não é responsável. Embora se reconheça que a Lei 113/97 já continha idêntica disposição, entende-se que a nova lei deverá corrigir o contra-senso iniludível contido na exigência desta declaração.

Finalmente, justifica-se um comentário breve ao capítulo III, respeitante ao financiamento estatal do ensino superior não público.

Trata-se, uma vez mais, de um tema controverso que é tratado de forma demasiado elementar, se tivermos em conta a importância do subsistema não público no conjunto do ensino superior. As iniciativas do ensino superior não público passíveis de financiamento estatal são alargadas, face à anterior legislação, embora só possam ser concedidas em base contratual. Estas, bem como a extensão da acção social aos estudantes do ensino não público, serão objecto de regulação e decreto-lei, respectivamente. Sem conhecer uma e outra, o conteúdo da proposta é insuficiente para uma apreciação fundamentada.

(nota 1) Proposta de lei 65/IX, p. 1.

(nota 2) Quer na concepção do sistema de acesso ao ensino superior quer na escolha das soluções utilizadas para o seu financiamento.

(nota 3) P. 8 do referido parecer.

(nota 4) Desaparece qualquer referência ao orçamento padrão usado como referência, para efeitos de financiamento, na última década.

(nota 5) É necessário ter presente que o actual sistema de avaliação de programas de ensino não permite uma comparação de desempenho entre instituições. Se recordarmos que a avaliação das unidades de investigação é distinta da avaliação dos cursos, teremos verdadeira consciência de quanto é necessário evoluir em matéria de avaliação do ensino superior para que as respectivas classificações de mérito possam, legitimamente, ser incorporadas na fórmula de financiamento.

(nota 6) Este projecto de lei de bases do financiamento reflecte insuficiências que já eram reconhecidas e foram amplamente descritas na apreciação do diploma que está hoje em vigor. Ambos incluem, numa mesma lei, o financiamento estatal às instituições de ensino superior e tudo o que diz respeito à acção social. Entende-se que o apoio estatal ao estudante justificaria tratamento autónomo, em diploma próprio, que abrangesse, de forma global, todas as questões que lhe dizem respeito. Trata-se de um assunto que já foi desenvolvido no parecer 2/97 do CNE, anteriormente referido.

10 de Julho de 2003. - O Presidente, Manuel Porto.

Declaração de voto

Votei desfavoravelmente este parecer porque, não obstante a validade da maioria das apreciações aí contidas, o seu sentido fica muito aquém do sentido crítico que a proposta de lei merece.

A presente proposta de lei não considera devidamente diversas dimensões hoje fundamentais na missão do ensino superior, designadamente a investigação científica, o ensino pós-graduado e a formação avançada, a formação contínua, o ensino à distância (sendo mesmo omissa em relação à Universidade Aberta).

Também o tratamento superficial (em profundidade que não em extensão) da acção social é uma lacuna grave, que tal como está é inconsequente, quando mereceria tratamento autónomo, em dignidade e profundidade, em lei própria.

A introdução de dispositivos relativos a prescrições, em sede de lei de financiamento é completamente deslocada, quando o que poderia fazer sentido seriam critérios de elegibilidade de alunos para efeitos da fórmula de financiamento. Retira-se assim, do mesmo passo, espaço para regulamentação de direitos e deveres dos estudantes, ponderando a diversidade dos regimes de frequência, que deverão ter cabimento num estatuto do estudante.

A relação do estado com os ensinos público e privado permanece obscurecida na sua diversidade, bem como ausentes orientações a que o financiamento privado deve respeitar, para efeitos de investimento na rede de ensino.

Em resumo breve, a presente proposta de lei não é, como se intitula, uma lei de bases do financiamento do ensino superior - para o que supostamente deveria abarcar todas as dimensões da missão dos estabelecimentos de ensino bem como todas as instituições deste sistema. - Rui Namorado Rosa.

Declaração de voto

O Conselho Nacional de Juventude considera que o investimento na educação, em especial nas instituições de ensino superior, é claramente uma aposta que não deve e não pode ser desperdiçada.

O Estado na sua função de organizador da coisa pública, de redistribuidor da riqueza nacional e de promotor do bem-estar social é, no nosso entender, o principal agente do fomento e do desenvolvimento do sistema educativo.

Com isto, o ensino superior, como componente de um todo sistémico, tem de ter da parte do Estado o financiamento suficiente para o funcionamento suficiente!

No entanto, a prática governativa dos últimos anos pautou-se por uma lógica de sinal contrário, uma situação que diminui o valor estratégico que a educação e a formação de nível superior têm no mundo contemporâneo.

Este desinvestimento acentuado contribui de forma clara para um maior esforço financeiro dos estudantes e das suas famílias, acreditamos também que excluirá muitos cidadãos de alcançarem os mais elevados graus de ensino e de conhecimento, diminuindo deste modo o acesso, a fruição e a frequência das áreas da educação, ciência e cultura, naquilo que as mesmas têm de socialmente democrático.

Assim sendo, consideramos que nenhum indivíduo nem nenhuma geração deve ficar de fora da marcha destes novos tempos, que são e que se querem de igualdade, de oportunidade, de cidadania, de aprendizagem e de mudança.

É nisto que nos revemos e acreditamos, contudo o parecer que a 3.ª comissão especializada permanente apresenta ao Plenário do Conselho Nacional de Educação, apesar de revisitar alguns dos princípios com os quais nos identificamos, não deixando de criticar, em muitos campos, a falta de inovação e equilíbrio da proposta do Governo, assume noutros pontos compromissos que da nossa parte só podem ter a mais veemente rejeição.

Por fim, e não queremos deixar de o sublinhar, a metodologia encontrada por parte do Ministério da Ciência e do Ensino Superior, que resultou na discussão pública que decorreu, nos últimos meses, sempre foi orientada para que o debate e o diálogo consequentes, que nestas questões são exigíveis, não pudessem existir. Afirmamos isto, com a plena consciência de que a promoção do maior consenso possível em democracia, não é invalidarmos o conflito de ideias!

Considerando o anteriormente exposto e acreditando que a educação é a verdadeira energia transformadora das sociedades contemporâneas, onde todos e todas podem fazer parte de um processo formativo pleno, nós os representantes do Conselho Nacional de Juventude no Conselho Nacional de Educação votamos contra este parecer. - Paulo Afonso - José Manuel Pires de Moura.

Declaração de voto

Apesar da concordância com a generalidade do parecer, cumpre realçar três aspectos relativamente aos quais a nossa posição é contrária.

No que diz respeito ao "Orçamento de funcionamento base" compartilhamos as observações feitas no parecer sobre o mesmo e a sua forma de determinação. Contudo, consideramos importante ter igualmente em conta no parecer um factor da proposta de lei com o qual discordamos.

Referimo-nos ao n.º 5 do artigo 4.º da proposta de lei que remete para portaria conjunta a fixação das "regras necessárias para o seu [fórmula que determina o orçamento de funcionamento base de cada instituição] cálculo e aplicação".

De facto, tal opção implica que a determinação do orçamento de funcionamento base de cada instituição deixe de ser uma opção nacional resultante do facto de a entidade competente para a sua determinação ser a Assembleia da República para passar a ser uma opção governamental.

Tal alteração poderá acarretar maior instabilidade fruto da possibilidade prática de ser alterada mais frequentemente. Estamos assim, a nosso ver, perante opções políticas de fundo que deveriam ser repensadas.

Relativamente ao regime de prescrições, não existe uma discordância quanto ao que ficou expressamente escrito no parecer, isto é, também a nós nos parece controverso o regime definido na tabela anexa ao diploma.

Contudo, e face à ausência de desenvolvimentos dessa matéria que, a nosso ver, é das mais significativas nesta proposta, importa desde logo demonstrar algumas perplexidades que o parecer deveria ter acolhido:

i) Em primeiro lugar, suscita alguma indefinição a menção ao órgão competente para aprovar o regime de prescrições. Sob uma menção não muito explícita aos "órgãos competentes de cada instituição ou unidade orgânica" não se define, como seria desejável, quem em concreto definirá esse regime;

ii) Em segundo lugar, não são apontados quaisquer limites ao regime de prescrições o que pode levar a que o regime se torne totalmente ineficaz. Além do mais, essa incerteza aliada ao desconhecimento do órgão competente para definir esse regime, causa ainda crescente perplexidade;

iii) Finalmente, quanto ao regime de prescrições supletivo, discordamos igualmente do facto de a única excepção considerada dizer respeito aos trabalhadores estudantes.

No que ao pagamento das propinas diz respeito, não estando este em causa, discordamos igualmente do parecer quando este se refere ao seu montante.

Menciona o parecer que é impossível comentar o aumento do valor das propinas em cerca de 30% uma vez que se desconhecem "as estimativas do financiamento estatal às instituições públicas".

A nosso ver:

i) Se estas estimativas não se encontram determinadas ou pelo menos não são do conhecimento público;

ii) Se as verbas resultantes do pagamento das propinas raramente revertem para o aumento da qualidade de ensino, então, e considerando existir, portanto, uma ausência da justificação do aumento, este não deveria ser proposto nem aceite.

Não detemos nenhuma posição de princípio de recusa de qualquer alteração do status quo. Contudo, esta, a ocorrer, deve conter sempre uma justificação subjacente e assumida, sobretudo quando nos referimos a um regime mais gravoso para os visados. - Pedro Vaz Mendes.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2138311.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1996-12-17 - Decreto-Lei 241/96 - Ministério da Educação

    Altera o regime que regula a composição, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Educação. Republicado integralmente em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-16 - Lei 113/97 - Assembleia da República

    Define as bases do financiamento do ensino superior público. Cria o Fundo de Apoio ao Estudante, dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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