Resolução da Assembleia da República n.º 23/2007
Aprova, para ratificação, o Acordo de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal
entre a República Portuguesa e a República Argentina, assinado em 7 de Abril
de 2003
A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea i) do artigo 161.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, aprovar, para ratificação, o Acordo entre a República Portuguesa e a República Argentina sobre Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, assinado em Lisboa em 7 de Abril de 2003, cujo texto, nas versões autênticas nas línguas portuguesa e castelhana, se publica em anexo.
Aprovada em 22 de Março de 2007.
O Presidente da Assembleia da República, em exercício, Guilherme Silva.
ACORDO DE AUXÍLIO JUDICIÁRIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL ENTRE A
REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA ARGENTINA
A República Portuguesa e a República Argentina, adiante designadas por Partes;
Desejosas de manter e estreitar os laços que unem ambos os países e com o fim de intensificar o auxílio judiciário mútuo em matéria penal:
Acordam o seguinte:
TÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Obrigação de conceder auxilio mútuo
1 - As Partes comprometem-se, em conformidade com o presente Acordo, a conceder o mais amplo auxílio mútuo em matéria penal.2 - Entende-se por «auxílio mútuo», para os efeitos do n.º 1, o auxílio prestado pelo Estado requerido respeitante a investigações, julgamentos ou processos em matéria penal a uma autoridade competente do Estado requerente.
3 - Entende-se por «autoridade competente do Estado requerente» a autoridade responsável pelas investigações, julgamentos ou processos em matéria penal, em conformidade com a legislação interna do Estado requerente.
4 - A expressão «matéria penal», utilizada no n.º 1, refere-se às investigações ou processos relacionados com infracções previstas na legislação penal de ambas as Partes, ainda que as respectivas leis qualifiquem de forma diferente os elementos constitutivos da infracção ou utilizem a mesma ou diferente terminologia legal. A matéria penal incluirá investigações, julgamentos ou processos relacionados com infracções tributárias, aduaneiras, controlo de divisas ou outras questões financeiras ou fiscais.
5 - O auxílio será concedido ainda que os factos sujeitos a investigação ou procedimento no Estado requerente não sejam tipificados como infracção pelas leis do Estado requerido. Não obstante, quando o auxílio requerido consista na execução de medidas de embargo, apreensão e busca domiciliária, será necessário que o facto pelo qual ele se solicita seja também considerado como infracção pelas leis do Estado requerido.
Artigo 2.º
Objecto e âmbito do auxílio
1 - O auxílio compreenderá:a) A localização e identificação de pessoas;
b) A notificação de actos judiciais e a notificação e entrega de documentos;
c) O intercâmbio de documentos e outra informação de arquivo;
d) A troca de documentos, meios, objectos e elementos de prova;
e) A audição de pessoas no Estado requerido;
f) A audição de pessoas detidas e de outras pessoas no Estado requerente;
g) A busca e a apreensão de objectos, incluindo a busca domiciliária;
h) As medidas para localizar, embargar e apreender o produto da infracção e para executar penas pecuniárias relacionadas com a prática de uma infracção;
i) Qualquer outra forma de auxílio nos termos deste Acordo, desde que não seja incompatível com a legislação do Estado requerido.
2 - O auxílio não incluirá:
a) A prisão e detenção de qualquer pessoa para fins de extradição;
b) A transferência de condenados para cumprimento de pena.
Artigo 3.º
Execução dos pedidos
1 - Os pedidos de auxílio serão executados com celeridade e pelo modo como foram requeridos pelo Estado requerente, desde que não se oponham à legislação do Estado requerido e não causem graves prejuízos aos intervenientes no processo.2 - Mediante solicitação do Estado requerente, o Estado requerido informará sobre a data e o lugar da execução do pedido.
Artigo 4.º
Recusa e adiamento do auxílio
1 - O auxílio poderá ser recusado se o pedido:a) Respeitar, no entender do Estado requerido, a infracções políticas ou com elas conexas;
b) Respeitar a infracções estritamente militares que não sejam simultaneamente infracções segundo a lei penal ordinária;
c) Tiver relação com o julgamento de uma infracção em relação à qual a pessoa tenha sido já absolvida ou perdoada ou que tenha cumprido a sentença em que foi condenada;
d) Levar a fundadas razões para crer que ele foi efectuado para facilitar a perseguição de uma pessoa por motivos de raça, religião, sexo, nacionalidade ou opinião, ou que a situação processual dessa pessoa poderá ser prejudicada por estes motivos;
e) Puder afectar a soberania, a segurança, a ordem pública ou outros interesses essenciais do Estado requerido.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, não se consideram infracções de natureza política:
a) Os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade;
b) Os atentados contra a vida, a integridade física e a liberdade de um Chefe de Estado ou de Governo ou dos seus familiares;
c) Os atentados contra a vida, a integridade física e a liberdade do pessoal diplomático ou de outras pessoas internacionalmente protegidas;
d) Os atentados contra a vida, a integridade física e a liberdade da população ou dos civis inocentes não comprometidos na violência gerada por um conflito armado;
e) As infracções que atentem contra a segurança da aviação ou da navegação civil ou comercial;
f) Os actos de terrorismo;
g) As infracções a respeito das quais se haja assumido uma obrigação, resultante de convenção internacional, de extraditar ou de julgar.
3 - O auxílio poderá suspender-se se a execução do pedido interferir com o andamento de uma investigação ou de um processo no Estado requerido.
4 - O Estado requerido informará imediatamente o Estado requerente da sua decisão de não cumprir total ou parcialmente o pedido de auxílio ou de suspender a sua execução, indicando as razões da sua decisão.
5 - Antes de recusar o auxílio ou antes de suspender a sua execução, o Estado requerido considerará se ele pode ser prestado sob as condições que julgar necessárias. Se o Estado requerente aceitar o auxílio com essas condições, o Estado requerido cumpri-lo-á.
Artigo 5.º
Transmissão dos pedidos de auxílio
1 - Os pedidos de auxílio serão recebidos e transmitidos por via diplomática ou através das autoridades centrais, designadas para o efeito.2 - Cada Parte poderá designar uma autoridade central. A autoridade central para a República Portuguesa será o Ministério da Justiça e para a República Argentina será o Ministério de Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto.
TÍTULO II
Disposições específicas
Artigo 6.º
Localização ou identificação de pessoas
As autoridades competentes do Estado requerido empenhar-se-ão em averiguar o paradeiro e a identidade das pessoas mencionadas no pedido.
Artigo 7.º
Notificação de documentos
1 - O Estado requerido procederá à realização de todas as notificações relacionadas com o pedido de auxílio.2 - O Estado requerente transmitirá todos os pedidos de notificação de documentos relacionados com uma resposta ou com uma comparência no seu território, com suficiente antecedência em relação à data fixada para a mencionada resposta ou para a comparência.
3 - O Estado requerido devolverá um documento comprovativo da notificação, nos termos especificados pelo Estado requerente.
4 - Se a notificação não puder ser efectuada, serão indicadas as razões que o determinaram.
Artigo 8.º
Transmissão de documentos e objectos
1 - Quando o pedido de auxílio se refira à transmissão de antecedentes e documentos, o Estado requerido poderá remeter cópias autenticadas dos mesmos, salvo se o Estado requerente solicitar expressamente os originais.2 - Os antecedentes, documentos originais ou objectos remetidos ao Estado requerente serão devolvidos, com a maior brevidade, a pedido do Estado requerido.
3 - Sempre que tal não seja proibido pelas leis do Estado requerido, os antecedentes, documentos ou objectos serão acompanhados de um certificado, se assim o solicitar o Estado requerente, para que os mesmos possam ser aceites pela legislação deste último.
Artigo 9.º
Presença de pessoas envolvidas em processos no Estado requerido
1 - Qualquer pessoa que se encontre no Estado requerido e de quem se pretenda o seu testemunho, a apresentação de documentos, antecedentes ou outros elementos de prova será obrigada, se necessário através de citação ou ordem, a comparecer, a testemunhar e a apresentar os referidos documentos, antecedentes ou outros objectos, em conformidade com a legislação do Estado requerido.
2 - O Estado requerido autorizará a presença, no decurso do cumprimento do pedido, das pessoas das pessoas neste indicadas e permitir-lhes-á formular perguntas de acordo com a legislação do Estado requerido.
Artigo 10.º
Disponibilidade das pessoas para prestar declarações ou colaborar nas
investigações no Estado requerente
1 - O Estado requerente poderá solicitar a comparência no seu território de uma pessoa para aí declarar como testemunha ou para colaborar numa investigação, desde que a legislação do Estado requerido o autorize.2 - O Estado requerido dará cumprimento à convocação após se assegurar que:
a) Foram tomadas medidas adequadas para a segurança da pessoa;
b) A pessoa cuja comparência é pretendida deu o seu consentimento por declaração livremente prestada e reduzida a escrito;
c) Não produzirão efeitos quaisquer medidas cominatórias ou sanções especificadas na convocação.
3 - O pedido de cumprimento de uma convocação, nos termos do n.º 1 do presente artigo, indicará as remunerações e indemnizações e as despesas de viagem e estada, que o Estado requerente suportará.
Artigo 11.º
Buscas e apreensão de objectos
1 - O Estado requerido, na medida que a sua lei o permita, executará os pedidos de buscas, apreensão e entrega de qualquer objecto ao Estado requerente, desde que o pedido contenha a informação necessária para justificar esse tipo de acção, em conformidade com a lei do Estado requerido.2 - O Estado requerido facultará a informação, que lhe solicitar o Estado requerente, relacionada com o resultado de qualquer busca, o local e circunstâncias da apreensão e a guarda dos objectos apreendidos.
3 - O Estado requerente observará as condições que o Estado requerido lhe imponha em relação aos objectos apreendidos que lhe sejam entregues.
Artigo 12.º
Disponibilidade das pessoas detidas para prestar declarações ou colaborar em
investigações
1 - A pedido do Estado requerente poder-se-á transferir temporariamente uma pessoa detida no Estado requerido para o Estado requerente, para aí prestar declarações ou colaborar nas investigações.2 - O Estado requerido não transferirá uma pessoa detida para o Estado requerente a não ser que esta dê o seu consentimento.
3 - Enquanto decorrer o cumprimento da pena no Estado requerido, o Estado requerente manterá em detenção a pessoa transferida e devolvê-la-á ao Estado requerido uma vez concluídos os procedimentos em relação aos quais se pediu a transferência ou logo que a sua presença já não seja necessária.
4 - Quando a pena imposta a uma pessoa transferida nos termos deste artigo expirar enquanto ela se encontra no território do Estado requerente, esta passará a gozar do estatuto das pessoas mencionadas no artigo 10.º e ser-lhe-ão conferidas as imunidades previstas no artigo 13.º
Artigo 13.º
Imunidades
1 - A pessoa que, nos termos do artigo 12.º, n.º 3, se encontre no Estado requerente, em resposta a um pedido solicitando a sua presença, não será perseguida, detida ou sujeita a qualquer outra restrição da liberdade pessoal nesse Estado, por actos ou omissões anteriores à deslocação dessa pessoa do Estado requerido, nem estará obrigada a prestar declarações em processo diferente do que originou o pedido de cooperação.2 - O n.º 1 do presente artigo não será aplicável no caso de a pessoa, tendo a liberdade de abandonar o Estado requerente, não o tiver feito no prazo de 30 dias após ter sido oficialmente notificada de que a sua presença já não é necessária ou, tendo partido, aí tiver regressado voluntariamente.
3 - As pessoas que não comparecerem no Estado requerente não estarão sujeitas a sanções ou medidas cominatórias no Estado requerido.
Artigo 14.º
Produtos e instrumentos da infracção
1 - Sempre que a sua lei lho permita, o Estado requerido, a pedido do Estado requerente, diligenciará no sentido de averiguar se o produto de uma infracção ou os instrumentos com que a mesma tenha sido cometida se encontram no território sob sua jurisdição, comunicando os resultados da investigação ao outro Estado. Ao efectuar o pedido, o Estado requerente informará das razões pelas quais considera que o referido produto e os instrumentos possam encontrar-se sob sua jurisdição.2 - Se, no cumprimento do estipulado no n.º 1 do presente artigo, se encontrar o produto da infracção de cuja existência se suspeitava, o Estado requerido tomará as medidas necessárias permitidas pela sua legislação para embargar, apreender ou confiscar este produto.
3 - O Estado requerido que tenha em seu poder bens declarados perdidos aliená-los-á em conformidade com a sua própria legislação e com respeito pelos direitos de terceiros de boa fé. Na medida em que as respectivas legislações o permitam, qualquer das Partes poderá transferir aqueles bens ou o produto da sua alienação à outra Parte.
4 - Para os fins do presente artigo, o conceito de produto da infracção inclui os activos e os bens físicos obtidos directa ou indirectamente como resultado da prática de uma infracção.
TÍTULO III
Procedimento
Artigo 15.º
Forma e conteúdo dos pedidos
1 - O pedido de auxílio deverá apresentar-se por escrito e conter sempre:a) A identificação da autoridade requerente competente;
b) A descrição do assunto e a natureza da investigação, do julgamento ou do processo, com a menção das infracções concretas a que o assunto se refere;
c) No caso de transferência de pessoas detidas, a pessoa ou categoria de pessoas que as terão sob custódia durante a transferência, o local para onde irão ser transferidas e a data em que serão restituídas.
2 - Se o Estado requerido considerar que a informação constante do pedido não é suficiente para actuar, solicitará ao Estado requerente que este lhe proporcione mais informações.
3 - Nos casos de urgência, o pedido de auxílio poderá ser transmitido por telex, fac-símile, correio electrónico ou similares, devendo ser confirmado por escrito nos 10 dias seguintes à formulação do pedido.
Artigo 16.º
Carácter confidencial
1 - O Estado requerido poderá solicitar que a informação ou as provas remetidas em virtude do presente Acordo tenham carácter confidencial, segundo as condições especificadas pelo mesmo Estado. Neste caso, o Estado requerente diligenciará no sentido de cumprir as condições especificadas.2 - Na medida em tal que seja solicitado, o Estado requerido considerará confidencial o pedido, o seu conteúdo, a documentação que o sustente e qualquer acção tomada em conformidade com o referido pedido.
3 - Se não se puder dar cumprimento ao pedido sem violar o seu carácter confidencial, o Estado requerido disso informará o Estado requerente, o qual decidirá se o pedido deve cumprir-se.
Artigo 17.º
Limites à utilização das informações e elementos probatórios
O Estado requerente não poderá revelar ou utilizar a informação ou as provas remetidas para fins diversos dos indicados no pedido, sem o prévio consentimento do Estado requerido.
Artigo 18.º
Autenticação
As provas ou documentos remetidos ao abrigo do presente Acordo não necessitarão de qualquer autenticação, legalização ou qualquer outra formalidade, salvo o disposto no artigo 8.ºArtigo 19.º
Língua
O pedido de auxílio, os documentos e os actos cujo envio se encontre previsto no presente Acordo serão redigidos na língua do Estado requerente e acompanhados de uma tradução na língua do Estado requerido.
Artigo 20.º
Despesas
1 - As despesas relacionadas com o pedido de auxílio serão suportadas pelo Estado requerido.2 - Não obstante, o Estado requerente suportará:
a) As despesas relacionadas com a transferência de qualquer pessoa para prestar declarações, nos casos contemplados nos artigos 9.º, 10.º e 12.º, e todas as indemnizações ou despesas a pagar à referida pessoa, por motivo da sua transferência, sendo essa pessoa informada de que lhe serão pagas as indemnizações e as despesas correspondentes;
b) As remunerações de peritos e os encargos com a tradução, transcrição e registo que ocorram tanto no Estado requerido como no Estado requerente;
c) Os encargos relacionados com a deslocação de funcionários encarregados da guarda ou do acompanhamento.
3 - Se a execução do pedido implicar despesas extraordinárias, as Partes consultar-se-ão previamente para determinar os termos e condições sob os quais se cumprirá o auxílio requerido.
TÍTULO IV
Disposições finais
Artigo 21.º
Âmbito temporal de aplicação
O presente Acordo será aplicável a qualquer pedido apresentado depois da sua entrada em vigor, ainda que as infracções tenham sido cometidas antes dessa data.
Artigo 22.º
Entrada em vigor e denúncia
1 - O presente Acordo está sujeito a ratificação e entrará em vigor 30 dias após a data da troca dos instrumentos de ratificação.2 - O presente Acordo poderá ser modificado por mútuo consentimento das Partes, entrando as modificações acordadas em vigor nos termos do n.º 1 do presente artigo.
3 - Qualquer das Partes poderá denunciar o presente Acordo em qualquer momento, mediante comunicação escrita e por via diplomática, a qual produzirá efeitos 180 dias após a data de recepção da referida comunicação, sendo no entanto tramitados, nos termos normais e até à sua conclusão, os pedidos que se encontrem pendentes.
Assinado em Lisboa, aos 7 dias do mês de Abril de 2003, em dois exemplares originais, em língua portuguesa e castelhana, fazendo ambos igualmente fé.
Pela República Portuguesa:
(ver documento original) Pela República Argentina:
(ver documento original) (ver texto em língua estrangeira no documento original)