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Acórdão 289/2002/T, de 13 de Novembro

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Texto do documento

Acórdão 289/2002/T. Const. - Processo 324/2002. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - No recurso interposto pelo Ministério Público, nos autos supra-identificados, foi proferida a seguinte decisão sumária:

"1 - Manuel Maria Martins, identificado nos autos, em acção declarativa com processo sumaríssimo, intentada por TERRAR - Indústria de Mobiliário, S. A., no Tribunal Judicial de Águeda, foi condenado no pedido e na multa de 2 UC como litigante de má fé, nos termos do artigo 456.º, n.os 1 e 2, alíneas a), b) e d), do Código de Processo Civil.

Da decisão que o condenou como litigante de má fé, o então réu agravou para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão a fls. 100 e seguintes, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Nesse acórdão, sustentou-se, em síntese, que, 'emergindo dos autos um comportamento processual que retrata uma manifesta situação de litigância de má fé passível de sancionamento, não se justifica a necessidade de respeitar o princípio do contraditório, concedendo-se-lhe um prazo para se pronunciar', manifestando-se, ainda, discordância relativamente à interpretação que o Tribunal Constitucional faz dos preceitos em causa, quando impõe que ao litigante seja concedido um prazo para se defender.

O Ministério Público junto da Relação de Coimbra veio, então, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), daquele acórdão a que atribuiu uma interpretação das normas do artigo 456.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), no sentido de que 'a condenação por litigância de má fé não está condicionada pela prévia audição dos interessados', o que violaria o princípio do contraditório e estaria em discordância com o que foi julgado por este Tribunal no Acórdão 357/98, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 16 de Julho de 1998.

O recurso foi admitido no tribunal a quo, o que, nos termos do artigo 76.º, n.º 3, da LTC não vincula o Tribunal Constitucional.

Cumpre decidir, o que se faz nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

2 - O recurso vem, como se disse, interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o que pressupõe que a norma aplicada tenha sido já julgada inconstitucional pelo Tribunal de Contas (impendendo sobre o recorrente o ónus de indicar o acórdão que assim decidiu).

Ora, tal pressuposto não se mostra verificado no caso.

Com efeito, o acórdão citado pelo magistrado recorrente (n.º 357/98) não julgou as normas em causa inconstitucionais, procedendo, antes, a uma interpretação dos preceitos conforme à Constituição, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, da LTC.

Não poderia, assim, o magistrado recorrente lançar mão do recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, por falta do referido pressuposto.

3 - Decisão:

Pelo exposto e em conclusão, não se admite o recurso.

Sem custas."

2 - Desta decisão vem o Ministério Público reclamar para a conferência, sustentando, em síntese, que:

A decisão sumária reclamada procedeu a uma interpretação excessivamente restritiva do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC;

Esta norma abrange igualmente as decisões interpretativas, previstas no artigo 80.º, n.º 3, da LTC, que têm implícito e subjacente um juízo de inconstitucionalidade reportado às interpretações normativas que se não coadunam com a que o Tribunal Constitucional estabelece como único meio de salvar uma norma que, interpretada de outro modo, colidiria com a Constituição;

Deverão considerar-se preenchidos os pressupostos do recurso previsto na citada alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC quando a decisão recorrida optar por uma interpretação diversa da única que o TC considerou evitar a inconstitucionalidade da norma, só assim se impedindo que subsistam nas diferentes ordens jurisdicionais, decisões colidentes com o decidido previamente pelo TC acerca da inconstitucionalidade de certa norma ou interpretação normativa;

No caso, o tribunal recorrido extraiu do artigo 456.º, n.os 1 e 2, do CPC uma interpretação que colide com o decidido no acórdão fundamento;

O plenário do TC, no Acórdão 466/2000, decidiu já que não implicava julgamento divergente sobre a constitucionalidade de uma norma uma decisão interpretativa, mediante a adopção de certo e determinado sentido e uma decisão de inconstitucionalidade parcial que fulminava com inconstitucionalidade a mesma norma interpretada em sentido diverso, tido como violador da Constituição;

Para efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, devem equiparar-se as situações em que o tribunal recorrido aplica uma dimensão interpretativa expressamente julgada inconstitucional pelo TC e aquelas em que, divergindo do decidido em precedente decisão interpretativa, acolhe e aplica um sentido normativo manifestamente colidente com a interpretação conforme à Constituição realizada no acórdão fundamento.

Cumpre decidir.

3 - Como se deixou relatado, interposto um recurso pelo Ministério Público, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, a decisão reclamada não o admitiu por entender que o acórdão fundamento - Acórdão 357/98, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 40.º vol., p. 275 - não julgara inconstitucional a norma em causa aplicada pela decisão impugnada, antes procedera a uma interpretação conforme da mesma norma, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, da LTC.

Fez-se, deste modo, uma interpretação daquele primeiro preceito legal em estrita conformidade com o que literalmente nele se dispõe, ou seja, no sentido de que o recurso aí previsto cabe de decisões "que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou legal pelo próprio Tribunal Constitucional".

E, de facto, o acórdão fundamento invocado não julgara inconstitucional a norma extraída do artigo 456.º, n.os 1 e 2, do CPC.

Aceita-se, contudo, que uma tal interpretação não acautela devidamente a finalidade que se pretende com a previsão daquele meio recursório: evitar que nas diversas ordens jurisdicionais sejam aplicadas normas (ou uma sua interpretação) com um sentido que o Tribunal Constitucional já anteriormente entendera colidente com a Constituição.

Ora, é inegável que, ao proceder a uma interpretação conforme à Constituição, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, da LTC, o Tribunal Constitucional afasta a aplicação da norma interpretada, com sentido diverso, sendo aquela interpretação a única que permite salvar a constitucionalidade da norma; implicitamente, não deixa o TC de fazer um juízo de inconstitucionalidade da norma tal como é interpretada na decisão impugnada e é por isso que esta terá que ser reformada com a aplicação da norma tal como o Tribunal Constitucional a interpreta, em conformidade com a Constituição.

Aceita-se, assim, que, a perfilhar-se a tese da decisão reclamada e salvo se o recurso vier interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, podem ser aplicadas normas, sem controlo do Tribunal Constitucional, com um sentido que o próprio TC afastou já, por ofensa à Constituição, quando procede a uma interpretação conforme, o que não é de admitir.

Seria, aliás, o resultado a que se chegaria no caso, uma vez que não pode deixar de se entender que o tribunal recorrido aplica a norma extraída dos citados preceitos do CPC, com a interpretação repudiada, por inconstitucionalidade, pelo Tribunal Constitucional, no acórdão fundamento, assente num entendimento que é até expressamente criticado pelo acórdão impugnado.

Com efeito, neste acórdão entende-se que a condenação como litigante de má fé pode ocorrer sem prévia audição da parte condenada, sendo "exagerada" a necessidade de ser respeitado o princípio do contraditório quando, como era o caso, os autos revelavam um comportamento censurável da parte ao longo do processo claramente violador dos deveres de probidade, de lealdade e de boa fé, a impor oficiosamente a sua punição como litigante de má fé.

Este juízo é, de resto, antecedido da citação de trechos do Acórdão 440/94 do Tribunal Constitucional (cuja doutrina foi seguida no acórdão fundamento), com a expressa discordância da interpretação nele acolhida.

Ora, no acórdão fundamento, citam-se largos trechos do Acórdão 440/94, nomeadamente o seguinte:

"Definido assim o conteúdo genérico do direito fundamental de acesso aos tribunais, que leva implicada a proibição da indefesa, tem-se por seguro que o regime instituído nas normas do artigo 456.º, n.os 1 e 2, do CPC, quando interpretadas no sentido de a condenação em multa por litigância de má fé não pressupor a prévia audição do interessado em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente sobre uma anunciada e previsível condenação, padecerá de inconstitucional por ofensa daquele princípio Constitucional."

Mas, tal como no acórdão citado, o acórdão fundamento entende que a norma é passível de uma interpretação conforme à Constituição, condicionando o juízo de condenação à prévia notificação da parte para se poder pronunciar sobre a anunciada e previsível condenação; e é esse, formalmente, o juízo que formula.

Fica, pois, claro, que, a não se admitir o recurso, o acórdão impugnado aplicava, sem controlo do Tribunal Constitucional, uma interpretação normativa que este Tribunal não deixara de rejeitar por inconstitucionalidade, com o que se malograva o fim último do recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC.

Defere-se, assim, a reclamação.

4 - Deferida a reclamação e havendo de conhecer de mérito, não se torna necessário determinar a produção de alegações, pois a questão a decidir é simples e cabe nos poderes de cognição da conferência resolvê-la.

Não se vê razões para inflectir a jurisprudência do Tribunal Constitucional firmada, quer no acórdão fundamento (n.º 357/98) quer no Acórdão 440/94, que se dá aqui por reproduzida.

E nem se diga que, atentas a forma de processo em causa (processo sumaríssimo) e a exigência de celeridade, a Constituição não imporia a audição prévia da parte condenada como litigante de má fé.

Com efeito, a relevância constitucional da proibição da indefesa não pode ser radicalmente postergada, como o foi, considerando a forma de processo em causa, sendo certo que a celeridade processual - valor igualmente tutelado na Constituição, mas que não pode restringir desproporcionadamente, ou mesmo anular, o direito de a parte ser ouvida sobre uma anunciada condenação por litigância de má fé - apenas seria afectada em grau muito reduzido com a concessão de um prazo para a parte se pronunciar.

Reconhece-se, assim, que a norma extraída do artigo 456.º, n.os 1 e 2, do CPC, tal como interpretada no acórdão impugnado (a condenação como litigante de má fé não exige a prévia notificação da parte para se pronunciar) viola o direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º da CRP) e o do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP).

Mas, sendo a mesma norma susceptível de outra interpretação que a compatibiliza com a Constituição - e ela é a de que a condenação como litigante de má fé deve ser precedida de audição da parte entende o Tribunal lançar mão do poder conferido pelo artigo 80.º, n.º 3, da LTC e proceder a tal interpretação, como interpretação conforme à Constituição.

5 - Decisão. - Pelo exposto, e em conclusão, decide-se:

a) Deferir a reclamação;

b) Interpretar a norma extraída do artigo 456.º, n.os 1 e 2, do CPC, em termos de a parte só poder ser condenada como litigante de má fé, depois de previamente ser ouvida, a fim de se poder defender da imputação de má fé;

c) Em consequência, conceder provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido ser reformado por forma que aquela norma seja aplicada no sentido que se deixa indicado.

Sem custas.

Lisboa, 3 de Julho de 2002. - Artur Maurício (relator) - Luís Nunes de Almeida - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2068120.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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