Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 262/2002, de 3 de Setembro

Partilhar:

Texto do documento

Acórdão 262/2002. - Processo 72/02. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - 1 - Emílio Rodrigues Leite e Glória Maria de Carvalho Pedrosa, melhor identificados nos autos, requereram, na qualidade de demandados em acção ordinária a correr termos na 2.ª Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, a concessão de apoio judiciário, ao abrigo do disposto no artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, compreendendo a modalidade de nomeação de patrono e de dispensa total de pagamento dos serviços a prestar por este.

O requerimento, subscrito pelos interessados, foi também assinado pelo patrono proposto, que declara aceitar os serviços forenses em questão e, bem assim, que os respectivos honorários fiquem a cargo do Cofre Geral dos Tribunais.

No entanto, por despacho judicial de 18 de Outubro de 2000, indeferiu-se liminarmente o requerido, sob a invocação do n.º 2 do artigo 26.º daquele diploma legal, por se considerar não estarem alegados factos suficientes e conclusivos de insuficiência económica (limitaram-se os requerentes a juntar declaração emitida pela respectiva junta de freguesia "para comprovação da sua manifesta insuficiência económica").

Pretenderam, então, os interessados, em requerimento por si assinado conjuntamente com o patrono por eles proposto, interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o que, por se entender ser obrigatória a constituição de advogado, nos termos do artigo 32.º do Código de Processo Civil, mereceu novo despacho judicial, de 7 de Novembro seguinte, concedendo prazo, de acordo com o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 265.º do mesmo Código, para os requerentes juntarem procuração "a favor do profissional forense que assinou o requerimento de interposição de recurso e, apenas, para tal acto, sob pena de ficar sem efeito tal requerimento e o Sr. Advogado subscritor ser condenado nas custas respectivas (artigo 40.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil)".

Inconformados, interpuseram novo requerimento de recurso do assim decidido, novamente subscrito pelos dois requerentes e pelo patrono que indicam.

Por despacho judicial de 30 de Novembro foi declarado sem efeito o primeiro requerimento, por não se ter junto procuração no prazo concedido, e não foi admitido o recurso interposto pelo segundo requerimento, por falta de poderes de representação judicial.

Em face deste novo despacho, os três subscritores dos anteriores requerimentos reclamaram para o presidente do Tribunal da Relação do Porto, pedindo a admissão dos recursos e arguindo a inconstitucionalidade da norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 32.º do Código de Processo Civil, na interpretação "com o sentido de ser obrigatória a apresentação de procuração forense a favor do patrono em caso de recurso sobre uma decisão de indeferimento relativa ao apoio judiciário pedido para a concessão do patrocínio e dispensa de pagamento dos seus honorários", por violação do disposto no artigo 20.º da Constituição.

2 - O presidente da Relação do Porto, em 9 de Setembro de 2001, não admitiu a reclamação dos despachos que não receberam os recursos, dado os requerimentos de interposição dos mesmos não serem subscritos por advogado.

Na fundamentação da sua decisão observou-se, designadamente, que, "invoque-se a insuficiência económica, invoque-se o pedido de apoio poder ser subscrito por pessoas que não são advogados" o que se discute é a formulação do pedido de apoio judiciário "de forma que o despacho recorrido considera deficiente"; sendo essa a questão, o recurso tem de ser subscrito por advogado.

Para o presidente da Relação não será em sede de reclamação que pode considerar-se a regularização dos poderes forenses. Sendo obrigatória a constituição de advogado para a interposição do recurso, a estratégia processual utilizada não pode ser atendida: "tudo estaria perfeito se os RR tivessem, eles mesmos, requerido a nomeação de patrono forense. Não o fizeram, tendo vindo pedir a dispensa do pagamento de honorários. Ainda que sejam portadores de insuficiência económica, nada obsta a que tivessem outorgado a procuração, conforme ordenado [...]".

Semelhante leitura do disposto no artigo 32.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil conduz a que, inexoravelmente, haja que se observar o preceituado no artigo 33.º do mesmo diploma, que prevê o procedimento a seguir, sendo obrigatória a constituição de advogado, como é o caso.

3 - Interposto recurso para o Tribunal Constitucional pelos reclamantes, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, invocou-se violação do disposto no artigo 20.º da Constituição, dado se ter aplicado no despacho do presidente da Relação a norma do artigo 32.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil com o sentido "de ser obrigatória a apresentação de procuração forense a favor do patrono em caso de recurso sobre matéria de apoio judiciário pedido para a concessão de patrocínio e dispensa do pagamento dos seus honorários".

Recebido o recurso, os recorrentes, em sede de alegações, concluíram assim:

"1.º Os pedidos de nomeação de patrono estão isentos objectivamente de custas até ao seu caso julgado e qualquer que seja o seu desfecho final, por força do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Código das Custas Judiciais, reflectindo a sua importância no acesso ao direito.

2.º O despacho do presidente da Relação do Porto faz equivaler a falta de procuração forense a acompanhar um requerimento de recurso subscrito por advogado e recorrentes, em sede de processo de patrocínio judiciário, à sua não subscrição por advogado.

3.º O artigo 32.º do Código de Processo Civil foi aplicado nos presentes autos com a interpretação de obrigar, pelo seu n.º 1, alínea c), à junção de procuração forense em favor do patrono, que subscreveu conjuntamente com os recorrentes um requerimento de interposição de recurso sobre um despacho de indeferimento liminar do pedido de apoio judiciário para a concessão de patrocínio e dispensa do pagamento dos honorários do advogado que aceitou a indicação feita pelos interessados.

4.º O artigo 32.º do Código de Processo Civil, na parte em questão, deve ser declarado inconstitucional com a interpretação acima referida, por violar o artigo 20.º da Constituição, que assegura o direito fundamental ao patrocínio judiciário nos termos da lei, permitindo esta, relativamente ao apoio judiciário, que a representação do patrono se comprove pelas assinaturas conjuntas dos interessados e profissional forense, artigo 18.º, n.º 1, alínea c), da Lei do Apoio Judiciário.

5.º Tem sido entendido na jurisprudência, por interpretação extensiva do artigo 46.º do Decreto-Lei 387-B/87, aplicável ao caso, que não só o patrono indicado está impedido de aceitar procuração forense, pelo menos até ao trânsito em julgado do indeferimento do pedido de apoio judiciário, como os seus poderes cessam com a emissão de tal mandato a outro causídico, implicando a aceitação de mandato pelo patrono indicado a renúncia ao pagamento de quaisquer honorários ou reembolso de despesas suportadas, durante o patrocínio judiciário, pelo tribunal ou entidade responsável pelo seu pagamento no quadro do apoio judiciário.

6.º Exigir procuração forense ao patrono pretendido até ao trânsito em julgado do indeferimento desse apoio judiciário significará ordenar a violação dos deveres a cargo do patrono e uma proposta imoral de serviços forenses gratuitos, já que a dita procuração inviabilizará o ressarcimento pelo Cofre Geral dos Tribunais no caso de vir a ser dada razão ao requerente do apoio judiciário, pela razão descrita no fim do parágrafo anterior.

7.º Independentemente da aceitação da possibilidade de procuração em favor do patrono durante o processo de concessão do patrocínio judiciário, esta não é obrigatória mas alternativa com a subscrição conjunta, na esteira da jurisprudência do Acórdão 199/99 do Tribunal Constitucional, para comprovar os poderes de representação, no requerimento de recurso."

O magistrado do Ministério Público, por sua vez, contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

"1.º Admitindo a lei, numa perspectiva de simplificação e desburocratização no acesso ao direito e aos tribunais por parte dos economicamente carenciados, formas simplificadas de demonstração da existência de poderes de representação por parte do patrono (proposto e ainda não nomeado) - que se caracterizam pela dispensa da normal constituição de advogado, mediante outorga de procuração forense - é arbitrária e excessiva a interpretação normativa que amplia tal nível de exigência formal a propósito de actos ulteriores e consequenciais à dedução de tal pretensão, não se bastando, para a interposição de agravo do despacho de rejeição liminar do pedido de apoio judiciário, com a forma que a lei (artigo 18.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro) considera bastante para a formulação do pedido: a assinatura conjunta do requerimento pelo interessado e pelo patrono proposto.

2.º Termos em que deverá proceder o presente recurso, por tal solução se revelar colidente com o disposto nos artigos 13.º, 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa."

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II - 1 - Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 32.º do Código de Processo Civil, é obrigatória a constituição de advogado nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores.

Na 1.ª instância considerou-se, por força desse preceito, ser necessário que o recurso da decisão liminar que rejeitou o pedido de apoio judiciário seja subscrito por advogado constituído, o que, no caso, não sucede, uma vez que "o ilustre profissional do foro que subscreveu o requerimento de interposição do recurso não tem poderes (conferidos voluntariamente, por procuração, ou por nomeação judicial) para representar os requerentes".

De acordo com este entendimento, convidaram-se os requerentes a suprir a detectada falta, escrevendo-se, a fundamentar:

"Se os requerentes constituírem o Sr. Advogado subscritor como mandatário judicial para o processo, verificar-se-á uma situação de impossibilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono. Tal representação voluntária pode, no entanto, restringir-se ao recurso interposto (e nada obsta a que seja conferida procuração para o efeito, já que não foi efectuada a nomeação de patrono) e em caso de vencimento daquele recurso, ficará esgotado tal mandato, podendo, caso o incidente seja deferido, o mesmo Sr. Advogado ser nomeado patrono."

Como os interessados reagissem interpondo recurso, a falta de poderes de representação legal dos requerentes do pedido de apoio judiciário foi novamente invocada para a decisão de indeferimento do respectivo requerimento - o que veio a ser reafirmado pelo presidente da Relação face à reclamação apresentada, do mesmo passo se afastando, pretorianamente, a questão entretanto suscitada de inconstitucionalidade.

O objecto do presente recurso é, assim, constituído por aquela norma processual civil, interpretada no sentido de a obrigatoriedade de procuração forense em caso de recurso de decisão que indeferiu liminarmente o pedido de apoio judiciário, compreendendo a nomeação de patrono e a dispensa total do pagamento dos serviços a prestar por este.

2 - Como observa o magistrado do Ministério Público, nas suas alegações, não é obviamente colidente com qualquer preceito ou princípio constitucional a exigência, formulada pela norma sob sindicância, de patrocínio judiciário nos recursos.

O que está em causa no presente caso, é tão só "a determinação do nível de exigência formal que deve revestir a prova ou documentação da existência de poderes de representação processual por parte de quem, sendo proposto como patrono oficioso da parte, vê ser rejeitado o pretendido patrocínio, pretendendo impugnar a rejeição dessa modalidade de apoio judiciário".

A questão coloca-se, assim, em termos de se considerar, ou não, excessiva ou desproporcionada a exigência de necessária outorga de procuração ao patrono (proposto e não nomeado), como condição sine qua non de demonstração da existência de poderes representativos da parte que pretende agravar do indeferimento do pedido de apoio judiciário.

A decisão recorrida consagrou um nível de exigência formal mais rigoroso ao considerar insuficiente a assinatura conjunta pela parte e pelo patrono proposto (mandato implícito), exigindo a outorga de procuração bastante.

3 - O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 199/99 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 6 de Agosto de 1999), considerou não inconstitucionais as normas dos artigos 18.º, n.º 1, alínea c), e 50.º do Decreto-Lei 387-B/87, quando interpretadas no sentido de que o requerimento de interposição de recurso do despacho de indeferimento liminar do pedido de apoio judiciário, deduzido pelo interessado com junção de documento, subscrito por advogado, de aceitação do patrocínio, deve ser assinado pela própria parte e pelo patrono proposto, ou só por este com procuração bastante.

Entendeu-se, então (por maioria), não violar o direito de acesso à justiça o regime jurídico que exige a demonstração da existência de poderes de representação, por parte do patrono proposto, no âmbito do recurso em que se impugna o indeferimento do pedido de nomeação, a coberto do regime do apoio judiciário, por uma de duas formas alternativas: ou a assinatura conjunta do requerimento de interposição do recurso, pela parte e pelo patrono proposto, cuja nomeação fora liminarmente rejeitada pelo tribunal, ou a outorga de procuração bastante.

Aí se escreveu, nomeadamente:

"Como se viu, essa interpretação [ou seja, a que acolheu o sentido de que o requerimento de interposição de recurso do despacho de indeferimento liminar do pedido de apoio judiciário deduzido pelo interessado com junção de documento, subscrito por advogado, de aceitação do patrocínio, deve ser assumido pelo interessado e pelo advogado, ou só por este com procuração bastante] traduziu-se na exigência ou de o requerimento de interposição de recurso, já subscrito pelo advogado indicado pelo interessado, o ser também por este, ou de ser junta procuração forense a favor daquele advogado.

O primeiro termo da alternativa cumpria-se, assim, com a mera assinatura do requerente.

Esta imposição, pela singeleza do seu acatamento - decorrente ou não dos preceitos legais aplicáveis -, não pode considerar-se excessiva ou desproporcionada em termos de coarctar ou dificultar intoleravelmente o acesso aos tribunais, no caso de o interessado ver reapreciado pelo tribunal de recurso o indeferimento liminar do pedido de apoio judiciário.

De resto, se não é limitativa de acesso à justiça a exigência legal de o requerimento inicial de apoio judiciário ser subscrito conjuntamente pelo interessado e pelo advogado indicado, mal se compreenderia que o fosse - independentemente da legalidade da sua aplicação - quando essa exigência se reporta ao requerimento de interposição do recurso.

Não pode, aliás, afirmar-se desprovida de racionalidade a exigência de prova de poderes de representação numa fase processual em que, embora por decisão não transitada, não foi concedido o apoio judiciário, sendo certo que a aceitação por advogado da indicação feita no requerimento inicial só poderá ser atendida com o deferimento do pedido.

E, também, por esta mesma razão, se não vê que o segundo termo da alternativa (junção de procuração) se traduza numa imposição excessiva e desproporcionada violadora do artigo 20.º, n.os 1 e 2, da CRP."

4 - O direito que "todos têm", nos termos da lei, ao patrocínio judiciário, como componente de um direito geral à protecção jurídica (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993,a p. 161), constitucionalmente garantido - n.º 2 do artigo 20.º da Constituição - insere-se na própria noção de Estado de direito.

Como se observou no Acórdão 380/96, deste Tribunal, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 15 de Julho de 1996, as partes, ao recorrerem a juízo para defesa dos seus direitos e interesses juridicamente protegidos, "têm o direito de se fazerem assistir por profissionais do foro por si escolhidos e mandatados, que aí pratiquem, com a necessária competência e serenidade, os actos processuais devidos; que os pratiquem de molde que haja uma boa administração da justiça". Convém que assim seja, não só em nome do interesse público de bem administrar a justiça, como também no interesse das partes a quem, de outro modo, faltariam a serenidade desinteressada e os conhecimentos e experiência que se fazem mister para a boa condução do pleito, como ensinava Manuel de Andrade - Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra, 1993, a p. 87.

No entanto, do facto de as partes terem o direito de se fazerem assistir por advogado não decorre para elas o dever de, em todo o processo judicial, constituírem como seu mandatário um profissional do foro com essa qualificação. A este propósito, ponderou já o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 245/97 - publicado no Diário citado, 2.ª série, de 16 de Maio de 1997 - que "estando em causa questões simples, poderá dizer-se que uma tal exigência [...] por não ser requerida pelo interesse público da boa administração da justiça nem imposta pelo interesse das próprias partes seria - senão de todo injustificada - ao menos, em muitos casos, desproporcionada, apenas servindo para coibir os interessados de recorrerem a juízo para defesa dos seus direitos e interesses".

5 - O jus postulandi do requerente de apoio judiciário que, por alegada falta de verificação dos pressupostos exigidos para accionar este instituto, da respectiva decisão pretende recorrer, é contrariado pela interpretação dada à norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 32.º do Código de Processo Civil, ao tornar necessária a constituição formal de mandatário judicial, impedindo o interessado de se contentar com um mandato implícito, de modo a bastar um requerimento subscrito pelo próprio, conjuntamente com o advogado que vem proposto para seu patrono.

Ora, na disciplina legal do apoio judiciário, tal como fixada está pelo Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, prevê-se que esse apoio possa ser requerido por advogado em representação do interessado, "bastando para comprovar essa representação as assinaturas conjuntas do interessado e do seu patrono", como nos diz a alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do diploma.

É certo que há que articular essa previsão com a razão de ser da obrigatoriedade de constituição de advogado na interposição do recurso. Compreende-se que, por razões de disciplina processual e de garantia, subjectiva e objectivamente pertinentes, de uma organização eficaz e ponderada da defesa dos respectivos direitos e dos subjacentes interesses, seja no domínio da definição dos factos apurados, seja na sua subsunção a um dado enquadramento jurídico, se exija a constituição de advogado na fase processual do recurso.

Será, no entanto, que uma interpretação mais apertada e formal, não se compadecendo com uma manifestação implícita de mandato - que o Código hoje não contempla, ao invés do que sucedia com o texto de 1939 -, será incompatível com a exigência formal e, porventura, excessiva da constituição de mandatário, por via explícita, para se alcançar o pretendido efeito de patrocínio judiciário gratuito? Como sucederá quando o acesso à via judiciária poderá estar comprometido por falta ou insuficiência dos meios económicos para se fazer o interessado representado por um mandatário judicial regularmente constituído, não obstante o respectivo requerimento co-envolver um mandato implícito?

O exercício da advocacia - como este Tribunal já ponderou - não dispensa uma apurada regulamentação, seja em relação às condições e requisitos exigidos por esse exercício, seja quanto ao controlo da sua verificação ou, ainda, na perspectiva deontológica dos respectivos profissionais, facultando o próprio texto constitucional, a estes últimos, liberdade de conformação ao legislador ordinário para impor condições ou limites ao exercício dessa actividade profissional - cf. Acórdão 498/99, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 18 de Fevereiro de 2000.

A necessidade de recurso aos advogados, devidamente inscritos na respectiva Ordem, para efeitos de patrocínio judiciário, pelo menos para certo tipo de processos, assenta, como se escreveu noutro aresto, "em poderosas razões de ordem substancial, visando não só a salvaguarda de interesses de ordem pública, nomeadamente os da realização, da justiça e do direito, mas também os próprios interesses dos patrocinados" - cf. Acórdão 252/97, no jornal citado, 2.ª série, de 20 de Maio de 1997.

Sem prejuízo, se a ninguém pode ser denegada justiça por insuficiência dos meios económicos, como clara e explicitamente consta do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, todos tendo direito ao patrocínio judiciário (n.º 2 do mesmo preceito), retira-se do exposto que, acautelados os interesses de realização da justiça e do direito que só idoneamente podem ser defendidos por profissionais devidamente habilitados e qualificados, a consistência prática do direito constitucional ao recurso, conjugada com essa outra que garanta o acesso à justiça, mesmo que se tenha de recorrer à mecânica do apoio judiciário, mostra-se incompatível com a exigência formal de constituição de advogado para se interpor recurso da decisão que negou aquele apoio na modalidade de patrocínio judiciário, cujo requerimento se encontra subscrito pelo interessado e por advogado, constituindo o que se chama mandato implícito.

Uma tal exigência configura interpretação excessiva da norma processual civil, nesses termos violando as disposições conjugadas dos artigos 20.º, n.os 1 e 2, e 18.º, n.os 1 e 2, da Constituição.

A situação não é, de resto, equiparável à do já citado Acórdão 199/99, na medida em que aí se contemplou a exigência de o requerimento de interposição de recurso, já subscrito pelo advogado indicado pelo requerente, o ser também por este ou de ser junta procuração forense a favor daquele: se, então, não se viu na necessidade de junção de procuração uma imposição excessiva e desproporcionada, violadora dos n.os 1 e 2 do artigo 20.º da Constituição, já por outro lado se não teve como limitativa do acesso à justiça a exigência legal de o requerimento inicial de apoio judiciário ser subscrito conjuntamente pelo interessado e pelo advogado indicado, mal se compreendendo que o fosse, independentemente da legalidade da sua aplicação, quando essa exigência se reporta ao requerimento de interposição do recurso.

No fundo, discutia-se então se, mediante o indeferimento liminar do pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, o respectivo requerimento de interposição do recurso do assim decidido carecia de ser subscrito conjuntamente pelo interessado e pelo advogado que se mostra disposto a aceitar a nomeação ou se exige procuração junta aos autos e ratificação do processado anterior, considerando-se, até por invocação do disposto no artigo 50.º do Decreto-Lei 387-B/87, que para se solicitar o apoio judiciário são suficientes as assinaturas conjuntas do interessado e do patrono, servindo a atendibilidade da indicação pelo requerente do pedido de apoio judiciário e advogado se este aceitar a prestação dos serviços requeridos.

Dir-se-á, por maioria de razão, que se representaria excessiva uma outra interpretação que, como no caso vertente, obrigasse à constituição formal de mandatário judicial.

III - Em face do exposto, decide-se:

a) Julgar inconstitucional a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 32.º do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de exigir a junção de procuração a advogado para interpor recurso da decisão que indefere o pedido de concessão de apoio judiciário, requerido ao abrigo do regime aprovado pelo Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, compreendendo o pagamento dos serviços do advogado, não obstante o requerimento de interposição de o recurso ter sido assinado conjuntamente pelo interessado e pelo advogado proposto para patrono - por violação do disposto, conjuga damente, dos artigos 20.º, n.os 1 e 2, e 18.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República;

b) Conceder provimento ao recurso, determinando-se, consequentemente, a reforma da decisão que não admitiu o recurso daquela decisão.

Lisboa, 18 de Junho de 2002. - Alberto Tavares da Costa - Maria dos Prazeres Beleza - José de Sousa e Brito - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2052177.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-12-29 - Decreto-Lei 387-B/87 - Ministério da Justiça

    Estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda