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Acórdão 6/2006, de 24 de Outubro

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Sumário

Fixa jurisprudência no seguinte sentido: O montante da caução que a parte vencida tem a faculdade de prestar, nos termos do artigo 79.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, para obter o efeito suspensivo do recurso de apelação, deve corresponder ao quantitativo provável do crédito, abrangendo quer a parte líquida quer a parte ilíquida da condenação.

Texto do documento

Acórdão 6/2006

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1 - Relatório

1.1 - Por apenso à acção declarativa de condenação que lhe move Alberto Fernando Florindo de Oliveira e que, sob o n.º 72/99, corre termos pelo Tribunal do Trabalho de Cascais, veio a ali ré Impala Editores, S. A., através de requerimento ajuizado em 18 de Junho de 2002, apresentar «a garantia bancária no valor de (euro) 74645,70, emitida pelo banco BPI e com referência à importância que foi condenada nos autos», requerendo «se julgue idónea a caução ora oferecida».

Notificado para impugnar o valor ou a idoneidade da caução, veio o ora requerido e sobredito autor questionar o valor oferecido, que, segundo diz, «não cobre, como devia, a totalidade da importância em que a ré foi condenada», sugerindo que a assinalada garantia seja prestada pelo valor de (euro) 186142,53, reportado a 30 de Setembro de 2002.

1.2 - Discorrendo que o valor da caução deverá atender não apenas aos montantes da decisão como também à data da sentença e ao tempo entretanto decorrido até à sua efectiva prestação, considerou o Mmo. Juiz que a caução oferecida era insuficiente, visto que não computava, desde logo, os juros incidentes sobre o segmento líquido da condenação e, ademais, ignorava de todo «o montante relativo às retribuições, incluindo férias e subsídios, que se venceram posteriormente à prolação da decisão».

Em decorrência desse entendimento - e por aceitar o cálculo operado pelo requerido -, o Exmo. Juiz fixou o valor da caução em (euro) 186142,53, concedendo à requerente o prazo de 10 dias para a prestar, sob pena de ser fixado ao recurso «o efeito meramente devolutivo».

Irresignado com tal decisão, dela agravou oportunamente a requerente, cujo recurso foi admitido com subida imediata, nos autos e com efeito suspensivo.

Simultaneamente, requereu a prorrogação do prazo para a prestação da caução nos termos ordenados, cuja pretensão, por ter sido indeferida, motivou novo agravo da requerente, recebido em termos idênticos.

Apesar disso - e após vicissitudes adjectivas que não vêm ao caso -, a caução acabou por ser oferecida nos termos fixados pelo tribunal, que a julgou «validamente prestada»: essa circunstância motivou a Relação, sem censura da parte, a julgar extinta a instância do segundo recurso de agravo pela sua superveniente inutilidade.

Relativamente ao primeiro recurso de agravo, a Relação julgou-o improcedente, confirmando a decisão impugnada.

Na parte ora útil, ambas as instâncias entenderam que a caução devia corresponder ao montante líquido da condenação e ao cálculo provável da condenação ilíquida.

1.3 - Continuando irresignada, a requerente agravou continuadamente para este Supremo Tribunal - invocando, e documentando, a oposição de julgados entre o acórdão censurado e outros da 2.ª instância -, do mesmo passo que reclama o julgamento ampliado do recurso, com vista à uniformização da jurisprudência sobre as questões suscitadas nos autos, concluindo do seguinte modo as respectivas alegações:

«1 - Constituindo a sentença, na altura própria, caso julgado, é pelo seu conteúdo que há-de medir-se o valor da caução a prestar e não pela liquidação a que unilateralmente procedeu o A. nos autos.

2 - A não ser assim, prejudicado ficaria o contraditório, porquanto se antecipava, pela actuação de uma das partes no processo, sem decisão judicial, a liquidação pelo tribunal (v. o artigo 2.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

3 - Na decisão proferida nestes autos pelo tribunal, violou-se o disposto nos artigos 83.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho e 806.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil.

4 - Deve julgar-se procedente o recurso, proferir-se uniformização de jurisprudência no sentido referido a seguir e ordenar-se a baixa dos autos à 1.ª instância para os fins convenientes:

'Para a obtenção do efeito suspensivo - artigo 83.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho -, torna-se suficiente prestar caução no valor em que o réu foi condenado, sem acrescer contribuições para a segurança social ou valores a determinar em liquidação de execução de sentença.'» 1.4 - O requerido contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e sustentando que a reclamada uniformização jurisprudencial deverá cingir-se à questão dos segmentos condenatórios a atender para a fixação da caução, sugerindo, neste âmbito, o seguinte entendimento:

«Para que o recurso de apelação, em processo de trabalho, possa ter efeito suspensivo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 83.º do Código de Processo do Trabalho, é necessário que a caução a prestar pelo apelante inclua não só as quantias líquidas constantes da sentença condenatória mas também as quantias a liquidar em execução de sentença, objecto da condenação.» 1.5 - O presidente deste Tribunal determinou que o julgamento do recurso fosse feito pelo plenário da Secção Social, cuja pronúncia se devia cingir, tão-somente, à questão de saber se na prestação de caução a operar nos termos do artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho de 1981 devem ou não ser incluídas as quantias cuja liquidação foi remetida para execução de sentença (em conformidade com o parecer que, neste particular, foi emitido pelo Ministério Público).

1.6 - A procuradora-geral-adjunta pronunciou-se no sentido de ser o conflito jurisprudencial solucionado com a adopção do seguinte entendimento:

«Ao recurso de apelação interposto, pelo devedor, de decisão da 1.ª instância que o condenou ao pagamento de uma quantia líquida e, bem assim, ao pagamento de uma quantia ilíquida, a liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, só será atribuído o efeito suspensivo se a caução a prestar nos termos do artigo 79.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 (artigo 83.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1999 - Decreto-Lei 480/99, de 9 de Novembro) incluir as quantias, correspondentes ao quantitativo resultante do cálculo provável do crédito, cuja liquidação foi remetida para execução de sentença.» 1.7 - Cumprido que se acha o preceituado no artigo 732.º-B, n.º 2, do Código de Processo de Civil, cabe decidir.

2 - Factos

O Tribunal da Relação considerou pacificamente atendível a seguinte factualidade:

1 - O requerido intentou, no Tribunal de Trabalho de Cascais, contra a aqui requerente, a acção declarativa de condenação com o n.º 72/99, de que estes autos são um apenso, pedindo a atribuição de ocupação efectiva e o pagamento de diversas retribuições em dívida, bem como de uma indemnização por danos sofridos, no montante de 5000000$00.

2 - A acção referida no n.º 1 foi julgada em 1.ª instância, tendo sido proferida sentença, em 30 de Setembro de 2001 (fl. 294 a fl. 306 da AO n.º 72/99), a condenar a aqui requerida a dar ocupação efectiva ao aqui requerente, atribuindo-lhe funções compatíveis com a sua categoria profissional e a pagar-lhe:

As retribuições e subsídios vencidos até 30 de Setembro de 2001, no montante de 12915135$00, bem como os vincendos a partir desta data (incluindo férias e subsídios de férias e de Natal);

Os créditos devidos a título de diuturnidades, isenção de horário de trabalho e subsídio por trabalho com monitores vencidos e vincendos até efectivo pagamento, a liquidar em execução de sentença;

2000000$00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;

Os juros de mora, vencidos e vincendos, sobre as quantias referidas.

3 - Da sentença referida no n.º 2 a requerente interpôs recurso em 12 de Março de 2002 (fl. 376 da AO n.º 72/99), oferecendo a prestação de caução para obtenção de efeito suspensivo, nos termos do artigo 83, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.

4 - Em 20 de Junho de 2002 foi junta aos autos uma garantia bancária no valor de (euro) 74645,70, emitida em 17 de Junho de 2002, para efeitos da caução referida no n.º 3.

5 - Por despacho de 5 de Julho de 2002 (fl. 9), foi determinada a notificação do requerido para, no prazo de 15 dias, querendo, impugnar o valor ou a idoneidade da caução, sob pena de, não o fazendo, ser logo julgada idónea a caução oferecida.

6 - O requerido deduziu oposição à caução oferecida, conforme consta a fls. 13 e 14, considerando insuficiente o montante oferecido pela requerente.

3 - Direito

3.1 - A exposição lavrada na rubrica «Relatório» evidencia que a admissão do presente agravo se acobertou no comando do artigo 754.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

É, com efeito, facto adquirido que o acórdão impugnado está em oposição com os acórdãos fundamento de que a recorrente se socorreu para ilustrar a sua tese dissidente.

Ainda assim, essa oposição - porque parcial - não abrange todas as questões suscitadas nos autos, mas circunscreve-se, tão-somente, a uma delas: a de saber se o montante da caução, a processar nos termos do artigo 79.º do Código de Processo do Trabalho de 1981, deve corresponder à importância líquida da condenação lavrada em 1.ª instância ou se, pelo contrário, deve abarcar igualmente as quantias cuja liquidação tenha sido relegada «para execução de sentença».

Esse concreto âmbito do recurso - a balizar a nossa pronúncia - ficou expressamente definido no despacho do Presidente deste Tribunal (fl. 279 v.º), ao determinar que o julgamento respectivo fosse feito pelo plenário da Secção Social.

As teses em confronto perfilham, em síntese, duas orientações antagónicas:

Entende uma delas (sufragada nos acórdãos fundamento) que a caução, a prestar pelo apelante com vista à obtenção do efeito suspensivo do recurso, deve corresponder ao montante da quantia líquida condenatória, «pois é essa que, de imediato, se tornou exigível e cuja mora pode causar prejuízo irreparável ao trabalhador»;

Para outra (seguida nas instâncias e em diversas decisões dos nossos tribunais superiores), a caução deve corresponder ao montante líquido da condenação e ao cálculo provável da condenação ilíquida, pois só assim se garante ao credor «a integral satisfação do seu crédito já reconhecido judicialmente».

3.2 - Como é sabido, o património do devedor constitui a garantia geral do cumprimento das obrigações que o mesmo tenha assumido junto do credor.

Pela sua própria natureza, esta garantia geral reverte indistintamente a favor de todos os credores, sem critério de prioridade ou de excepção.

Por isso, a sua fragilidade é manifesta: em caso de insolvabilidade do devedor, o pagamento dos credores será rateado e proporcional ao montante de cada crédito, perante o valor apurado do activo subsistente.

Daí que a lei preveja a constituição de garantias em sentido restrito, incidindo sobre bens determinados e destinadas a reforçar a eficácia da satisfação dos créditos, certo que as mesmas conferem ao credor beneficiário a necessária preferência no respectivo pagamento.

Nesse caso, a «garantia» traduz-se numa relação jurídica acessória da obrigação principal, que reforça a expectativa do credor relativamente à satisfação do seu crédito.

Essa relação revestirá natureza real ou obrigacional e pode ser constituída pelo próprio devedor ou por terceiro.

A prestação de caução, que se concretiza através de alguma das sobreditas garantias especiais, pode decorrer da lei, de negócio jurídico ou de determinação do Tribunal - artigos 623.º e 624.º do Código Civil -, sendo autorizada ou imposta para assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada (cf. Almeida e Costa, in Direito das Obrigações, Coimbra, 8.ª ed., p. 812).

3.3.1 - No domínio adjectivo laboral (artigo 79.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, correspondente ao actual artigo 83.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1999), a apelação tem efeito meramente devolutivo, sem necessidade de declaração; apesar disso, pode o apelante requerer a fixação do efeito suspensivo, através da prestação de caução por depósito em dinheiro ou por meio de fiança bancária, «da importância em que foi condenado».

Na espécie, a prestação da caução visa uma dupla finalidade:

Por um lado, permitir que à apelação seja atribuído o efeito suspensivo - contra o regime regra plasmado nos sobreditos preceitos -, assim se evitando que o apelado, enquanto credor, possa dar imediata execução ao segmento condenatório vertido na decisão impugnada (como lhe seria facultado pelo artigo 47.º, n.º 1, do Código de Processo Civil);

Por outro, garantir ao credor a satisfação do seu crédito, já reconhecido na sentença apelada, se e na medida em que sobrevive decisão ulterior confirmatória do julgado.

É dizer, em suma, que a caução se destina a garantir o cumprimento, por banda do apelante, de uma obrigação que, não sendo ainda definitiva, já foi reconhecida e afirmada por uma sentença judicial.

Sendo essa a função, no caso, da garantia em análise, compreende-se que o seu correcto processamento imponha:

A necessidade de um juízo judicial de reconhecimento da sua idoneidade (que, no domínio laboral, se circunscreve à suficiência da caução);

A inalterabilidade da garantia, por acção do garante, até à decisão do recurso.

3.3.2 - Está em causa a interpretação do segmento normativo que impõe ao apelante «a prestação de caução da importância em que foi condenado» (itálico nosso).

A divergência das partes, que se estende às diversas decisões judiciais documentadas nos autos, reside em saber - já o dissemos - se o referido segmento deve ser interpretado no sentido de circunscrever a caução ao montante líquido da condenação ou se, ao invés, deve incluir também a sua vertente ilíquida.

Quando a lei proíbe a condenação em objecto diverso do pedido, cominando a infracção com nulidade decisória - artigos 661.º, n.º 1, e 668.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil -, está a referir-se à diversidade qualitativa.

Casos há, porém, em que a disparidade não deriva da «qualidade» mas reside no simples modo como se opera a condenação: é o que sucede quando a um pedido específico corresponde uma condenação genérica.

Sendo de todo evidente que tal situação não configura nulidade decisória, resta saber quando - e em que termos - a lei consente essa disparidade.

Dispõe, neste contexto, o artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redacção aqui atendível):

«Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença ('no que vier a ser liquidado', segundo a redacção actual, introduzida pelo Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março), sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida.» Por sua vez, o artigo 471.º do mesmo Código estabelece como regra a obrigatoriedade da dedução de um pedido específico, só autorizando os pedidos genéricos em casos absolutamente contados.

Há quem entenda, compaginando os dois preceitos, que o tribunal só pode condenar no que se liquidar em «execução de sentença» (ou «no que vier a ser liquidado») quando o pedido tenha sido ou pudesse ter sido formulado em termos genéricos; nos demais casos - que constituem a regra geral -, em que o pedido seja ou devesse ter sido deduzido em termos específicos, o tribunal deverá julgar improcedente a acção sempre que não venha a alcançar os elementos necessários para fixar o objecto ou a quantidade da condenação.

Para outros, sem recusar a validade do confronto entre os dois preceitos, haverá que reflectir, ainda assim, sobre a ratio de ambos e sobre o seu enquadramento sistemático.

O artigo 471.º regula a petição inicial e, situando-se na fase inicial da acção - em que imperam proeminentes razões de disciplina processual -, perceber-se que imponha, como regra, a dedução de um pedido específico.

O artigo 661.º, n.º 2, por sua vez, já disciplina uma fase adjectiva final, subsequente à instrução e discussão da causa, e previne a situação em que se provou a existência de direito, sucedendo apenas que o tribunal se encontra impossibilitado de proferir decisão específica por não ter logrado alcançar o objecto e (ou) a quantidade que corporizam esse já reconhecido direito.

Neste caso - segundo a mesma tese - é de aceitar, por evidentes razões de justiça, que o tribunal se abstenha de absolver o réu - porque demonstrada a existência da obrigação -, muito embora se perceba também a inconveniência - porque arbitrária - de uma condenação quantificada: será então de accionar (também aqui) a regra do falado artigo 661.º, n.º 2.

Como quer que seja - e no que ora releva -, importa reter que o funcionamento dessa regra pressupõe necessariamente, em qualquer situação, - o reconhecimento de um direito - a favor do credor - e a existência de uma obrigação - a onerar o devedor.

E não se duvidará que a vertente ilíquida integra o segmento condenatório da sentença nos mesmíssimos termos em que o integra a vertente líquida.

3.3.3 - Aqui chegados, caberá interpretar o preceito questionado - artigo 79.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 - por forma a saber qual das orientações em confronto se mostra nele consubstanciada.

Interpretar uma lei significa descobrir o sentido que está por detrás da expressão utilizada e, sempre que essa expressão possa conter sentidos diversos, eleger a verdadeira significação que o legislador pretendeu conferir-lhe (cf. Pires de Lima e Antunes Varela in Noções Fundamentais do Direito Civil, Coimbra, vol. II, 5.ª ed., p.

130).

Para tal, deverá o intérprete socorrer-se dos princípios basilares contidos no artigo 9.º do Código Civil.

Partindo da letra da lei, haverá que eliminar, desde logo, aquele ou aqueles sentidos que nela não tenham a menor correspondência.

Mas, como o sentido literal representa apenas o conteúdo possível da lei, torna-se necessário averiguar, de seguida, se ele corresponde efectivamente ao pensamento do legislador.

Nessa tarefa crítica intervêm elementos lógicos, sendo usual cindi-los em elementos históricos, teleológicos ou racionais e sistemáticos.

O elemento histórico pressupõe a análise do preceito por apelo às suas fontes e respectivos trabalhos preparatórios.

O elemento teleológico busca apurar a ratio legis, isto é, o fim visado pelo legislador e as soluções que ele pretendeu alcançar com a norma produzida.

O elemento sistemático pressupõe o apelo a outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma a interpretar e, bem assim, àquelas que regulam os institutos afins, de acordo com a unidade intrínseca que é suposto nortear todo o ordenamento jurídico.

3.3.4 - A mera literalidade do preceito em causa consente as duas interpretações em confronto: não surpreende, por isso, que haja uma total omissão sobre o caminho a seguir para a concreta fixação da caução, no caso de se entender que ela deve incluir a condenação global, incluindo a ilíquida.

Também se não vislumbra que o elemento histórico seja susceptível de fornecer qualquer subsídio válido para o excurso interpretativo que nos propomos.

Já o elemento teleológico, ao invés, pode conceder ajuda importante nessa tarefa.

Com efeito, se a caução se destina, in casu, a garantir ao credor a satisfação do seu crédito, já reconhecido pela sentença apelada, essa garantia só será plenamente atingida se o valor da caução corresponder à globalidade da condenação.

E o elemento sistemático vem reforçar decisivamente esse entendimento.

O Código de Processo Civil - que é de aplicação subsidiária no domínio laboral [artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho] - também normativiza o efeito a atribuir ao recurso de apelação e, bem assim, os casos em que é possível alterar o efeito regra.

Referimo-nos aos artigos 692.º e 693.º desse diploma.

Embora a redacção aqui relevante seja a que precedeu a reforma introduzida pelo já referido Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março, vamos analisar já o regime actual, visto que ali se contêm, na parte ora útil, os mesmos princípios que norteavam o regime anterior.

Seguindo uma orientação que remonta a 1939, a apelação tinha, por norma, efeito suspensivo, sendo que o efeito devolutivo só era (eventualmente) declarado a requerimento do apelado.

Este princípio - com pontual alteração dos casos em que eram consentidos desvios legais - manteve-se até à aludida reforma de 2003, que veio consagrar, como regra da apelação, o efeito meramente devolutivo, ainda que com taxativas excepções ex lege.

Além disso - em decorrência da alteração operada no regime regra -, confere-se agora à parte vencida a faculdade de requerer a fixação do efeito suspensivo, verificados determinados pressupostos e sob a condição de ser prestada caução (artigo 692.º, n.º 3): trata-se de faculdade idêntica, com pressupostos também idênticos, àquela que já anteriormente lhe era concedida, quando a parte vencedora requeresse a atribuição do efeito devolutivo com fundamento na alínea D) do n.º 2 do mesmo preceito (redacção de pretérito).

Do mesmo passo, continua a parte vencedora - como também já lhe era concedido no passado - a ter a faculdade de exigir do apelante a prestação de caução, sempre que não queira ou não possa obter a execução provisória da sentença - artigo 693.º, n.º 2.

É notória, no que aqui releva, a semelhança de regimes entre o Código de Processo Civil e o Código de Processo do Trabalho: a prestação de caução, em qualquer das hipóteses configuradas, visa assegurar o cumprimento da obrigação, sempre que o apelado não possa (ou não queira) executar provisoriamente a decisão sob recurso.

Sucede que, no regime adjectivo geral, a prestação de caução, por parte do apelante, só é consentida se o apelado não estiver já garantido por hipoteca judicial - cf. o mesmo artigo 693.º, n.º 2 (versão actual e de pretérito).

Como se vê, a lei equipara a caução à hipoteca judicial, como garantias do apelado, no domínio da não execução das sentenças condenatórias impugnadas pela parte vencida.

Compreende-se que assim seja, visto que «[a] sentença que condenar o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível é título bastante para o registo de hipoteca sobre quaisquer bens do obrigado, mesmo que não haja transitado em julgado» - artigo 710.º, n.º 1, do Código Civil.

Com efeito, se o credor operar esse registo, mal se perceberia a exigência de outra garantia, no caso, a caução.

Ora, a lei substantiva prevê expressamente, no exacto âmbito do preceito transcrito, a eventualidade de uma condenação em «prestação ilíquida», caso em que «pode a hipoteca ser registada pelo quantitativo provável do crédito» - n.º 2 do mesmo preceito (itálico nosso).

E então, se a lei opera a assinalada equiparação entre as duas garantias, somos a concluir que a unidade do sistema jurídico suporta a interpretação no sentido de que, no caso, o montante da caução deva corresponder ao «quantitativo provável do crédito», abarcando, destarte, a condenação líquida e a condenação ilíquida.

Ademais, é essa a solução que melhor harmonia as decisões práticas: não sendo académico, como sabemos, hipotisar uma sentença condenatória que apenas integre um segmento ilíquido, sempre importaria resolver - na tese contrária - se era lícito ao apelante requerer, nesse caso, a atribuição do efeito suspensivo ao recurso - como a lei lhe faculta - sem prestar caução - como a lei indistintamente proíbe.

3.3.5 - E não se afirme, em contrário, que nada justifica a prestação de caução relativamente ao segmento condenatório ilíquido, uma vez que só o segmento líquido é imediatamente exigível.

À semelhança do que acontece com a parte líquida, também a ilíquida pode ser objecto de execução provisória: a única diferença reside na necessidade de liquidação prévia - que esta última comporta a operar, segundo o regime actual, na própria acção declarativa (artigo 378.º, n.º 2) e, segundo o regime de pretérito, no requerimento executivo (artigos 805.º e 806.º), todas eles do Código de Processo Civil.

Dir-se-á, por fim, que o cálculo provisório do crédito ilíquido, para efeitos de fixação do montante da caução, pode, e deve, ser feito no âmbito das diligências probatórias previstas no artigo 983.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

3.4 - O objecto do recurso circunscrevia-se, como se disse, à questão analisada supra: neste limitado domínio, a recorrente apenas reclamava que a caução fosse fixada no montante líquido da condenação, não produzindo uma concreta censura sobre o cálculo da vertente ilíquida, apesado pelas instâncias.

Rejeitada a sua tese, também o recurso há-de improceder.

4 - Decisão

Em face do exposto, acorda-se, em plenário da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1) Em negar provimento ao recurso de agravo, confirmando-se o acórdão impugnado;

2) Em proceder à uniformização da jurisprudência, nos seguintes termos:

«O montante da caução que a parte vencida tem a faculdade de prestar, nos termos do artigo 79.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, para obter o efeito suspensivo do recurso de apelação, deve corresponder ao quantitativo provável do crédito, abrangendo quer a parte líquida quer a parte ilíquida da condenação.» Custas pela recorrente.

Lisboa, 13 de Setembro de 2006. - Sousa Grandão (relator), Fernandes Cadilha - Mário Manuel Pereira - Maria Laura Leonardo - Manuel Joaquim Sousa Peixoto - Manuel Joaquim de Oliveira Pinto Hespanhol - Adelino César Vasques Dinis - Duarte Soares.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2006/10/24/plain-202762.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/202762.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1999-11-09 - Decreto-Lei 480/99 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo do Trabalho.

  • Tem documento Em vigor 2003-03-08 - Decreto-Lei 38/2003 - Ministério da Justiça

    Altera o Código de Processo Civil, o Código Civil, o Código do Registo Predial, o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o Código de Processo do Trabalho, o Código dos Valores Mobiliários e legislação conexa, alterando o regime jurídico da acção executiva.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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